Laços escrita por Dreamy Boy


Capítulo 4
Primeiro Amor


Notas iniciais do capítulo

Como podem perceber, o nome é algo intenso, não é mesmo?
Espero ter trazido a mesma intensidade no capítulo. É onde quero chegar :)



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Agora

Quando o carro estaciona, meu coração volta a parar. Agatha e Lúcia, em silêncio, abrem a porta de trás e se retiram, enquanto permaneço no interior do veículo, atônito. Pego meu smartphone e abro na câmera frontal, secando o suor da testa e ajeitando a franja. Em seguida, deito a cabeça no descanso do assento, criando coragem para sair.

Respiro fundo.

Meu noivo abre a porta para mim, sabendo que preciso de uma motivação maior para encarar o mundo afora daquele veículo. Não estou triste. Pelo contrário. É uma felicidade tão grande que tenho medo de que acabe. As meninas dizem que devo procurar ser otimista, mas sempre vai existir um pedacinho dentro de mim que é inseguro e assustado.

— Gui, hoje é seu dia! — Ele se agacha, para seu rosto ficar em uma altura proporcional à do meu. — Vai tudo ocorrer bem. E vamos estar aqui pra acompanhar tudinho! — O seu tom de voz é de paciência, não de cobrança. Seu modo de me confortar é sempre infalível e fofo, o que sempre me motiva a ir atrás do que quero. — Vamos lá?

Assinto.

Permito-me sorrir quando finalmente me levanto e, mais uma vez, me livro do desânimo e do pânico. Sentimentos que eram incontroláveis se tornaram possíveis de serem retidos. São coisas que sempre vão tentar nos derrubar, mas é nessas horas que a força e a resistência são necessárias. E elas precisam vir de você mesmo, por mais que haja pessoas que possam estar te apoiando e te acompanhando.

As portas automáticas se abrem e permitem a nossa passagem. Estou andando de mãos dadas com meu noivo e me sinto feliz por hoje não evitar mais realizar esse gesto em locais que não são de grande risco. Afinal, por mais que muitos ainda tenham a mente atrasada e não saibam lidar bem com a situação, toda forma de amor é válida e deve ser respeitada.

 

Antes

“Acho que parece com ele.”

Essa é a mensagem que Samira me envia no Facebook, acompanhada do link de um perfil. Sem perder tempo, clico no tal link e vou diretamente para a foto principal do menino. Ele parece um pouco diferente, o que me faz pensar que pode ser outra pessoa, mas, mesmo assim, adiciono.

Seu nome é Thiago.

Ele não leva tanto tempo para aceitar a minha solicitação. A gente inicia aquela conversa clássica do “Oi, tudo bem?” até chegar a um assunto que seja verdadeiramente um assunto. São coisas que, se forem descritas com tantos detalhes, vão levar um tempo muito desnecessário. Para um primeiro contato, considerei ótimo.

Me empolgo quando conheço pessoas novas. Nem todos recebem isso muito bem. Às vezes, é um problema. Mas não consigo mudar o meu jeito, o que acaba sendo um empecilho. Por sorte, dessa vez, não pareceu ser.

Durante a semana, a coisa foi fluindo. E foi fluindo de um jeito legal. A gente aprendeu bastante um sobre o outro. Inclusive, temos algo em comum: uma paixão por escrever. A diferença é que costumo levar mais adiante meus escritos, enquanto ele sempre desiste no meio do caminho por não achar que estão bons o suficiente para serem mostrados ao mundo. Surgiu em mim uma vontade de conhecer esses escritos e ajudá-lo a lidar com essa questão da insegurança e do medo de expor histórias.

Essa coisa de gostar de pessoas do mesmo sexo é complicada. Ao meu redor, meus parentes são, em maioria, preconceituosos (mesmo que neguem isso com todas as forças) e acham que se trata de uma vontade que posso controlar a qualquer instante. É foda quando você convive com seres humanos que acompanham teu crescimento e simplesmente se negam e se bloqueiam a enxergar o que você realmente é.

Vejo que Thiago é tão sensível quanto eu, e nós parecemos ter desenvolvido certa empatia um pelo outro. No próximo final de semana, ele ficou de ir a um shopping com uma amiga e me convidou para ir junto. Sem perder tempo, peguei um pouco de dinheiro e corri para o ponto de ônibus. Coloquei a roupa mais legal que encontrei, apesar de sentir que devo dar uma atualizada em meu guarda-roupa. Penteei meu cabelo e usei o meu melhor perfume, mas ainda assim detesto minha aparência. Principalmente por depender de um par de óculos de armação preta para enxergar praticamente tudo.

