Still Alive escrita por Jubs Malfoy


Capítulo 10
Me leve com você




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Pai e filha Snape seguiam pela estrada de terra atravessando o condado D’Noir, que havia começado há muito tempo. As terras eram protegidas por encantamentos que impediam a entrada por objetos voadores e aparatação, e Lis agradeceu mentalmente quando o pai pegou o cavalo malhado, carruagens sempre a deixavam enjoada nas poucas vezes em que os avós os visitavam.

Árvores e mais árvores guiavam o caminho para o centro do território, e um grande portão de ferro se abriu para a área da casa, se é que aquilo podia ser chamado de casa, pois estava mais para um castelo. Era enorme, maior ainda que a Mansão Malfoy e, contradizendo o significado do nome D’Noir, era completamente alegre e leve.

A menina quase não conseguiu tirar os olhos arregalados da enorme construção para os jardins, os quais fizeram-na sorrir, percebendo como eram parecidos com os que a mãe fizera em sua própria casa, mas seu sorriso murchou ao lembrar que ela não cuidaria mais das flores perfumadas e coloridas a quilômetros dali.

Latidos soaram ao longe, e mesmo se esticando no lombo do garanhão malhado, não conseguiu ver mais que árvores e arbustos, levando, ainda, uma bronca do pai, que ordenou que ela ficasse quieta ou cairia do cavalo.

Aquelas foram as únicas palavras dele desde que entraram no condado, e seu semblante sério impedia que ela tentasse alguma iniciativa de conversa. À medida que o castelo crescia a seus olhos, Severo tencionava mais os braços nas rédeas, o que a menina imaginou ter a ver com o motivo pelo qual a sua mãe nunca a levou para lá antes.

O cavalo parou em frente da grande porta de madeira de ébano puro esculpida com arabescos e elementos da natureza, inclusive a lua cheia, em destaque, tudo parecia contar uma história. Não demorou muito para que ela se abrisse pela metade, e a menina ficasse novamente embasbacada.

Tudo na sala era de prata ou em cores claras, as cortinas eram finas e diáfanas, mas tecidos pretos ou em um azul profundo faziam parte da tapeçaria e dos móveis. Uma pintura grande retratava um casal jovem com duas crianças: uma menina e um menino. A menina era incrivelmente parecida com Lis.

A pequena Snape vira apenas algumas três ou quatro vezes os avós, mas eles pareciam exatamente como ela se lembrava. O avô, Arcturo, alto e forte, os cabelos na altura dos ombros e grisalhos, era uma figura imponente ao lado da bondosa Constance, que trazia um sorriso suave no rosto.

Nenhum “olá”, abraço ou aperto de mão; e a menina sabia que não deveria esperar por isso. Um aceno de cabeça entre os homens foi o suficiente antes que sua avó lhe estendesse a mão, esperando. Lis virou para o pai, que estava agachado, na altura dela, e o abraçou.

— Pai, eu não quero ficar aqui, me leve com você, eu vou me comportar, prometo — sua voz não era mais que um sussurro, para que apenas ele ouvisse.

Ela percebeu o lampejo de dor que passou em seus olhos escuros antes que ele enxugasse a única lágrima que escorria pela bochecha rosada e com algumas sardas.

— Eu não posso, meu amor. Mas volto logo, prometo.

O coração esperançoso torceu para que “logo” fosse, no máximo, duas semanas, mas algo no olhar dele indicava justamente o contrário. A pequena seguiu, com os olhos, o homem saindo pela porta e então se voltou para o casal às suas costas, para a mão estendida da avó.

Arcturo fez menção de começar a dizer algo, mas os sons de um cavalo parando do lado de fora, seguido de diversos latidos, o interrompeu. A porta se abriu nas duas partes dessa vez, e vinte cães (de caça, percebeu ela) entraram, eufóricos; seus corpos esguios como flechas seguindo para o senhor, abanando os rabos, e ele suavizou um pouco a expressão.

Atrás deles entrou um homem que era uma versão mais jovem do avô, exceto pelo belo sorriso e pelos olhos azuis congelantes, olhos iguais aos dela. Os cabelos negros bem presos em um rabo de cavalo na nuca. Ele parou um instante e olhou da menina para o quadro da família. A compreensão em seu rosto fez a Snape percebeu quem eram as crianças que sorriam para eles.

— Você se parece tanto com ela… Pena que nunca pude ir à Inglaterra te ver.

Ele se aproximou, e fez uma reverência floreada.

