Este ano o natal vai estar cheio escrita por Segunda Estrela


Capítulo 3
Comida e perdão natalino




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Rey tentava ajudar Luke na cozinha, enquanto ele explicava com cuidado como fazer uma torta.

Luke deu de ombros.

— Eu não posso negar. — Riu o senhor, tirando suas luvas de cozinha. — Sabe como é, viver sozinho tem suas vantagens.

— Mas o senhor não recebe muitas visitas?

— Ah, não. As escadas lá têm uns mil degraus sem corrimão. Se muitas pessoas forem, alguém vai cair e me processar.

Rey riu e continuou enrolando uma massa com seus dedos grudando na farinha. Os dois usavam aventais floridos, pareciam pai e filha cozinhando alegremente, e isso passava pela cabeça dela. E ao mesmo tempo em que era doloroso, dava certa sensação de conforto. Todas aquelas pessoas reunidas para as festas, como deveria ser no natal de todas as famílias.

— Eu não sou mais tão bom interagindo socialmente como era. Ano passado eu mesmo comprei meu presente de aniversário. E guardei a nota fiscal caso não gostasse, acredita nisso? — Ele balançou a cabeça, chocado consigo mesmo. — Mas eu tenho uma missão importante, se eu não ficar em casa na frente da minha lareira lamentando minha solidão, quem vai fazer isso por mim?

A garota ficou nervosa, e os cantos dos seus lábios se levantaram em um sorriso desconfortável.

— Estou brincando Rey. — Luke segurou o prato de comida em suas mãos, fazendo uma pausa. — Eu não tenho uma lareira.

Poe veio andando carregando muitos pratos, parecendo quase um equilibrista e interrompendo o momento. Rey agradeceu aos céus por isso.

— Leia disse que eu tenho que procurar os pratos vermelhos de festa, mas todos esses aqui são vermelhos. – Disse ele levantando três conjuntos diferentes de louça.

— Qual você gosta mais? – Perguntou Luke.

— Não sei, as flores me lembram o natal.

O mais velho deu de ombros com um sorriso.

— Então coloca esses.

Poe concordou com a cabeça animadamente e saiu para colocar os pratos. Leia passou por ele e aprovou a decisão sorrindo.

— Rey, querida, você pode ajudar o Ben a colocar as luzes lá fora?

Ela engoliu em seco com um sorriso nervoso.

— Claro, senhora.

Luke deu um tapinha nas suas costas, incentivando-a. Rey pegou as luzes de natal que Leia carregava e foi para o lado de fora. Kylo estava parado com suas botas de couro preto na neve e carregava a enorme escada em seus ombros, como se não pesasse nada. A garota pôde notar que o corpo largo dele enrijeceu com sua aproximação.

— Ei. – Disse Rey a meia voz, passando com seus sapatos velhos afundando na neve.

O rapaz olhou para baixo sem dizer nada, e Rey tentou vencer seu desconforto conforme chegava mais perto.

— Então, vocês sempre colocam luzes no natal? – Era óbvio que a garota estava se esforçando o máximo para quebrar o gelo.

— Minha mãe gosta. – E assim que a respondeu, cerrou os lábios em uma linha rígida.

Ela juntou as mãos, sentindo a textura macia das luvas. Deu para ele um sorriso de canto, desconcertado.

— Bom, vamos colocá-las então. Pode segurar a escada, Ben?

— É Kylo Ren. – Disse, enquanto marchava na direção dela.

Rey inflou o peito, como se estivesse pronta para enfrentá-lo se precisasse.

— Pode segurar a escada, Kylo Ren? — E quando falou seu nome, ela imitou seu tom grave em deboche.

Ele arqueou as sobrancelhas, surpreso que a garota tivesse a audácia de zombar dele. Rey cerrou os dentes e ergueu os ombros em desafio. Kylo Ren, por fim, concordou com a cabeça, botando a escada apoiada na parede.

A moça deu uma última olhada no seu rosto. Então pegou as pequenas luzinhas no chão e decidiu subir devagar, com medo de que ele subitamente a derrubasse. Kylo era tão alto que precisou pisar em alguns degraus antes de ficar maior que ele.

— Procure os pregos e é só prender neles. – Falou o homem com a voz baixa.

Ela decidiu se concentrar na tarefa, mas não desistiu de tentar conversar com Ren. Ficou um tempo em silêncio, ajustando as luzes e tendo total consciência da pessoa com os longos braços em volta das suas pernas segurando a escada.

Na parte dos fundos, bem ao longe, quase no rio, havia uma enorme árvore, com galhos tão frondosos quanto uma casa e uma base tão firme como se feita de tijolos. E bem em cima dos galhos, provavelmente cinco metros ou mais, havia uma casinha de madeira trabalhada como uma cabana de verdade. Possuía uma escada em espiral que subia em volta do tronco, além de janelas e portas delicadas.