O ponto de encontro é no cinema. Espero ansiosamente por Thiago e pela sua amiga, que não faço ideia de quem é. Não quis ficar fazendo muitas perguntas e decidi esperar até que a conhecesse. Sinto uma insegurança muito forte e torço para que seja uma tarde legal.

Esboço um sorriso quando o vejo a uma distância acenando para mim. Desço as escadas do cinema e o cumprimento com um rápido e tímido abraço. Fico surpreso quando descubro que a sua amiga é Lúcia, a menina que ajudou a mim e a Samira nas inscrições do evento de semana passada. Inscrição esta que não valeu de nada, já que fomos embora antes da entrega dos brindes. Cumprimento Lúcia com um beijo no rosto.

— O que vamos fazer? Vim preparado — comento, com um sorriso. Sou desses que sorri por qualquer motivo, ainda mais quando estou feliz e me sentindo leve. Lúcia retribui, mas Thiago é um pouco mais sério, o que me deixa um pouco sem graça.

— Passar na livraria e depois ir para a casa dela, que fica aqui perto. — Ele é bem rápido e direto. — Pegar bastante marcador. É o nosso esporte favorito.

— Eles dão de graça?

— Sim. — Lúcia responde. — No balcão, tem alguns que podem ser levados. Deixando bem claro que, se tiver só um do Batman, ele vai ser meu. Fiquei sabendo desse negócio ontem e tô louca pra conseguir um.

— Tudo bem... — Faço bico e levanto as mãos. — É todo seu.

Thiago não é de falar muito, o que não bate com a pessoa que ele é virtualmente. Nós conversamos tanto e desabafamos várias coisas e, pessoalmente, ele parece não ser tão aberto. Entendo isso e não vou insistir, mas fico triste por haver essa distância.

Andamos pelo corredor de um shopping cheio em pleno sábado. No fim deste, encontramos a livraria e a adentramos. Fico bobo sempre que entro em ambientes como esse, pois quero levar grande parte dos livros. O que, obviamente, nem sempre é possível, como hoje.

Sigo Thiago e Lúcia diretamente até o balcão, onde há copos repletos de marcadores de páginas. Apanho um e vasculho os papéis, encontrando as mais variadas obras, desde livros nacionais a internacionais. Entre eles, há o famoso marcador do Batman.

— Achei! Pode ficar! — Entrego o marcador para Lúcia, que foi a que demonstrou mais interesse desde o início. Thiago tenta pegar, mas ela não permite e o guarda na sua bolsa. — Vamo procurar outro pra você.

Thiago vasculha em outro copo e também o encontra. Apanhei vários marcadores, mas tive o azar de não conseguir o mesmo que os dois. Contudo, não dei tanta importância, já que estou cheio deles dentro de casa e preciso me livrar de alguns.

— Lu, acho que já tá na hora da gente ir. — Thiago se vira para mim com os olhos fixos. Quando duas pessoas são tímidas, uma delas acaba sendo obrigada a puxar assunto. — Você vai poder ficar até que horas?

— Avisei a minha mãe que posso demorar hoje. Apesar de ser um pouco longe, não acho que vai ter problema de ficar até mais tarde — digo com sinceridade. Viro-me para Lúcia, curioso. — Quanto tempo leva pra chegar na sua casa? 

— É rapidinho. Uns dez ou quinze minutos.

Lu estava certa. A casa ficava praticamente em duas ruas ao lado do shopping.

— Aquele foi seu primeiro evento? — Thiago pergunta e eu assinto. Vejo que é uma forma de manter uma conversa bacana, principalmente se focarmos em pontos que ele tenha gostado. — Foi legal, né?

— Sim. Você super mereceu ter ido até o final no cosplay! — É a verdade. Não digo isso porque estou afim da pessoa, mas porque ele realmente é muito parecido com Edmundo, principalmente quando põe a armadura e as vestimentas do mundo de Nárnia. 

— Ah, mas os outros tavam bem melhores.

— Não foi o que o povo achou. Lembra das palmas e dos gritos?

