A Herdeira do Olimpo escrita por Nogitsune Walker


Capítulo 11
Encurralada


Notas iniciais do capítulo

por motivos pessoais so postarei cap novo dia 25/03 (Uriah seria o bruno gagliasso, mas nao consegui colocar a ft aqui)



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Maya

 

Acho que essa foi uma das poucas vezes em que consegui dormir sem que lembranças ou deuses atrapalhassem meu sono. Havia me acostumado a dormir correndo perigo de ser atacada pelos monstros e as lembranças que causavam os pesadelos era uma forma de meu corpo me acordar para que não ficasse tão vulnerável, mas na casa de Kye, nada disso aconteceu. Ele era uma das poucas pessoas com quem me sentia realmente segura em dormir. Acordo com uma fraca luz que entrava pela janela do quarto, abro os olhos devagar. Um pouco de vapor d'água saía da porta entreaberta do banheiro enquanto o som de uma ducha ecoava pelo quarto silencioso. Sento-me na cama e passo a mão pelos cabelos desgrenhados tentando inutilmente arruma-los, sinto uma leve pulsação nas têmporas e as massageio. O som da ducha cessa e Kye sai do banheiro com uma toalha enrolada na cintura e água pingando de seu cabelo e barba.

"Hei, bom dia princesa." Ele exclama vindo até mim e me dando um beijo carinhoso na testa. "Não babou meu travesseiro, não é?"

"Eu não..." pretendia dizer: Eu não babo enquanto durmo, mas mudei de ideia quando notei a imensa poça que estava no travesseiro que eu estava usando. Aponto para a poça como quem diz eu não coloquei isso aí e mudo a frase.

"Eu não babei ele todo, aliás, nem sabia que eu fazia isso."

"E não é só isso que você faz." Ele diz enquanto vestia uma cueca box branca e uma calça jeans, ficando só sem camisa.

"O que quer dizer?" Pergunto enquanto levantava da cama e me espreguiçava. Sinto uma pequena picada e algo quente no ombro esquerdo. Abaixo os braços e levo a mão ao local sentindo o sangue molha-la.

"O que quero dizer pode ser dito assim que eu enfaixar esse pequeno probleminha aí, e se não se incomodar, ainda adoro essa camisa e gostaria de não a ter manchada de sangue. " ele diz. Reviro os olhos e me viro de costas para ele tirando a blusa e deixando que ele enfaixe. Enquanto o fazia, noto uma marca de bala na parede ao lado da janela e um pouco do gesso da parede. Estranho, aquilo não estava lá quando fui dormir.

"O que foi aquilo na parede?" Pergunto quando ele termina de enfaixar.

"Aquilo, se enquadra na lista de boas e más notícias que tenho para você hoje. Agora, vamos almoçar? Fiz macarronada." Ele responde e começa a sair do quarto. Noto a arma presa a seu cinto, mas não me incomodo, sempre ando armada também. Espera, almoço?

"Que horas são?" Indago enquanto seguia ele até a cozinha.

"São quase duas da tarde." Responde enquanto colocava pratos na mesa e as panelas com macarrão e o molho à bolonhesa.

"DUAS DA TARDE?!" Ele se senta já se servindo

"-Quase- duas da tarde."

"POR QUE NÃO ME ACORDOU?!" Digo e me sento em sua frente de cara fechada e braços cruzados.

"Não conseguiria nem se eu quisesse. Já te disseram que você praticamente entra em coma quando dorme?" Aceno ainda de braços cruzados e cara fechada. "Pois bem. Além do mais, você precisava descansar já que vamos ter que voltar lá mais cedo ou mais tarde." Ele responde e começa a comer.  Inspiro profundamente e o acompanho no almoço.

"Sabe, você também ronrona, sabia?" Quase engasgo quando ele fala isso.

"Como é?!"

"Você também ron-ro-na." Ele diz separando as sílabas e levantando um dedo para cada uma dita. "Acredito que só não tem controle sobre isso. Aconteceu enquanto você dormia, fiz um carinho na sua cabeça e você ronronou."

"Ahn, e por quê me disse isso?" Pergunto. Sério mesmo que eu ouvi isso?

