A Criança Pesadelo escrita por Lirah Avicus


Capítulo 4
Santo Deus




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Thomas Gregson estava se sentindo bem. Entrando na Scotland Yard pela porta da frente, deixando para trás a agitação das carruagens e coches, e cumprimentando a todos por quem passava, era aparente o quanto se sentia bem. Isso era visível especialmente em suas roupas. Estava de casaco escovado, camisa passada, gravada engomada, sapatos lustrados. Nem parecia que estava indo trabalhar. Acenou para seus colegas de trabalho, mas seus olhos procuravam por outra coisa. Outra pessoa. Outro detetive.

Avistando-o, alargou o sorriso. Caminhou até seu objetivo, sentou-se, cruzou as pernas e começou a balançar a perna livre. Queria chamar a atenção.

Frederick Abberline estava ocupado. Sentado em sua mesa, cercado por papéis e pastas cheias de papéis, parecia mesmo ocupado. Lia tudo o que vinha em suas mãos, e fazia anotações curtas em sua caderneta de capa de couro. Completamente absorto em seus pensamentos, não notou logo Gregson cantarolando ao seu lado.

Gregson ficou frustrado. Seu cantarolar não funcionou. Nem sua perna inquieta. Apelou para limpar a garganta ruidosamente, e precisou fazer isso mais de uma vez para que o colega percebesse sua presença.

Abberline ergueu os olhos. Soltou um suspiro cansado, e lutou bravamente contra a vontade de revirar os olhos com tanta força que acabaria enxergando o próprio cérebro.

—Gregson... — ele disse. — Perdeu algo na minha mesa?

—Bom dia, Frederick. — disse Gregson animadamente. — Lindo dia hoje, não?

Frederick fez seu rosto desanimado. Fato é que o ânimo excessivo de outros pode desanimar os que não os acompanham.

—Não sei. — ele respondeu. — Por quê?

—Ah, amigo... Não sabe as boas notícias que trago comigo... Chego a ficar preocupado com seu bem estar, pois, se eu lhe contar, cairás da cadeira.

—Que tragédia... — a falta de entusiasmo na voz de Abberline era palpável. — Por que não me conta de uma vez e acabamos com isso?

—O caso Watson está resolvido! — Gregson abriu os braços, orgulhoso demais de si para notar que Frederick franzira o nariz. — Nosso trabalho acabou. Bem, só falta pegarmos o meliante e livrarmos a criança.

—Caso Watson? — Abberline fingiu pensar, batendo sua caneta na mesa. — Ah sim, fala do meu caso Watson?

Gregson fez um gesto lânguido.

—Meu caro amigo, não é vergonha nenhuma reconhecermos que precisamos de ajuda de vez em quando.

—Eu sei disso.

—Então fique alegre! Resolvemos o caso para você!

Abberline reclinou-se na cadeira. Por algum motivo, agora, ele sorria.

—Resolvemos? Quem mais te ajudou nesta resolução heroica? E em tempo recorde, devo dizer. Vocês merecem uma medalha. Quem mais te ajudou? Lestrade é meu chute inicial.

—Bem... — começou Gregson, repentinamente incomodado.

—Pensei que tinha sido claro de que não queria vocês dois se intrometendo no meu caso, e que não queria que levassem... Ah sim, vocês levaram o Dr. Watson com vocês, não levaram? Pensei também ter dito para não o envolverem.

—Veja bem...

—E eu também pensei ter dito para não me seguirem, o que provavelmente vocês também fizeram. — Abberline se inclina na direção de Gregson. — A desobediência de vocês é digna dos moleques de rua. Foram ao Serpentine? Ainda estava chovendo? O que encontraram lá com seus olhos detetivescos mágicos que meus olhos comuns não conseguiram enxergar?

—Não precisa ficar com raiva...

—Com raiva? — Abberline levanta as sobrancelhas, soltando uma risada. — Não estou com raiva, Gregson, você nunca me viu com raiva! Lestrade eu até entendo, ele conhecia a menina e com certeza se preocupa, Watson eu também entendo, ele é o pai, ora, vai se intrometer o quanto puder, e eu não o culpo, mas você... — ele aponta ameaçadoramente o indicador na direção de Gregson, que se afasta. — Está nisso pela mídia.

—Não seja ridículo! — o homem rejeitou a ideia com uma sacudida de cabeça.

—Eu vi você mandando um telegrama para aqueles porcos da Strand, e se acha que não notei sua roupa engomada, uma vez que você sempre vem trabalhar como se planejasse pedir esmolas após o expediente, então você está me subestimando.

—Isso é um absurdo, é o desaparecimento de uma criança!

—E uma bela primeira página para você. Devia se envergonhar, está desperdiçando o seu tempo, e pior, está desperdiçando o meu tempo, e a menina ainda está sumida! O que descobriu? Hein? Que foi um mendigo? Algum em especial para procurarmos no East End, presumo, lá tem mendigos aos baldes, você pode escolher à dedo.