— Carlo D’Noir, seu tio e entusiasmado professor de dança e luta.

A menina ficou confusa, mas o seu avô pareceu agradecido pelo filho ter trazido o assunto.

— Sim. Você terá aulas durante o tempo em que estiver aqui. Não sei de onde teremos que começar, mas…

— Eu sei ler e escrever há bastante tempo, senhor, leio livros grandes já. E minha mãe me ensinou um pouco da história da nossa família.

Ele pareceu surpreso, mas se recompôs rapidamente, completando:

— Ótimo. Terá aulas de literatura, história e contas, então. Carlo irá te ensinar as artes da dança e da luta — a menina ficou intrigada com a expressão, e quase não ouviu o que ele falou a seguir — qualquer outra, você escolhe: música, pintura, outras danças, o que quiser — agora ele não olhava mais para ela, e sim para a esposa — leve-a para o quarto e explique como as coisas funcionam por aqui.

As duas deixaram a sala enquanto os homens conversavam. Constance levou a menina por três lances de escada e um corredor enorme. A porta do quarto era simples, mas dava a um espaço de entrada, onde mais três portas esperavam. Uma dava para uma sala com um belo piano negro, de teclas marfim, uma mesa de sinuca, alguns jogos como baralho e xadrez e um cavalete com um quadro e tintas. A avó deu um sorriso nervoso.

— Sua mãe tocava piano e pintava… Não sabíamos se ela ensinou algo a você, então deixamos as coisas antigas dela no quarto. Você pode pedir para aprender mais coisas também…

A outra porta era um quarto de vestir enorme, com espaço para muitas roupas. Alguns vestidos, muito grandes para a menina, estavam lá, mas deixavam muito espaço vazio.

— Aqui você irá deixar suas roupas, sua mala já está ali, veja. Você tem um gato, não é? — a menina confirmou — Marie quase morreu de susto ao vê-lo sair de entre suas roupas.

— Quem é Marie?

— Uma das suas criadas, ora — Lis arregalou os olhos, sem entender — Ah, esqueci que você não é familiarizada com nossos costumes. Você terá duas criadas para vesti-la, banhá-la…

— Eu sei fazer isso sozinha.

— Imagino que sim, mas deve ter alguma dificuldade com os vestidos, são tantos panos… Enfim. Elas cuidarão de você e te farão companhia, já que por enquanto não temos nenhuma criança por aqui, elas geralmente chegam no outono. E você terá uma professora de etiqueta, que a ensinará como escolher as roupas adequadas e como se portar em ocasiões especiais.

— Por que tenho criadas?

— É um costume da família D’Noir não ser cuidada por elfos domésticos. Claro que existem alguns, uma deles sua mãe até levou para a Inglaterra, mas eles fazem somente o papel de limpeza e coisas que exigem magia. O resto é feito por criados, todos trouxas ou abortos. São muito cuidadosos, eles.

Por fim, a avó abriu a porta do último quarto, que era muito mais iluminado que os outros dois, o que aumentou quando ela abriu a porta da varanda. A luz do sol fez os cabelos loiros dela ganharem um tom avermelhado, e Lis percebeu de que parte da família ela e a mãe teriam recebido a cor dos próprios cabelos. Seus olhos eram idênticos aos dela.

Tirando os olhos de Constance, a menina olhou o quarto. Era grande, e tinha uma porta para uma sala de banho e toalete. A cama era de casal, com um dossel de cortina pesada e negra, mas brilhosa. O resto do quarto era em tons claros, e uma estante enorme cheia de livros cobria uma das paredes do teto ao chão, mas sem estar completa.

— Eram todos dela, assim como o quarto. Ela escolheu a tapeçaria também — apontou para a imagem com uma fogueira gigante e mulheres dançando ao redor dela, que cobria a parede oposta à estante — nos fez trazê-la da nossa biblioteca.

A menina quase pergunta “Que biblioteca?”, mas três mulheres apareceram no quarto. Duas eram jovens, e traziam os cabelos amarrados em coques na cabeça, os vestidos simples. A terceira era mais velha, quase da idade de sua avó, e tinha uma postura mais severa em relação às outras. Um senhor baixinho surgiu atrás das três, dando um sorriso.

— Lis, essas são Marie — apontou para a loira de olhos mel — Stefanie — a moça de pele escura e brilhante fez uma reverência — e Amèlie. Elas ficarão responsáveis por você. E aquele é Pífaro, seu alfaiate. Outro detalhe, eles só falam francês, então terá de aprender.

