Inlustris escrita por lau


Capítulo 4
A Vela


Notas iniciais do capítulo

desculpem a demora e espero que gostem :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/720418/chapter/4

IV

A VELA

Quando um misterioso homem resolve acompanhar o aventureiro e as coisas começam a se mostrar bem diferentes do esperado.

 

Sessenta milhas e mais dez,

A luz de velas eu consigo chegar lá?

Claro, e ainda dá pra voltar.

Se forem rápidos e ágeis seus pés,

A luz de velas você consegue chegar lá...

Quanto falta para chegar à Babilônia?

 

 

O dia nasceu muito claro e muito fresco. As poças de água eram a prova da chuva que caiu durante a madrugada e o Sol surgia tímido por detrás das nuvens brancas. Naquela manhã muitas coisas aconteceriam, e para que tudo fique bem esclarecido, contarei um evento de cada vez, separadamente e sem pressa, afinal a pressa não nos levará a lugar nenhum.

Em Hogwarts, longe dos muros do Castelo, havia um buraco no chão. Um profundo buraco com várias camadas de terra em volta e várias árvores caídas ao redor. A imensa cratera apareceu no começo da noite anterior e absolutamente ninguém que viu o ocorrido (e repare que muitas pessoas viram) se aproximou, nem para dar uma espiada.

O buraco se formou bem em cima de uma caverna pequena, com pedras negras e musgo verde por todos os lados. O topo da caverna tinha se partido ao meio, o que fazia com que gotículas de água e poeira caíssem continuamente. Ele alcançava mais ou menos três metros do solo e uma fraca luz prateada podia ser vista lá embaixo.

“Ai!” Uma voz exclamou e ouve um barulho estranho de algo cristalino batendo contra a rocha. “Droga!” Outro barulho, mas dessa vez era de alguém se mexendo. “Ai!”.

E então tudo ficou silencioso de novo.

 

//////

 

Poucas horas mais tarde, Severo Snape finalmente colocava seus pés no chão. Ele passou a noite inteira cavalgando para chegar o mais rápido possível no local onde a Pedra Real estava escondida. Idiotice, em sua opinião, mas nada podia fazer se o Rei achava que aquela era uma escolha sensata, seguir profecias, francamente...

O homem caminhou rigidamente (pois ainda estava meio travado da viajem) até uma colina um tanto íngreme repleta de árvores baixas e flores silvestres. Ele ignorou completamente as marcas na terra que vinham no sentido contrário ao seu e continuou subindo lentamente, com medo de despencar lá embaixo e praguejando contra Vossa Majestade e suas ideias estúpidas sobre o amor.

Quando chegou ao topo, no entanto, Snape parou e seus olhos se arregalaram enquanto sua boca se abria ligeiramente. Atrás da colina ficava a caverna onde por quase vinte anos a Pedra Real era mantida escondida, longe dos olhos gananciosos da corte. Mas a única coisa que sobrará era um punhado de rochas carbonizadas, árvores destruídas e um buraco vazio.

Ele sabia o que tinha acontecido, é claro. Virá a grande luz cortar o céu e cair perto do seu destino. Só não imaginou que seria bem em cima do esconderijo que a maldita estrela resolveria cair. Agora Snape precisava decidir o que fazer, pois a situação era mais complicada do que ele esperava.

Grindelwald havia raptado outra estrela e de brinde, levou a Pedra Real consigo.

E cabia a Severo Snape resgatá-la.

 

//////

 

Existia um lugar em Hogwarts muito sombrio, cinza e repleto de trevas que todos chamavam de Fortaleza Tempestade. Recebeu esse nome há muito tempo, quando ainda era um vale verde e ensolarado, mas quando essa história aconteceu, o local já não era mais assim. Naquela época Fortaleza Tempestade tinha apenas rochas afiadas, um córrego por onde corria uma água escurecida e suja e, para completar a imagem desastrosa, um castelo.

Veja bem, não é exatamente um castelo, com torres altas e salões de festa, mas o dono do casarão antigo gosta de pensar que é. O saguão de entrada, coberto de musgo e vidro quebrado para ele é um maravilhoso salão com sofás coloridos e mesas de marfim. Os lustres estão concertados, sem nenhum cristal faltando e as escadas duplas não estão com o carpete vermelho rasgado, muito menos com aquela incrivelmente espessa camada de poeira sobre elas, não, tudo está limpo e exuberante.