"Bom, essa é uma das boas notícias. A outra é que descobri o porquê de os lobos estarem sequestrando os semideuses. Descobri que eles estão em busca de um "semideus especial” para uma bruxa que invadiu e expulsou eles do território." Ele diz. Termino de comer e apoio o queixo na mão.

"Ora ora, temos um xeroque homes aqui."

"Eu entendi a referência!" Ele diz estalando os dedos, apontando para mim com um sorriso de lado e se recostando na cadeira com as mãos atrás da cabeça.

"E então Mr. Holmes, como descobriu isso enquanto eu dormia?" Ele fecha a cara, touché.

"Essa é uma das más notícias, e também a que explica o buraco na parede do quarto." Debruço-me sobre a mesa.

"Estou ouvindo."

"Durante a noite, um dos nossos amiguinhos lobos entrou no quarto pela janela, na verdade, uma. Eu atirei para assusta-la e depois disso tivemos uma pequena conversa. Seu nome é Luana, ela me disse o motivo dos sequestros e pediu nossa ajuda, disse que seria mais rápido e que não teríamos mais que nos preocupar com eles atacando o acampamento. A parte ruim é que os sequestros vão continuar mesmo sem a nossa ajuda." Explica. "Não dei certeza nenhuma, sei que você não faria esse tipo de coisa."

Aceno, ele tinha razão. Não colocaria a vida de ninguém nas mãos de uma bruxa que sabe-se lá quais suas intenções. Isso está me cheirando muito mal.

"Fez bem, mas eu gostaria de falar com essa loba, tenho algumas perguntas. E as outras boas e más notícias?"

"A má é que as flechas que te acertaram estavam com veneno de Hidra, a boa é que até o final do dia vai estar curada, mas vão ficar cicatrizes." Dou de ombros, não tenho muitos problemas com minhas cicatrizes. Ele continua: "Como os sequestros vão continuar, teremos que voltar ao acampamento para evita-los ou ao menos avisar os semideuses sobre com o que estão lidando para que se armem devidamente contra os lobos, acho que veneno de hidra não seria tão eficiente contra eles como prata ou wolfsbane." Gemo só de pensar em voltar lá, que inferno.

"Tem que ser essa semana ainda, marquei uma viajem com Rachel e uns amigos dela esse fim de semana e eles não podem suspeitar do meu envolvimento com o mundo mitológico, mesmo de estes dois amigos dela em questão serem semideuses."

"Percy e Annabeth parecem ser legais, deveria deixar seus problemas com os orgulhosos poderosos que só pensam em si mesmos e tentar ser amiga deles."

"Eu até poderia, se desconsiderasse o fato de que estou envolvida em um bocado dos problemas que eles enfrentaram antes da guerra contra os titãs. Aloooô, se eles descobrirem vão me odiar até os campos da punição, fora que não mexi um dedo com aquela coisa toda dos Gigantes." Coloco os pés descalços sobre sua mesa e me recosto na cadeira jogando a cabeça para trás na cadeira e encarando o teto, Kye imita meu gesto e começa a se balançar apoiando apenas as pernas traseiras da cadeira.

"Mas eles não sabem disso?"

"Não."

"Então vai fundo, tenta se distrair um pouco. O pior que pode acontecer é eles descobrirem, e você esconde isso há tanto tempo, mais alguns dias não são nada, princesa." Reflito um pouco, é, talvez eu esteja pensando demais nisso.

“Está bem, vou tentar ser amiga deles." Digo jogando os braços para cima em desistência. Ele dá uma gargalhada e quase cai para trás no processo, também abro um sorriso e ficamos nos encarando por alguns milissegundos até que ouço o som da madeira do piso rangendo e levo a mão instantaneamente ao colar. Kye também escuta e saca a arma, apontando-a para a porta de entrada de onde o som viera. Ficamos em silêncio, a madeira do piso da soleira range novamente e nos levantamos.

"Venit." Sussurro e uma pistola com silenciador aparece na mão direita. Permaneço atrás da mesa, olho pra Kye que anda silenciosamente até a janela com vista para a porta e espia pela cortina. Deixo a porta na mira da arma

"Tem um ciclope aqui, pequeno, deve ser um bebê. Menos de 2 metros e está com um porrete. Está cheirando a porta, seu cheiro deve tê-lo atraído." Kye diz em minha mente. Uma pistola não faria nenhum estrago em um ciclope, mesmo que seja um bebê.