— Mas… eu falo francês desde sempre.

— Ah, então por que estamos conversando em inglês esse tempo todo?

A menina viu a avó se tornar prática, cantarolando ordens em francês para o alfaiate, que começou a tirar as medidas da menina. Lis foi perguntada de suas cores favoritas, e mostraram a ela diversos tecidos. A avó geralmente pedia saias grandes e detalhes, e a garota imaginou se iria parecer um bolo decorado no seu dia a dia.

Após uma hora, todos saíram, exceto sua avó, que continuava a conversar com ela somente em francês:

— Ainda em que seu pai te trouxe nessa época.

— Por quê?

— Porque você terá seu primeiro baile. Embora você seja muito nova, não sabemos por quanto tempo ficará por aqui. Carlo irá te ensinar as danças, uma semana é o suficiente. Aproveite seu quarto. Ah, você pode pedir o jantar quando quiser e comer na sala de jogos. Só jantaremos todos juntos quando seu avô pedir.

E com essa frase, ela fechou a porta, arrastando as saias pelo corredor. Kandle pulou para a cama, se enroscando em um travesseiro e pela primeira vez Lis se sentiu sozinha. Aquele quarto era da mãe dela. Clarissa havia dormido naquela cama e lido aqueles livros. Havia mais de sua mãe ali do que ela jamais teve conhecimento. E, deitando na cama, Lis se deixou imaginar como teria sido crescer e viver ali.


***

Era mais de meia noite, ela sabia disso pois o relógio da torre já havia soado as doze badaladas. Não conseguia dormir naquela cama enorme e macia demais, se sentia sufocada. Agora ela estava em uma poltrona, observando a tapeçaria em sua parede com tanta intensidade que, em algum momento, ela parecia se mover. A menina esfregou os olhos, e olhou de novo, ela ainda estava se movendo, de dentro para fora, e Lis deu um salto e se aproximou.

Era uma passagem de criados, e a ruiva não esperou muito para reunir um candeeiro e novelos de lã para explorar. Ela colocou uma cadeira para que a porta não fechasse e amarrou uma ponta de um do novelos nela, e saindo andando, desenrolando-o. O corredor seguia alguns metros na frente, mas bifurcava em uma escada descendo e uma ladeira subindo. Lis escolheu descer.

A escada dava em vários andares diferentes, para a felicidade da garota, que teria o que fazer em noites como aquela, mas ela continuou descendo, e descendo, até não ter mais para onde ir. O corredor era muito escuro e três portões de ferro, um de cada lado e o terceiro no final, eram extremamente familiares para ela. Masmorras, ela lembrou, viu algumas nos porões da mansão Malfoy, mas essas não cheiravam a sujeira e abandono, mas a medo e sangue.

Uma mancha no chão parecia muito recente e Lis ia examiná-la quando passos leves soaram na masmorra do fundo. O coração da criança começou a acelerar, e ela tentava ouvir mais, mas não escutava nada além do rugido de medo em seus ouvidos. Uma silhueta baixa e feminina saiu de lá, se assustando, também, com ela.

— Menina Lis, o que está fazendo aqui embaixo?

Ela demorou um tempo para sequer lembrar o que significavam aquelas palavras em língua estrangeira.

— E-eu, não consegui dormir. O que tem ali?

— Nada — Marie foi suave, mas firme — vamos voltar para o seu quarto, as masmorras não é lugar para menininhas bonitas de sete anos.

Ela seguiu, com passos rápidos, fazendo a menina quase correr para alcançá-la.

— O que fazem aqui embaixo? Vocês ainda usam elas?

A moça parou abruptamente e a garota esbarrou em suas saias. Ela se abaixou e respirou fundo, olhando para os olhos azuis à sua frente.

— Pessoas más devem ser punidas, pessoas muito más devem ser castigadas e punidas. Seu avô é o responsável pela justiça no condado. Todos nós, criados, temos casas, terras e famílias aqui, precisamos de proteção e ele nos dá, ele pune quem merece, por isso usamos as masmorras. Pode me perguntar mais sobre isso, mas só quando estivermos sozinhas, o Conde não irá gostar de saber que sua netinha está perambulando pela passagem de criados do castelo, então sugiro que não fale sobre isso para ninguém, não enquanto você é apenas uma hóspede cujos movimentos devem ser informados ao Arcturo pela criadagem. Espere ser querida por eles, e então pode perguntar e fazer o que quiser.

