Monarquia Indesejada escrita por Anne Ribeiro


Capítulo 5
Confusão


Notas iniciais do capítulo

Infelizmente, fiquei sem luz e internet. Por causa disso, não pude cumprir com meu compromisso de entregar o capítulo no dia certo. Mil perdões!



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Pela primeira vez, nos últimos seis anos, não sentia dores na coluna. No entanto, minha cabeça explodia.

Virei para o lado oposto à luz, que brincava com meus olhos, para prolongar um pouco mais a manhã de sono, antes que Charlie aparecesse e recitasse minha agenda de compromissos, abrisse as janelas e preparasse meu banho.

No entanto, logo que virei, percebi que as molas não rangeram sob meu corpo. Onde estava deitado não amoleceu com meu peso, nem afundei meu rosto no travesseiro dourado, cujo cheiro de amaciante me era familiar.

Pelo contrário.

Então, abri os olhos assustado. O pânico tomou conta de mim, acelerando a respiração e com isso, afastando o pó do chão de terra batida e seca. Sentei no que achava que era a minha cama e notei que, ao meu redor, não existia o quarto luxuoso no qual dormia todos os dias.

No lugar de paredes pintadas de preto, fios de palha entrelaçavam-se umas nas outras, formando um tapume bem trabalhado, e algumas tiras mal trançadas permitiam que feixes de luz clareassem o chão, em um caminho torto até o lugar onde deveria haver uma porta. No chão, um trapo velho sujo e surrado, que mal cabia meu corpo e que fedia a suor. E onde deveria haver um travesseiro, na verdade, nada existia.

Notei que dormira a noite toda em cima do meu braço, que agora formigava. Estiquei-o algumas vezes para ver se aquele incômodo passava, e até melhorou. Porém, não o suficiente para me apoiar e conseguir levantar. Por conta disso, usei o outro braço, que estava normal.

Andei devagar até o que parecia ser uma porta, mas meus pés descalços não estavam acostumados a pisar nas pedras irregulares, que encontrei assim que deixei o que parecia ser uma oca.

Do lado de fora, havia uma garota, sentada ao redor de uma fogueira apagada. Um rastro de carne assada encontrou meu nariz, fazendo meu estômago roncar alto e, por este motivo, ela me encarou. A adolescente, aparentemente, me observava com ira nos olhos castanho-escuros.

Me aproximei dela hesitante, contudo, mesmo que ela ainda mantivesse aquele olhar irritado, sentei ao seu lado. Ela se afastou, sentando em outro tronco de madeira, e usou um pedaço de ferro para cutucar as cinzas.

— Bom dia – falei, com menos receio que antes. Ela não iria me atacar com aquele pedaço de ferro, no qual se agarrava com tanta força, que os nós dos dedos sujos ficaram momentaneamente esbranquiçados em sua mão maltratada. Não obtive resposta.

Com mais confiança, porque se fosse para me atacar já o teria feito, busquei seu olhar.

— Acredito que você não saiba quem sou eu, e não foi essa a educação que um p...

Antes que pudesse completar a frase, tudo voltou tão depressa que fiquei zonzo.

Na noite de ontem, ou que achava ser, saí com meu irmão para a tal noitada que ele disse que eu iria me divertir. Saímos pelos fundos do palácio, e do lado de fora havia um carro popular nos esperando. Os vidros eram escuros, assim como tudo dentro dele. O motorista, seu amigo, nos conduziu até uma boate.

Ela era uma das mais conhecidas. Percebi isso assim que ele estacionou do lado de fora, onde uma longa fila aguardava ser atendida. Luzes neon viajavam de um canto ao outro do céu, enquanto as pessoas dançavam do lado de fora mesmo. Haviam até mesinhas, onde alguns esperavam ali mesmo sentados e conversando.

— Tome – Phill falou, me cutucando. – Pegue esses óculos e essa peruca. Ninguém irá reconhecer você assim.

Meio confuso, pois nunca vira uma de perto, fiz o que ele recomendou. Contudo, meu irmão não pareceu satisfeito, fazendo uma careta em desaprovação.

— O que é agora? – perguntei irritado, percebendo que uma gargalhada ameaçava estourar.