"Recensere." Digo e a pistola em minha mão se alonga e dá lugar a uma Enfield L42 com silenciador (temos que ser discretos aqui). Apoio o rifle na mesa e miro na porta, na altura que Kye indicou.

"Estou com a porta na mira, a qualquer momento." Respondo. Ele acena, ouço batidas na porta (que tipo de monstro bate na porta?).

"Quem está aí?!" Kye grita. Silêncio e depois o ciclope responde.

"Detetização! Recebemos uma ligação reclamando de um mau cheiro vindo daqui." O monstro responde com a voz grossa.

"Certo, só um segundo." Kye anda até a porta e coloca a mão na maçaneta, prendendo a arma no cindo e fazendo com a mão para mim 1...2...3. Ele abre a porta e tenho visão do olho castanho do monstro, atiro. A bala atravessa o olho do monstro e se crava em sua cabeça. O ciclope mal teve tempo de fazer qualquer coisa, seu corpo começa a se desfazer em poeira dourada.

"Reditum. Qual é, nem estou tão fedida assim, tomei banho a algumas horas!" Vou até a soleira e o cheiro de enxofre faz meu nariz arder. "Droga, vai ficar o cheiro por umas boas horas." Digo chutando a poeira do monstro para fora da casa. Kye dá de ombros.

"Foi um belo tiro e não me incomodo muito com o cheiro, daqui a pouco vai sumir, mas acho que deveria por uma camiseta antes de sair na rua." Ele diz segurando uma risada. Olho para a rua onde algumas pessoas caminhando passavam e cochichavam entre si olhando para mim e Kye. Dou de ombros também.

"Prefiro que me vejam com sutiã a me ver sem o sutiã. Agora vamos, tenho que voltar para casa daqui a pouco ou Rachel vai começar a me ligar." Entro e subo até o quarto onde Kye me dá uma camisa vermelha com o desenho do coração artificial do homem de ferro e veste uma verde com a lanterna dos lanternas verdes. Coloco a mochila que Kye me dera nas costas e vamos em direção à garagem. Ele sobe na moto, coloca o capacete e dá a partida. Encaro a blusa dele por alguns segundos.

"Um dia, eu vou roubar todas as suas camisetas." Digo subindo na garupa da Hornet e colocando o capacete.

"Vai ter que passar por cima do meu cadáver primeiro." Ele responde.

"Isso é um desafio?" Pergunto sorrindo. Ele dá de ombros e arranca empinando.

(···)

Não demorou muito e Kye me deixa na porta da recepção do prédio no Brooklin, desço da moto e entrego o capacete a ele.

"Mesma hora amanhã?" Ele pergunta. Ajeito a mochila nas minhas costas.

"Eu te ligo." Respondo. Ele acena e liga a moto.

"Aproveite os presentes." Diz apontando para a mochila e sumindo na rua movimentada. Vou até a recepção, cumprimento Lúcio e subo de elevador até a cobertura. Ando distraída pelo corredor, bato na porta.

"Entre." Rachel diz. Entro e me jogo de cara no sofá, lar doce lar. Rachel apertava alguns botões do controle, entediada enquanto beliscava um pacote de batatas chips. Coloco a mochila embaixo do rosto como um travesseiro.

"Você está com uma cara horrível." Ela diz desligando a TV, aparentemente cheia dos comerciais.

"Tive uma longa noite, Kye me fez assistir metade de uma temporada de Supernatural." O quê? Não estou mentindo, estou omitindo as partes que ela não precisava saber.

"Qual o problema? A série é ótima!"

"Acho que eu estava cansada demais porque parei de prestar atenção na parte que o cara que tem medo de avião é possuído." Respondo virando de barriga para cima e passando o dedo na cicatriz que eu tinha no olho. "Depois simplesmente apaguei, acordei só à tarde e descobri que babo enquanto durmo."

"Você baba enquanto dorme?" Ela pergunta com um sorriso malicioso e um olhar divertido. Aceno.

"Ao menos ele me deu uma roupa para tomar um banho." Digo indo para o quarto fuçar a mochila.

"Tem certeza que não são namorados?!" Ela grita da sala.