Mas nem mesmo o homem está limpo e exuberante. Ele costumava ser, é claro, porém o tempo castiga a todos e aquele bruxo sabia disso melhor do que ninguém. Imagino que já esteja claro quem é o dono da horrenda mansão aparentemente abandonada. Gellert Grindelwald, o mago com dezenas de anos e nenhuma bondade, que rapta estrelas para comer seus corações e se manter vivo pela eternidade.

Na noite passada, ele estava sentado em sua poltrona gasta bebendo seu melhor vinho em frente à janela que havia atrás das escadas duplas. Estava aguardando. Ele podia sentir o que ia acontecer, sua magia estava se remexendo dentro de si como não fazia há muito, muito tempo. Quando viu aquela luz cortando o céu, um sorriso macabro se desenhou em seu rosto e Grindelwald se levantou com seus olhos azuis repletos de maldade. Naquele mesmo instante ele começou a preparar tudo que seria necessário para a expedição o mais rápido que seu velho corpo permitia, afinal, sua estrelinha o estava esperando. Dumbledore estava quase morto e o Conselho dos Bruxos tinha praticamente se desfeito, logo, ninguém iria entrar em seu caminho para tentar impedi-lo.

Grindelwald deu uma risada desdenhosa. Como se alguém pudesse impedir o Supremo do Conselho.

“Tanya!” Ele gritou, sua voz rouca e velha saindo com dificuldade. “TANYA!”

No topo da escada, estava um lindo passarinho. Ele era azul com algumas penas cinza e brancas nas asas e no topo da cabeça. O animal deu um leve piado antes de alçar voo em direção ao teto, descendo vagarosamente em rodopios tão leves que ele parecia flutuar pela casa. O pássaro rodopiou três vezes e, na quarta, uma jovem tocou seus pés delicadamente no chão.

Ela era linda. Tinha longos cabelos escuros com cachos caindo pelos seus ombros, o rosto redondo e triste era repleto de pintas e sardas e os olhos eram tão verdes quanto às folhas na primavera. Tinha uma fina linha prateada e brilhante envolta de seu pulso, a linha se estendia pelo chão da casa, e não sabemos ao certo onde ela ia parar.

“Oh, finalmente apareceu, minha doce Tanya.” Grindelwald deu um sorriso de dentes amarelos e acariciou o rosto da menina, que tentava se afastar. “Vá buscar meu coração, vá. Vou precisar de alguns anos. E traga um coelho também.”

Tanya fez uma leve reverência com a cabeça e caminhou em direção a uma porta lateral. Quando ela girou a grande maçaneta de ouro, latidos, pios, uivos e todos os tipos de sons inundaram a sala antes silenciosa. A garota entrou no cômodo lotado de jaulas com diversos animais e, quando saiu, carregava consigo uma caixa de madeira e um coelho branco.

 Ela entregou a caixa a Grindelwald e colocou o coelho em cima da poltrona. O bruxo estendeu um punhal a Tanya, que se agachou ao lado do pequeno animal branco e após sussurrar um leve ‘desculpe’ em sua orelha, cortou-lhe a garganta, sentindo o sangue quente jorrar em suas mãos e o pobre bichinho amolecer sobre o estofado.

“O que diz aí?” Perguntou Grindelwald sem prestar muita atenção na garota, pois estava abrindo a caixa com uma lentidão sôfrega.

“A estrela caiu perto da Travessa do Tranco, milord.” Ela disse em voz baixa depois de remexer nas entranhas do coelho por alguns minutos, sentindo seu corpo tremer ao pensar no que iria acontecer a aquela estrela.

Grindelwald soltou um som de satisfação e Tanya não sabia se era pela informação que lhe dera ou por finalmente ter aberto a caixa. Provavelmente pelos dois.

O bruxo desceu as escadas e fez um sinal para que ela lhe acompanhasse. Ele vestiu sua capa preta e calçou suas botas de couro de dragão, parecendo um verdadeiro vilão de contos de fada. Dirigiu-se até o grande espelho dourado e chamou a menina que se aproximou lentamente. Quando ela estava ao seu alcance, Grindelwald a puxou sem nenhuma delicadeza, juntando seus corpos e apontando para a imagem que o espelho encardido refletia.

