Fênix Negra escrita por FireboltVioleta
Coquelles era uma comuna francesa extremamente pacata e pequena - o que, de certa forma, foi uma agradável surpresa para Nora e Rayane.
— Menos de oito quilômetros quadrados – comentou Nora, relembrando da numeração que havia visto na placa de boas vindas do vilarejo – lugar ideal para passarmos despercebidos.
— È o lugar ideal para qualquer um passar despercebido – corrigiu Hermione, num tom de fria censura – se a pessoa tomar todas as precauções necessárias.
Nora recuou um pouco, lançando um olhar de humor contido para Rayane.
— Me diz uma coisa – cochichou, conforme enredavam-se cada vez mais em meio á pequena comuna – será que ela sempre foi assim?
— Duvido muito – o sorriso de Rayane vacilou – eu a via nas fotos do Profeta Diário, sabe… ela sempre pareceu tão… viva. Tão feliz. Sobrevivente… a recém-casada… a mãe de uma bebê recém-nascida – sacudiu a cabeça – não posso culpá-la, Nora. O sofrimento pelo qual ela passou… qualquer mulher boa e decente também ficaria… assim.
O fato é que mesmos os sussurros penalizados de Blink ainda podiam ser ouvidos pela bruxa cabisbaixa que caminhava adiante.
Hermione suspirou, sacudindo a cabeça.
Ela de fato sentia-se uma assombração, cujo único propósito de ainda permanecer na Terra era o de vingar a morte de todas aquelas crianças.
De honrar a memória de sua pequena princesa.
Sentia-se como um corpo morto, perambulando sem rumo, cujos braços pesavam com o vazio que Rose havia deixado.
Colocou as mãos sobre a cabeça, resfolegando. Não podia se dar o luxo de deixar aquilo voltar a atingi-la outra vez.
— Há uma pensão aqui perto – sibilou, acossando-os para uma das esquinas – vamos pernoitar por aqui esta noite.
Nora esgarçou uma das lâminas da persiana que ocultava a janela, espreitando silenciosamente a ausência de movimento na rua, dois andares abaixo.
Numa tentativa de erguer uma atmosfera mais amigável com seus algozes, a jovem havia se oferecido para revezar a vigília com Rayane, possibilitando que Hermione e Renato dessem mais atenção á outros detalhes mais importantes.
— Só algumas pessoas transitando. Nada anormal – sussurrou para Blink – se eles desconfiaram de alguma coisa… ainda não sabem nossa localização.
Havia um tom angustiado em sua voz.
— Está preocupada, não é? - suspirou a garota, massageando a perna, que ainda se curava da hemorragia – com a sua família… - num movimento gentil, segurou a mão de Nora, afagando-a carinhosamente – eles ficarão bem, Nora. Você ouviu o que Cavallone disse… iremos salvá-los em breve.
Viu os olhos claros de Nora se voltarem em sua direção. Rayane viu um sorriso tímido brotar nos lábios da garota.
— Você é mesmo um anjo… sabia disso?
Segurou uma risada nervosa quando Stuart puxou sua mão, aninhando-a sobre o rosto. Sentiu seu coração saltitar, e sua pele ruborizar em reação ao toque.
— Nora… - suspirou – você….
— Não – cortou-a – eu não quero estragar o que aconteceu entre nós duas… por causa dessa missão suicida. Eu quero… manter isso. Independentemente do que vá acontecer.
Rayane não aguentou, sufocando o riso.
— O que? Acha que vou largar você com Weasley e fugir com Cavallone? - a ideia era tão absurda que a fez lacrimejar de humor.
Nora agarrou-se imediatamente á oportunidade de gracejar, apreciando aquele raríssimo momento de descontração.
— Ah, sei lá – deu de ombros – ele é bem bonito, não é?
De guarda baixa, surpreendeu-se quando Rayane a cingiu pela cintura, mordendo o lábio, como quem reprimia uma sonora gargalhada.
— Você é uma tonta, Nora – guinchou exasperadamente, afagando-lhe o ombro desnudo – até por que o rapaz está mais que interessado… em outra pessoa.
Nora arqueou uma sobrancelha incrédula.
— E você está interessada em alguém, Blink? – provocou-a.
— Talvez… - brincou, dando um beijo suave na testa de Nora – agora vamos parar com as gracinhas. Não queremos deixar aqueles dois com raiva.
Sorrindo, Stuart assentiu, voltando a espiar - juntamente de Rayane – o lado de fora da janela da pensão.
Renato havia percebido que os cochichos descuidados das duas ex-Comensais tinham afetado Hermione de forma extremamente negativa.
Desde o início da viagem, jamais a havia visto tão perturbada.
Após vários dias num torpor de insensibilidade e frieza, a mente da bruxa aparentava finalmente cobrar seu preço, reduzindo-a á um momento único de prostração e lágrimas.
Ela havia acabado de sair do banheiro ao lado do quarto, trêmula e lívida, como um animal arrastado e agredido contra sua vontade.
— Ah, la mia povera dolcezza…- encarou-a, segurando-lhe o queixo – tudo isso está exigindo muito de nós, non è vero?
A jovem ergueu o olhar inexpressivo para ele.
— Foi só uma crise de ânsia nervosa – replicou – já passou.
— Elas foram inconvenientes – titubeou Cavallone, grunhindo.
Hermione piscou, ainda sem esboçar qualquer emoção.
— Não posso julga-las. Eu só ouvi verdades – embora gélido, o olhar de Hermione estremeceu momentaneamente, com algum tipo de angústia velada - eu… já não sou mais aquela bruxa que todos ainda se lembram – acrescentou hostilmente – aquela mulher morreu… no momento em que assassinaram nossas crianças.
Renato resfolegou, ainda abarcando o rosto da moça com a palma da mão.
Num impulso repentino, ignorando toda e qualquer cautela e sensatez, o bruxo inclinou-se, colando sua boca contra a dela, num inesperado e intenso beijo.
Embora uma das mãos tivesse fechado-se em punho, foi a outra que o empurrou violentamente, afastando-o num limite de mínimos segundos.
Cavallone ofegou, sentindo um rubor constrangido queimar sobre sua pele, vendo os olhos dela se anuviarem de cólera.
A palidez havia desaparecido, substituída por um intenso avermelhar enraivecido.
Ele nem fazia ideia do que diabos havia levado-o á fazer aquilo.
— Mi scusi – apressou-se em guinchar, retraído – eu não sei o que… - fechou os olhos com força, balançando a cabeça – foi… um momento de fraqueza.
Os olhos de Hermione rutilaram de modo ameaçador.
— Sim. Um momento de fraqueza – concordou severamente – que você nunca mais voltará a ter.
Ainda perturbado pelo que havia acabado de acontecer, Renato deu as costas, sem conseguir olhar outra vez pra Hermione.
Desta forma, não pôde ver suas mãos pousarem contra o peito, tentando abarcar o hediondo acelerar que aquilo havia causado em seu destroçado coração.
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