"Nós não somos namorados!" Grito em resposta. Sento na cama e começo a abrir os espaços da mochila. Na frente, Kye havia colocado roupas íntimas e minha mascara, que agora tinha cinco talhos atravessando-a na diagonal das garras da loba. Guardo a máscara no armário e continuo minha inspeção. Abro o fecho principal e encontro Duas jaquetas de couro, algumas calças com estampa militar, camisetas com estampas de bandas, filmes e super-heróis, todas do meu tamanho. Sorrio, ele me conhece tão bem. Guardo tudo no meu armário, deixo a mochila aos pés da cama e vou para a sala encontrar Rachel.

Sento-me no sofá e coloco as pernas por cima do encosto, ficando de cabeça pra baixo. Rachel colocara Grey's Anatomy para passar na Netflix, mas não parecia muito interessada.

"O que foi?" Ela pergunta quando percebe que estou encarando.

"Você está com uma cara de tédio." Respondo.

"Estou sem NADA para fazer, não reclame do meu tédio, você passou a noite inteira com o bonitão ruivo."

"Não sei se conseguiria namorar ele. Kye é como um irmão para mim, não o vejo com os mesmos olhos que você." Respondo, como se fosse sua deixa, meu celular vibra enquanto ele me ligava. Rachel ergue uma sobrancelha.

"Se você não namorar ele, eu vou acabar fazendo isso por você." Ela diz. Faço um gesto com a mão dispensando o comentário e atendo o telefone.

"Kye, você acabou de me deixar em casa, o que foi?"

"Só queria confirmar nosso programa de amanhã à noite, com o ataque recente, duvido que os semideuses vão se arriscar hoje então temos uma folga."

"Tudo bem, pode confirmar." Desligo.

"O que ele queria?" Rachel questiona curiosa.

"Bom, vou sair amanhã com ele de novo, devo voltar mais cedo dessa vez."

"E depois me diz que não estão namorando? O que vocês fazem nesses encontros?"

"Não estamos namorando, não são encontros e fizemos coisas." Respondo. Ela simplesmente joga as mãos para cima em desistência e rimos.

 

Rachel

(Um pouco mais cedo naquele mesmo dia.)

 

As horas passaram voando, só conseguia pensar sobre o que vira no bloco de desenhos de Maya. Haviam vários outros datados desde seus 6 anos de idade até os 15, todos com vários desenhos impressionantemente realistas sobre o que imaginei serem momentos da vida de Maya, grande parte deles envolvendo criaturas mitológicas o que me fez ter certeza que ela sabia, então por que nunca me contara? Essa dúvida estava me deixando maluca. Guardei a foto de Maya onde havia a encontrado e fui para o campus.

As aulas ajudaram a me distrair um pouco de toda aquela loucura, mas meus pensamentos sempre acabavam voltando para as pilhas de desenhos sobre o passado de Maya que estavam no apartamento. Só consegui encontrar com Percy e Annabeth na saída, e isso por que estavam me esperando recostados no carro.

"O que quer que vejamos?" Percy pergunta entrando no banco de trás e se sentando no meio "Parecia bem agitada ontem no telefone."

"Também estou curiosa." Annie se senta no banco do carona ao meu lado e começo a dirigir.

"Eu encontrei." Respondo.

"Encontrou o quê?" Pergunta Annie.

"Provas, talvez suficientes para confirmar nossas suspeitas."

"Que tipo de provas?" Ela pergunta curiosa. Olho para ela.

"Você já vai ver."

Assim que chegamos ao apartamento, entrego o bloco que havia visto e eles o folheiam, analisando cada traço dos desenhos.

"Parece até que ela esteve lá." Percy murmura analisando o desenho da batalha no Princesa Andrômeda. Annabeth se levanta e vai até onde os blocos estão empilhados, abre eles em um leque e analisa as datas.

"Tem dos quinze aos seis anos, ela faz esses desenhos desde que tinha seis." Ela diz. Pega o que datava 11 anos e abre em uma folha aleatória. Essa exibia o desenho colorido à lápis de um pinheiro com uma seringa o espetando, Luke estava com a testa apoiada no tronco e um liquido verde brilhante escorrendo. "Isso foi quando Thalia foi envenenada, ninguém viu como aconteceu, só soubemos que foi envenenada por Luke. Ela esteve presente no momento."

"Então, ainda vamos leva-la ao acampamento?" Percy pergunta coçando a cabeça.