“Tatiana, o que você vê?”

“Milord?”

“Porque eu vejo um velho imundo e sua escrava imprestável!” Ele a largou com força e a menina caiu no chão. “Por anos tenho me escondido nesse fim de mundo, exilado por Albus e seus fiéis seguidores, mas essa situação patética finalmente terá seu fim...”

Ele pegou o conteúdo da caixa de madeira com as mãos trêmulas, que seja lá o que fosse emitia uma luz tão forte que poderia cegar quem olhasse por tempo demais. A coisa brilhava tanto que Tatiana teve que tapar os olhos com as mãos e, quando a menina os descobriu novamente, o bruxo enrugado e curvado já não estava mais na sua frente, assim como a bola de luz.

No lugar só havia um jovem loiro e alto, com uma pele brilhante e lisa e olhos azuis que pareciam enfeitiçados pela imagem no espelho.

“Agora, eu vejo poder e juventude. Albus perdeu os dois, você irá perder, assim como todos nesse maldito reino, mas eu não, eu continuarei poderoso... E jovem.”

Algumas horas mais tarde, Tatiana viu o homem sair em uma carruagem tão escura quanto à noite e sentiu seus olhos se encherem de lágrimas, perguntando para os céus porque o destino era tão injusto às vezes.

 

//////

 

Você deve estar se perguntando, onde se encontra o nosso jovem aventureiro, não é? Pois naquela manhã, enquanto Grindelwald entrava em sua carruagem e Snape montava seu cavalo em direção a Fortaleza Tempestade, Abraxas Malfoy se sentava em um não tão confortável banco no Três Vassouras, o bar mais limpo que ele conseguiu achar em Hogsmeade.

Atravessar a Muralha tinha sido muito mais fácil do que ele esperava. Foi só esperar a troca dos guardas noturnos pelos diurnos e, naquele pequeno espaço de tempo em que eles estavam distraídos, passar pela brecha no grande muro feito de pedras e pronto, o garoto se encontrava do outro lado da Muralha.

Os primeiros minutos de sua jornada haviam sido realmente decepcionantes. Não que ele esperasse ver uma família de dragões voando pelos céus (dragões sequer existem!), mas Abraxas não podia negar que ser recepcionado por um punhado de grama e algumas árvores velhas não tinha sido exatamente animador. Ele caminhou debaixo do Sol nascente por algum tempo, se embrenhando pelo bosque e tentando notar alguma diferença aqui e ali. Algumas plantas não lhe eram familiares e tinham cores esquisitas e ele pode ouvir alguns sons que definitivamente não pertenciam a pássaros, mas fora isso era tudo normal. As folhas nas árvores eram verdes, o céu era azul e a terra molhada tinha o mesmo cheiro e a mesma aparência que a terra de Dover. Apesar disso, Abraxas começou a desfrutar de sua caminhada, afinal era um lugar muito bonito (o bosque podia ser comum, mas também era muito agradável, ainda mais com aquela brisa matutina batendo em seu rosto) e quando ele menos esperava, um vilarejo surgiu no horizonte.

Bom, se o bosque era como qualquer outro, aquela vila definitivamente não era. Suas casas eram tortas e coloridas, as poucas pessoas que estavam na rua àquela hora usavam capas longas e colares de pedras, havia plantas por entre as lajotas no chão que se fechavam quando alguém se aproximava como se estivessem temerosas e as bancas da feira vendiam potes com olhos humanos e ervas que soltavam uma fumaça cor de rosa, apetrechos que segundo os vendedores traziam sorte e tecidos que tinham anjos bordados dançando suavemente enquanto tocavam suas harpas. Abraxas não sabia para onde olhar, sua mente explodindo a cada nova descoberta daquele lugar mágico.

Ele achava que podia ficar o dia inteiro lá, observando os pedestres e ouvindo a história de um homem que dizia ter visto um Basilisco no mês passado. Porém, o garoto estava morto de fome depois de passar a madrugada inteira viajando até a Muralha, e foi por isso que ele se dirigiu até o Três Vassouras, o melhor bar da região, segundo a atendente sorridente. Malfoy achava que era o bar mais estranho que já tinha posto seus pés, e olha que Dover era lotado de lugares suspeitos.

