Produção Independente escrita por Mary


Capítulo 8
8. Princesinha - Por Letícia




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Aquela conversa com a Cuca trouxe um alívio danado para a minha alma. Não apenas resolvi aquela prova de gramática com entusiasmo como voltei a prestar atenção nas aulas, ler, escrever e ter a certeza de que não me separaria verdadeiramente da minha melhor amiga porque ela está no meu coração e de lá ninguém irá tirá-la. Não podia me descuidar dos estudos porque somente me formando no Ensino Médio eu escolheria o meu caminho e me livraria daquele covil de celebridades vazias.

Meus pais apreciaram sobremaneira quando voltei a fazer as refeições na mesa junto com eles. O friozinho fora de época foi favorável para esconder os recentes cortes. Uma nova borboleta estava desenhada no meu pulso direito porque depois daquela manhã de novembro eu me recordei de que embora fossem poucas as pessoas que sentiriam minha falta, elas valiam por milhões, eram (e sempre serão) os meus tesouros.

— A professora Cuca está grávida. — comentei no jantar daquele mesmo dia.

— Parabéns pra ela! — disse Márcia, a minha mãe, que se identificou com a Cuca porque ficou grávida de mim mais ou menos com a mesma idade. — É menino ou menina?

— Menina, mas ela ainda não escolheu o nome.

― Escolher o nome é sempre a parte mais difícil. ― concordou papai.

― Se você pensa que escolher o nome é a parte mais difícil é porque se esqueceu das noites em claro.

― Isso quer dizer que eu dei muito trabalho, não? ― indaguei fazendo uma expressão que sempre derretia mamãe.

― Não tanto assim.

— Mas e aí, Lelê? É o primeiro filho da professora? — inquiriu Ricardo. Meu pai é mais novo que a minha mãe, mas nada disso interfere no entendimento. Eles se conheceram na faculdade, mas só foram se casar depois dos trinta e poucos anos.

— Sim, mas é produção independente...

Meus pais riram do meu jeito de falar.

— Do jeito que estão às coisas, compensa mais fazer produção independente — aquiesceu papai, mesmo sendo de uma geração mais conservadora.

— Não assuste a Letícia, Ricardo. — advertiu mamãe com bom humor.

— Prometa que o único amor da sua vida vai ser o papai — pediu ele.

— O romantismo ainda existe. — arrematou mamãe, fazendo carinhos em minhas mãos, como se tentasse descobrir o que havia acontecido para eu ter me isolado. — Existe um chinelo velho para cada pé cansado.

— Eu ainda não penso em namorar e acho que não vou pensar por um bom tempo da minha vida.

Eles se entreolharam sorridentes.

Naquele instante imaginei que seria interessante se meus pais tivessem me dado irmãos. Minha solidão seria bem menor, mas eles escolheram ter apenas uma filha e procuravam dar-me uma boa educação, exemplos de moral, cidadania e amor. Nada me faltava.

Se eu desistisse de viver, ninguém no mundo sofreria tanto quanto aqueles que acordavam cedo para trabalhar e me proporcionar muito do que não tiveram, para que eu me preocupasse somente em estudar.

Mamãe tricotou pessoalmente todos os meus sapatinhos e casaquinhos de bebê, presenteando os amigos e conhecidos com suas confecções próprias. Era e sempre foi a sua terapia predileta para contrapor uma rotina estressante. Como não aprendi a manejar a agulha a tempo de criar uma obra-prima para presentear minha professora, pedi a ajuda de quem já teve uma criança no ventre e se emocionou com cada gesto de carinho que recebeu.

Apesar de me sentir complexada perante as gêmeas e as minhas antigas amigas, bem lá no fundo eu não me sentia pronta para namorar e tampouco para todas as responsabilidades decorrentes de uma vida sexual ativa, preferindo mesmo pedir um espaço na cama de casal para acompanhar filmes, documentários e noticiários com meus pais, dormir entre eles quando tinha medo de tempestades. Se Cuca tivesse a minha idade novamente, com plena certeza não faria diferente.

Por enquanto me bastava ser amada pelos meus tesouros e entrar em férias. Eu conhecia o amor verdadeiro, apenas o romântico ainda era um insondável mistério.


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