A menina apenas assentiu, e a moça tomou isso como suficiente. Elas continuaram pelas escadas, mas parando antes de chegarem ao topo.

— Meu quarto não é por aqui.

— Eu sei, achei que estivesse com fome depois de sua aventura — como se lembrasse algo, a loira tirou um pedaço de giz do avental e deu à menina — imagino que não queira se perder —Lis entendeu a dica e desenhou um triângulo na curva, que significava “cozinha”.

Os dias seguintes passaram relativamente rápido. Os vestidos do dia a dia não eram tão espalhafatosos quanto imaginara, e bastante confortáveis, feitos de algodão. As aulas não eram de todo ruim; sua mãe se portava como uma princesa, e ela sempre copiou seus gestos, andar, postura, o que garantiu diversos elogios da Madame Amèlie. História e o resto eram normais, parecendo com as aulas que recebia em casa, mas havia sempre o melhor momento do dia, o qual ela esperava ansiosamente.

Exatamente quarenta minutos antes do pôr do Sol no primeiro dia seu tio chegou com dois cavalos, o dele e uma égua avermelhada, na qual deixou a menina montar e a ensinou como controlar e cavalgar até que o Sol se fosse, e então, a levou para um salão grande, onde tinha uma grande vitrola, com um alto falante à guisa de idade antiga.

— Treinaremos dança à noite, sempre nesse horário. De manhã te acordarei cedo para correr e treinar luta.

— Cedo quanto?

— Nascer do sol, é assim que eu trabalho. Agora venha, deixa eu te ensinar a posição.

Ela era muito mais baixa que ele, mas Carlo era habilidoso ao ponto de isso não ser um problema. Colocou a mão na pequena cintura e posicionou a dela na outra dele.

— Você precisará acompanhar o seu par, e se ele souber dançar — Ele se inclinou para a frente, fazendo-a recuar um passo — saberá te guiar sem problemas. Mas como nem todo mundo é habilidoso como eu, tente aprender.

Ele a guiou por um tempo, ensinando-a a contagem, e então a mandou fazer sozinha, fingindo estar acompanhada. Lis tentou, e tentou, com a contagem na cabeça (“um, dois, três, quatro, um…”); sempre que ela errava e queria começar de novo, ele dava uma ordem exasperada de que continuasse até acertar.

A menina não aguentava mais, sentia que estava ali há horas e que não ia para lugar nenhum quando o tio levantou e ligou a música com um gesto de varinha, a única vez que ela o viu usar magia, então tomou a posição com ela. A música começou. Era pausada, e ele a guiava, parando quando a música parava. A menina olhava para para os próprios pés e murmurava a contagem.

A música fez uma pausa maior, e ele levantou o queixo dela para os olhos dele, e disse:

— Não conte, escute.

A música ganhou vida ao redor deles, e ela não contou mais. Deixou que a melodia a envolvesse, e percebeu que não era difícil seguir o homem que a girava por todo o salão. Em partes que a música saltava, ele a fazia criar ou seguir passos diferentes, trocando as mãos, girando-a para longe e puxando de volta, deixando-a livre para fazer o que quisesse.

A menina sentia uma euforia no peito, não ligava para o fato de errar o compasso às vezes, nem quando sentia que ia tropeçar no vestido longo, apenas seguia as notas que tocavam de formas tão diferentes, e dançava sem medo, apoiada pelo sorriso de aprovação do tio, que sempre estava lá para mostrar novos passos e giros. A música ficou rápida e ele a girou com a mesma velocidade e a carregou, pousando-a levemente quando a melodia acabou em drama. A respiração da menina estava falha, e seu coração acelerado pedia por mais.

— Gostou? Você dança como a sua mãe. Certeza de que ela nunca a ensinou?

Uma cena voou na mente da menina, de ela mesma, com uns 4 anos, sendo girada pela sala pela mãe ao som de violinos alegres, a única vez que a vira dançar. A menina sorriu, mas deu de ombros, dizendo que não lembrava. Ele a acompanhou até o quarto, se despedindo com uma reverência e avisando que viria de manhã cedo buscá-la para treinar.


***

O tio de Lis cumpriu o que disse, e em todos os dia daquela semana a buscava assim que o sol nascesse, corria com ela pelo jardim, cada dia um pouco mais, e então a treinava. A menina gostava mais da espada, mas apreciava muito as aulas de arco e flecha e facas de tiro, principalmente quando acertava tão perto do centro do alvo todas as vezes.

