Crônicas de uma jornalista escrita por Andrew Ferris


Capítulo 15
Aquilo que faz um homem bom


Notas iniciais do capítulo

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O dia amanhece escuro e chuvoso. Quando chego no cemitério não há quase ninguém, e meu buquê molha um pouco ao passo que me aproximo da lápide, cuja frente da cova ainda jazia aberta. Receio olhar por um momento enquanto alguns presentes conversam baixo. Um padre de aproxima e pronuncia bençãos antes de fazer uma oração. Quando finalmente tomo coragem para olhar para o outro lado do túmulo, percebo que ali se encontravam Bruce e Alfred. Alfred chorava sem conseguir as lágrimas, mas Bruce estava sério e frio como uma planta não regada há um bom tempo. Ele move o olhar em minha direção com tanta seriedade, e só então compreendo o que ele sente. Ódio. Queria me sentir de maneira diferente, mas saber que Bruce me odiava fazia com que eu me sentisse culpada e me fechasse um pouco mais para dentro de meu mundo. Jason morreu depois de ficar comigo. Minha vida havia sido uma sucessão de fracassos e dores e justo quando pensei que tinha ganho uma chance de recomeçar, ela se vai sem mais nem menos, como se de fato não houvesse esperança e o mundo não passasse de um lugar terrível e sombrio no qual tentávamos construir coisas boas, mas no fim tudo sempre desmorona, uma temporada de seca entre intervalos de tornados. Me sentia tão vazia e com tanta dor do peito que mal conseguia pensar. Minhas mãos tremiam tamanha a dor e desespero que sentia. Eu gostava de Jason, me entreguei a ele por muitas razões diferentes, algumas não muito justificáveis, mas ainda assim, ele era minha última tentativa de construir um castelo depois de ter fracassado com Bruce, ou depois de tê-lo perdido para a Mulher Gato. Gotham definitivamente era o inferno ideal, a verdadeira representação da vida, do que de fato significa a vida, e qualquer pessoa que tenha tido esperança de que um dia as coisas fossem melhorar não passou de um coitado iludido. Thomas Wayne, ainda lembro de quando o conheci, ele investia em projetos de urbanização e projetos sociais. O prefeito com sua campanha inspiradora e um palhaço que frequentava as regiões menos centralizadas da cidade. Jason... agora havia um último encorajador dessa luta, ele estava à minha frente, mas agora me olha como se pudesse me ler e sabe que sua causa está perdida e não há mais nada que possa fazer. Seus pais estão mortos, e agora seu parceiro e filho adotivo também, e tudo que ele podia fazer era ficar ali olhando. Quando o funeral termina e me dirijo ao ponto de táxi, Alfred para a limousine na minha frente e abre devagar a janela do motorista.
— Aceita uma carona, senhorita?
— Não posso. Sinto muito Alfred, mas realmente não posso.
— Pode sim. Você precisa conversar com alguém tanto quanto eu, então trate de entrar - Tento sorrir enquanto entro no carro mas tudo o que sai é uma careta esquisita. O carro parte e assim começamos nosso passeio, provavelmente o último.
— Achei que finalmente daria um passo adiante, mas tudo que consegui foi outro caixão para a minha coleção - Uma lágrima corre por meu rosto enquanto Alfred parece mais impaciente a cada palavra.
— Por mais que seja doloroso, ainda assim qualquer dor passa, senhorita Turler. Em breve tudo se acertará e as coisas terão uma nova forma. Numca voltarão a ser a mesma coisa, mas podemos trabalhar para que sejam melhores.
— Ainda acredita nisso, Alfred? - Questiono com seriedade.
— Acredito porque meu patrão acredita. Bruce tem um espírito inabalável desde pequeno, sempre foi uma das suas maiores virtudes. Não acredito que seja justo que aconteça dessa vez. Sabe Elis, Bruce tem trazido algo que essa cidade não tem há muito tempo, e tem feito sacrifícios que poucos seriam capazes de fazer em nome da sua luta. O que ele acredita está acima de qualquer vontade externa.
— Eu sei que é egoísmo da minha parte, mas não consigo engolir esse jeito dele de ver as coisas. Foi isso que matou Jason.
— Não. O que matou o senhor Todd foi sua própria vontade de agir, de não se manter inerte ao ver o mal agir. O que aconteceu foi um terrível exemplo do quão terrível o ser humano pode ser, mas ainda assim, há atos que nos fazem acreditar mesmo quando parece tolo fazê-lo.
— Como?