Era adorável, exatamente o tipo que existia nos filmes que ela costumava ver, exceto que estava velha. A madeira parecia malcuidada e trepadeiras cresciam pelas paredes. Não dava para dizer muito de onde estava, mas parecia completamente abandonada.

— Que coisa linda, parece saída da Terra do Nunca. Era sua?

O rapaz hesitou antes de responder, sem olhar para ela ou para a casa de madeira.

— Era.

— Seu pai construiu com você? – Tentou Rey de novo.

— Não.

Ela suspirou fundo, era inútil tentar conversar. Talvez fosse mesmo verdade, e ele era só um chato arrogante.

— Eu construí com meu avô. – Quando finalmente falou alguma coisa por ele mesmo, fez a garota suspirar de alívio.

Rey lhe deu um sorriso genuíno. Kylo engoliu em seco e desviou o olhar.

— Você fazia muitas coisas com seu avô?

A moça notou que ele apertou a escada com mais força, seu rosto subitamente distante.

— Ele foi a melhor pessoa que já conheci. Todo mundo o respeitava e era o melhor em tudo que fazia.

Não saberia dizer de onde veio a resolução repentina, de alguma forma, ela se identificava com as palavras do rapaz. Podia não o compreender nem um pouco, mas ouvi-lo era reconhecer um sentimento familiar e não sabia o motivo.

— Eu sinto muito.

— Por quê? – Perguntou ele de súbito e levemente irritado.

— Porque você parece muito mais afetado por isso do que quer que os outros saibam.

Ren lhe lançou um golpe de olhar surpreso. Rey parou de pendurar as luzes e rebateu-lhe com firmeza. Era medo que ela reconhecia naqueles profundos olhos escuros?

Um barulho estrondoso e repentino de buzinas a tirou completamente do foco, tão alto que assustou a garota a ponto de a fazer se desequilibrar e seus pés escorregarem pela umidade da escada. Pensou que ia cair no chão e sentiu o peito gelar um segundo antes de ser abraçada por um corpo enorme.

Olhou para cima assustada, e Kylo Ren estava segurando-a.  Parecia igualmente aflito, olhando para ela sem saber o que fazer. Aquele rosto de feições incomuns a encarava de perto agora, e assim como ele podia notar os lábios delicados e sardas nas bochechas macias da moça, ela via cada detalhe que ele escondia com seu jeito turrão.

— Obrigada. – E ela odiou como sua voz tremulou na hora de falar.

Ele não respondeu nada por um segundo, e Rey imaginou que ele tinha se arrependido e preferia tê-la deixado cair.

— Não... tem problema. – Falou o homem, cerrando os dentes. Uma mecha escura caindo sobre seu rosto.

Talvez teriam continuado naquela posição estranha se Han e Lando não tivessem vindo correndo na direção dos dois, parecendo preocupados.

— Desculpa, eu só queria incomodar o Ben, não te assustar, garota. – Falou Han, arfando.

Ren a colocou no chão o mais rápido que pôde e se afastou.

— Eu estou bem, não foi nada. Be... Ren me ajudou. – Ela deu um sorriso fraco para ele, com a intenção de demonstrar que estava grata, apesar das feições rígidas dele não parecerem satisfeitas.

O garoto imaginou que o pai ia o congratular ou pelo menos dizer algo a respeito, mas não.

— Veja Lando, essa aqui foi de quem eu falei. Nunca vi ninguém consertar um carro como ela. — E falando isso, colocou o braço em volta dos ombros pequenos de Rey.

— Impressionante, ouvi um bocado de coisas sobre você. Vamos ter muito para conversar. – Sorriu o outro homem, o charme de outro tempo ainda piscava no canto do seu sorriso.

Kylo Ren encarou os dois com desprezo, que teria sido claro se qualquer um deles olhasse para seu rosto. Forçou o caminho entre eles e trombou em Rey com certa força, entrando em casa sem nem ouvir as reclamações atrás dele.

— Não vai cumprimentar seu tio, menino? – Perguntou Lando, ligeiramente magoado.

Parte de Rey não compreendeu bem o motivo que ele tinha para sair daquele jeito, mas mesmo assim, de alguma forma, ela sabia que existia uma razão. Talvez ele não fosse apenas um revoltado sem causa. Talvez ele fosse apenas terrivelmente sozinho.

Chewbacca veio carregando muitas malas, levando tudo com seus braços fortes e enormes. E isso foi o suficiente para tirar a atenção dos homens de qualquer chilique de Ben.

— Rey, esse aqui é o Chewie, o homem que eu conheço há mais tempo na minha vida. – Falou Han dando um tapa nas costas do amigo.

Rey sorriu para ele, sabendo que era inútil oferecer sua mão, que ele não conseguiria cumprimentá-la carregando tudo aquilo. Mas ele deixou as malas no chão e lhe deu boas-vindas em língua de sinais, que Rey ficou feliz de entender e de ter aprendido há um tempo. Se sentiu orgulhosa de poder falar com mais uma pessoa daquela família tão cheia e tão complexa.

