três de bastões escrita por themuggleriddle


Capítulo 8
A Cartomante


Notas iniciais do capítulo

Muito obgriado Vika (ever present hehe), Godsnotdead, Ivory e Seren pelos reviews :3



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“Por que tanto livro de astronomia?” perguntou Frank, olhando os livros na estante da sala de estar.

“Porque eu gosto de astronomia e gosto de ler sobre isso de vez em quando,” disse Feliks, esticando o pescoço para olhar o outro de onde estava, na frente do fogão, terminando o jantar.

“Ler sobre medicina não é o suficiente?” Ele ouviu o outro homem murmurar. “Tem alguma coisa sobre plantas?”

“Acontece que tenho sim. Posso procurar pra você depois da janta,” ele falou, desligando o fogão e colocando a mesa.

“Eu sei algumas coisas sobre ervas e temperos, mas vai ajudar aprender mais pra não parecer um idiota na frente dos clientes quando eles pedem algo que não conheço,” disse Bryce, aproximando-se da mesa e sentando.

Já fazia quase um mês desde que Frank chegara a Londres e o homem havia decidido que já havia passado tempo suficiente dentro de casa enquanto Feliks estava trabalhando. Ele então decidiu ir atrás de trabalho nos arredores e encontrou uma casa de chás transformada em um estoque de plantas medicinais coletadas no interior e trazidas para a capital. Não era o que o jardineiro esperava, mas pelo menos tinha algo a ver com o que ele já conhecia e amava. Isso também melhorou o humor de Frank, já que agora ele parecia mais propenso a sair de casa e conhecer Londres ou fazer qualquer outra coisa que não fosse ficar de luto pelos Riddle... Ele havia até começado a fazer um jardim de ervas no minúsculo pedaço de grama que havia na frente do flat.

“Me diga,” disse Frank, servindo-se do ensopado. “Viu alguma coisa diferente nos últimos dias?”

Feliks riu. Sim, ele estava vendo magia muito mais frequentemente agora, mas ele suspeitava que isso estivesse acontecendo por agora saber o que procurava ou ao menos saber não ignorar o que via.

“Acho que vi um bruxo ontem,” ele falou. “Na Charing Cross... Um homem com roupas esquisitas e deixando um traço de magia.”

“Qual é a dos bruxos com roupas?” perguntou Bryce. “Pensei que as coisas extravagantes eram uma exclusividade dos clientes do Black Siren.”

Aparentemente não era isso. Desde a visita deles ao pub debaixo dos jardins, Ravenwood já havia visto quatro pessoas que ele suspeitava serem bruxos e bruxas, e todos pareciam não entender como a moda funcionava: um homem estava vestido com uma capa de veludo longa no meio de Londres, outro usava roupas que pareciam pertencer ao século passado e as bruxas usavam chapéus e vestidos de aparência mais modernos, mas de cores fortes e destoantes.

“Falando no Black Siren,” disse Feliks, erguendo os olhos para observar o outro. “Estava pensando em voltar lá nessa semana.”

Os olhos de Frank acenderam com animação. De todas as pessoas, Frank Bryce era a última que ele suspeitaria gostar de um pub bruxo ilícito. Mas ali estava ele, sorridente com a perspectiva de voltar e Ravenwood suspeitava que isso não se dava apenas pela chance de eles encontrarem a Srta. Celestina Warbeck outra vez.

“Acha que conseguimos mais informações lá?” o jardineiro perguntou.

“Acho que é o único lugar onde vamos conseguir informação por enquanto,” ele respondeu. “Se quisermos dar uma olhada nos relatórios da investigação do Ministério, precisamos dar um jeito de chegar lá.”

“Antes de tudo, a gente precisa saber onde fica o Ministério da Magia,” murmurou Frank. “Acho que não vamos encontrar isso nos Classificados.”

“É por isso mesmo que vamos voltar ao Siren.” Ravenwood sorriu. Ele estava curioso para ver como o seu corpo iria reagir à magia quando ele voltasse para vê-la no pub... Ele queria saber se conseguiria evitar outra enxaqueca por conta de uma sobrecarga sensitiva por magia.

“Onde você acha que esse Ministério pode estar?”

“Não tenho ideia. Quero dizer, a gente encontrou o Black Siren debaixo de um jardim... O Ministério pode estar em qualquer lugar.”

