O Passado Sempre Presente. escrita por Tah Madeira


Capítulo 3
Capítulo 3




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Emília chega em sua casa, direto ao andar de cima, vai em direção ao quarto que pertenceu aos pais, põe a mão na maçaneta, respira fundo mas não entra, dá as costas e entra no seu quarto,  nunca conseguiu entrar ali depois que voltou a morar no casarão,  as lembranças ruins eram mais marcantes que as alegres,  após o banho tenta dormir, terá um longo dia pela frente no dia seguinte,  mas o sono demora muito a vir,  em seu lugar veio a lembrança que mudou a sua vida e ela sempre tentou afundar essa lembrança para longe…

 

Ela tem quase doze anos,  está no carro com Vitória, a mãe teve mais uma de suas crises e saíram de carro,  sua mãe andava em alta velocidade, gesticulava, falava baixinho sozinha,   pararam em frente a uma casa ao lado de um posto de combustível,  começou a chover, sua mãe não permite que ela a acompanhe e a deixe ali,  esta visivelmente descontrolada,  estava demora muito a voltar, Emília tem necessidade de ir ao banheiro,  decide ir ao posto rapidinho,  quando volta ao carro sua mãe vem em seguida,  mais descontrolada do que tinha ido, Emília pergunta:

—Mamãe de quem é aquela casa?

—Não importa Emília, é de alguém que nunca mais vamos ver, alguém que escolheu um caminho longe de nós. — ela começa a dirigir mais rápido que antes,  deixando Emília assustada,  falando coisas sem sentido,  sobre a vida ser injusta, que ela sempre o amou, que fora burra e cega, outras coisas baixo demais que Emília nem consegue ouvir.

—Mamãe estou assustada. —Emília diz quase chorando, ela desconhece a mulher a sua frente.

—Deixa de bobagem Emília, você tem que ser forte, muito forte sempre, não se iluda como eu - ela continua a falar,  olhando para a filha pelo espelho retrovisor do carro, seu rosto está transformando, maquiagem ela não usa faz tempo, as olheiras evidentes, olhos vermelhos, cabelo um pouco bagunçado, a mãe que ela conhecia jamais iria sair assim na rua.

 

Emília tenta lembrar qual foi a última vez que a mãe sorriu,  fazia muito tempo,  desde que ela tinha colocado o pai para fora que as coisas tinham mudado,  sua mãe antes doce e alegre, agora sempre a mantinha afastada, ou estava no quarto ou no jardim com suas rosas vermelhas sua grande paixão,  pouco falava com Emília,  as crises de depressão começou pouco tempo depois da saída do pai, antes da separação ela tinha alguns momentos de descontrole, mas eram raro.

 

Em um momento vão passar por uma curva,  e Vitória perde o controle do carro,  fazendo-o capotar um,  duas vezes na pista molhada,  o cheiro de sangue e gasolina se misturam no ar,  após o estrondoso barulho do acidente o silêncio foi total.

 

Emília acorda suando, percebe que em meio as lembranças adormeceu, sonhar com o acidente sempre a desperta de uma forma assustadora,  está em seu quarto, desceu à cozinha para pegar água,  era noite ainda,  ela foi ao jardim sentar, mas não entrou na parte fechada, onde sua mãe mais gostava de ficar,  as lembranças a pegam de jeito  e ela diferente das outras vezes, permite reviver aquilo tudo,  ainda são vivas as dores físicas e emocionais que aquele acidente deixou e tudo o que mudou depois dele…

 

Lembra pouco do resgate,  gritava muito pela mãe, que tiraram do carro e não conseguia ver a mãe, acabou apagando no colo de um homem do resgate, acordando mais tarde no hospital, Vitória foi quem mais ficou ferida, quase morreu,  Emília lembra que ao vê-la toda entubado a julgou morta,  chorou muito,  tiveram que médica-lá, dormiu,  acordou no quarto tempos depois, com a sua tia Zilda e o marido Luís ali,  eles conversam,  não perceberam que ela despertou, Emília lembra de estar deitada ainda sobre os efeitos dos medicamentos demorou a entender sobre o que eles falavam.

— Zilda eu não acredito que ela foi capaz disso.

—Não sei Luís,  tudo indica que sim,  ela estava sem vestígios de remédios ou alguma bebida,  a polícia acha que foi proposital….

— Vitória não seria capaz…

— Esses últimos anos foram difíceis para ela,  Vitória não está bem, não está—Zilda começa a chorar, Luís a abraça, tentando confortar a esposa. —Agora isso tentar se matar e levar a filha junto….

—A minha mãe quer morrer tia? — Emília consegue sentar e pergunta, pegando os dois de surpresa.

Zilda solta-se do abraço do marido para abraçar a sobrinha.

— Oi minha querida,  sua mãe…

—Ela tentou me matar também?— ela gritou quando entendeu tudo.

