Consequências. escrita por MedusaSaluz


Capítulo 9
Esperança?




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Rodeado pelas paredes, que um dia deveriam ter sido brancas, Garfield Logan tinha sua cabeça rodando e doendo como nunca. O lugar que estava era estranho, não só porque era a primeira vez em que estava naquele minúsculo apartamento, mas porque ele não tinha a identidade que ele esperava de sua moradora. Se resumindo a um quarto/sala/cozinha e um banheiro, era mobiliado com um colchão de casal, alguns travesseiros, uma mala de viagem que deveria servir de guarda-roupa, caixas de mudança que não haviam sido violadas ainda, um fogão e um frigobar. O cheiro, ao invés do característico incenso de lavanda que ele esperava, era de cigarros, ele mesmo não poderia identificar quais. E o silêncio, tão inerente a ela, era cortado pelo som do chuveiro.

Estava assustado, havia recebido informações demais em pouco tempo.

A chuva em Londres não era algo novo ou excitante. Deixando a capital britânica mais cinza que seu natural, se manifestava através de pingos grossos que obrigavam a população buscar abrigo, fosse sob a proteção de seus variados tipos de guarda-chuvas, fosse sob as marquises dos prédios. Ravena, enquanto estava como visitante naquela cidade para um encontro marcado com o amigo de Zatanna, não se incomodava com a chuva. Escondendo os cabelos negros sob o capuz, adentrou o “The Devil’s Head”.

A ex-titã estava intrigada sobre o local. Não eram muitas reuniões importantes que aconteciam em pubs. Estranhamente, ela podia sentir energia mágica por todo aquele lugar. A meia luz, sua entrada mal foi percebida por aqueles já presentes no estabelecimento. A decoração era simples, madeira escura compunha os móveis enquanto alguns quadros, aparentemente representando cartas de tarô, preenchiam as paredes.

Sentado em uma mesa no canto, não era difícil localizar a pessoa que viria a ser sua única esperança. Primeiramente porque haviam poucos homens ali, quanto mais homens loiros. E, talvez a característica mais óbvia: ninguém mais estava fumando em um local fechado.

— Então, você é John Constantine. – Disse Ravena, em sua voz rouca, numa altura que só o loiro conseguiria escutar. Ao sentar-se de frente para o loiro, sentiu o olhar dele analisando-a enquanto ela descobria a cabeça da insignificante proteção de seu capuz de moletom. Sentiu a fumaça que ele expirava penetrar-lhe as narinas antes de ouvir a voz do mago pela primeira vez.

— E você é a filha do quatro-olhos. Pensei que Z não confiava em você. – Ravena já deveria saber que alguém com o trabalho dele não seria simpático com alguém como ela.

— Que eu saiba ela também não confia em você. – Isso só queria dizer que ela não tinha a obrigação de ser simpática com ele.

— Touché. – Ele riu, divertindo-se com a resposta da mais nova. Qualquer pessoa que tivesse sarcasmo e problemas de confiança poderia se dar bem com John. - Mas, ela é melhor que nós. Ela me passou sua ficha. Morrendo? – Os olhos azuis dele se encontraram com os falsos azuis dela. Ele tomou um gole do whiskey sem gelo que estava em seu copo, a morte não era um assunto novo em seu trabalho.

— Magia demoníaca me matando de dentro para fora. – Ela especificou, sem mudar seu tom de voz.

— Passei por isso. – Tragou o cigarro profundamente antes de se explicar. - Câncer. – Soltou a fumaça com um sorriso. A história de como o próprio diabo havia retirado seu cancro no pulmão terminal para que ele vivesse mais e pecasse o suficiente para que fosse mandado para o inferno era uma de suas favoritas. - Meu problema só era perigoso para mim, ao contrário do seu. – Ela sabia que ele só aceitara o trabalho porque queria salvar o mundo antes que aquele mal realmente existisse.

— Suponho que não possamos tratar o meu problema como o seu. – Ela disse, sentindo-se cada vez menos confiante e segura naquelas mãos que cheiravam a nicotina.

— Você se engana, Gema. – Com o sorriso ainda em sua face, Constantine soltou uma risada rouca ao ver o apático olhar da mestiça se arregalar ao ser chamada por seu título demoníaco. - Eu leio bastante.

A parte surpreendente de estar no apartamento de Ravena, ou Rachel, o nome por qual ela atendia naquelas circunstâncias, era estar ali. Dentre todos os anos em que se conheciam, ela demorava muito mais do que uma história e uma explicação para permitir que ele penetrasse em seu isolamento. Aquela versão de sua amiga permitia porque, bem... ele não entendia muito bem o porquê.

