Monarquia Indesejada escrita por Anne Ribeiro


Capítulo 4
Decisões


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem! ♥



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Zumbidos. Ouvia zumbidos vindos de algum lugar, só não sabia ao certo de onde vinham.

Virei sem vontade na cama macia demais, onde molas de séculos atrás rangiam sob meu corpo dolorido pelo desconforto das coisas ‘históricas’ que o palácio proporcionava. Peguei com pressa o travesseiro e abafei os zumbidos, que até então ficavam mais próximos da porta do meu quarto.

O que pareceram segundos depois, desisti de enrolar na cama e fingir que conseguiria dormir. Assim que percebi, através do relógio no criado mudo, que passavam das 6h, estranhei. Esfreguei os olhos e depois corri cada centímetro do quarto, em busca de Charlie. Já era para ele ter irrompido pela porta, aberto as cortinas e ter preparado meu banho.

Ele sempre foi ágil nestas tarefas, mas hoje não. Embora estivesse ouvindo a voz dele – ou o que parecia ser – por baixo da porta fechada. Charlie tinha a mania de falar sozinho e, pensando nisso, levantei correndo da cama para ver se ele tinha se esquecido de mim e conversava com seus botões.

Para minha surpresa, assim que abri a porta o encontrei com uma das governantas do Palácio. Sobre seu ombro havia um pano de prato colorido e em suas mãos um cardápio aberto, que discutia aos sussurros o que teremos para esta noite.

— Esta noite? – murmurei, com a voz rouca de sono e bocejando.

— Príncipe Oliver! – eles exclamaram, com pudor.

Sorri, imitando a mesura desnecessária que eles eram obrigados a fazer, todas as vezes que nos viam. Eu não fazia questão, já meu pai...

— Já está tudo resolvido, então? – Lady Lola perguntou a ele.

— Tudo na mais perfeita ordem – afirmou, com profissionalismo.

Ela assentiu e fez outra mesura antes de sair.

Cocei a cabeça, dei um outro bocejo e olhei meu cabelo bagunçado no espelho, no único espelho dentre os quadros dos últimos monarcas.

— Estou perdendo algo importante, Charles? – perguntei, carrancudo.

Charlie sabia que, quando o chamava pelo nome, boa coisa não era. Por este motivo, endireitou a postura e caminhou até mim, estufando ainda mais o peito.

— Sua Alteza, haverá um baile na noite de hoje. O senhor foi intimado, pelo seu pai, a comparecer no Salão Principal, às 21h em ponto.

— E a que devo a honra de um convite tão formal? – questionei, apoiando-me na porta aberta e cruzando os braços. – Qual é, Charlie. Temos bailes quase todos os dias, e eu sempre falto na maioria deles – zombei.

Ele pigarreou, com o semblante triste.

— Vossa Majestade vai escolher uma esposa para o senhor.

Após ficar sem saber como me portar, ou o que falar para Charlie, voltei ao quarto. Como sempre, ele abriu as cortinas que eu nem sequer pensei em abrir, trocou a roupa de cama e preparou meu banho.

Agora faltavam poucas horas até o baile, e decidi passear pelo palácio, a fim de esvaziar a mente. Porém, não muito longe do meu quarto, havia o do meu irmão e a porta estava aberta, então entrei e me acomodei.

Philipp nunca levava nada a sério, muito menos o iminente convite de casamento de hoje à noite.

— Ela não deve ser feia, Ollie – ele brincou, encarando minha carranca franzida através do espelho de corpo inteiro.

— Como se você se importasse com isso – murmurei, lembrando exatamente o porquê do seu comentário.

Apesar da idade e aparentar inocência, Philipp III não era nada assim. Diferente de mim, que tinha os holofotes sobre meu rosto, minha vida e os caminhos que traçava, ele vivia em boates. Se disfarçava com roupas normais, pegava um chapéu de um time de beisebol e só voltava altas horas da madrugada. Seu rosto não era muito conhecido e, bastava uma maquiagem, óculos escuros e uma graninha extra para os donos das boates, que ninguém percebia que ele estava lá.

E, se alguém o reconhecesse, ele logo imitava o sotaque de outro país, que logo desistiam de compará-lo a ele mesmo.

— Ah, cara – ele falou, jogando o braço sobre meus ombros – você se preocupa demais. Deveria levar a vida como eu. É fácil não ligar para nada, viver a vida e deixar acontecer.

Retirei o braço dele dali, fazendo tilintar as condecorações militares, e dar o nó na gravata.

— Eles não cobram nada de você, por isso você tem essa vida boa.

— E você só reclama. Vai poder escolher uma das moças do salão como sua esposa. Deve ter uma bonita, outra gostosinha – ele sorriu – e até mesmo um que seja do seu gosto.

Parei de abotoar as abotoaduras de ouro e zircônio. O sorriso sumiu.

— Como ‘um do meu gosto’? – perguntei, levantando uma das sobrancelhas. – Eu não sou gay, se é isso que quer saber – expliquei, voltando à tarefa.

— Você nunca se interessou por ninguém.

— Só queria saber o que ‘não sair pegando ninguém como você’ tem a ver com ser gay.

Revirei os olhos.

— Como já disse: você se fecha. Nunca saiu comigo, mesmo disfarçado, à noite. Sabe que dá para fazer isso, inclusive daria hoje se não tivesse o baile em que precisa comparecer – comentou, jogando-se de costas na cama, sem se importar com os amassados que ganharia. Claro, ele não precisava passar sua própria roupa. Na verdade, nem eu.

Mas, e se...

— Eu topo! – afirmei, abrindo os botões.

— Topa o que? – perguntou, dando um pulo da cama.

— Topo seu convite – respondi, dando de ombros.

— No dia de um dos bailes mais importantes da sua vida?

— Cansei de ser obrigado a fazer o que não quero. É agora ou nunca!

— É pra já, Ollie! – exclamou, trocando de roupa.

— E eu?

— Ah é – falou, percebendo que não tinha roupa. – Já volto – avisou, correndo porta afora.

Assim que voltou, carregava consigo uma muda de roupas ‘normais’. Nada de terno e gravata, como os que costumávamos vestir todos os dias. E em vez disso, havia três calças jeans, duas blusas claras e um par de tênis pretos.

Em menos de meia hora, estávamos prontos para o que quer que fosse. Phill sorria com tanto mistério, que me amedrontava. Mas, o caminho já estava traçado e não havia forma alguma de voltas atrás com o que farei. Se retornasse ao Palácio, encontraria meu pai bufando e se desistisse de ir às boates com meu irmão, seria considerado fraco e sem palavra. Decisões, decisões...

E, que venha a noitada!


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Notas finais do capítulo



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