Fênix Negra escrita por FireboltVioleta


Capítulo 3
Kindermoord




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O vento açoitava as folhas das árvores do bosque.

Uma jovem encontrava-se parada diante da clareira, encarando o céu nublado e acinzentado. Tinha as mãos enfiadas dentro dos bolsos do casaco felpudo, balançando as pernas ansiosamente. Sobre a cabeça, trazia um capuz azul-marinho, que ocultava boa parte de seu rosto, expondo apenas suas madeixas louras.

Rayane Blink ergueu o queixo levemente, lançando um olhar tristonho em direção ao horizonte.

Sabia que era errado.

Mas não havia outra solução.

Era a única forma de salvar Bryan. Prometera aquilo à Mariah, e teria de fazer aquilo, agora que sabia o que estava prestes a acontecer.

Quisera um dia ter algum tipo de coragem, para ousar desafiar a decisão dos Comensais da Morte. Mas, mesmo que a tivesse, jamais conseguiria fazer algo para impedir aquilo. Seria impossível.

Odiava-se por participar daquilo. Porém, não teria nenhuma opção.

— Blink!

Girou os calcanhares, sobressaltando-se. Vislumbrou um homem atarracado aproximar-se dela, com a expressão irritada.

— Rookwood – cumprimentou-o timidamente, abraçando o próprio corpo.

— Está quase pronto – ele franziu a testa – Blackhole mandou lhe entregar isso.

Deu-lhe na mão um frasco pequeno, de conteúdo vermelho-escuro.

— O que é?

— Para o garoto – o Comensal ergueu a sobrancelha – a maldição será definida pela idade do sacrifício – indicou o frasco – faça o bebê tomar isso, e ele não será afetado.

Rayane assentiu, guardando o frasco no bolso da jaqueta.

— Será esta noite? - perguntou, receosa.

Viu o bruxo concordar com a cabeça, espreitando-a de modo intimidante.

— Assim que for feito, teremos dez minutos. Aparate na casa dela, deixe-o lá e volte. Iniciaremos a mobilização assim que terminar – Rookwood suspirou – venha. Já está para começar.

Quis dizer que não queria ver aquilo. No entanto, o medo de represália falou mais forte, lançando Rayane no encalço do Comensal encapuzado.

Depois de cinco anos de procura, finalmente haviam a fórmula arcaica da maldição mais hedionda e antiga da história bruxa.

O kindermoord – a morte dos primogênitos.

Envolvia tanta magia negra, e um ritual tão profano, que só ocorrera uma única vez na história da Humanidade, há mais de cinco mil anos.

Por fim, a Serpente decidira trazê-la de volta – mesmo que em menor escala.

Ambos se aproximaram da parte mais oculta do bosque, onde vários outros Comensais da Morte já se encontravam reunidos.

A garota retraiu-se, atônita, ao focalizar o altar retangular de pedra, erguido no centro da roda.

Atada por cordas, debatendo-se aflitivamente, encontrava-se uma garotinha. Não tinha mais de seis anos de idade.

A jovem sacudiu a cabeça, horrorizada, vendo a criança soluçar angustiadamente, com lágrimas escorrendo pelo pequeno rosto. Amordaçada, a menina não podia fazer com que ouvissem seus gritos.

— Não… não… Rookwood…

— Se deixar a clareira, entenderemos que desistiu – rosnou o bruxo – e ele terá o mesmo destino dos demais.

— Não… não posso… não posso ver… - ofegou Rayane, desolada.

— Então não veja – sibilou Rookwood - mas tampouco fuja.

Choramingando, a moça reergueu o olhar, vendo Andrew Blackhole ladear o altar, munido com um punhal serrilhado em uma das mãos.

Num movimento rápido, Blackhole passou o punhal em sua própria mão aberta, sem demonstrar qualquer expressão de dor. Baixando a mão que acabara de cortar, levou o indicador da outra ao ferimento, recolhendo no dedo um pouco do sangue que se empoçara na palma.

Imóvel e atordoada, Blink apenas observou-o deslizar o dedo ensanguentado sobre a testa da menina, desenhando, sobre sua pele, uma cruz ansata.

A garotinha continuou a se contorcer, apavorada, fitando o punhal acima dela, com absoluto terror no olhar.

— Com o derramamento deste sangue, vingaremos nosso antigo senhor. Com esta maldição, golpearemos nossos inimigos. Com este ritual, exaltaremos a Serpente.

Acovardando-se, sentindo os guinchos da menina lhe atingirem como facas, Rayane ocultou os olhos com as mãos, enquanto ouvia uma arrepiante fórmula mágica, ditada pelo braço direito da Serpente.

Per sanguinem innocentem hostis semen maledictum.

O ar ao redor pareceu condensar-se, fazendo o corpo de Rayane estremecer.

Houve um grito infantil abafado.

O som de ferro traspassando a carne.

E então, o silêncio.

— Está feito! – bradou Andrew.

Os Comensais da Morte exclamaram em sincronia.

Ainda fremindo, a jovem baixou as mãos, recusando-se a olhar outra vez para o altar, temendo que as lágrimas começassem a escorrer.

Manteve o foco nas estrias avermelhadas que deslizavam pela pedra, sentindo vontade de vomitar.

— Pronto – o bruxo falou – pode ir. Vá até Mariah. Você não tem muito tempo.

Rayane recuou, voltando a colocar seu capuz.

Sem perder mais tempo, por fim permitindo-se chorar, finalmente aparatou.

Mariah sobressaltou-se quando a amiga surgiu em seu quarto.

— Rayane!

O rosto da garota estava vermelho e úmido.

— Tome – adiantou-se, dando á mulher o frasco que Rockwood lhe entregara – dê a ele. Está quase na hora.

A bruxa segurou um soluço, baixando a cabeça, abrindo uma pequena manta. Dentro dela, adormecido, um recém-nascido ressonava suavemente.

Ela hesitou ao desarrolhar o frasco, encarando Rayane.

— Ray... – sua expressão destilava uma terrível tristeza – isso podia salva-las... eu... isso é horrível...

A moça balançou a cabeça em firme negação, abalada.

— Não há nada que possamos fazer agora, Mary – ajoelhou-se defronte ao bebê – temos que proteger Bryan.

Viu Mariah engolir em seco, apertando o frasco nas mãos pálidas.

Por fim, a amiga levou os dedos á boca da criança, abrindo-a levemente, e despejando o conteúdo do frasco em sua garganta.

O pequeno Bryan tossiu, remexendo-se por um momento.

E então, dando um longo suspiro, continuou a dormir.

— Deu certo? Ele... ele está protegido?

Rayane se reergueu, indo até a janela do quarto.

— Só o tempo dirá – choramingou, aflita – tem que funcionar. Não aceitei ser recrutada por nada. Não traí minha irmã por nada... eles fizeram o Voto Perpétuo, e não poderão voltar atrás.

Ao longe, vislumbrou uma nuvem negra tomar forma no céu, girando em espiral, tremeluzindo de modo ameaçador. Percebeu pequenos fragmentos nebulosos começarem á baixar, relampejando em direção aos vilarejos próximos.

A maldição fora concluída.

O kindermoord estava prestes a começar.


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