E pouco depois, ele gargalhou.

— Nada – respondeu, depois de engasgar e beber um gole d’água que trouxera George. – Ollie, você realmente precisa sair mais. A vida não é só dentro daquele palácio enorme, com pessoas te servindo e você nem sabendo preparar seu próprio banho.

— E como é que aprender a usar uma peruca vai me ajudar em algo? Nunca precisei! – afirmei, ajeitando a peruca torta.

— Nesse momento vai...- replicou, me ajudando a ajeitá-la – e muito.

— Vamos logo – reclamei, impaciente.

Após encontrar a posição certa da peruca loira, saímos os três do carro escuro. Como a intenção era não chamar atenção para nós, entramos pelos fundos, onde um conhecido do George, nos aguardava ao lado de uma porta enferrujada.

Phill tinha razão: eu precisava sair mais vezes. Aquelas luzes neon do lado de fora também haviam aqui dentro, com música alta que dava dor de cabeça em qualquer um que tivesse ouvidos. Mas, não foi o que encontrei.

Uma multidão dançava ao som do que parecia uma batida intensa e rápida, equilibrando copos com bebidas de cores variadas e odores até que agradáveis.

Me espremi entre o corredor de gente, evitando ao máximo não esbarrar em ninguém, ao seguir Phill e seu amigo, que já sumira. Pelo menos, não por muito tempo.

George, que suava como eu, sentou-se em uma mesa e fez sinal para que nos aproximássemos.

— Tá abafado aqui – comentei, puxando a gola da camiseta cinza.

— Cara, você só sabe reclamar – replicou George. – Tanta coisa para fazer e só vê o lado ruim. Acho que uma bebida vai te fazer bem. Garçom – ele chamou um, que equilibrava uma bandeja com as mesmas bebidas que vira. – Escolhe uma – incentivou, sorrindo e trocando um olhar com meu irmão.

— Eu não bebo – argumentei, sondando a bandeja.

Uma porção de amendoim, batatas chips e azeitonas também haviam ali. Comecei pelo que conhecia e gostava.

— Só isso? – Phill perguntou, encarando a porção de amendoim que colocara sobre a mesa. – Nada disso – afirmou, escolhendo ele mesmo um dos copos. – Beba isso – pediu.

— Se vocês insistem...- falei, dando de ombros. Experimentei, sentindo o primeiro efeito: a ardência.

Estava com fome, muita fome, e ela bateu no fundo do estômago como uma âncora no fundo do mar de Ethérea, onde um dia visitarei.

— É...forte – respondi aos seus olhares zombeteiros, fazendo careta. – Porém, gostosa. Pode pedir mais uma para mim?

— Você que manda, Príncipe Oliver Borough Irving Mitchell Robinson.

— Shhh, fala baixo – pedi, encarando-o irritado.

— Ah, qual é – criticou George, sem humor. – Não posso me divertir com a realeza?

Dessa vez, Phill intrometeu-se.

— George, você está passando dos limites – murmurou, segurando o braço do amigo. – Talvez não saiba, mas há guardas nos quatro cantos dessa boate, e um deles está sentado bem atrás de nós – avisou, cumprimentando disfarçadamente o homem à paisana, que balançou a cabeça confirmando. – Não se faça de engraçadinho, ou pedirei que ele ‘cuide’ de você. Estamos entendidos? – ameaçou, sorrindo.

— Sim – ele falou, amargamente. – Eu já volto – avisou, deixando-nos sozinhos.

— Está gostando? – Phill perguntou, observando ao redor. Uma jovem, não muito distante de nós, sorriu para ele.

— E como. O que vocês costumam fazer nesse tipo de lugar? Há algo mais além de dançar, beber e comer? – perguntei, curioso. Sair com ele estava sendo divertido até e, quem sabe, por causa da bebida forte, a diversão vinha mais depressa. Sem que eu percebesse, a música já não incomodava tanto assim como o calor.

Ele sorriu.

— Está vendo aquela garota sorrindo para mim? É conhecida minha de outras...noites. Por assim dizer – complementou, gesticulando. – Antes de sairmos do palácio, lembra que fiz uma ligação?