Quando terminou de tomar seu café da manhã, Malfoy começou a se lembrar dos acontecimentos da noite anterior. Lembrou-se de como Jimmy, sua filha e mais meia dúzia de clientes tentaram o persuadir a mudar de ideia, de como ele fez o dono do bar jurar que não contaria nada aos seus pais e como ele teve que entrar em sua casa escondido para apanhar algumas roupas. Lembrou-se de como Charlus o acompanhou até a entrada da cidade, resmungando pelo fato da ansiedade de Malfoy não permitir que ele esperasse até o amanhecer. Abraxas apanhou um cavalo (que não aparecerá de fato na história, pois ele teve que deixar o animal para trás quando atravessou a Muralha) e antes de sair, Potter lhe entregou algo cilíndrico enrolado em um pedaço de pano velho.

“Use apenas em caso de extrema necessidade. Ganhei de uma moça que vive no outro lado da Muralha. Ela me disse que basta você pensar no que deseja.”

Brax pegou o objeto e o desenrolou, descobrindo que se tratava de uma vela. Uma vela preta que parecia nunca ter sido usada. Ele estava se questionando porque Charlus iria lhe dar uma simples vela e aparentemente presente de uma garota, quando sentiu que estava sendo observado.

E estava mesmo. Um homem encostado na parede perto de si tinha os olhos fixos na vela presa entre os dedos de Malfoy, ele era muito alto e tinha a barba e os cabelos castanhos escuros. Seus olhos eram muito escuros também, e a expressão em seu rosto era no mínimo assustadora.

Malfoy franziu o cenho quando viu o homem se aproximar. Ele apontou para a vela na mão do loiro e depois de dar um gole em sua bebida disse:

“Você não devia andar por aí exibindo isso.”

Abraxas não estava exibindo a vela, mas sua curiosidade o impediu de falar isso. “E por que eu não deveria?”

“Ora, é uma Vela da Babilônia.” O estranho se sentou ao seu lado sem pedir permissão, apoiando os cotovelos em cima da mesa. Ele tinha um sotaque estranho. “Todos sabem como essas coisinhas são raras e preciosas.”

“A mim parece apenas uma vela comum.”

Depois que o loiro disse essas palavras, a postura do estranho mudou de forma abrupta. Se antes ele olhava para todo lugar menos para Abraxas, bebericando de sua caneca e parecendo ter sentado ali e puxado assunto mais pelo tédio do que por outra coisa, agora o homem tinha o corpo tenso e os olhos fixos nos seus, parecendo além de curioso, levemente assustado. Mas tão rápido quanto aconteceu, desapareceu. E o homem voltou a se sentar de forma relaxada e entediada.

“De onde você vem?”

“De Dover, e por que essa vela é preciosa e rara?”

“Dover... Não soa familiar.” O homem franziu o cenho. “Velas da Babilônia só podem ser feitas com magia, e como a quantidade de bruxos e bruxas tem diminuído, a quantidade de velas diminui junto. Fora que elas estão repletas de magia negra.”

Abraxas arregalou os olhos, coisa que não passou despercebida pelo outro. Bruxos... Existiam bruxos e bruxas de verdade, e se você estivesse lá também ficaria fascinado com essa nova e bela informação. Após um tempo digerindo a ideia, Brax explicou ao homem que Dover ficava do outro lado da Muralha (ele achou ter visto o outro sorrir, mas talvez tenha sido a iluminação) e perguntou seu nome.

“Antonin Dolohov.”

Brax se apresentou também e eles começaram a conversar. Antonin lhe disse que morava ali em Hogsmeade, porém em um lugar muito afastado e quando Abraxas perguntou o porquê dele não morar no centro, o outro deu de ombros, ainda com aquela expressão taciturna e entediada.

“Eu não tenho motivos para querer ficar aqui, e eles não tem motivos para me quererem aqui. Simples assim.”