“Sim, mas acho que seria meio difícil esconder todo um Ministério debaixo de alguma coisa.”

“Eles tem magia, Frank,” disse Feliks. “Não me surpreenderia se eles conseguissem esconder o que quisessem, onde quisessem.”

E era exatamente isso que o preocupava.

***

O Dr. Ravenwood queria não estar tão cansado na noite em que voltaram ao Black Siren. Era sexta-feira e ele deixara o necrotério e fora direto para os jardins de Redcliffe Square para encontrar Frank, que havia conseguido chegar ao Chelsea sem se perder (ele ainda estava se acostumando com Londres). O pub debaixo do jardim estava cheio e animado com a música que já tocava.

“Pelo visto não conseguiram ficar longe por muito tempo,” disse Jane Fletcher, aproximando-se da mesa onde eles estavam e apoiando as mãos nos ombros deles. “É bom vê-los por aqui, garotos. Em que posso ajudá-los?”

“Poderia nos trazer um pouco daquele seu whiskey, querida?” perguntou Frank, deixando escapar um daqueles sorrisos encantadores que surpreendera tanto Feliks da primeira vez que o viu.

“O mesmo pra você, amor?” perguntou Jane, olhando o médico.

“Oh, não, obrigado... Você tem algo não alcoólico?”

“Gillywater e cerveja amanteigada,” ela explicou. “Está meio friozinho lá fora, não é? Acho que uma cerveja amanteigada vai lhe cair bem.”

A bruxa deu uma piscadela para eles e se afastou. Enquanto olhava em volta, Ravenwood viu rostos familiares: Alfie estava ali, junto de Lilah; a bela veela chamada Ludmilla estava sentada em outro canto do salão, junto com um rapaz muito bonito que Feliks suspeitou ser o irmão dela, Boris (ele era muito bonito mesmo e seu rosto, também digno de ser estudado, fez com que o médico precisasse sacudir a cabeça para voltar a prestar atenção no salão). O grupo de goblins também estava reunido em uma das mesas, rindo e mostrando objetos brilhantes ou joias um para o outro, discutindo valores e trocando itens entre si.

“Certo, então... Pra quem perguntamos o que temos que fazer para invadir o Ministério deles?” Frank sussurrou, observando os outros clientes.

“Achamos que não fossemos vê-los outra vez!” Os dois viraram para ver Alfie se aproximando, puxando Lilah consigo. “Eu disse que eles voltariam, a maioria das pessoas volta.”

“Boa noite,” disse a bruxa, seguindo o amigo e sentando-se na mesa com eles.

“Olá,” disse Bryce, sorrindo. “A gente estava meio ocupado, não conseguimos vir antes.”

“O que importa é que agora estão aqui,” disse Alfie, tomando um gole da sua bebida e colocando sobre a mesa o prato que havia trazido consigo. “Bolas de dragão? Estão uma delícia.”

“Eu... Comi um sanduíche no trabalho, antes de vir pra cá,” disse Feliks, sorrindo sem graça depois de olhar o petisco esquisito.

“Nas sextas, sempre nos seguramos para comer por aqui,” Lilah explicou, pegando uma das bolas de dragão e a comendo. “A comida aqui é muito melhor do que na cantina do Ministério.”

“Você trabalha no Ministério?” perguntou Frank, inclinando-se na direção da bruxa e sorrindo, parecendo genuinamente interessado.

“Sim, sou analista de símbolos exóticos,” ela explicou. “Flora é uma aritmâncista, também trabalha no Ministério.”

“Eu sou apenas um vendedor de livros,” disse Alfie, fazendo bico. “Mas tenho edições lindas de livros raros como os ensinamentos de Merlin sobre feitiços de memória ou Sua Velha Relíquia Mágica.”

“O que vocês dois fazem da vida?” a bruxa perguntou, apoiando um cotovelo na mesa e colocando o queixo sobre a mão.

“Jardinagem... Digo, eu era jardineiro, agora trabalho em uma loja de ervas. Ainda trabalho com plantas.” Frank riu, encolhendo os ombros. “Mas já fui soldado. Fiquei no exército por um ano e meio.”

“Você era um auror?” o bruxo perguntou, arqueando as sobrancelhas.