Gregson não respondeu imediatamente. Encarou Frederick, suspeitoso.

—Você falou com o Holmes? — arriscou. Abberline ficou alguns segundos em silêncio, processando aquela pergunta. Daí, caiu na gargalhada. Gregson emburrou. — Você devia ter mais respeito, sabia? É muito feio rir de um colega. Ora, vamos, pare com isso, do que você está rindo?

—Sua anta...

—O quê?!

—Você não serve para isso, Gregson. Nem sei como se tornou detetive, isso sempre me pasma.

—Você está me ofendendo.

—E eu devia mesmo, considerando sua inépcia em perceber quando é ludibriado. — Frederick coçou o queixo, parando de rir. Encarou o colega. — Sherlock Holmes te enganou. E você caiu. Aposto que Lestrade caiu também. Nenhum mendigo raptou a criança, homem, ele só quis se livrar de vocês dois para poder investigar em paz. — ele volta a olhar alguns papéis. — Sinceramente, eu devia ter feito o mesmo. — ele levanta os olhos para o colega, sorrindo maldosamente. — Ele te deu um retrato falado, não deu?

—Chega. — Gregson se levanta, saindo furioso. — Vocês dois deviam montar uma agência só de vocês!

Frederick o observa caminhar, daí se levanta, guardando alguns papéis numa pequena mala. Ergue o rosto para o colega, levantando também a voz.

—Se algum repórter, Gregson, aparecer na minha frente hoje, eu vou fazer a sua caveira e farei o possível para que seja manchete em toda Londres!

Gregson se volta para ele, horrorizado.

—E o que vou dizer para eles?

Abberline deixa o queixo cair.

—Desgraçado, então você os chamou mesmo!

Gregson abre os braços, derrotado.

—E o que eu vou dizer?

—Eu não dou a mínima! Isso é problema seu e só seu! — Abberline passa por Gregson, ainda arrumando sua mala.

—Aonde vai?

Frederick não para de andar, e começa a descer as escadas.

—Use seu incrível faro de detetive e pense: o que faz uma mulher raspar a cabeça?

***

A Sra. Hudson preparava o desjejum e conversava consigo mesma. Fazia isso sempre que se sentia confusa, irritada, ou ambos. No momento ela estava confusa. Isso por que já era a terceira vez que ela preparava o desjejum... Naquela manhã.

—Ora não come nada... — murmurava. — Agora não para de comer... Criatura estranha!

Ela colocou os pãezinhos, o bule com chá incandescente e uma tigela com biscoitos sobre uma bandeja, caminhou para fora de sua cozinha e subiu as escadas com cuidado. Encontrou uma porta fechada, e bateu com certa dificuldade. A porta se abriu numa fresta. Sherlock Holmes olhou para a Sra. Hudson, olhou a bandeja, esticou o braço e pegou-a com cuidado.

—Obrigada, Sra. Hudson.

—Está com muita fome, não? — ela começou. — O que aconteceu para você...

—Tchau, Sra. Hudson.

Ele fechou a porta, respirando fundo e caminhando até sua cozinha, colocando a bandeja ao lado da anterior, já vazia. Sentada em frente às três bandejas estava a mulher de cabeça raspada, devorando mais um pãozinho com manteiga como se este fosse o primeiro e o último que comeria. Parecia que sua fome jamais seria saciada.

—Melhor você se conter com apenas mais este desjejum. — ele disse. — Não poderei pedir mais nada sem despertar a suspeita da minha senhoria... Ninguém come tanto sozinho... Bem... Ninguém além de você, visivelmente.

Ela o olha, ficando assim alguns momentos, daí percebe a bandeja cheia e começa a atacá-la também. Holmes senta-se em frente a ela, observando-a comer. Bate os dedos sobre a mesa, pensativo.

—Preciso saber mais sobre você. — disse finalmente. — Quero que me diga seu nome. — a mulher não o olhava, apenas continuava comendo. Holmes cerrou os olhos. Pegou o pãozinho das mãos dela, afastando também a bandeja. — Escute bem, aqui não é um asilo, se quer ficar tem que me dar algo em troca. Quero informações. Você não está falando, e sei que não fala há muito tempo, mas você é plenamente capaz de falar. Qual o seu nome?

Ela ficou calada. Encarava-o estática. Ele deu de ombros, levantando-se fazendo menção de levar a bandeja consigo. A moça se agitou.

—Vee.

—O quê?

Ela aponta para si mesma.

—Vee.

—Nenhum sobrenome?

Ela faz que não. Baixa a cabeça, olhando para as próprias mãos sobre o colo. Holmes respira fundo, daí coloca a bandeja de volta na mesa. Imediatamente a moça volta a comer.