 

Tudo depois foi um borrão para ela, quebrou o braço e ficou com algumas escoriações do acidente,  saiu do hospital direto para a casa dos tios,  a mãe ficou hospitalizada,  Emília não foi visitá-la, não estava pronta para ver Vitória, por mais que a tia e o tio tivessem dito que nada foi comprovado, que tudo ainda era tratado como um acidente, para Emília a mãe não  queria mais viver e nem ela vivesse, tudo parecia fazer sentido, na sua cabeça a culpa era sua, não foi uma boa filha,   não foram poucas  as noites que teve pesadelo,  a tia ficava com ela até ela dormir,  mesmo com doze anos, em uma noite ela acordou suando frio. Levantou e correu para a cama dos tios.

— Tia Zilda? — ela chamou baixinho,  sabia do sono leve deles dois, a tia abre os olhos sonolenta.

— Emília,  tudo bem?  — Zilda acomoda-se na cama—Você está chorando? O que aconteceu?

— Posso dormir aqui? — entende que ela teve mais um pesadelo, Zilda a deita do seu lado abraçando ela forte,  por sentir segurança Emília logo  dorme.

 

Quase três semanas depois do acontecido a campainha tocou e ela por estar perto foi abrir,  para sua surpresa Vitória estava ali,  amparada por um enfermeiro,  seu rosto tinha poucas lembranças do acidente,  um roxo aqui e ali,  seus ferimentos em sua maioria foram internos…

 

Emília não pode deixar de sentir o coração bater mais forte, mesmo agora anos depois com uma simples lembrança,  conseguiu rever nitidamente a cena,  aquela garotinha com o braço enfaixado,  e com o olhar triste, lembra que seus olhos brilharam de saudade e  de emoção por finalmente rever a mãe,  mas tentou disfarçar.

— Oi minha filha,  posso entrar?  — sua voz soou doce,  como era antes,  Emília lhe deu passagem,  Vitória entra acompanhada pelo enfermeiro,  vão a sala de estar ele a ajuda a se sentar e se retira. Vitória fica olhando para a filha como quem quer algo.

— Tia Zilda não está.  — Emília fala timidamente,  afastada de onde a mãe está.

—Eu sei,  vim falar com você — Vitória a olha bem em seus olhos e Emília não consegue desviar o olhar, a mãe parece olhar cada pedacinho dela como quem grava cada detalhe. —Mas antes queria um abraço, você pode me dar?

A quanto tempo elas não se abraçavam, Emília nem lembrava mais,  a distância, mesmo que estando as duas morando na mesma casa,  pesa sobre elas,  foram dois anos difíceis.

Emília se aproxima passo a passo, Vitória toca em seu rosto, faz um carinho suave,  a puxa delicadamente e dá um abraço apertado na filha, que um primeiro momento fica dura, mas depois cede abraçando a mãe, sentia muita falta de estar assim junta dela, Vitória a puxa para olhar seu rosto.

— Emília, minha filha —Vitória passa os dedos suavemente na face da filha —Lembra que a mamãe disse que tem que ser forte? —  a  menina faz que sim, ela continua acariciando o seu rosto.— Esse é o momento, eu vou precisar fazer uma longa viagem —Emília sacode a cabeça como quem não quer acreditar —Estou doente e…

— Mas vou junto? —ela sabe qual vai ser a resposta, mas ainda assim precisa perguntar.

—Não minha filha,  você não pode…

—Mas mamãe eu vou me comportar,  eu vou ser boazinha, eu juro… — chorando ela abraça novamente a mãe.

— Emília por favor, ouça a mamãe —Vitória tenta puxar ela, para ver em seu rosto,  mas não consegue, Emília grudou em seu pescoço, e está soluçando em seu ouvido,  ela então ajeita Emília em seu colo e mesmo com as dores que ainda sente, a embala em seu colo ela dorme soluçando.

 

Ela lembra que ao acordar mais tarde  ela já tinha ido embora, Emília ainda chora ao lembrar disso,  lentamente sai do jardim e volta ao quarto, abre a gaveta que tem no criado-mudo,  pega uma caixinha e dali tira a correntinha de ouro com metade de um coração,  seu nome, da mãe e do pai estão gravados ali,  lembra como ficou feliz em ganhar e mais ainda por ver que a mãe tinha um igual,  depois daquele tarde em que a mãe a deixou,  ela  nunca mais usou a corrente,  chegando a colocar fora em um aniversário que a mãe não foi, mas o tio gentilmente a devolveu,  daquele dia em diante passou a morar em definitivo com os tios,  eles tinham a sua custódia,  abraçada aquela corrente ela chora pelo abandono da mãe,  pelo pai nunca ter ido procurar por ela. Chorou como se ainda estivesse nos braços da mãe naquela tarde quando ela a abandonou, saindo furtivamente enquanto ela dormia.


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