Então o homem perguntou o que alguém como ele fazia do outro lado da Muralha e Malfoy contou toda a história sobre a aposta, seus sonhos de navegar e a estrela caída. Nesse momento, Antonin se levantou e disse, com um ar descontraído que não parecia combinar muito com o homem.

“Eu sei onde a estrela caiu! Levo-te até lá.”

“Mesmo? Eu não trouxe dinheiro comigo, sabe...” Abraxas coçou a nuca sem graça, se questionando porque fora tão idiota a ponto de não levar uma moeda sequer.

“Não quero seu dinheiro.” Antonin pegou um casaco que estava pendurado e o vestiu, entregando a Brax sua bolsa e o fazendo se levantar. “Ela caiu aqui perto, não é problema nenhum te acompanhar.”

Abraxas não sabia se acreditava ou não naquele lapso de generosidade do homem, mas resolveu aceitar e saiu do bar, rezando aos deuses para que fosse verdade.

 

//////

 

Os dois andaram por horas. Abraxas se perguntava qual seria a noção de ‘perto’ do homem, afinal eles já estavam caminhando há muito tempo, com as testas suadas e as pernas cansadas devido ao Sol escaldante e ao caminho íngreme que seguiam. Antonin ia um pouco mais à frente e a expressão séria voltará ao rosto dele, que não falou uma palavra durante todo o trajeto. Passaram por estradas e deixaram Hogsmeade para trás, atravessaram dois rios e quando a noite caiu e as estrelas brilharam no céu, eles entraram em uma floresta.

 O lugar tinha árvores altas que tapavam a Lua, o que deixava tudo absurdamente escuro. Abraxas quase não conseguia caminhar sem tropeçar e, quando ele caiu no chão após esbarrar em um tronco, o garoto achou que era hora de intervir.

“Chega, chega!” ele exclamou e Dolohov o olhou com uma expressão interrogativa. “Eu não consigo andar nessa escuridão toda.” E colocou a mão no bolso, tirando de lá um fósforo que pegara no Três Vassouras e a Vela da Babilônia.

Demorou um tempo para Antonin conseguir identificar o que o outro estava fazendo, afinal estava realmente muito escuro, mas quando ele ouviu o barulho do fósforo raspando a superfície de uma pedra e viu Abraxas aproximar a chama da vela, suas pernas se mexeram sozinhas, enquanto sua boca se abria para gritar um ‘Não!’ desesperado.

A última coisa que Malfoy viu antes de uma luz branca inundar tudo a sua frente foi o rosto de Antonin a centímetros do seu.

 

//////

 

Quando Abraxas Malfoy abriu seus olhos novamente, ele não estava no mesmo lugar que estava antes de fechá-los. Não. Agora ele se encontrava em uma clareira, sem Dolohov, sem sua mala e com uma Vela da Babilônia muito menor do que ela estava quando foi acesa. Brax soltou um suspiro baixo, perguntando-se qual seria o preço que ele iria pagar por ter mexido com magia negra. Não devia ter esquecido o que Antonin lhe falara sobre o objeto, mas esqueceu, e a acendeu esperando uma reação normal de algo que era mágico.

Agora a única coisa que ele podia fazer era procurar seu guia. O garoto começou a caminhar de forma hesitante, pois a questão da falta de claridade voltou a ser um problema. Ele deu alguns passos antes de sentir o chão desaparecer sobre seus pés (e quem já teve essa sensação sabe como é angustiante) e cair. Abraxas sentia seu rosto raspar contra o chão de um jeito que com certeza deixaria machucados e não sabia mais o que era terra e o que era céu, muito menos para onde seu corpo estava indo. Ele sentia gravetos e pedras baterem com força contra si, machucando-o, e só parou quando esbarrou em algo grande.

 Após alguns segundos desnorteado, Abraxas abriu os olhos para ver no que ele esbarrou. Um menino estava embaixo dele, o encarando com uma expressão furiosa.

“O que está fazendo? Saia de cima de mim!”

Abraxas se levantou e observou a colina de onde tinha despencado visível agora que ele estava em um lugar onde a luz da Lua iluminava, e então olhou para o garoto que tinha uma das mãos no tornozelo esquerdo.