“Auror? Não, digo... Eu estava no exército normal,” Bryce tentou explicar.

“Ele quer dizer o exército trouxa,” disse Feliks.

“Você é um trouxa?” Os olhos de Alfie se arregalaram.

“Eu disse que eles eram trouxas,” disse Lilah, parecendo satisfeita de saber que sua suspeita estava correta. “As coisas que vocês perguntaram da última vez lhes entregaram. Mas não se preocupem, o que acontece no Black Siren fica no Black Siren. E não é como se o Ministério esteja muito preocupado com o que acontece em um lugar como esse.” Ela voltou a olhar Frank. “Então, o exército? Você lutou na guerra da qual os trouxas falam tanto? E depois virou um jardineiro?”

“Sim. Levei um tiro.” O homem deu um tapinha na própria perna e indicou a sua bengala. “Quando voltei, comecei a trabalhar com jardins.”

“Sabe, Herbologia é uma das áreas do mundo mágico que pode ser estudada e praticada por bruxos e trouxas,” Alfie explicou. “Claro que é mais fácil para um bruxo trabalhar com plantas mágicas, porque ele vai ter magia para auxiliar. Mas um trouxa pode fazer isso também, se tiver o material necessário.”

“Interessante,” disse Frank. “Talvez eu vá até a sua livraria pra procurar alguma coisa sobre Herbologia.”

“Eu tenho a mais nova edição do 1000 Ervas e Fungos Mágicos, completa com as ilustrações mais lindas da Wilhermina Miraphora.” O bruxo sorriu. “E ainda tenho uma ou duas cópias de um livro mais antigo sobre plantas... Teve só uma tiragem, lá em 1926. O editor diz que o ilustrador sumiu e eles não queriam atualizar o livro com outro artista, mas os desenhos são lindos.”

“E você, senhor?” perguntou Lilah, indicando Feliks.

“O Dr. Ravenwood fala com os mortos,” disse Bryce, sorrindo de lado ao ver a surpresa no rosto dos outros dois.

“Você é um necromante?” perguntou Alfie, olhando-o com uma expressão que era uma mistura de medo e curiosidade, assim que a Srta. Fletcher voltou com as bebidas deles.

“Desculpe a demora, duas harpias estavam reclamando da comid-“ Jane estava falando ao chegar. “Quem é um necromante?”

“Eu não sou um necromante,” o médico falou, dando ênfase ao ‘não’ enquanto olhava feio para Frank.

“O que? Você mesmo diz que faz isso.” O homem riu, pegando os copos que Jane havia lhes trazido. “Obrigado, Srta. Fletcher.”

“Como um trouxa pode trabalhar com necromancia?” Lilah franziu o cenho. “A gente não aprende isso nem em Hogwarts.”

“Tem muita coisa que não aprendemos em Hogwarts,” disse a dona do pub. “Mas, realmente, Sr. Ravenwood, necromancia não é um ramo muito bem visto da magia-“

“Eu não sou um necromante, sério.” Feliks riu, nervoso. Ótimo, agora aqueles bruxos achavam que ele trabalhava com algum tipo suspeito de magia. “Sou um médico.”

“Um médico?”

“É assim que trouxas chamam os curandeiros deles, amor, aqueles que gostam de pinicar pessoas com agulhas e tirar pedaços,” disse Jane, apoiando-se nos ombros de Frank. “Mas por que você disse que ele é um necromante se ele trabalha com cura, Alfie?”

“Frank acabou de dizer que ele fala com gente morta,” o bruxo explicou, apontando para os trouxas. “Como você fala com os mortos se é um curandeiro?”

“Eu sou formado em Medicina, ou seja, sou um médico ou curandeiro, como quiserem chamar,” Ravenwood começou a explicar, perguntando-se o quão diferente o meio médico bruxo era do que ele conhecia. “Meus estudos na escola médica eram voltados a curar ou pelo menos oferecer conforto durante uma doença, mas depois de formado me especializei em Patologia, que é o campo da Medicina que estuda as doenças-“

“Não é disso que se trata a cura?” perguntou Lilah.