"Vamos, quero ouvir da boca dela." Digo e me recosto na parede. "Quero descobrir também o porquê de ela esconder isso de mim"

"Talvez ela não quisesse te assusta, achava que você não sabia e não falou porque você acharia que ela era louca." Diz Annie olhando atentamente um desenho no bloco de 14 anos.

"Como eu poderia pensar isso? Sou o oráculo."

"Talvez ela não soubesse que você e o oráculo." Percy diz jogando a cabeça para traz no sofá.

"Sou o oráculo desde a guerra dos titãs, ela deveria saber, se bem que nos conhecemos depois da guerra."

"Ela não estava no acampamento." Annie diz. Ela vira o bloco de frente para mim e o folheia. Nenhuma mostrava o acampamento, só lutas entre monstros e corredores escuros. "É o labirinto. Nos outros blocos a partir dos 14 anos não tem nenhum desenho do acampamento, e nos blocos antes desse, só há um desenho que tem eu e o Percy, que e o da luta no navio de Luke."

"Ela só nos viu no navio, nunca antes no acampamento, eu também não me lembro de tê-la visto antes em lugar nenhum, só na faculdade." Completa Percy.

"O que significa que ela parou de ir ao acampamento antes de você se tornar o oráculo, por isso não a conhecia." Conclui Annabeth. Sento-me na poltrona, por que ela esconderia isso?

"Nós vamos ao acampamento e vamos levá-la. Maya não esconderia isso se não tivesse um bom motivo e é isso que vou descobrir." Digo. Annabeth e Percy acenam em concordância e vão embora depois de um tempo.  Maya chega algumas horas depois, parecia um pouco pálida, mas estava bem animada. Assistimos alguns episódios de Grey's Anatomy e depois fomos dormir.

No dia seguinte, na faculdade, Percy e Annabeth se mostravam animados sempre tocando no assunto da viagem enquanto conversávamos, Maya parecia distante mas confirmou a presença. Ela foi para casa de moto e a encontrei em um sono profundo na cama, não a acordei, até porque não conseguiria nem se quisesse. Faço os deveres da faculdade e vou para a cama quando estava ficando tarde, Maya ainda estava na mesma posição. Sorrio internamente, "queria eu poder dormir desse jeito." Penso e me deito na cama, pegando num sono leve. Ouço quando Maya se levanta e me chama duas vezes. Abro um olho.

"Ahn, oi?" Digo sonolenta, mal a enxergando na escuridão.

"Estou saindo, ok?" Ela diz. Aceno devagar.

"Ahan, tranca a porta" digo e volto a dormir. Algumas horas depois, sou acordada pelo meu celular que tocava.

"Alô?" Digo ainda zonza e morta de sono.

"Rachel?" Era Nico, parecia preocupado.

"Oi Nico, o que foi?" Sento na cama e esfrego os olhos, meu cabelo grudado na cara amassada.

"Conseguimos pegar um deles, está inconsciente, você deveria vir até aqui." Ele responde animado.

"Por que?"

"Apenas venha, vai entender o porquê." Diz e desliga. Suspiro, nunca vou conseguir ter uma boa noite de sono assim. Me arrumo e vou até o carro, espero que não tenham pego mais ninguém.

 

Maya

(Pouco antes de sair)

Assim que cheguei no apartamento, tomei um banho gelado e vesti uma das calças de malha camufladada e uma blusa branca de algodão e manga longa com uma tríscele estampada nas costas e me deitei caindo em um sono leve, quase um descanso. As horas se passaram até que ouvi Rachel entrar no quarto e se deitar na cama ao lado. Depois de alguns minutos, ouço sua respiração regularizar enquanto ela pegava no sono. Inspiro profundamente e me levanto da cama, o relógio marcava 23:18, calço um par de botas e visto uma jaqueta de couro. Vou até Rachel e me debruço sobre ela.

"Rachel?" Ela não responde. Chamo de novo. "Rachel?!" Ela abre um olho ainda sonolenta.

"Ahn? Oi?"

"Estou saindo, ok?"

"Ahan, tranca a porta." Ela responde e volta a dormir um sono pesado. Pego a máscara, saio do apartamento e vou até o telhado, debruçando-me no parapeito e olhando a rua movimentada lá embaixo. Sinto quando Kye pousa ao meu lado, espio pelo canto do olho e o vejo na forma humana usando uma calça jeans e uma blusa branca.