—Vee... — ele murmura. — Eu vou ter de sair. — diz em voz normal. — Quero que fique aqui e não permita que ninguém perceba sua presença. Pode fazer isso?... Olhe para mim. — a moça obedece. — Sempre olhe para mim quando eu falar com você. Entendeu? — ela faz que sim. — Ficará bem aqui sozinha? — nova afirmação. — Excelente. Eu não me demoro.

Ele se levanta, pegando seu casaco, saindo e fechando a porta.

Ela observou-o sair. Ficou algum tempo inerte, olhando ao redor. Daí se levanta, levando consigo a tigela de biscoitos. Vai até o quarto de Sherlock, abrindo o guarda-roupa. Entrando nele, fecha a porta.

***

Um coche cruzou as ruas estreitas e poeirentas de Londres. Dirigia-se para a região sul da cidade, num trajeto que partiu desde a Scotland Yard, cruzando a Lambeth Bridge e seguindo para baixo, num percurso que durou mais de uma hora. Quando o coche finalmente parou, Frederick Abberline não sentiu vontade de descer. Na verdade, sentiu vontade de pedir para que o cocheiro retornasse por onde tinha vindo. Olhando pela janelinha do coche, não sentiu-se bem. Mas desceu. Relembrou o que estava fazendo ali, e qual era seu objetivo, e desceu, permitindo que o cocheiro seguisse seu caminho.

Abberline ajeitou seu casaco longo e preto, apertando a alça de sua mala entre os dedos. Diante dele estava uma construção imensa, imperiosa, que lembrava a casa de campo de algum membro da Família Real.

Bethlem Royal Hospital. Chamada pelo povo londrino apenas de Bedlam, um trocadilho maldoso com seu nome real, era mais antiga casa de Orates do mundo. Para Abberline, era apenas um manicômio. Ele andou para dentro dos portões de metal bordado, cruzando com alguns enfermeiros que o olharam de modo curioso, subiu as escadinhas que levavam à porta de entrada, e entrou. Vendo-se dentro da instituição, caminhou até a recepção, que mais era uma pequena mesa onde uma enfermeira velha e cansada o olhou de modo desinteressado.

—Posso ajudar, senhor?

—Sim, sou o Det. Frederick Abberline e estou sendo esperado.

A mulher teve um sobressalto. Tímido e acobertado de propósito, mas perceptível para um detetive. Ela sorriu de modo forçado, olhando para detrás do detetive e acenando para alguém. Abberline se virou, vendo que um médico aproximava-se. Era um homem jovem, limpo e bem barbeado, que usava jaleco branco e fumava um cachimbo de cheiro agridoce. Este postou-se em frente a Abberline, cumprimentando-o.

—Detetive Abberline, seja bem vindo ao Bethlem. Sou o Dr. Isaiah Gunn, e o acompanharei.

—Muito prazer, doutor. — os dois se afastam, caminhando. — Não pretendo demorar. Não atrapalharei mais que o necessário.

—Não atrapalhas de forma alguma. — disse o médico, e sua tinha algo de artificial. — Qual o seu interesse no Bethlem?

—Estou no meio de uma investigação, e certas provas me trouxeram aqui.

—Quais provas? — o médico virou-se para Abberline, que não respondeu. Ele encarou o detetive mais algum tempo, como que esperando uma resposta tardia. Não obtendo o resultado desejado, voltou a caminhar. Estavam num dos muitos corredores brancos da instituição, onde enfermeiros passavam o tempo todo, sozinhos ou com pacientes. O Dr. Gunn sorriu. — És extremamente resistente à sugestão, detetive. Isso é uma qualidade rara.

—Eu gostaria de visitar a ala feminina. — ele disse, sem rodeios.

—Por quê?

—Houve alguma fuga recente do hospital?

—Nada que não tenhamos resolvido.

—Qual é o procedimento?

—Para quê?

—Fuga.

—Temos homens treinados para conter e retornar qualquer paciente que venha a escapar. Mas isso raramente acontece, temos uma política de segurança muito severa. Alguns destes pacientes, infelizmente, podem representar sério perigo contra a equipe médica. Temos de ser precavidos.

—Com certeza. — Abberline observava tudo ao seu redor com atenção. — Vocês se utilizam de mão de obra externa?

—O que quer dizer com isso?

—Pedem ajuda a pessoas de fora caso algum paciente fuja?

—Não. — o médico parecia aborrecido. — Há algum motivo para estas perguntas?

—Conhece estes homens, doutor? — Abberline mostra as fotos dos homens assassinados no cabaré.

O doutor olha as fotos, colocando as mãos no bolso.

—Não. Deveria?

—Talvez... Eles me trouxeram aqui, indiretamente.

—O senhor não estava investigando o sumiço de uma garotinha?