“Aye, mas a Patologia estuda as modificações que uma doença causa em órgãos específicos e como a gente consegue identificar essas mudanças para poder diagnosticar algo,” ele explicou. “Não tenho ideia de como isso funciona no mundo bruxo, mas para os trouxas um diagnóstico depende da história do paciente, do exame físico e, às vezes, de outros exames, o que pode incluir o histopatológico... Que é quando um médico tira um pedacinho de um órgão doente, ou o negócio todo, e manda para analise. Nós estudamos esse tecido e tentamos descobrir o que está acontecendo.”

O bruxo e as bruxas olharam um para o outro por um momento, confusos. Feliks se perguntou se todo aquele conceito (tirar parte de um órgão e mandá-lo para análise) soava bárbaro para aqueles que possuíam magia ou se havia algo similar no meio médico deles. Pelo olhar deles, uma biópsia era algo fora do comum.

“Mas o que isso tem a ver com necromancia?” perguntou Jane, olhando para Frank, que simplesmente gesticulou para o médico.

“Também me especializei em Patologia Forense, que é o campo que tenta descobrir a causa da morte a partir de uma autopsia,” Ravenwood continuou, vendo os olhos deles se iluminarem com entendimento, apesar de ainda parecem confusos. “Eu trabalho com a polícia, na maioria das vezes. Algumas autopsias são feitas em pessoas que morreram de causa natural... Sabe, gente que morreu em hospital ou em casa com assistência médica, mas a maior parte do trabalho é com corpos de mortes violentas ou suspeitas: assassinatos, acidentes, corpos encontrados pela cidade. Com a blitz, a gente teve bastante trabalho de identificação de vítimas dos bombardeios.”

“E como é que isso funciona...?” perguntou Lilah.

“A autopsia? A gente dá uma boa olhada no corpo, procurando por qualquer machucado aparente ou sinais que possam indicar a causa da morte, e depois os abrimos para olhar por dentro e ver o que tem de errado,” ele falou e jurou que Lilah e Alfie pareceram ficar um pouco esverdeados. “É isso que Frank quis dizer com falar com os mortos, porque... eu gosto de pensar que é assim: uma conversa sem palavras. A gente aprende muito sobre essas pessoas por olhar o cadáver delas, não só sobre a morte, mas sobre o estilo de vida, história médica e ocupação.”

“Mas,” Jane murmurou, estreitando os olhos. “É um tipo de necromancia, se você pensar bem sobre isso. Não algo que envolve magia negra, mas...”

“Se você pensar em necromancia como a arte de falar com coisas mortas ou descobrir o futuro a partir delas,” disse Lilah. “Você é, de certa forma, um necromante.”

“Mas-“ Feliks começou a falar, mas apenas suspirou e deu de ombros. “Aye, chamem como quiserem.” Se aqueles bruxos e bruxas queriam vê-lo como algum tipo de feiticeiro que podia falar com cadáveres e pedaços de gente, ele não podia fazer muita coisa para mudar o pensamento deles.

“Você disse que o seu trabalho é descobrir como as pessoas morreram,” disse a Srta. Fletcher, arqueando uma sobrancelha e olhando para Frank. “E você disse que veio até o Black Siren para achar a pessoa que matou o seu amigo.”

O homem deu outro sorriso charmoso, apesar de um pouco sem graça, e acenou com a mão como se tentasse explicar algo sem palavras.

“Seu amigo foi morto?” perguntou Alfie. “Como?”

“Essa é uma ótima pergunta e a razão de estarmos aqui,” disse Bryce, apontando para Feliks. “O Dr. Ravenwood estava investigando o caso.”

“Então vocês se juntaram para ir atrás do assassino?” O bruxo agora tinha os olhos brilhando, como se estivesse vendo alguma coisa muito interessante.

“Um homem foi morto, Alfred,” disse Jane, fazendo careta e estapeando o ombro do jovem, antes de voltar a olhar os trouxas. “Eu espero que encontrem o que procuram. Pelo que eu entendi, o encontro com Copper foi produtivo, certo?”

“Sim, boneca,” disse Frank, sorrindo. “Foi muito produtivo.”

“Isso é bom. Agora, se me dão licença,” disse a Srta. Fletcher, virando-se para o médico e piscando para ele, antes de sair. “Tome um gole da sua cerveja amanteigada, doutor. Prometo que não coloquei uma poção do amor aí, apesar de ser tentador.”