"Pensei que você ficasse pelado quando se transformava em humano." Digo, ele se debruça ao meu lado.

"Estou treinando desde cedo fundir as roupas ao meu corpo quando me transformo, ao menos não precisaria me preocupar em assaltar uma loja de roupa toda vez que estivesse na forma humana. Esse foi o meu primeiro sucesso." responde.

"De onde tirou essa ideia?"

"Bem, você sempre está vestida quando se transforma de volta em humana, e suas roupas não rasgaram quando usou as asas anteontem, imaginei que fizesse assim."

"Não faço, é uma coisa automática."

"Não? Bom, não foi uma má ideia." Ele diz. Aceno, realmente nunca havia pensado nisso, mas não é importante. Ajeito o corpo.

"Vamos?" Ele acena e se transforma na coruja, imagino minhas asas crescerem, ponho a máscara e levanto voo, oscilando um pouco por conta das feridas recentes, mas estabilizando logo.

(···)

Estava tudo calmo, fomos pelas arvores e observamos os grupos de patrulha da fronteira, agora maiores e mais bem preparados, Deixo Kye olhando aquela área. Dou uma volta e chego até a área dos chalés onde vejo alguns grupos fazendo uma ronda interna, espertos. Ouço ao longe o som da caminhonete dos lobos e vou olhar, estavam em um grupo de cinco, apenas homens, os grupos estavam em maior número então considerei a vantagem.

"Eles entraram." Digo em mente para Kye.

"Certo. Por enquanto nenhum ataque aqui." Ele responde. Observo o grupo enquanto eles procuravam um alvo fácil, um grupo de sete campistas começou a se aproximar e o líder fez sinal para que se aprontassem. Não perdi tempo.

"Venit" Sussurro. Um arco recurvo marrom aparece na minha mão e uma aljava com flechas nas costas. Por mais que armas façam um trabalho melhor, estava com saudade do bom e velho arco. Preparo uma flecha e espero.

"Estão aqui, prepare-se. Caso eu não consiga acertar você vai atrás."

"Certo."

Os lobos cercam o grupo, um deles quebra um galho para distrair o grupo e os outros pulam sobre eles já em forma de lobos. Em alguns segundos, tudo vira uma confusão de pelos, garras, espadas e flechas, nenhum dos lados cedia. Em algum momento, um dos lobos recebeu um corte no focinho e começou a sangrar, o semideus baixou guarda por um momento achando que o tinha vencido, mas o lobo o surpreendeu e o mordeu na perna, o jogando contra uma pedra, O garoto perdeu a consciência na hora. Ouvi o som de passos apressados enquanto reforços avançavam, os lobos também ouviram. Depois de alguns segundos, conseguiram um espaço, pegaram o garoto e correram em direção à caminhonete. Respiro fundo, miro na pata do que carregava o garoto e solto a corda. A flecha se crava na pata dianteira do animal, que tropeça e cai, derrubando o semideus. Os outros param de correr para acudir o ferido, pulo de arvore em arvore até que chego numa boa distância e salto pousando silenciosamente a alguns metros de onde eles pararam. O lobo que eu acertei ainda estava com a flecha cravada em sua pata, mas conseguia andar mesmo mancando. Eles tentam pegar o semideus de novo, mas atiro outra flecha que passa raspando na cabeça de um deles, fazendo um talho em sua orelha. Eles se assustam e decidem deixar o semideus ali, preparo outra flecha só por precaução enquanto eles saem do meu campo de visão e ouço o som da caminhonete ligando. Suspiro aliviada.

"Reditum." Digo me levantando. Olho em volta e vou até o semideus inconsciente, agachando-me ao seu lado. Ele estava com um corte feio na testa e sua perna sangrava com a mordida dos lobos, mas com um pouco de Néctar e Ambrosia ficaria bem.

"Dei um jeito neles, tarefa cumprida por hoje, apesar de ainda não entender o que isso tem a ver com uma memória minha que foi roubada." Falo pra Kye.

"Ok, estou no pinheiro de Thalia te esperando."

"Já estou a caminho." Digo. Começo a me levantar mas sinto alguma coisa pontuda me espetar na nuca.