Abberline encarou-o, escondendo seu espanto com aquela pergunta. Recompôs-se rapidamente, guardando as fotos em sua mala.

—As mulheres internadas aqui raspam a cabeça?

O Dr. Gunn levanta uma das sobrancelhas.

—O senhor tem alguma ideia do que se faz aqui, detetive?

—Tenho certeza de que o senhor me dará alguma.

—Nós cuidamos dos pacientes. Importamos-nos com eles. Não os tratamos como animais numa jaula, lhes damos tratamentos modernos que visam diminuir seu sofrimento e lhes dar uma vida que seja, senão boa, ao menos tranquila.

—Impressionante, especialmente para um lugar que costumava vender ingressos para que visitantes viessem e cutucassem os loucos com uma vara longa.

O Dr. Gunn baixa o olhar.

—Este é um passado obscuro, uma mancha que temos de carregar. Mas isso não quer dizer que não possamos evoluir e mudar. Hoje tratamos os doentes com dignidade. Nosso médico-chefe, o Dr. Hyslop, faz questão de que haja uma aura de respeito nesta instituição.

—Isso não responde minha pergunta.

O doutor abre um sorriso.

—Por que o interesse?

Gritos chamam a atenção de Abberline. Um paciente se descontrolou à alguns metros de onde os dois conversavam. Ele gritava e esperneava, tentando alcançar algo no teto, enquanto quatro enfermeiros seguravam-no, até que um quinto injetou-lhe algo que acabou por adormecê-lo.

—Os homens têm a cabeça raspada... — ele comenta.

—Proteção contra piolhos. — diz o Dr. Gunn. Abberline o encara, pensativo.

—Mulheres pegam piolhos, doutor? — Os dois se encararam algum tempo. Estudavam-se, e faziam isso num silêncio opressor. Abberline foi o primeiro a falar. — Estou sim no caso do sumiço da menina, doutor, assim como estava no caso de sumiço de William Byers e de Barbara Holland. Sempre me perguntei por que chamaram um médico psiquiátrico para ser o consultor na investigação promotorial... Foi quando percebi que o médico chamado para consultoria não era ninguém menos que seu médico-chefe. — Abberline tira uma folha amrelada de sua bolsa. — Dr. Theophilus Bulkeley Hyslop. Ele foi consultor nos dois casos, a pedido da Promotoria, e estranhamente os dois casos foram encerrados antes mesmo de serem estudados por um juiz, como aqui mesmo diz: “Por falta de provas convincentes.” Esse veredito bloqueou novas investigações, e atou minhas mãos. Agora que retornei a um caso de uma criança desaparecida, cá estou eu novamente. E eis que descubro que a Promotoria está novamente pedindo a adição do Dr. Hyslop para que ele dê seu parecer sobre o caso. — Abberline faz sua voz sarcástica. — Não sabia que ele tinha afeição por assuntos policiais. Por algum motivo muito curioso este hospital surge como um nome constante sempre que me aproximo destes casos.

—Não esta achando que estamos de alguma forma...

—Eu não acho, doutor, eu me apoio em fatos.

—Se nossa instituição sempre surgia em suas investigações por que o senhor não apareceu antes?

—Eu era jovem. Tinha uma reputação para construir. Não me atreveria a fazer qualquer acusação sem provas suficientes. Mas agora é diferente. — Abberline fecha sua mala. — Vai me ver mais vezes, doutor. Tenha um bom dia.

Abberline sai andando, retornando pelo corredor por onde viera, quando uma enfermeira de meia idade vem andando em sua direção.

—Detetive Abberline?

—Sim?

—Tem um menino maltrapilho na entrada dizendo que foi enviado para falar com o senhor.

Abberline segue a mulher. Chegando na entrada, avista o menino do lado de fora, nas escadinhas. Frederick caminha até ele.

—O que foi, menino?

O menino era baixo, mal vestido, e tinha o rosto coberto de fuligem. Tinha cabelos cacheados por debaixo da boina que usava. Ele tirou um pedaço de papel do casaco.

—Mensagem da Scotland, senhor.

***

John Watson acordou lentamente. Abriu os olhos, soltando um gemido de protesto. Ainda estava tonto de sono. Suas articulações doíam. Ele se levantou, olhando pela janela. Ainda era noite, e estava nevando. John tentou se lembrar de algo que ocorrera no dia anterior, qualquer coisa, mas sua mente estava vazia. Assim como seu estômago. Estava morrendo de fome.

Ele colocou os pés no chão ainda sonolento. Soltou um som de susto. Olhou para baixo para ter certeza. O chão estava molhado.

John colocou-se de pé, andando pé ante pé, imaginando o que poderia ter acontecido para o chão estar tão úmido, e foi até a janela. Tudo estava escuro. Nenhuma luz de poste estava acesa. E nevava. Aquilo tudo, para John, pareceu muito familiar.