— O Batman se encontrou com o assassino de Jason, e por mais que seus instintos e sentimentos implorassem e quisessem a todo custo terminar com aquilo, ele não se deixou vencer e manteve aquilo em que acredita vivo, por maior que fosse a dor de carregar tamanho peso.
— Ele fez isso? - Pergunto incrédula.
— Sim, e isso me fez continuar com ele nesse momento de necessidade e quando ele precisar eu também estarei lá. Pois aquele é um homem que jamais se deixará abater pelos sofrimentos humanos. Ele carrega toda a dor em seu corpo e mente, nos encorajando a ser bons apesar de tudo.
— Isso não justifica toda a frieza nele durante o funeral - Argumento cansada de todo esse papo quando Alfred ajeita o chapéu.
— Ele não estava sendo frio, só estava escondendo suas emoções para que você não ficasse mais abalada ainda - A redposta inesperada de Alfred me deixa sem palavras. Eu penso, guardo o lenço e recordo os momentos que passei tanto com Jason, o garoto encrenqueiro que queria se tornar adulto, quanto com ele, Bruce Wayne. O homem que não acreditava que poderia mudar o mundo, mas tentava mesmo assim, por que ele sabia qual é o verdadeiro propósito de sua missão.
— Alfred - Chamo sem jeito - Poderia me levar até a Mansão Wayne só dessa vez? - Ele sorri com diversão.
— Eu imaginei que fosse dizer isso cedo ou tarde, por este motivo vim direto para a mansão - Sorrio tomando fôlego e encaro a mansão de dentro do carro antes de abrir a porta.
— Obrigada Alfred. Você sabe mesmo do que eu preciso.
— Ócios do ofício de um velho - Subo os degraus da mansão devagar, até ver que Alfred tinha virado a esquina com o carro, então corro para dentro da mansão até chegar numa sala onde havia um grande piano e um relógio. Aperto uma sequência específica e logo o relógio se move para o lado, abrindo caminho para que eu corresse uma segunda vez até o interior da batcaverna. Infelizmente pra mim, Bruce não estava ali. Sem compreender, volto à sala e começo a pensar enquanto caminho pelos salões das alas gigantescas e suntuosas da mansão à procura dele. Nem sinal. Sendo assim, só poderia estar em um lugar. Bato duas vezes na porta de seu quarto, então escuto um som de alguém escorrendo o nariz, o que me dá um certo aperto no coração.
— Alfred? - Pergunta Bruce com a voz cansada, mas eu não respondo. Ao invés disso simplesmente abro a porta e o observo chocada. Seus punhos cheios de pus e sangue, diversas partes do corpo feridas, além dos objetos quebrados por todos os cantos, desde armários a quadros e esculturas. Seu rosto tinha uma expressão derrotada e selvagem, e me causou a sensação de que seria atacada a qualquer momento, mas essa impressão passou assim que me lembro de que o homem à minha frente era Bruce Wayne. O mesmo jovem Wayne que me salvou muito tempo atrás quando eu era uma novata incherida, e me salvou mais recentemente, quando me tornei uma velha incherida. Entro no quarto sem receios e me aproximo de Bruce com confiança.
— Sim, sou eu.
— Elis? Que faz aqui?
— Vim ver como você está. Imagino como deve estar se sentindo - Começo deixando as palavras saírem naturalmente, sem forçar nenhum tipo de desculpa ou reconcialiação.
— Mas não sabe realmente - Retruca com frieza, mas desta vez não me intimido. Pelo contrário, tão leve quanto uma jovem calma e fina, me sento ao seu lado e sorrio passando o máximo de confiança possível.
— Então me conte - Peço gentilmente. Ele me encara pensativo ppr algum tempo antes de começar a falar.
— O Coringa matou Jason. Ele o espancou sem piedade por horas, até que ele não pôde mais resistir. Ele o espancou com um maldito pé de cabra que usou em sua fuga do Arkham. Ele bateu nele por horas a fio, e deixou o telefone ligado durante todo esse tempo. Eu encontrei o aparelho e triangulei a localização, mas quando cheguei lá era tarde demais. O lugar explodiu e tudo que pude fazer foi observar as chamas e meu mais recente fracasso. Então eu o encontrei, ele estava no topo de um prédio, sorridente porém tenso. Ele queria aquilo, queria que eu fizesse com ele o mesmo que fez com Jason, mas eu não fui capaz. Depois de espancá-lo, eu olhei bem em seus olhos, vi toda a maldade que havia neles, a malícia e a loucura. Vi seus dentes sangrando e sua voz sair estremecida devido as novas feridas na boca. O que ele era se espelhava em mim, então eu neguei tudo e o soltei. Deixei que fugisse antes que meus braços quebrassem seu pescoço sem eu notar.
— Alfred me contou o que você fez, e eu estou muito surpresa.