"Não se mexa, ou vou ter que cortar fora uma dessas lindas asas." Um garoto diz. Droga, Como não percebi ele se aproximar? Ele passa algum tempo me analisando antes de voltar a falar

"Levante as mãos devagar" Ele diz. Decido fazer o que pede, ao menos teria alguns segundos para pensar em um plano te fuga. Levanto as mãos lentamente. Ele se aproxima, ainda mantendo a ponta da espada ou faca na minha nuca. Não tenho visão dele, melhor não arriscar ainda. Ele apalpa meus braços rapidamente para verificar se eu escondia alguma coisa nas mangas e se afasta.

"Levante-se e se afaste do garoto. Devagar." Levanto lentamente e ando para o lado, ainda de mãos erguidas. "Vire-se." ele diz e me viro, tenho visão dele. Ele aparentava ter por volta dos 20 anos, tinha uma barba crescendo, era alto, musculoso, pele morena, estava de armadura de batalha completa, trazia uma espada longa presa ao cinto e o que pensei ser uma espada apontada para mim, era na verdade, uma lança com o cabo pouco maior que 1,50 que agora estava apontada para minha garganta. Ele levanta um pouco a ponta batendo de leve na máscara, mas voltando-a rapidamente para minha garganta.

"Tire-a." ele diz. Uma ideia surge. Levo as mãos devagar à máscara, meus movimentos sendo acompanhados por seus duros e frios olhos azuis. Seguro na testa e faço menção de desce-la para descobrir o rosto. Uma agitação na floresta atrás do semideus o faz se distrair por um momento e, nesse milissegundo, dou um tapa em sua lança afastando-a de minha garganta, levanto voo desesperadamente e tento me equilibrar enquanto esbarrava em galhos e troncos.

Depois de alguns segundos, consigo me estabilizar, mas a densidade das folhas das copas das árvores me impedia de sair por cima, tendo que permanecer em um nível em que ficava à vista de meu perseguidor. O espaço entre as árvores tornou-se maior, o que me deu uma folga para que transitasse melhor. Pouso em um galho para recuperar o fôlego e, quando pensava que havia despistado o garoto, sua lança se crava em uma árvore ao meu lado, a milímetros de distância do meu rosto. Olho por cima do ombro e o vejo correndo com um sorriso no rosto, ele estava realmente se divertindo com essa perseguição. Bufo de raiva, isso estava começando a me irritar. Tomo impulso e desvio o curso para a direita, seguindo por onde o espaço entre as árvores tornava-se cada vez mais estreito, atrasando sua passagem. Quando alcançava o que supus ser a borda de uma clareira, vejo um clarão surgir repentinamente e o atravesso em pleno voo sem poder desviar. O mundo desacelera e, enquanto atravessava a densa luz, uma sensação calorosa me envolve e o brilho ofusca minha visão, sentia como se passasse por uma bolha de água densa feita da mais pura luz, e esta envolvia cada parte do meu ser. Por um momento, esqueço de toda essa baboseira de deuses e monstros e me concentro nesse pequeno momento de paz, mas do jeito que sou azarada, obvio que não durou muito tempo.  O mundo acelera de uma vez, estou caindo, só consigo enxergar uma luz branca enquanto sentia meu corpo descer. Algo acerta meu abdômen o cortando profundamente, sinto dor e minha cabeça começa a latejar. Esbarro contra alguma coisa grande, ouço vários cracks enquanto pedras se quebravam com o impacto e caíam espalhadas à minha volta. Caio e capoto no chão até bater as costas em uma árvore, tento me levantar mas sinto algo pesado cair e pressionar minha asa direita contra o chão e explodir de dor, estava quebrada. Caio de bruços e grito sentindo minha cabeça doer como se alguém a martelasse continuamente com uma marreta, ouço um zumbido constante e me sinto tonta. Aos poucos, minha visão volta ao normal, deixando apenas um rastro de pontinhos pretos para onde eu olhava. Havia um corte muito fundo em minha barriga, eu estava perdendo muito sangue. Ponho as mãos no ferimento tenta do parar, mas de nada adianta. Tento ficar de pé, mas a pedra pressionava a asa quebrada de tal forma contra o chão que eu mal conseguia me levantar sem que minhas pernas bambeassem e eu caísse novamente.