A luz de seu quarto começou a piscar. John olhou para cima, vendo a pequena lâmpada forcejando para acender. Ele baixou o olhar, estranhando tudo aquilo. Havia algo errado. Era tudo muito escuro. Escuro demais. Decidiu sair daquele quarto. Caminhou para fora dele, mas ao chegar ao corredor, sentiu-se ainda mais estranho. Algo estava muito errado.

—Sra. Hudson? — chamou. Sem resposta. John sentiu-se tonto, como se estivesse prestes a cair. Ele cambaleou para trás, sacudindo a cabeça, procurando voltar a pensar direito. Ao abrir os olhos, foi sacudido por um tremor repentino.

A porta estava de ponta cabeça. Assim como o aparador. E a lâmpada do corredor estava a seus pés. John começou a recuar, seu coração batendo como um tambor. Ele retornou ao seu quarto, tropeçando na porta que também estava invertida e caindo deitado para dentro do quarto. Ele arrastou-se para dentro, vendo a cama colada ao teto, assim como todos os outros móveis.

—Meu Deus... — ele tapou os olhos com as mãos. — Meu Deus... Meu Deus... Meu Deus...

Uma luz inseriu-se entre seus dedos. Uma luz amarelada, calma. Quente. John tirou as mãos do rosto, e viu-se de pé no quarto. E tudo estava normal.

—Você chamou, querido? — disse a Sra. Hudson, na porta. John virou-se para ela, trêmulo. — Você está bem?

—Sim... Sim! — ele esfrega os olhos, respirando profundamente. — É só que... Estou faminto.

—Oh... — a Sra. Hudson sorri. — Espere que já lhe trago seu desjejum.

John viu-a sumir no corredor, e voltou a observar o quarto. Foi até a janela, abrindo-a, e puxando ar puro para dentro de seus pulmões. Era dia, e apesar do tempo nublado, a luz do sol iluminava tudo através das nuvens. John adorou aquilo. Aquilo lhe deu um pouco de paz. Foi quando notou algo ao lado da janela, no canto da madeira. Estava rabiscado, como que por algo pontudo, o desenho de um passarinho. John ajoelhou-se imediatamente, passando o dedo por sobre aquele pequeno desenho. Suas mãos tremiam, e ele respirava com dificuldade.

—Aqui está. — a Sra. Hudson ressurgiu com uma bandeja. — Esta é minha última bandeja, Holmes apossou-se de todas, devia ver o quanto ele comeu esta manhã... O que houve?

John encarou-a, os olhos vermelhos.

—Sra. Hudson... — arfou. — Minha filha esteve aqui.

***

Sherlock Holmes estava na The Mall, avenida importante que partia da Trafalgar Square, adentrava nos Jardins da Rainha e seguia até o Palácio de Buckingham. Era aquela avenida, aquela rua utilizada tantas vezes como rota cerimonial para grandes eventos nacionais, que estava desenhada na folha que Holmes tinha nas mãos, especificamente a parte em que se podia avistar o St. James Park. Naquele momento, pessoas muito bem vestidas, casais, homens com seus casacos e bengalas, mulheres com seus vestidos cheios de frufrus, crianças com suas calças curtas e suspensórios, passeavam por aquela área arborizada tão próxima da residência de sua soberana.

Holmes continuou caminhando, seguindo diretamente em direção ao palácio, chegando até o fim da The Mall, deparando-se com o grande lago artificial de frente para a construção. No lago havia uma fonte, e muitas pessoas ali se encontravam, observando a água e conversando. Sherlock quedou-se a observar o lugar. Era de fato parecidíssimo ao Hyde Park, com exceção de que era menor. Os dois parques eram muito próximos, e Baker Street ficava a apenas alguns minutos de ambos. Ele andou até a fonte, imaginando o trajeto da casa dos Watson até aquele lugar. Não era longe. Daí fez mentalmente o trajeto da casa de William Byers até o Hyde Park. Pertíssimo.

Sherlock dirigiu-se até o lago de St. James, que ficava dentro do St. James Park. Diferente do Serpentine, que era um lago artificial alimentado pelo Tâmisa, este era um lago natural, ao redor do qual se fez um parque. Ele pisava na grama, notando que seus passos não faziam ruído. Não era assim sobre as pedras que completavam as ruas, lá seus passos eram ruidosos, especialmente num momento silencioso. Ele parou em frente a uma árvore frondosa, e notou que havia várias assim naquele lugar. No Hyde Park era a mesma coisa. Ele apertou os olhos, olhando uma árvore mais distante. Esta tinha um buraco considerável em seu tronco.

—Sr. Holmes? — uma voz infantil o chamou. Sherlock vira-se, deparando-se com um menino maltrapilho e sujo de fuligem, de cabelos cacheados por debaixo da boina puída.