Ravenwood experimentou a bebida e ficou surpreso ao ver que era boa: não era tão forte quanto o whiskey de fogo que Frank estava bebendo, mas era quente e doce. Ele não conseguia sentir o gosto de álcool e por isso agradecia Jane Fletcher em silêncio, já que ainda estava com medo de ter outra enxaqueca após a visita ao pub.

Lilah agora estava puxando Alfie da mesa, tentando convencê-lo de dançar (não havia nenhuma apresentação ao vivo naquele dia, mas a música que tocava ao fundo era divertida e animada). O bruxo apenas mostrou alguma motivação quando o jovem bonito de cabelos loiros platinados, aquele que aparentemente era uma veela, sorriu para ele e lhe ofereceu uma dança.

“Olha só pra você.” Frank riu, terminando o seu copo de whiskey de fogo enquanto Feliks ainda estava no primeiro terço da sua cerveja amanteigada. “Acabou de ser promovido de patologista para necromante.”

O médico riu, tentando não deixar transparecer que ele adoraria poder realmente falar com os mortos. Se ele tivesse esse dom, ele poderia falar com os Riddle e lhes perguntar exatamente o que havia acontecido, o seu trabalho seria muito mais fácil dessa forma (e uma pequena parte de sua mente lhe dizia que, se ele pudesse falar com os mortos, ele poderia até mesmo trocar algumas palavras com a sua mãe).

“Senhores? Com licença?”

Os dois homens se viraram para ver uma mulher alta e negra parada atrás deles. Ela tinha um pequenino sorriso nos lábios cheios e um lenço roxo cobrindo os cabelos, que eram cortados rente à cabeça. Feliks pôde ver os olhos do jardineiro analisar todos os possíveis detalhes da mulher (focando-se principalmente no anel dourado na asa do nariz dela), antes de se deixar sorrir também. Não era o mesmo sorriso charmoso que ele reservava para a Srta. Fletcher, mas um sorriso pequeno, quase astuto, de alguém que reconhecia uma boa oportunidade e estava disposto a agarrá-la.

“Olá, moça,” disse Frank, indicando uma das cadeiras vazias na mesa.

“Não pude deixar de ouvir a conversa de vocês,” ela falou, contornando a mesa e indo se sentar na frente deles, as mãos elegantes se apoiando sobre a mesa e fazendo a madeira sob os seus dedos brilhar com uma leve luz violeta aos olhos de Ravenwood. “E não pude deixar de lembrar da conversa que tiveram com o Sr. Coppersnout há algumas semanas.”

A expressão de Bryce ficou séria por um momento, antes de voltar a relaxar.

“Não lembro de você ter ficado-“

“Eu não estava espiando,” ela falou rapidamente, apontando para o próprio pescoço. “Estava esperando minha parceira aparecer enquanto tentava achar uma desculpa para explicar por que eu não estava mais usando o presente que ela havia me dado.”

Feliks se lembrou do colar que Frank havia ganhado no jogo com o goblin, uma coisinha delicada com uma pedra azul como pingente. Ele também se lembrou de que o tal colar estava no bolso do jardineiro naquele exato momento, já que eles haviam decidido levar os prêmios da outra noite (menos os segredos) para o Black Siren na tentativa de ver se conseguiam algo útil com eles (ou seja, Frank achou que eles podiam tentar vender algo).

“Não quis ofendê-la, Srta...?”

“Zabini, Eleonora Zabini,” ela falou com um sorriso.

“Bom, Srta. Zabini, não quis fazer parecer que você estava espiando,” Bryce continuou. “Aliás, meu nome é Frank Bryce, e esse é meu amigo, o Dr. Feliks Ravenwood.”

“Já ouvimos sobre vocês dois por aqui.” A mulher estalou os dedos e logo uma criatura pequena com grandes orelhas e olhos esbugalhados apareceu ao lado da mesa, equilibrando uma bandeja com uma bebida na ponta dos dedos finos. “Vocês chamaram atenção.”

“Oh, chamamos?”

“Claro, Sr. Bryce.” Eleonora pegou o copo e bebeu um gole enquanto a criatura desaparecia ao seu lado. “Dois homens bonitos não passam despercebidos por aqui.”

Feliks sentiu o rosto esquentar e se odiou por isso. Os dedos da bruxa agora estavam contornando a borda do copo, deixando para trás um traço violeta igual ao que ele havia visto nas cartas dela quando Eleonora estava jogando com Frank e o goblin.