Seus cabelos eram muito negros e a pele muito pálida. Seus olhos eram de um azul tão claro que parecia cinza, o menino não era alto e muito menos forte, e sua aparência frágil se enaltecia ainda mais devido à camisola prateada que ele estava usando. Malfoy se perguntou por que um garoto usaria aquela espécie de vestido feito de um tecido tão fino que a mais leve brisa o fazia se mexer. Para completar a estranha imagem, ele ainda usava um pesado colar de ouro com um rubi incrustado na ponta.

“Desculpe.” Sussurrou. “Posso te ajudar?”

“Pode ajudar me deixando em paz.”

Malfoy deu um passo para trás, como se a ofensa o tivesse atingido fisicamente. Ora, ele que não ia ficar perdendo tempo com um garoto mal-educado que usava um vestido! Tinha que procurar Dolohov e tinha certeza que seu rosto estava com hematomas, então a única coisa que ele fez foi dar as costas ao garoto rabugento e começar a andar para longe. Mas algo o fez parar. Uma lembrança.

Basta você pensar no que deseja.’

Ele estava pensando na estrela quando acendeu a vela! E ela era um objeto mágico! Seria possível...?

Abraxas se virou novamente, indo em direção ao garoto que agora estava sentado em uma pedra e ainda mantinha as mãos envolta do tornozelo.

“Desculpe.” Abraxas viu o outro rolar os olhos e murmurar um ‘você ainda está aqui’ não tão baixo. “Pode parecer estranho, mas você viu uma estrela cadente em algum lugar?”

O garoto soltou um som pelo nariz e sorriu de forma debochada. “Você é estranho.” Ele disse, observando Abraxas olhar para todos os lados como um louco.

“Não, sério, eu estou procurando por ela.”

“Ah, eu vi sim.” Ele disse com uma falsa expressão surpresa estampada no rosto bonito. “E se você quiser que eu seja mais especifico, eu a vi cair dentro de uma caverna na noite passada, onde esse colar estranho estava.” Ele apontou para o próprio pescoço. “Depois a vi caminhar para bem longe e chegar aqui, onde foi atingida por um imbecil voador.”

“Você é a estrela? Você é a estrela! Mesmo?” Abraxas começou a rir, quase saltando de alegria enquanto o outro apenas dava de ombros, desinteressado. “Desculpe, não imaginei que estrelas podiam parecer...”

“Quer parar de me chamar de estrela? Eu tenho um nome, é Tom.” Ele disse com as bochechas brilhando como se estivessem coradas. Abraxas se perguntou se as estrelas tinham sangue ou se eram feitas de poeira celestial por dentro.

“É claro, estrela.” Abraxas riu de novo e se aproximou. Tom tentou levantar e se afastar, porém seu tornozelo machucado não o permitiu ir muito longe. “Posso pedir desculpas antecipadas?”

“Pelo que?”

“Por isso”

Então Malfoy tirou uma corda muito fina que estava em seu bolso para caso precisasse e amarrou o pulso de Tom, segurando firme com as mãos.

“Você enlouqueceu? Me solte!”

“Sinto muito, mas não posso. Fiz uma aposta dizendo que te levaria até minha cidade e até segunda ordem, você pertence a mim.”

“Eu não pertenço a um humano!”

“Como eu disse, até segunda ordem pertence sim, estrela.”

“Pare de me chamar de estre-“

“Abraxas!”

Ambos olharam para a direção que veio a voz e Malfoy suspirou aliviado ao ver que se tratava de Antonin, que parecia bem e trazia consigo todas as suas coisas.

“Por que fez aquilo? Você não podia ter acendido aquela vela! Eu podia ter ficado para trás e... Quem é esse?” Ele apontou para o desconhecido, parando subitamente e o medindo de cima abaixo.

“É a estrela.” “Meu nome é Tom.” Eles disseram ao mesmo tempo e se encararam por um momento, enquanto Dolohov parecia atordoado.

“A estrela, como assim...”

“Eu disse que ia achá-la e achei, não é?” Abraxas sorriu e começou a caminhar em direção ao homem, puxando Tom junto. “Agora vamos dormir que amanhã é uma longa caminhada até Hogsmeade.”

“ME LARGA!”

Tom tinha se segurado ao tronco de uma árvore e agora olhava Abraxas com os olhos repletos de raiva. Dolohov observava a cena de longe com uma expressão pensativa enquanto Abraxas tentava puxar sua estrela para perto.