— Chewie disse que... – Começou Han, antes de ser interrompido pela garota.

— É um prazer conhecê-lo também Chewbacca. – Falou ela, tanto em libras como com sua voz.

Chewie pareceu surpreso, e a cumprimentou com animação. O homem de mais de dois metros tinha nascido com afonia por conta do uso de drogas de sua mãe durante a gravidez. Mas quem o visse, não poderia imaginar que aquele homem que esbanjava tanta força tinha um passado a esconder. Ele não era surdo, apenas mudo, e era bom que houvesse mais uma pessoa para quem pudesse se expressar sem precisar de Han como um tradutor.

— Nossa, o que você não sabe fazer garota? – Perguntou Han, impressionado.

Ela sentiu as bochechas ficarem vermelhas, mas continuava orgulhosa.

— Vem, vamos entrar antes que Leia brigue comigo.

Ela olhou para o trabalho semi-terminado das luzes penduradas na fachada da casa, mas imaginou que ia conseguir convencer Ben a ajudar depois, e se não, Leia conseguiria.

— Eu estava curiosa... – Ela começou, mas não sabia se teria coragem para continuar, parecia pessoal demais.

— O que foi? – Perguntou o senhor com a constante jaqueta de couro e sobrancelhas arqueadas.

— Eu não sei se deveria... - Hesitou um pouco mais, olhando para a grande árvore nos fundos do jardim.

— Fale logo, filha. – Lando a interrompeu, antes que dividisse suas inseguranças.

— Ben era muito próximo do avô dele?

Han pegou uma das malas que Chewie carregava, depois lhe exibiu uma expressão levemente desconcertada.

— Não sei, ele é muito parecido com o avô. Acho que ele foi a única pessoa que entendeu o garoto direito. Mas sabe, não sei se o velho era muito boa pessoa, o cara me odiava de verdade.

Lando riu, concordando. E Chewbacca assentiu com a cabeça levemente.

— Achei que todo mundo gostava dele, pelo jeito que Ben falou.

Han deu uma risada seca, cheia de ironia, que de certa forma lembrava seu filho.

— Uma vez, eu já namorava a Leia, eu tinha tido uns problemas com meu carro. E nós acabamos indo para uma festa juntos com o dela, e ela chegou em casa muito tarde. – Han sorria, apesar de ser uma memória ruim, a nostalgia era deliciosa. – Ele veio batendo na janela quando estávamos nos beijando e disse que precisava conversar comigo. Eu pensei que ia me matar, sério. Leia entrou em casa, e o cara ficou me olhando com aqueles olhos verdes cheios de raiva. Ficou assim por uns segundos, e me disse para não brincar com a filha dele. Olha só, me chamou de escória rebelde e tudo.

Lando ria do lado dele e Chewbacca o acompanhava.

— Bom, depois, assim do nada, pegou a chave e me trancou dentro do carro. Você acredita nisso? Me trancou dentro do carro e só me soltou no dia seguinte. Eu fiquei praticamente congelado lá dentro de frio.

Eles tinham acabado de entrar pela porta agora, mas ninguém veio dar as boas-vindas.

Rey não conseguia evitar a animação, havia algo de muito familiar nessas histórias, e era mais que prazeroso ouvi-las. Seus olhos arregalavam-se e brilhavam com um tipo de admiração tocante. Estava ouvindo um ídolo seu contar sobre seu passado.

— Isso é tão legal, eu queria poder ter histórias de família também. – Em sua empolgação, não percebeu imediatamente o que tinha dito, mas depois ficou completamente envergonhada. – Desculpa, eu não quis dizer isso.

Mas os três homens mais velhos olharam para ela com compaixão, sem se importar.

— Não tem problema. Você quer ouvir mais história depois? – Perguntou o ex-escória rebelde.

Ela sorriu com a proposta, e não poderia parecer mais entusiasmada.

— Finalmente você chegou. – Reclamou Leia, aparecendo no corredor. – Olá Chewie. Olá Lando. – E deu um beijo no rosto dos dois.

— E eu? Depois de tantos anos não ganho nada? - O marido olhava para ela desapontado.

— Você ganha tarefas, vá ajudar o Luke com a comida.

Ele pareceu contrariado, mas seu olhar para a patroa e ex-general era cheio de gentileza e carinho.

Rey sorriu com gentileza, observando a cena contemplativamente, esperando que um dia pudesse ser como eles. Pessoas que mesmo depois de tanto tempo continuavam se amando de verdade.


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Notas finais do capítulo

Me digam o que acharam, ou o que pensam que poderia melhorar. Muito obrigada!
E não sei se dá pra notar, mas o Han preso dentro do carro era pra ser ele preso em carbonita.



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