Ao vê-la saindo do banheiro em roupas normais que qualquer garota usaria para ficar em casa, inclusive com o curto cabelo amarrado, provavelmente para que ele não se molhasse, se pegava pensando que estava grato. Ravena não era ela mesma, mas ainda assim, era alguém. Estava viva e aparentemente com a saúde perfeita.

— Rae, você teve outros, sabe, problemas? – Perguntou, rompendo o silêncio. Estava otimista, mesmo que sua amiga tivesse se transformado em uma universitária problemática.

— Não. – Ela sabia ao que ele se referia. Aquilo só a lembrava que ela não usava seus poderes desde o incidente com Cinderblock. – Suco? – Ele balançou a cabeça positivamente.

Quando ela se virou para alcançar o frigobar, ele conseguiu ver suas costas, expostas pela blusa regata. Lá estava, uma marca semelhante a uma cicatriz, com símbolos entrelaçados que ele não conhecia.

— Selar sua magia não é simples como seria selar a minha. A minha magia só pertence a mim, enquanto a sua é diretamente ligada à sua genética demoníaca. – Dentro da biblioteca gigantesca da Casa dos Mistérios, lar instável de Constantine e o novo lar temporário da filha de Trigon, ambos discutiam e pesquisavam formas de impedir a morte de Ravena e, consequentemente, o fim do mundo como conheciam.

— Que quer me matar e provavelmente um ritual de selamento só irá provocar essa ira genética, que vai acelerar o processo e eu provavelmente morrerei dentro de trinta minutos após o selamento. – Ela completou o raciocínio do loiro. Ele a encarou, a diferença de trabalhar com pessoas que conheciam seu mundo era não precisar ser didático, atividade que o preenchia com um inevitável cansaço. - Eu já pensei nisso e previ esse resultado.

— Claro que previu. Entretanto, eu acho que encontrei uma brecha. – Viu os olhos cor de ametista não mais coberto por lentes de contato se expandirem em esperança. A resposta que ele encontrara, por outro lado, não era uma das mais agradáveis práticas por qual alguém poderia se submeter. - Seu poder é empático, depende do seu controle e das suas emoções. Se conseguíssemos controlar você a ponto de não sentir nada...

— Nada?

Ravena sentiu-se estranhamente insegura em abrir mão de suas emoções. Sua vida inteira passara tentando evita-las pela segurança daqueles ao seu redor. Claro que não era a pessoa mais passional e emotiva que conhecia, mas ela sentia. E desde que havia banido Trigon da terra no que deveria ter sido seu fim, sentia mais. Se permitia mais. Se privar disso de novo lhe trazia medo.

— Não nada. – Tentou amenizar a situação ao detalhar melhor o que aconteceria com ela. Mesmo assim, ele sabia que a noção de dever de sua interlocutora deveria ser maior do que sua vontade de ser plenamente humana. - Você sentiria as coisas e as outras versões de você que vivem na sua mente continuariam acordadas e bem, mas nada se manifestaria na superfície ou através de magia.

— Então seria como aquele pesadelo em que queremos gritar e percebemos que não temos voz? – Comparar as medidas necessárias para conter seus poderes com um pesadelo com certeza não era bom sinal.

— Infelizmente sim, mas somente até encontrarmos uma solução mais apropriada. – Era uma quimioterapia espiritual, matar a maior parte de dela para matar aquilo que estava matando ela, em primeiro lugar. Se fosse qualquer outra pessoa, não cogitariam essa opção, mas nenhum dos dois era o que poderia se chamar de “qualquer pessoa”.

Um tempo de silêncio tomou o local, Ravena sabia que se Constantine tivesse uma opção melhor com o pouco tempo que tinham, ele teria escolhido a melhor opção. A prioridade para os dois era o bem estar daquela dimensão. Daquilo ela não tinha dúvida. Podia confiar em John porque ele era realista e odiava sua metade demoníaca tanto quanto ela. Aquela era a melhor solução, realmente.

Então, como se já houvesse concordado, indagou:

— Como pretende controlar minhas emoções?

— Um ritual antigo e bastante violento. – Não pretendia economizar ao descrever o ritual. Envolvia lâminas, fogo, sangue e magia negra, Ravena deveria se preparar psicologicamente para aquilo. - Se te ligar a mim, posso ser o controle remoto que vai colocar suas emoções no mudo. Não vai ser fácil para nenhum de nós dois, mas não vejo outra solução.

— Se fizermos isso você... – Ela não precisou terminar. Aquilo queria dizer que uma filha de Trigon com seus poderes ilimitados e destrutíveis, teria seu suas emoções e sua magia, consequentemente controlados por alguém que ela não conhecia, de conduta duvidável.

— Eu sei. A Z seria melhor escolha, mas ela acharia isso cruel. Estaríamos deliberadamente colocando você sob um estado depressivo, sem mencionar que passaria por um ritual extremamente doloroso. Sou sua única esperança, vai ter de confiar, Ravena. – Ele não tinha rodeios, se fosse a situação contrária ele também hesitaria.

