Proibido para menores de 70 anos escrita por Gabi Wolf, Giovanna Wolf


Capítulo 15
O plano circense - parte final




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P.O.V Nicolas

— Respeitável público, crianças de todas as idades, senhoras e senhores... Senhoritos e senhoritas, eu apresento a vocês o mais novo espetáculo espetacular da família Malkovich.... Preparem suas cadeiras, segurem suas pipocas. Agora vocês irão ver algo fenomenal: equilibristas e bailarinas sem igual...- o apresentador praticamente gritava ao microfone, sendo iluminado por um facho de luz gigante, ou melhor, por um holofote da cor vermelha.

— Vai demorar muito ou o Francisco vai falar isso logo?- Manuel estava impaciente, ajeitando suas calças extremamente apertadas para alguém como ele.

— Sossega aí Manuel...- Tio Barnabé tentou tranquilizar o amigo.

Sério, o Tio Barnabé não parecia o tio Barnabé. Ele estava muito engraçado na verdade. Seu rosto negro estava todo coberto por um pó branco e em ambos os olhos, dois losangos pretos estavam desenhados. Ele vestia um terno longo e com uma gravata borboleta preta. Apenas sua bengala continuava intacta e aqueles dentes meio apodrecidos dele. Realmente, ele estava um mágico irreconhecível.

Já eu, eu não poderia dizer o mesmo.

— Puxa, você está uma linda bailarina Nicolas!- Camila riu, dando voltas ao meu redor, saltitando, como a Valentina por vezes fazia. E por incrível que pareça, eu tinha de admitir. Eu nunca em minha vida havia estado tão ridículo com aquela saia pinicando nas minhas canelas e aquela peruca horrorosa caindo sobre minhas costas semi-nuas.

Ignorei Camila e fui me encarar no espelho. Nunca na minha vida eu usaria uma peruca novamente. Aquilo incomodava demais... E o que dizer da maquiagem feita pela Camila então? Eu parecia uma perfeita garota, vestida com aqueles trajes cor-de-rosa.

— Está parecendo a Joelma com esse cabelão.- Camila ainda ria, e seu reflexo se fazia visível no espelho, ao lado do meu. Só que ela estava bem mais legal, vestida como palhaça. Ela usava uma blusa de seda cheia de bolinhas vermelhas e seu cabelo sedoso e brilhante fora substituído por uma peruca volumosa das cores do arco-íris. Ela também usava nariz vermelho de plástico-daqueles de lembrancinhas que vinham em festas infantis- e uma maquiagem de Ronald Mcdonald. Já a calça era bem larga e de bolinhas também.

— Bons tempos...- suspirou Barnabé.- Sempre que assistia aos trapalhões, eu imaginava como eu seria como um deles. E bom... aqui estou eu, vestido de mágico nesses trajes que incomodam.

— Trapalhões? Que raio de nome é esse?!?- indaguei, de saco cheio daquele tutu. Me coçando todo.

— Era um grupo de atores que os fazia. Era um grupo formado pelo Renato Aragão e seus companheiros... O Didi, Dedé, Mussum, Zacarias...

— Era um filme, então?- Camila estava curiosa com alguma coisa, pela primeira vez.

— Eram ótimos filmes de comédia.- Manuel completou.- Não se existem mais filmes como os saltimbancos...

— Pois é...- Barnabé suspirou, saudoso.

Do jeito que eles estavam falando, aquilo parecia ser legal mesmo. Eu não sabia o motivo, mas acho que eu era o único da minha sala que se preocupava com coisas além do meu tempo, sabe? E acho que pela primeira vez, senti orgulho disso. Já que se não fosse pelo meu gosto, eu não estaria com o vovô nesse momento, e nem com seus companheiros doidinhos de pedra.

Ouvimos o Francisco expor os palhaços e imaginei que era a deixa da Camila. Em pouco tempo, descobri que seria a minha também, mas claro, depois dela.

Ela, convencida passou por mim, nem imaginando que eu havia mostrado a minha língua para ela, e atravessou aquelas cortinas que nos separavam do verdadeiro público.

Vai tarde, pensei.

Sentado em um balde de ferro virado para baixo, ouvi algumas risadas, mas minha curiosidade estava me matando. Eu queria muito ver a capacidade que a Camila tinha de fazer as pessoas rirem, porque na minha opinião, eu me dava muito melhor naquele papel se alguém me perguntasse. Ela era péssima nisso. Era péssima em escalar coisas. Era péssima em tudo.