“E o que podemos fazer por você, querida?” perguntou Bryce, relaxando contra o encosto da cadeira e deixando os dedos brincarem com a bengala, que agora estava encostada ao lado da mesa.

“Na verdade, é o que nós podemos fazer por vocês.” Zabini olhou em volta e acenou com a mão. Outra bruxa de traços asiáticos aproximou-se da mesa, tão elegante quanto ela e com roupas e joias tão caras quanto a da outra. “Essa é Valentina e vocês têm algo que ela me deu.”

Frank observou as duas mulheres, agora sentadas lado a lado com os dedos entrelaçados sobre a mesa, antes de colocar a mão no bolso do casaco e puxar dali uma corrente dourada com um pingente azul.

“Isso?” ele perguntou, tomando cuidado ao manusear a joia.

“Exatamente,” disse Valentina, olhando feio para a outra bruxa por um momento. Ravenwood se perguntou o quão irritada ela havia ficado quando sua amiga (por falta de um termo melhor) perdeu o seu presente em uma mesa de apostas.

“Pelo que eu vejo, somos nós quem temos algo que vocês querem.” Fora a vez de Feliks lançar um olhar feio para o amigo. Ele nunca sabia se devia se preocupar com os surtos de bravura e teimosia de Frank. Especialmente quando aqueles que recebiam esse surto tinham uma varinha mágica que poderia acabar com eles em segundos.

“Pelo que eu vejo, vocês ainda não tem acesso à informações mais detalhadas da morte do seu amigo,” disse a Srta. Zabini com um sorriso que repuxava os seus lábios pintados de vermelho.

Frank a encarou por um momento e o médico tentou evitar de sorrir em frente a atitude da mulher.

“Todas essas informações estão no Ministério da Magia,” disse Feliks, finalmente atraindo os olhares delas. Ele respirou fundo e continuou: “A não ser que vocês saibam como chegar lá-“

“É exatamente isso que temos a oferecer,” disse Eleonora enquanto a bruxa ao seu lado pareceu ficar um pouco inquieta. “Um jeito de entrar no Ministério em troca do colar.”

Ravenwood olhou das mulheres para Bryce.

“E como podemos confiar em vocês? Como vamos saber que vocês não estão inventando coisas ou que não vão nos denunciar?” perguntou Frank.

Valentina fez uma careta e puxou uma pequena bolsinha que estava em seu colo, abrindo-a e tirando dali algo que parecia ser um documento, muito parecido com um passaporte, e jogando-o sobre a mesa. Feliks pegou o objeto e o analisou: era um livrinho de capa roxa com um ‘M’ dourado. Quando ele o abriu, as páginas eram amareladas e cheias de informações de identificação que incluíam nome (Valentina Pickering), data de aniversário (trinta de Abril de 1907), cor de cabelo e olhos (castanho/castanho), tipo de varinha (ébano, fibra de coração de dragão, trinta e três centímetros), departamento (Departamento de Transporte Mágico) e número de identificação. Havia também um grande ‘M’ no topo da primeira página, fotos de Valentina, as assinaturas dela e impressões digitais, além de um grande carimbo vermelho que cobria as três páginas do livrinho com a palavra ‘REVOGADO’.

“Eu conheço o Ministério por dentro,” a bruxa explicou. “Afinal, trabalhei lá por quase quinze anos. Até dois meses atrás, quando decidiram me demitir por causa de uma chave-de-portal não registrada... Como se o Ministro não criasse chaves-de-portal sem registro para ir até a América ou ao Brasil pra aproveitar um passeio na Times Square ou um dia de praia no Rio. Mas assim que eu criei uma chave para levar Eleonora até a Finlândia, para vermos um santuário de dragões, eles me demitiram.”

“Eles já estavam em cima de Tina desde que ela pediu o divórcio,” Zabini explicou.

“Atticus ainda é Assistente Júnior do Ministro,” ela falou. “Mesmo depois de ter feito um bom dinheiro vendendo itens apreendidos.”

“Ele é Assistente Júnior há sete anos, querida, ele nunca vai sair dessa posição,” disse Eleonora, acariciando a mão dela.

“Espero que não.” Valentina empinou o nariz e olhou os dois trouxas. “Como podem ver, senhores, eu não sou muito afeiçoada ao Ministério da Magia.”