— Por quanto tempo?

— Indeterminado.

— Isso doeu? – O titã verde perguntou a ela, indicando a cicatriz. Ela fechou a porta do frigobar, com duas latas de suco na mão, percebendo sobre o que era aquela pergunta.

— Sim. – Respondeu, sua voz linear. Ravena se lembrava do sangue e da dor que estava associada a sua ligação com Constantine, também se lembrava de em um segundo não sentir mais a dor em sua pele.

A morena passou a lata de suco para o mais novo. Os dedos de ambos se roçaram na ação. Ele sentiu a eletricidade que se sente ao tocar alguém que não se toca há tempos. Ela, nada. Leu o rótulo, uma versão de Ravena tinha em seu frigobar suco industrializado de lichia, tudo sobre aquela situação era estranho.

— Senti sua falta. – Mutano sorriu para a amiga, recebendo um olhar vazio e de um falso tom azul em retorno. Bebeu um gole do suco de lichia. Era o tipo de coisa que só Ravena gostaria de beber.  - Todos nós sentimos. Temos três novatos, a Ca... – Foi interrompido das novidades porque ela sabia o caminho daquela conversa.

— Moça Maravilha, Superboy e Impulso. Eu sei. E, você não deveria dizer os nomes deles para civis. – Foi então que ela abriu sua própria lata e, olhando para o chão, bebeu um gole.

Garfield Logan sabia que ela sentia, por mais gelado que seu comportamento permanecesse. Não era desacostumado com esse comportamento por parte dela. Claro, que antes era ela mesma tentando conter o que sentia para não ferir ninguém. E... ali também era.

— Por que voltou? – A pergunta deslizou dos lábios verdes.

— Zatanna achou que seria melhor, no meu estado atual, viver, ao invés de ficar sentada na casa dos mistérios, esperando a cura ideal aparecer. – Roboticamente, a resposta foi retrucada, como se ela já tivesse ensaiado o que dizer.

— Não, por que Jump City? Poderia ter ido para qualquer lugar. – Ele não era como Richard. Ele deixava bem claro onde suas perguntas deveriam chegar. Não tinha porque esconder seus objetivos, afinal, ele só queria descobrir se ela ainda sentia.

— É o único lugar que eu conheço. – Automática e direta, pela segunda vez.

— Você poderia ter voltado para a torre. – O metamorfo rebateu. Sabia que alguém que não ligasse para os titãs não teria decorado os codinomes dos mais novos integrantes.

— Eu não poderia. – Ela tomou um gole de seu próprio suco. Garfield não conseguia enxergar muito além do exterior ali presente.

— Claro que sim, você é uma titã, Rae, sempre foi! – Ele se levantou em um impulso que ela já conhecia. Ele provavelmente faria um discurso sem sentido nenhum para convencê-la da importância de ser quem ela era, mas infelizmente, naquele momento...

— Eu não sou ninguém. – Ela disse, olhando para ele, sem dor, culpa ou tristeza. Aquele olhar vazio tirou o titã verde de seu estado motivador.

— Você... – Ele tentou, mas era inútil.

— Eu tenho um nome falso, eu não sinto nada, não tenho família ou amigos de verdade. Eu não sou ninguém, Garfield. – Partes daquelas afirmações eram verdadeiras, só partes.

— Você tem a gente.

— Não mais. – O celular dela tocou, e a ex-titã não se importou de atende-lo, mesmo que interrompesse a conversa com Garfield. - Rose? Oi... Sim, claro. Encontro vocês lá. – Ela desligou o telefonema, encarando o colega em seguida. - Eu vou sair. Peço para que não conte aos titãs sobre mim.  – Ela foi até uma caixa próxima pegar algumas peças de roupas. Garfield não conseguia entender o estado robótico, pelo menos na adolescência ela ficaria furiosa naquela situação, mas ali... nada. - Agora, vou ao banheiro me trocar, espero que não esteja mais aqui quando eu sair.

Observou-a entrar no banheiro e fechar a porta. Deu uma última olhada a sua volta. Não sabia se era possível, mas estava ainda mais confuso do que quando a viu na cafeteria. No entanto, quando seus olhos verdes viram a caixa na qual ela havia tocado segundos atrás, uma pontada de esperança palpitou em seu peito, alimentando sua impulsividade ao rever aquele objeto. Foi então que uma águia verde avançou sobre a caixa e voou através da janela, segurando em suas garras com força, o que poderia ser uma resposta.

Um espelho. Nunca Mais.


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Notas finais do capítulo

Gente gente gente, eu não desisti!!!
Meu tempo infelizmente é limitado, mas tardo e não falho!!
Muito obrigada pelos comentários e incentivos ♥
Espero que tenham gostado!!



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