Thiago parece convencido. Ele subitamente para de falar e nossa viagem de dez minutos quase que acontece em silêncio absoluto, se não fosse a grande facilidade que tive para socializar com Lúcia.

No restante do dia, acontece mais do mesmo. A coisa super flui com Lúcia, de maneira que nós pareçamos ser amigos há muito tempo, sendo que nos conhecemos oficialmente hoje. Quando dá a noite, sou obrigado a me despedir, mas os dois decidem me levar até o ponto de ônibus mais perto.

Apanho meu celular para mandar uma mensagem a minha mãe, avisando que já estou prestes a ir embora. O céu já está escuro e repleto de estrelas. Além disso, estamos em fase de Lua Cheia, o que torna a noite ainda mais bonita e agradável.

— Obrigado pelo convite, gente. Adorei passar a tarde com vocês.

— Nós também gostamos. — Lúcia tomou a iniciativa de me abraçar, demonstrando que tinha mesmo gostado de mim. Esse é um gesto que me toca e me faz me sentir acolhido. O dia realmente valeu a pena. — Toma cuidado, tá?

— Pode deixar. Tchau, Thiago! — Eu tomo a iniciativa e o abraço. Ele retribui, mas de forma tímida e retraída. Percebo e sinto na pele que não sou íntimo o suficiente, mas tento não ficar triste com a situação.

É quando, subitamente, ele repara em meu celular. Mais precisamente, na capinha que o acompanha. É um objeto que comprei em uma barraca de comércio com a estampa do Homem-Aranha. Sou fissurado pelos personagens da DC e da Marvel, sendo este um dos muitos.

— Que bonita! Eu posso pegar emprestada? Te deixo com a minha.

Vejo uma rápida mudança no modo como ele fala comigo. Percebo que o interesse em heróis é algo que compartilhamos e não tínhamos falado disso ainda. Como uma forma de prolongar a nossa interação, acho que é uma boa ideia, principalmente porque vou trocar de celular daqui a pouco tempo e não teria o que fazer com ela. Penso em deixá-la com ele para sempre, mas, por enquanto, pretendo não revelar isso.

Após trocarmos as capas, nos despedimos com mais um abraço e eu pego o ônibus.

Nos outros dias, não parei de olhar aquela capinha. Eu acabei de conhecê-lo, mas sinto uma energia bem forte me envolvendo. Nos dias em que Thiago esteve triste, tudo o que eu queria fazer era cuidar dele e ser presente, pelo menos pra mostrar que alguém se importava. Que alguém tava ali, pro que desse e viesse.

Porque eu sei o que é se sentir sozinho. E espero que possamos nos ajudar.

Com o tempo, percebo que Thiago tem realmente dificuldade para se aproximar e para confiar no próximo. Há coisas sobre a sua vida que descubro por ele mesmo e, por conta disso, passo a compreender melhor o comportamento e o modo de vida.

A gente vai ficando mais próximo. Ficamos um tempo sem nos falar e surgiu o desejo de confeccionar algo legal para ele. Por causa disso, fui até o centro comercial mais próximo e comprei uma caixinha de madeira, junto com tinta acrílica e betume. Por fora, envelheci a caixinha. Por dentro, a pintei com a sua cor favorita: o azul. Inseri imagens de personagens e histórias que ele gosta e coloquei dentro da caixa, junto com uma mensagem de amigo. Acho que é algo que vai tocar no coração, que vai fazê-lo perceber a importância que tem. E, com isso, amar mais a si mesmo e perceber que me importo de verdade. Não é como se eu quisesse comprar a pessoa, mas foi a maneira simbólica que encontrei de dizer isso.

Thiago está bem triste. Aconteceram vários problemas pessoais envolvendo amigos e parentes. Ele confiou tudo em mim nos dias anteriores e, pensando em tornar o seu Natal um pouco mais feliz, confeccionei o presente.

Ele agora sabe do meu interesse. Deixei escapar em uma conversa no WhatsApp e tudo o que ele fez foi dizer que continuaria sendo meu amigo e não seria idiota comigo. Isso foi uma coisa que me deixou tão calmo, tão feliz por dentro. Eu não tinha estragado as coisas. Não tinha destruído um laço que era muito importante pra mim.