—Ah, Dustin... — ele diz. — O que tem para mim?

O menino, Dustin, empertigou-se todo, como se fosse recitar algo numa peça, e começou a falar.

—O Detetive Abberline foi ao Bedlam hoje. Depois recebeu uma mensagem da Scotland e voltou correndo para lá.

—O que dizia a mensagem?

Dustin baixou a cabeça.

—Eu não posso ler as mensagens que me confiam. É contra as regras.

—Te dou três xelins.

—Dizia: “Encontramos algo. Venha rápido. Caso Watson. Hiram Judge.”

Holmes respirou fundo. Apertou sua bengala entre as mãos, descontando nela o que acabara de ouvir.

—Continue.

—Ele voltou para a Scotland, e eu consegui segui-lo até o East End.

—Spitalfields.

—Sim. Havia dezenas de policiais por lá, não conseguiria me enfiar entre eles nem se fosse invisível.

—Fez um bom trabalho, garoto. — Sherlock lhe estende três moedas grandes. — Continue assim que será bem recompensado.

Dustin pegou o dinheiro, sorrindo largamente e mostrando sua gengiva frontal sem dentes. Saiu correndo, chutando algumas pedras no caminho. Sherlock virou-se rapidamente, saindo do parque e pegando o primeiro tílburi que encontrou.

—Baker Street. — disse simplesmente.

Ao chegar em frente a 221b, desceu, pagou o condutor e entrou no prédio, subindo as escadas e entrando em seu apartamento. Soltou um resfôlego de espanto ao quase chocar-se com Lestrade.

—Eles encontraram algo. — o pobre homem estava branco de medo. — Não consegui descobrir o que era. Não deixavam ninguém entrar. — Sherlock passou por ele, tirando seu casaco e colocando-o no guarda-pó. Lestrade o seguia com o olhar. — O que será que acharam? E se for algo terrível?

—Não devia se preocupar com isso.

—O que descobriu?

—Nada, ainda. Apenas conjeturas.

—Onde está Watson?

—Em seu quarto, onde mais?

—Ele está bem?

—Acredito que sim.

—Não foi olhar?

—Não.

—Por que não?

—Por que deveria?

—Ele é seu amigo!

—Eu estava ocupado.

—Ocupado demais para ver o estado do seu amigo?

—Eu estava ocupado tentando achar a filha dele.

—Ela esteve aqui.

Os dois homens olham para a porta. Watson estava lá. Ele entrou, olhando ora um, ora outro.

—Watson, — começou Lestrade. — você está bem?

—Rosie. — John disse. — Ela esteve aqui. E me deixou uma mensagem.

—O quê? — solta Lestrade.

—Vão lá ver. — Sherlock disparou escada abaixo. — Ela rabiscou a janela.

John desceu as escadas, indo até seu quarto, apenas para encontrar Lestrade olhando a janela de forma confusa, e Sherlock agachado, passando o dedo por sobre o rabisco.

—Como sabe que foi ela? — pergunta Holmes.

—É um código. — diz Watson.

Sherlock se vira para o amigo.

—Um código?

—Quando Rosie quer ir embora de algum lugar, nós fizemos um código para que ela me dissesse isso sem magoar o anfitrião. Corvos. Ela fala de corvos, qualquer coisa, e eu sei que ela quer ir embora. É isso... Seja lá onde ela está... Ela quer que eu a leve embora... Quer que eu a leve para casa.

—Isso pode ser qualquer pássaro... — comenta Lestrade.

—Não... — diz Holmes. — É um corvo. Olhe o bico. — os dois homens estudam o desenho. Sherlock se endireita, voltando-se para Watson. — Encontrei o lugar do desenho.

—E? — incentiva Watson.

—The Mall.

—A avenida que leva para Buckingham?

—Precisamente?

—Mas ela esteve aqui!

—Não é longe daqui, John.

—Mas por que ela iria para lá? — John se aproxima de Sherlock. — Eu estou tão confuso... Eu... Eu tenho tido sonhos estranhos. Eu sonho com este lugar, mas... Diferente. Foi o sonho que me levou ao desenho, mas isso não faz sentido. Ou faz?

—Não sei.

—Alguém poderia me explicar alguma coisa? — pergunta Lestrade.

Sherlock aponta para o desenho na janela.

—Você tem certeza de que esse desenho foi feito por sua filha?

—Sim.

Silêncio.

—Rosie está viva. — afirma Sherlock.

—Santo Deus... — suspira Lestrade. John fecha os olhos, também suspirando. Sherlock esboça um sorriso.

—A pergunta agora é: onde?

—Como assim?