“Malfoy espere.” Dolohov disse enquanto se aproximava de Tom. O menor se encolheu ao ver o homem dez vezes maior que si esticar a mão até tocar seu tornozelo, mas depois de Antonin sussurrar algumas palavras em voz baixa, à única coisa que a estrela fez foi relaxar o corpo antes tenso e o encarar com olhos arregalados.

“Está melhor?” Dolohov perguntou com aquele mesmo tom de voz baixo e forte que usará com Brax no bar para falar da vela. “Desculpe a falta de modos do meu amigo, ele não sabe como tratar uma estrela, Tom.”

O garoto deu um leve aceno de cabeça, parecendo satisfeito de ter escutado seu nome sair da boca do outro e a voz de Abraxas se fez presente atrás deles.

“V-você é um bruxo?”

“Sim. Desculpe não falar antes, temos que ser precavidos ultimamente.” Dolohov se virou para o menino. “Veja bem Tom, Abraxas precisa te levar até sua cidadezinha para pagar esta aposta idiota, mas ele tem uma Vela da Babilônia.” O garoto arregalou os olhos novamente. “E vai te dar assim que ganhar a aposta, e desse jeito você poderá voltar para perto de suas irmãs e irmãos, o que acha?”

O assobio do vento era o único som presente enquanto Tom estava de cabeça baixa, pensativo. Ele ergueu os olhos azuis para Antonin e concordou com a cabeça, aceitando o braço do bruxo com um minúsculo sorriso.

“Ótimo.” Brax sorriu para os dois e Tom não retribuiu. O loiro não se importava de dar a Vela da Babilônia para a estrela desde que estivesse embarcando em um navio em duas semanas. “Vamos acampar aqui?”

“Eu não durmo a noite.” Disse Tom. Ele ainda tentava discretamente se desfazer da corda. “Estrelas tem mais o que fazer a noite, elas saem, brilham, esse tipo de coisa.”

“Bom, dormir de dia está fora de cogitação.”

“Não fale com ele assim.” Abraxas se perguntava a razão de Antonin ter decidido ser gentil com a estrela. “Você está com fome?”

Tom esbarrou com força em Malfoy quando passou por ele, indo se sentar ao lado do bruxo e aceitando a maçã que lhe era oferecida.

“’Você está com fome?’ Estrelas nem deviam sentir fome.” Malfoy resmungou enquanto ia procurar lenha, vendo os outros dois estenderem colchonetes no chão.

Você deve estar pensando que essa história logo irá acabar. Dolohov os levará para Hogsmeade e de lá Abraxas e Tom iram para a Muralha e depois para Dover. Malfoy vai ganhar sua aposta e Tom voltará para o céu, onde as mãos maldosas de Grindelwald não podem lhe alcançar. Você deve estar pensando que essa história irá terminar de forma simples e feliz. Mas temo lhe dizer que está enganado.

 Veja bem, algo que todos devem ter aprendido é que não devemos julgar antecipadamente. Todos têm seus motivos e às vezes, esses motivos são totalmente plausíveis. Às vezes as pessoas fazem coisas terríveis movidas pelo ódio ou a ganância, mas muitas vezes elas fazem coisas impensadas movidas pelo amor. E a linha que separa essas duas coisas é realmente muito tênue. Por isso, você não deve julgar Antonin Dolohov antecipadamente. Pois enquanto Abraxas sonhava com todas as viagens que faria e Tom sonhava com o azul escuro do céu, Antonin se perguntava se conseguiria levar a estrela e o humano até Fortaleza Tempestade.

Realmente, Tatiana Dolohov estava certa ao pensar que o destino era injusto.

 

 

 

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

themuggleriddle é um amorzinho e fez uma playlist da fanfic, então os créditos são seus e obrigada novamente :3

Playlist: https://play.spotify.com/user/themuggleriddle/playlist/1gsMPO1p4UxSHIAb5ZrQeq

detalhe bobo: a garota que deu a vela ao Charlus é a Dorea, que é a caçula de uma família de bruxos (por isso ela tinha a vela) e não pode ficar com ele porque ele não era um bruxo também.