Ouço o som de um forte bater de asas e Kye pousa ao meu lado na forma humana. Ele corre direto para a pedra e tenta a todo custo tira-la de cima da minha asa, sem conseguir mover um milímetro. Ele fica por vários segundos tentando move-la, apenas fazendo com que suas mãos ficassem em carne viva de tanto empurrar e sua camisa molhasse com seu suor.

"NÃO KYE, VAI. ELES VÃO TE PEGAR TAMBÉM." Grito para ele enquanto arfava tentando amenizar a dor. "Para, você não vai conseguir, apenas me deixe aqui."

"Não vou te deixar aqui, nem em sonhos." Ele responde arfando e com a voz um pouco embargada.

"Kye! Vai logo. Não é um pedido. Não quero que fique na mesma situação que eu, você não tem nada a ver com isso." Digo. Ele continua empurrando. Ouço passos apressados enquanto os semideuses se aproximavam.

"KYE! Vai logo!" Grito, meus olhos já se enchendo de lágrimas, ele teria que ir, mesmo que isso significasse me abandonar. Nenhum de nós queria isso, mas eu sentia que era o certo. Estendo a mão. “Kye, por favor" suplico, as lagrimas começando a descer.

Ele me olha desesperado, lágrimas começam a rolar em seu rosto. Ele vem até mim, segura minha mão, me dá um forte e demorado abraço e me beija na testa.

"Prometo que volto para te buscar, não vou te abandonar." Ele diz. Apenas fecho os olhos e soluço baixinho. Ele me dá outro abraço e, um pouco receoso, me solta, se transforma em grifo e levanta voo. Me forço a parar de chorar, apenas naquele momento, não podia demonstrar fraqueza. Continuo pressionando o sangramento, tentando estanca-lo, mas não foi muito efetivo. Meus braços começaram a fraquejar, eu estava fraca por causa do sangue perdido. Abro os olhos e vejo os meio-sangues se aproximando. O mais a frente trazia uma espada com a ponta suja de sangue, supus que fora ele a me acertar, trajava armadura completa como todos os outros, mas seu olhar, além de duro, era um pouco preocupado. Ele viu minha situação e não perdeu tempo raciocinando se eu era ou não inimiga, rasga um pedaço da blusa e o usa para estancar e fazer um rápido curativo. Vez ou outra me lançava um olhar agitado, mas não desviou os olhos do corte que era sua maior preocupação agora. Vejo os outros chegando e se aglomerando a nossa volta, antes que minha visão começasse a escurecer lentamente.

O que havia me perseguido com a lança chegou logo em seguida, deu uma olhada na situação e deu uns tapinhas nas costas do que tratava meu ferimento.

"Bom trabalho Chris, pegou ele de jeito." Disse e se abaixou em minha frente analisando meu corpo indefeso em busca de armas. Eu ainda arfava e começava a suar frio.

"Cala a boca Uriah." Chris responde. "Temos que tirá-lo daqui ou vai morrer e precisamos de informações sobre os outros."

"Eu sei." Diz Uriah. Ele se aproxima e tira a máscara do meu rosto. Tusso um pouco de sangue e encaro sua face sínica que exibia surpresa e curiosidade.

"Pelos deuses! É uma garota." Uriah diz.

"Não importa. TIREM A PEDRA DE CIMA DA ASA DELA E TRAGAM UM CURANDEIRO, RÁPIDO!" Chris grita. Poderia ter ficado acordada, mas não queria enfrentar isso tão cedo e digamos que não foi bem uma opção. Ao lado de Chris, vi a silhueta de uma criança, parecia ter oito anos, tinha cabelos castanhos, olhos vermelhos e usava um vestido marrom, ela brilhava levemente e emitia um certo calor, se aproximou de mim e tocou minha testa, ninguém mais parecia vê-la.

"Fez bem, criança. Agora descanse, sua jornada apenas começou." Ela diz. Minha visão começa a tornar-se turva e escurecer, o único som que eu ouvia era o da minha respiração que se tornava um chiado indistinto, minha cabeça lateja e sinto minha consciência se esvaindo. Escuto balbucios enquanto removiam a pedra de cima de mim e o trote de um cavalo, depois disso, mergulho na escuridão.


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