Bufei. Quem eu estava enganando? Ela era boa em tudo... Como eu queria ser melhor que ela!

De repente ouvi um assobio. Olhei ao redor para ver quem me chamava. Vi uma cabeça na brecha da cortina de veludo. Camila havia enfiado sua cabeça de palhaço para dentro dos bastidores. E agora, estava me chamando.

— O que foi?- sussurrei o mais baixo que pude.- Alguma coisa errada?

— O número é de palhaços e bailarinas.- ela falou.- Você. Vem comigo.

— Mas, o quê?!?- ela então, puxou minha mão com força e me fez passar para o outro lado. Quando abri os olhos, estávamos no palco. Estávamos rodeados de pessoas. Por cima, vi alguns trapezistas voarem sobre minha cabeça. Eu via as pessoas rindo. Se divertindo. E de repente, desejei muito que o chão me engolisse e me mandasse para a China.

— Faça alguma coisa!- Camila ordenou sussurrando.- Não fique parado.

— O que eu posso fazer?!?

— Dance. Você é uma bailarina, esqueceu?

— E você me deixa esquecer isso?!?- eu dei um sorriso meio sarcástico.

Ela pisou com força no meu pé. Dei um arquejo bem alto de dor. A música de fundo parou de tocar. Tudo parou de rodopiar ao meu redor. Todos os olhares estavam voltados para mim.

— Ui...- terminei meu arquejo, um pouco assustado. Percebi que do público, sentadas na arquibancada, estavam Filomena, Valentina e vovô Bento. Valentína havia coberto os olhos com uma das mãos, como indicando que eu havia feito algo de muito grave, embora eu não desconfiasse muito do que era.

De repente, senti uma pancadona na cabeça e quando dei por mim, estava no chão, deitado. Havia uma rodinha ao redor de mim e por um momento me perguntei o que havia acontecido. Minha cabeça doía. Minha saia estava amassada. Meu pé estava formigando.

— Você está bem garota? – Um dos palhaços mais velhos perguntou, parecendo apreensivo, olhando para mim.

— E-Estou.- respondi. E então me lembrei que eu estava em um número de circo e deveria agir como uma bailarina.- Por favor, não se preocupem comigo. Foi só uma indisposição. Que volte o número!- falei, me levantando, mancando um pouco.

— Ela está bem!- o tal palhaço disse ao público.- Agora vamos leva-la ao hospital. Mas, para isso, precisamos chamar ambulância. Vocês me ajudam crianças?

Então em coro, a plateia começou a berrar ambulância. Alguns palhaços vestidos de enfermeiros apareceram, dançando e me pegaram como pegam uma daquelas estrelas do rock quando eles pulam do palco. Estava por cima de suas cabeças, erguido pelas suas mãos. Consegui ver tudo de lá e por um segundo, me senti um máximo.

O show se seguiu e eu estava no cantinho do palco quando foi a vez do tio Barnabé.

— Respeitável público, eu lhes apresento: Rhajam o mágico! – Então tio Barnabé entrou no palco, após uma onda de palmas. O holofote seguiu sua figura. Ele parou ao centro do palco. Trouxeram uma mesa redonda forrada à sua frente.

Tio Barnabé inacreditavelmente, retirou sua cartola preta de sua cabeça e a colocou sobre a mesa. Em seguida, enfiou a mão dentro dela. Meus olhos não se desviavam de suas mãos, que estavam cobertas por luvas brancas. Ele parecia sério e nenhum traço e brincadeira transparecia em seu rosto.

Vi uma coisa peluda branca aparece conforme ele retirava a mão da cartola. Ele puxava as orelhas de um coelho branco de gravatinha. Colocou-o na mesa. Uma salva de palmas.

Estava surpreso e assim como a plateia, eu não fazia ideia de como ele fizera aquele truque.  Eu só conseguia concordar comigo mesmo que o Tio Barnabé era o melhor tio do mundo.

O show seguiu-se e a cada truque que ele fazia eu me sentia mais encantado. Até que ele perguntou a plateia:

— Preciso de um voluntário.- ouvi alguns “eus”, ou “me escolhe”. E por incrível que pareça. Ouvi um “eu te amo” pronunciado por uma voz masculina.- Você.- ele apontou para mim. Como ele poderia...- Você é perfeita. Venha aqui garotinha.

Estreitei os olhos. Ele estava brincando comigo? Mas, mesmo assim, seria falta de educação se eu não obedecesse, - e seria muito mais mal-educado agora, já que eu interpretava uma frágil bailarina.- e com isso em mente, me aproximei daquele mágico que eu fingia não conhecer.