O resto da aula continuou como sempre, e os professores agora a levavam para a biblioteca para ler grandes volumes da literatura francesa, história ou o que mais eles inventasse. Naquele momento, ela lia algo sobre hierarquias e nobreza quando Marie (que agora era sua grande amiga de assaltar a cozinha de madrugada, após ler um dos livros da estante que era de sua mãe), entrou correndo para buscá-la.

— Menina Lis, venha, está na hora de se arrumar para o baile.

O quarto era uma correria de entra e sai gente com parte do vestido e coisas para arrumar seu cabelo. Depois de uma hora sendo rolada e amassada, ela se sentia exausta, mas tinha que admitir, estava bonita.

Seu vestido era grande e rodado, feitos em tons de rosa pálido, as cores da juventude, segundo a sua avó, e seus cabelos ruivos foram trançados e então enrolado em um belo coque, com um arranjo de flores decorando-o. Com as instruções de permanecer de queixo erguido e rosto sereno, a menina não podia deixar de se sentir uma verdadeira princesa ao se olhar no espelho.

O baile era no grande salão onde sempre ensaiava as danças, e estava cheio de pessoas com roupas coloridas que lhe saltavam os olhos. O arauto a anunciou, e todos pararam para a ver a neta do Conde que ninguém conhecia, a filha da que deixara a casa por um inglês mestiço. Lis escutara essas coisas pelos corredores.

A noite foi entediante. As pessoas a paparicavam, não deixavam que ela comesse, queriam dançar com ela ou que os filhos a levassem para uma valsa, o que resultava em vários pisões em seus pés; lhe faziam elogios na frente do avô, a fim de conquistarem privilégios, e isso lhe dava um nojo que a fazia entender o porquê de sua mãe tê-la mantido afastada de tudo aquilo. Talvez crescer ali não tenha sido tão divertido quanto ela imaginava.

As crianças da sua idade não corriam nem brincavam, eram apenas marionetes grudados nas saias das mães que sorriam e saiam anunciando tudo o que os filhos faziam de bom, quantos instrumentos sabiam e o quanto eram bonitos. O único rosto conhecido era Carlo, mas ele estava cercado de belas moças que Constance empurrava para ele, aparentemente querendo que ele escolhesse uma para casar. Lis entendia, era o único herdeiro homem de tudo aquilo, e não era exatamente novo, ela mesma se surpreendeu de ele não carregar uma aliança e uma dama a tiracolo durante a festa.

Arturo passava a maior parte do tempo sentado ou apenas circulando, conversando e comendo. As pessoas faziam reverências quando ele passava, o olhavam com admiração, não temor. Ele não passou mais do que uns poucoa minutos com ela, e não se incomodou em dançar com mais ninguém que não fosse Constance, a qual estava extremamente bela em um vestido verde e festivo, sorrindo e conversando com todos os convidados e as potenciais esposas para o filho.

Em algum momento da noite, Lis já estava exausta. As crianças de sua idade não estavam dispostas a desgarrar das saias de suas mães para conversar, e ela não tinha mesmo paciência para bebês chorões. Carlo a notou sentada em um canto se enchendo de um bolo enorme de chocolate e se desviou habilidosamente das moças que o cercavam, se aproximando.

Ele tirou o prato da mão dela e substituiu pela dele. Não disse nada ao arrastá-la, não para o centro de dança, como ela imaginava, mas corredor afora, em direção aos fundos do castelo. Quando eles estavam longe o suficiente, ele falou:

— Imagino que não conheça os nossos jardins. Quer vê-los?

A menina assentiu e os dois correram para mais longe ainda da construção. Era como uma pradaria, e flores rosas e perfumadas cresciam à altura de seu tórax quase cobrindo-a por inteiro. Ambos deitaram, sendo engolidos pelas plantas, mas ainda vendo a lua crescente iluminando o céu estrelado.

Um sorriso iluminou o rosto da menina, enquanto uma paz inundava o seu interior. O cheiro das flores era o da sua mãe, o mesmo cheio que a acordava no quarto toda manhã durante aquela última semana.

Os dois passaram alguns minutos conversando, ele contando histórias dele e de Clarissa ali, e então apenas ficaram em silêncio, escutando a música que ainda tocava no baile. Lis não percebeu quando pegou no sono, sonhando com uma menina ruiva dançando com um garotinho mais novo de olhos azuis em meios às flores altas, debaixo de um céu noturno e iluminado.


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