— Meu Deus! Você acertou tudo! — Ele exclama, se referindo aos personagens que inseri nas fotos que comprei. Meus olhos brilham diante da reação dele. Nem mesmo eu sei como reagir. Fico tão surpreso quanto ele. É quando ele se vira e me dá mais um de seus abraços apertados e fortes que tanto amo. De certa forma, me sinto protegido. Essa é uma das coisas que melhoraram com o tempo. Os seus abraços.

— Que bom que você gostou. Fiquei com medinho de não ser algo bom.

— Que nada. Tá maravilhoso.

— Foi como uma forma de declaração. — Solto, sem malícia. Afinal, amigos também se declaram para os outros em épocas de Natal. Amigos também se amam. — Eu queria agradecer por você ter sido tão legal comigo. Não é todo mundo que faria isso, sabe?

— Sim... Gostei muito, mas ainda tô muito triste. É foda de melhorar, sabe?

— Eu sei... Mas você precisa tentar. E tem amigos que te amam e só querem seu bem. Tô aqui. Outras pessoas também vão estar. É só conversar com a gente que a gente vai te ajudar quando precisar.

— Obrigado por isso...

Quando vamos nos despedir, sabendo que é a última vez que nos veríamos naquele ano, dou um abraço forte e um beijo em seu rosto. Saio pelo portão e desço a ladeira, satisfeito por ter feito a minha parte e tentado contribuir para um Natal melhor.

Só que as coisas nunca acontecem do jeito que a gente espera. E foi a última vez em que vi Thiago pessoalmente. Porque ele interpretou tudo errado e viu nisso uma forma de flerte. De abusar da tristeza dele para algo de meu interesse. Sendo que a intenção era a mais nobre do mundo e tudo o que eu tinha em mente era arrancar um sorriso e mostrar que tava ali pra cuidar de um amigo. Um amigo que eu amava.

Mas Thiago não soube separar as coisas.

Confesso que, em alguns momentos, eu também não soube. Via mensagens fofas e queria que elas representassem algo a mais. Sabia que não representavam, mas tinha uma pequena esperança de que um dia fosse algo que cresceria. Mas nunca esperaria que uma amizade que parecia tão forte fosse acabar dessa forma. Da minha parte, por mais difíceis que fossem as coisas, ela nunca chegaria ao fim. Thiago preferiu diminuir o contato.

Dois meses depois, recebo uma mensagem sua afirmando que houve uma aprovação para um curso de intercâmbio na Europa e que sua despedida será no final daquele mês. Tudo o que faço é chorar desesperadamente enquanto queria aproveitar as últimas semanas dele no país em que vivo, mas não existe espaço para a gente se encontrar de novo.

Por conta de inúmeros imprevistos e horários de trabalho, não pude ir à despedida.

 E nunca mais vi Thiago.

 

Agora

 Eu e Lúcia nos despedimos de Agatha e de meu noivo, pois eles irão pela entrada principal, onde mais pessoas estão com seus ingressos. Nós dois trabalharemos nesse evento, portanto, temos um acesso diferenciado e gratuito.

Sei que os encontrarei lá dentro de novo, mas fico cada vez mais ansioso com o que está para acontecer. Vejo que os pavilhões ainda estão vazios, mas os estantes são belíssimos. Inúmeras editoras, bancas e lojas estão comercializando seus produtos e contando com a presença de pessoas importantes no mercado midiático.

A gente caminha até o estante da editora em que fazemos parte e cumprimentamos Denise e Priscila, duas outras funcionárias, que estão responsabilizadas pelo comércio dos livros. Uma se encontra no balcão e a outra, atendendo os clientes e mostrando os objetos que são de seus desejos.

Hoje é um dia especial para mim. Como meu noivo disse, é um dia que pode ser extremamente decisivo na minha vida. Um dia que ficará para sempre na minha memória, independente de quantos estiverem presentes ou de quanto tempo irá durar.

Hoje é o lançamento do meu primeiro livro.


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Notas finais do capítulo

Precisamos falar sobre Thiago. Thiago é um ser humano. Ele tem defeitos. O lado dele também precisa ser analisado nisso tudo, apesar da perspectiva desse livro ser do Gui. Ele tinha seus próprios problemas, suas próprias questões, e reagir a isso foi algo bastante complicado. Complicado para os dois, eu diria. É uma coisa bem delicada.
O que vocês acharam do capítulo?



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