— Sim, lembro – confirmei, observando-a disfarçadamente.

Lembrei também que ele quase tropeçou nas minhas roupas, que deixei espalhadas no carpete dourado do seu quarto padrão. Ele não mudou nada no dele, por achar que era mais do que o suficiente para se acomodar.

— Pedi a ela que trouxesse uma amiga, para meu primo distante. É claro que ela não sabe que somos da monarquia – ele apressou-se em dizer, percebendo a confusão iminente em meu rosto.

— E onde está essa amiga? – perguntei, correndo os olhos pelo grupo de amigas que a cercava e dançavam juntas.

— A mais baixinha de todas – respondeu, indicando com o copo quase vazio, a menos sorridente delas.

Menos sorridente e, por consequência, menos solta delas. Talvez ela tenha vindo e não se sentia à vontade como eu, nesse lugar lotado, com música que não fazia meu gosto e com bebidas fortes que me deixava zonzo.

— Vai lá – ele incentivou, assim que George retornou.

Olhei pros lados, ajeitei minha camiseta amassada e estufei o peito. Era tão natural assumir uma postura nobre, que estava entranhado em meu comportamento normal. Porém, Phill gritou antes que me afastasse:

— Natural.

— Natural – repeti, me encurvando.

Regras de etiqueta me foram passadas ao longo de todos os meus anos, e não seria nada fácil abandoná-la mesmo em meio à multidão que nem sonhava que meu nome não era Oliver, príncipe regente. Agora eu seria Ollie, como Phill instruiu no caminho até aqui.

Eu deveria evitar ao máximo usar palavras difíceis e linguagens inapropriadas. Etiqueta? Para quê? Ele disse, depois de dar uns tapas na minha cabeça, assim que pediu que o imitasse enquanto instruía meu comportamento que deveria ser usado agora. Nada de postura ereta, nada de chamar alguém de senhor ou senhora, nem de oferecer o braço para ir a algum lugar. Muito menos fazer cara de ofendido, se alguém encostasse em mim. Nesta noite, era um plebeu.

— Olá – falei, com uma certa distância.

Suas amigas sorriram e logo se distanciaram, deixando-nos sozinhos. Ao perceber isso, ela virou-se para mim e sorriu, jogando os cabelos.

— Olá – ela disse, aproximando-se. – Soube que está de passagem – comentou, sussurrando em meu ouvido. De início, achei estranho demais. No entanto, lembrei que precisava fingir e não a afastei automaticamente.

Pelo visto, ela havia ingerido uma quantidade considerável da bebida verde, que tinha cheiro de menta.

— Você vem sempre aqui? – perguntei, só depois de vasculhar meu cérebro e encontrar alguma pergunta pertinente, que costumava ver nos filmes em uma situação como essa.

Ela sorriu, balançando e jogando os cabelos para trás.

— Não costumo, mas hoje é um dia especial. É meu aniversário – explicou, arregalando os olhos entusiasmada.

Me contive em chamar um dos guardas reais. Em nossa cultura, quando alguém fazia aniversário, deveríamos dar-lhe algum mimo para a data não passar em branco, como justamente acontecia. E nesse momento não sabia o que fazer, pois fui pego de surpresa e talvez um abraço não caberia nessa situação em questão.

— Parabéns – falei, dando tapinhas em seu ombro.

Seu sorriso sem graça entregou que esperava mais, já que quando me aproximei, ela ergueu os braços mas eu me afastei rápido demais.

— Droga! – cochichei, escondendo minha insatisfação enquanto fingia beber.

— Acho que vou embora – ela comentou, sem nem olhar para mim.

— Não faça isso – pedi, segurando-a pelo braço com delicadeza.

— Então, vá até comigo lá fora – convidou, me puxando pelo braço antes que pudesse negar.

Olhei para onde os seguranças estavam e os acalmei, com um aceno de cabeça e a segui. Assim que atravessamos a porta de metal, que rangeu por mais tempo do que deveria, ela sorriu.

— Você está exatamente onde eu queria.

E essa foi a última coisa que ouvi, antes de baterem em minha cabeça e eu cair no chão, segundos depois.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler! ♥



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