Um estrondo vindo do andar de cima chama a atenção dos três homens. Eles correm até o apartamento de Sherlock, e encontram uma moça no quarto dele, caída no chão, tendo uma caixinha preta cheia de furos nas mãos. Ela se levanta, assustada e tenta entrar novamente dentro do guarda-roupa. Sherlock vai até ela, segurando seu braço.

—Está tudo bem. — diz. — Eles são amigos.

Ele a tira de dentro do guarda-roupa, levando-a até o sofá. Ela se senta, ainda com a caixinha nas mãos, daí encolhe as pernas e começa a mexer no estranho objeto preto.

—Ah, ela pode mexer nesse treco sem morrer? — diz Lestrade numa risota.

—Isso não é importante. — diz Holmes.

—Quem é essa?

—Não sabemos o nome dela. — diz Watson.

—Hein?

—Vee. — os dois fitam Holmes. — Ela disse que o nome dela é Vee.

—Vee?

—E quem é Vee? — insiste Lestrade.

—Holmes a encontrou enquanto investigava o meu caso... — Watson coça a cabeça. — Bem, o caso de Rosie. E ela tem informações sobre o paradeiro dela.

—Como?

—Não sei.

—Podemos voltar ao que interessa? — suspira Sherlock.

—Ah, não... — Lestrade se senta no sofá. — Isso é interessante. Tinha uma mulher dentro do seu guarda-roupa, ela pode mexer nas suas coisas, diga-se de passagem, e ela tem informações sobre Rosie? Como isso é possível? — ele se vira para Vee. — Você pode nos levar aonde Rosie está?

—Não. — ela diz.

Watson levanta as sobrancelhas.

—Gente, ela fala.

—Então você sabe onde ela está?

Ela não responde, mas volta os olhos para Sherlock.

—Lestrade, chega.

—De onde você veio?

—Não. — ela repetiu.

—Você só sabe falar isso?

—Não fale assim com ela, é uma dama.

Lestrade se levanta, encarando Sherlock.

—Você já parou para pensar que ela pode ser perigosa? Olhe para ela! Ela pode ter fugido do Bedlam, pode ser uma lunática violenta, pode ser um perigo, e pode ser a culpada por Rosie ter sumido!

—Ela não é culpada.

—Claro, você sabe por que deduziu isso baseado na cabeça raspada dela... Ou será que foi no vestido todo rasgado? Algo está me dizendo que você não quer me contar algo, ou então está só tentando proteger ela.

Holmes dá as costas para ele, indo para seu mural.

—Não tenho que discutir isso com você.

—É sério isso?

—Parem de brigar. — pede John.

—Sua insistência em me deixar de fora é irritante, Holmes! Gregson tudo bem, ele é um almofadinha, mas eu só quero ajudar! Mas você não vê isso, vê tanta coisa, mas é cego quanto aos que realmente se importam!

—Não... — a moça murmura.

—Sabe o que eu vou fazer? Eu vou até a Scotland dar parte dessa mulher e descobrir quem ela realmente é! — Lestrade vai até a porta, que se fecha rapidamente. Ele a abre, mas ela bate de novo, dessa vez se trancando. Os três olham aquilo, assustados, quando percebem sangue escorrendo do nariz da moça. Seu olhar é ameaçador.

—Não. — ela repetiu.

***

Frederick Abberline tinha as mãos sobre a cabeça. Não sabia o que fazer. Estava sentado num dos corredores da Scotland, olhando diretamente para frente, os olhos melancólicos e cansados. Ao seu lado, um saco de evidências.

Hiram Judge se aproximou. Fez isso lentamente, e acabou por sentar-se ao lado de seu detetive predileto. Sentou-se e encostou-se na parede, olhando o teto.

—Vai querer mesmo fazer isso? — perguntou finalmente. — Eu posso mandar alguém. Não tem que ser você.

—Eu quero ir. — Abberline disse, a voz vazia. — Não tenho nada melhor para fazer.

Passos no corredor. Dois homens bem vestidos se aproximam. Um deles, homem alto e magro, de bigode impecável e costeletas, tomou a dianteira.

—Hiram Judge?

—Sim.

—Norman Winston. Promotoria.

—Promotoria? — Judge se levanta. — Não me lembro de ter chamado vocês.

—E não chamou. — disse o outro homem. Este era um homem mais velho, mas magro e ativo, de bigode e cabelos acinzentados. Tinha olhos inteligentes e frios, e não cumprimentou Judge. — Estou aqui por que alguém precisa de meus cuidados, e não posso deixá-lo nas mãos da polícia sem tratamento.

—Tratamento? — murmurou Abberline, sem se levantar.

—Sim. — o homem continua. — Meu nome é Dr. T. B. Hyslop. E eu acompanharei vocês hoje à noite.

***

Vee estava sentada na cama de Holmes. Cruzara as pernas, e ainda encontrava-se entretida com a caixinha preta com furos na frente. Parecia muito calma, e agora usava o roupão de Holmes por cima do vestido.