— Você não entende, Elis - Declara Bruce respirando fundo.
— Entendo. Sei o que você passou e está passando e posso ficar ao seu lado para superar isso. Você provou uma coisa que eu tinha deixado de acreditar.
— Elis - Berra Bruce perturbado - O problema não foi o que fiz ou deixei de fazer, foi que a todo instante, seja no café da manhã, nas reuniões ou lendo um jornal, fortes arrepios e espasmos me atacam e me fazem perder o controle. Não há um segundo desde aquele dia que eu não me arrependa de tê-lo deixado vivo - Nos entreolhamos. Eu posso ver nos olhos de Bruce, diferente de antes, se colocasse ele na mesma situação de quando prendeu Charada com Jason, vejo que muitos dos criminosos teriam sido mortos por ele mesmo. Aquilo me deixa revoltada.
— Sabe Bruce, desde que me lembro eu odeio essa cidade. Odeio do fundo do coração. Deixei de acreditar em tantas coisas por conta de tudo que passei e vivi aqui. O aumento constante de crimes e o aumento proporcional da pobreza, essas coisas realmente me afetaram, mas sabe que aconteceu uma coisa na minha vida que me fez manter firme apesar de tudo? Eu posso considerar a maior idiotice, mas é maior idiotice que consegue inspirar alguém. Quantos não seguiram seu exemplo? Saindo das sombras para encontrar a luz. Se eu fosse tão corajosa teria feito o mesmo mas, como você mesmo sabe, eu não sou - Nós dois sorrimos com minha declaração. Não me lembrava da última vez em que tinha sido tão sincera.
— O que aconteceu que te deixou desse jeito? - Questiona Bruce revelando interesse no assunto.
— Você - Ele me olha sem compreender - Apesar de todas as adversidades, de todos os problemas e perigos...talvez a morte do Jason seja sua culpa ou não, mas já parou para pensar onde Jason estaria se você não o tivesse encontrado? Você o inspirou a ser algo melhor, por mais que no fim tenha acontecido o que aconteceu. Eu gosto do Jason, e todas as vezes que conversei com ele pude perceber a admiração que ele fingia não sentir por você - Bruce suspira com a revelação - Acho que foi um pai melhor do que esperava - Ele se levanta e lava as mãos na pia enquanto me levanto devagar para segui-lo até a porta - E os policiais que se mantiveram na linha? Eu cinheci um deles, o tal do Gordon. Ele trabalha com um monte de gente suja e ainda assim consegue ser tão bom quanto firme em sua crença, na crença que você tanto reafirma quando se torna a escuridão. Não estou à altura para dizer se você é ou não um bom homem, mas sei que acredito em você. Acredito que Gotham precise do Batman e acredito que todos aqui precisam de você e anseiam pela sua volta. Você é o que precisa ser, Bruce. No dia que não precisarem mais do Batman, acho que não haverá mais ninguém vivo nessa cidade - Bruce se vira para mim com o vigor e prepotência que estou acostumada a ver, então se aproxima e me abraça comovido.
— Você é um anjo, Elis. Não sei o que faria se você não estivesse aqui.
— Não se esqueça do Alfred. Ele é sua família.
— Queria ter dado o valor que você merece no tempo certo - Confessa revoltado consigo mesmo assim que me solta.
— Nem você nem eu sabíamos quando seria a hora certa, mas acho que estamos bem do jeito que estamos - Bruce me encara e eu revido o olhar, ele segura minha mão e eu sinto suas cicatrizes, o que não me deixa receosa de tocá-lo. Ponho as mãos em suas costas e deixo que ele me tome em seus braços num longo e decidido beijo. Assim que nos desvencilhamos, ele limpa os lábios.
— Me perdoe, não queria ter me aproveitado de você - Viro o rosto e fico um tanto corada, mas sorrio sem jeito com a declaração. Nós dois tínhamos culpa no cartório, mas por maior que fosse essa culpa, ainda éramos cúmplices, o que nos deixava mais corajosos para tomar qualquer decisão.
— Acho que meu trabalho aqui terminou. Vou me despedir do Alfred e voltar a Metrópolis, espero que me visite quando tiver tempo e...toda vez que tiver dúvidas quanto ao que você é, lembre-se que acima de todos, havia uma pessoa que acreditava no que você fazia e você a honrará mantendo a capa e o capuz. Lembre-se Bruce, Jason acreditava em você.


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Notas finais do capítulo

Sem forçar a barra, nossos protagonistas se resolvem e o Batman volta às ruas! Resta saber o destino de Elis!!!



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