Ele estendeu sua mão a mim. Entreguei a minha, que estava suada, de tão nervoso que eu estava naquela multidão toda. Ele aceitou o gesto e depositou um beijo nas costas dela, como se eu fosse realmente uma garota. Eca! Acho que depois disso, eu iria correndo lavar minha mão...

— Temos uma garota corajosa aqui.- ele falou.- Qual é o seu nome?

— Naime. – falei, meio hesitante. Era o único nome que eu conseguia lembrar, já que eu havia uma colega de sala que se chamava assim.

— Bom... Naime. Você se importa de ser cortada ao meio?- ele perguntou, amigavelmente. A plateia riu. Eu fiz uma cara de incrédulo, para incorporar o personagem.

— Na verdade...- eu ia começar a falar, mas ele já foi me dando ordens:

— Por favor, entre aqui.- ele apontou para uma caixa enorme, maior que eu. Era bem alta e quadrada.

Fiz o que ele havia me pedido e adentrei naquela coisa enorme. Ele fechou três pequenas portas, uma que me dava na altura da cabeça, outra que me dava na altura da cintura, e outra que me dava nas canelas para baixo. Conseguia ver um pouco de luz emanando daquelas brechas finas.

Admito que eu estava um pouco assustado. Afinal, não era todo o dia que você fingia estar sendo cortado.

Em poucos minutos, a primeira portinha se abriu. Consegui ver o rosto assustado da plateia. Acho que a mágica estava dando certo. E novamente, me perguntei como Barnabé havia feito isso. Tudo ficou escuro de novo, e a primeira porta de fechou.

E foi assim nas duas vezes seguintes, só que com as outras portas e quando dei por mim, o número havia acabado. O público vibrava, emocionado.

Rapidamente, chegou a vez de Manuel. Estávamos atrás da cortina, tentando incentivá-lo ou melhor, acalmá-lo:

— Você vai conseguir Manuel.- falei, sentado em cima daquele baldinho.- Tô, aqui o seu capacete- entreguei-o a ele, que sorriu em troca.- Vai dar tudo certo. Afinal, chegamos até aqui, não é?

— Obrigada Nicolas... Mas...- quando ele ia falar, vimos que os outros participantes do número chegaram ao nosso lado. Todos estavam trajados como motoqueiros com roupas legais e bem masculinas. Um deles ajeitava o capacete e era loiro, e tinha uma barba idêntica ao do Manuel. Eu me perguntei se eles deveriam se conhecer. Mas, então, algo se destacou nos meus pensamentos: aquele era o mesmo cara que havia expulsado Manuel do grupo dos motoqueiros. Era o cara que havia jogado o capacete no colo dele.

E acho que o cara percebeu a mesma coisa.

— Ora, ora.... Olhem quem está aqui rapazes.- aquela trupe sem graça riu.- É o perna de pau. Ou melhor, o imprestável do Manuel. O que você está fazendo aqui, garoto? Veio fazer bebê chorar?!?

Eles riram novamente, ao contrário de todos nós, que estávamos bem sérios.

— Eu vim competir. Realizar o meu sonho.- Manuel respondeu friamente.

— E o seu sonho é cair em público?!? Ser um fracassado em conjunto?!?- o cara riu, revelando um sorriso de dentes bem aliados. Devia ser um daqueles filhinhos de mamãe. Os caras pareciam se divertir à beça, como diz minha avó.

— Vocês são uns fracassados.- de repente mal acreditei quem estava falando. Era Camila, ainda vestida de palhaço.- São umas franguinhas isso sim! Compram as motos mais caras do mundo para compensar o que não tem... Vergonha na cara.

— Ui!- um dos caras exclamou.- Passado por uma garotinha...

— Cala a boca, idiota! - O sorriso despareceu no rosto daquele homem e ele colocou o capacete.

Camila se aproximou do avô e ficou de frente da moto do mesmo. Ela colocou a mão em um dos ombros largos do seu avô e olhando fixamente em seus olhos, pediu:

— Arrebenta vovô.- ela fez um sinal positivo com uma das mãos e pude ver que os olhos de Manuel estavam brilhantes, como se ele fosse chorar. Mas, para não passar vergonha- eu acho- ele tratou de manter sua pose e apenas assentiu com a cabeça.

— Sim senhora.- ele disse, antes da cortina se abrir.