Na sala, os três homens a olhavam de longe.

—O que ela é? — finalmente John disse.

—Algo... Estranho. — disse Lestrade.

—Ela moveu a porta com a mente...

—Ela trancou a porta também.

—Como ela fez isso?

—Se eu for lá destrancar a porta ela vai ficar brava?

Holmes não disse nada. Estava metido demais em seus pensamentos. Observava a moça, e permanecia em silêncio.

—Temos de descobrir de onde ela veio. — continuou Lestrade.

—Será que ela vai deixar a gente sair daqui? — pergunta John.

Holmes olha os dois homens, balançando a cabeça num sorriso.

—Não sejam estúpidos. — disse, se levantando. — Ela se sentiu ameaçada. Foi isso.

—Você não estava aqui? — Lestrade estava horrorizado. — Ela moveu a porta com a mente!

—E trancou ela. — completa John.

—Eu vi. — impacienta-se Sherlock. — É um fato, ficar ratinhando sobre como ela fez ou por que, ou de onde ela veio, não vai mudar nada. Cresçam um pouco, pelo amor de Deus. — ele vai até seu quarto, abaixando-se em frente a ela. — Se eu quisesse que você me levasse até Rosie, você o faria?

Vee balança a cabeça negativamente. Ela ergue os olhos, e repentinamente começa a tremer.

—Não...

—O que foi?

Ela agarra Holmes pelos ombros, puxando o tecido de seu paletó, seus olhos lívidos de pânico.

—Não. Não... — repetia. — Não.

—O que ela tem? — pergunta John.

A campainha toca. Passos ecoam.

Vee se levanta da cama, sacudindo como uma vara verde, e enfia-se dentro do guarda-roupa, puxando Holmes com ela, e fecha a porta. John vai até o guarda-roupa, tentando abri-lo.

—Ei, abre isso!

—O que está fazendo? — Holmes diz, tentando se soltar. Ela o abraça, e Holmes ouve o guarda-roupa trancar.

—Holmes!

Batem na porta. Lestrade vai até ela, destranca-a e abre. Imediatamente toma um susto.

—Abberline?

O rosto de Abberline está abatido. Ele encara Lestrade, sem conseguir dizer nada. John sai do quarto de Holmes, indo até ele.

—O que foi, detetive?

Ele fita Watson, cheio de remorso.

—Me perdoe, doutor...

Vários policiais surgem, afastando Lestrade e segurando John, colocando as mãos dele para trás e algemando-o.

—O que está havendo? — ele exclama, em pânico.

—John Hamish Watson, — anuncia um dos policiais. — você está preso pelo assassinato de Rosamund Watson. Qualquer coisa que disser será usada contra...

—Isso não é possível! — protesta Lestrade, sendo segurado por três policiais. — Estão errados! Por que está fazendo isso, Abberline?! Por quê?!

—Achamos provas... — a voz de Abberline quase não era audível.

Os policiais algemaram John, e o levaram para fora. Ao passarem por Abberline, ele fitou-o com lágrimas nos olhos.

—Por favor, não pare... Por favor, continue procurando minha filha!

—Vamos, doutor. — disse um dos policiais.

—Ache ela, por favor!

—Abberline, não pode fazer isso! — Lestrade forcejava contra os policiais que o seguravam. — Sabe que ele é inocente!

Abberline vai até ele, mostrando-lhe um saco transparente, onde Lestrade pôde ver um tecido manchado de sangue.

—Eu sei? — ele rosna. — Eu não sei de mais nada! — ele se volta para os policiais. — Levem ele também para a Scotland, poderá se acalmar por lá.

Todos os policiais saem, deixando Frederick sozinho. Ele olha ao redor, notando o quadro na parede, acima do sofá, cheio de pistas, fotos e anotações.

John é levado para fora, e consegue ouvir o choro da Sra. Hudson ao fundo, deixada para trás no corredor. Apertou os olhos, empurrando de volta qualquer lágrima que estivesse pensando em sair. Ele é levado até a rua, onde coches da polícia cercavam a entrada. Um coche diferente, de madeira negra de mogno, abriu a porta. Dele saiu um senhor de bigode cinza, e olhos inteligentes.

—Dr. Watson... — ele disse com voz suave, colocando a mão em seu ombro. — Sou o Dr. Hyslop. Você está doente. Virá comigo.

Abberline sai do 221b a tempo de ver o coche escuro partir à toda. Ele observa o transporte virar numa esquina, fecha seu casaco e sai andando na direção oposta. Ainda ouvia os gritos de raiva de Lestrade, que ainda se debatia, com certeza mais pela frustração que por qualquer outra coisa. Levantou a gola de seu casaco, colocando seu chapéu. Preferiu não ouvir o que o bom policial dizia...


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