Francisco anunciou o próximo número e ouvimos o ronco das motos. Fumaças começaram a sair do escapamento. Barnabé deu um tapinha nas costas do amigo, como se estivesse incentivando-o. Manuel olhou para trás e deu uma piscadela. Eu tinha a certeza absoluta que ele realmente iria arrebentar.

As cortinas abriram-se e depois que elas se fecharam novamente, Camila me puxou para sair dos bastidores e tentar ver seu avô. Enquanto as luzes estavam apagadas, eu e Camila atravessamos a cortina, descemos do palco e nos sentamos em uma das cadeiras livres da primeira fileira.

Uma luz azul surgiu, iluminando parte do globo. Outra luz foi acesa, dessa vez da cor rosa, iluminando a outra parte. Uma música de funcho começou a tocar e percebi que era uma espécie de rock, mas não daqueles pesados. Deveria ser de alguma banda famosa do tempo do vovô Bento, mas claro, internacional.

Eu estava ansioso para ver o que Manuel faria.

A primeira moto surgiu e entrou no globo. Em alta velocidade, o motoqueiro começou a girar em círculos, iluminado pela luz azul. O barulho do pneu era transparente, e o motoqueiro por trás do capacete parecia ser confiante.

Outra moto entrou, dessa vez iluminada por uma luz verde e ambas começaram a rodopiar em direções opostas, mas sem bater.

A terceira e a quarta entraram também, iluminadas por cores diferentes. Estava quase no momento de entrar a quinta, que eu apostava ser o Manuel, porque eu tinha a certeza de que ele era muito melhor do que o resto que ali estava.

Desviei o olhar para Camila, para ver o que a mesma estava fazendo. Ela estava intacta, e ao julgar pela sua posição na cadeira, totalmente espremida, deduzi que ela estava mais nervosa do que o avô. E além disso, ela mantinha os olhos a todo momento no palco, preocupada.

— Vai dar certo.- eu disse.- Ele vai conseguir. Seu avô é bem valente. Vai se dar bem. Afinal, é isso que ele gosta, não é?!?

— É...- ela respirou fundo.- Como se eu não soubesse disso...- ela parecia insegura. Mas, dei de ombros, imaginando que isso iria passar.

Então de repente, a quinta moto surgiu. Uma luz amarelada iluminava Manuel, que tinha o rosto coberto por um capacete que refletia a mesma cor de luz. Ele parecia convicto. E pronto para se arriscar.

A porta do globo se abriu. A moto entrou.

Senti algo macio e aquecido sobre a minha mão. Olhei para ver o que era e levei um susto ao ver a mão de Camila em cima da minha. Olhei novamente para ela e vi que ela mal percebia que havia feito isso- ou se havia feito de propósito parecia ignorar. Dei de ombros e mais uma vez deduzi que ela estava apenas nervosa e esse era o tipo de comportamento que as garotas tinham quando estavam apreensivas.

Voltei meus olhos ao palco a ponto de ver Manuel rodopiando lentamente com os outros. Porém, de repente, a moto dele começou a rodopiar mais rápido. O barulho de pneus estava mais alto, como aquele ruído que os carros Ferrari faziam quando estavam na pista de fórmula 1. Faíscas alaranjadas saíram do pneu traseiro e percebi que a plateia estava surpresa. O circo entrou no clima, a música tocou mais alta, luzes pretas e brancas começaram a piscar, como flashes de câmeras digitais.

De repente, quase pulei da cadeira quando Manuel ergueu as duas mãos para o alto, fazendo um símbolo de rockeiro. As outras motos pararam, intactas e com suas cabeças, seguiam a moto de Manuel, que rodopiava acima delas.

Era incrível. Era genial. E por um momento me senti feliz e orgulhoso de Manuel. Ele estava realizando seu sonho. Ele era livre.

A imagem do motoqueiro começou a ser substituída, na minha mente, por um Manuel mais jovem. Ele não tinha barba, mas tinha lustrosos e farfalhantes cabelos esbranquiçados. Ele ria. Era um jovem qualquer. Estava livre de tudo.

A imagem transfigurou-se novamente e pude ver um garotinho baixinho, como aquele garoto que havia visto na foto do vovô. A tirei do bolso traseiro, e naquele escuro, apenas pude passar a mão encima dela. Agora, Manuel realizara seu maior sonho. E finalmente pude enxerga-lo como ele realmente era por dentro. Dentro de toda aquela banha e barbas másculas, eu enxergava um audacioso garotinho loirinho, fazendo do mundo um lugar melhor.


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