***

A troca foi feita, ou pelo menos parte dela. Ainda hesitante, Frank devolveu o pingente azul para as bruxas, que sorriram enquanto Eleonora colocou o colar outra vez. Valentina jurou que iria lhes trazer tudo o que fosse necessário para eles entrarem no Ministério em uma quinzena a partir daquela sexta (ela queria até fazer um tal de ‘Voto Perpétuo’ para manter a sua palavra, mas Feliks insistiu que nada ‘perpétuo’ era necessário). Ainda sorrindo, apesar de eles não saberem se aquela animação foi pelo colar recuperado ou pela chance de vingança contra o Ministério, ela pagou outro copo de whiskey de fogo para Frank e outra cerveja amanteigada para Feliks.

“Acho que vocês vão se sair muito bem,” disse a Srta. Zabini, observando os trouxas com cuidado. “Você é o grifinório perfeito, ninguém diria que não veio daquela casa.” Ela apontou para Bryce e, depois, para o médico. “E você tem um quê bruxo... O que você acha, Tina? Corvinal?”

“Talvez,” disse a outra bruxa. “Mas talvez Lufa-Lufa.”

“Podemos tentar descobrir,” disse Eleonora, sorrindo para a mulher.

“Oh, não, eu tenho uma ideia melhor!” Valentina puxou a sua bolsinha outra vez, tirando um saquinho de veludo e o abrindo sobre a mesa.

“Ah, não, moças.” Frank riu, sacudindo a cabeça enquanto via um baralho dentro do saquinho. “Hoje não, desculpe. Minha cabeça já está meio tonta com esse whiskey de fogo.”

“Quem disse que você precisa de uma cabeça no lugar para esse tipo de jogo, doçura?” A bruxa deu um sorriso de lado e virou-se para Feliks. “Mas se você não quer, seu amigo pode jogar por vocês dois.”

“Eu não sei jogar-“

“Não seja bobo. Não é tão difícil quanto as cartas que Nora joga com aquele goblin horrível.” Valentina deu uma risadinha e virou as cartas, revelando vários desenhos diferentes em cada uma delas, nenhum parecendo uma carta normal de jogo. “Não estamos jogando com a sorte e dinheiro aqui, mas sim com coisas muito mais interessantes.”

“Não diga que você quer ler o futuro nas cartas,” murmurou Frank, meio rindo, mas parando assim que viu o quão interessado Ravenwood parecia.

Eles observaram enquanto a bruxa embaralhava as cartas com as mãos rápidas e experientes, antes de colocá-las na mesa viradas para baixo. Quando Feliks olhou-a outra vez, a mulher ergueu três dedos para indicar quantas cartas ele devia pegar. À primeira vista, as cartas estavam manchadas com cores (violeta e amarelo), mas, depois de se concentrar por um momento, o homem se surpreendeu ao notar que as manchas sumiram, pelo menos por agora, para ele poder escolher sem interferência. Ravenwood escolheu três cartas e colocou-as na mesa, uma ao lado da outra.

“Vamos ver,” murmurou Valentina, virando a primeira carta e sorrindo. “A Morte.”

A primeira imagem era de um esqueleto com uma túnica preta e uma foice em suas mãos ossudas. Feliks sentiu um arrepio descer pela coluna e viu Bryce se mexer ao seu lado, incomodado.

“A Morte significa mudanças, o fim de algo para que um começo aconteça,” ela explicou, virando a segunda carta. “O Pajem de Copas... Significa que você é uma pessoa criativa, disposta a sonhar e com uma mente aberta para tudo. Você é bem intuitivo e emocional.”

“Corvinal,” Zabini murmurou, rindo fraco.

“E por último... O Três de Bastões. É a mudança outra vez, mas agora é sobre como você lida com isso. As coisas estão mudando, os seus planos estão caminhando e é hora de você aceitar a mudança na sua vida, aproveitar ela e tomar as rédeas das coisas,” ela explicou, encarando as três cartas por um momento. “Você é uma pessoa criativa, cheia de esperança e sonhos, e algo aconteceu que iniciou uma mudança na sua vida.” Ela apontou para a Morte. “E isso lhe apresentou o Três de Bastões. Agora você tem algo grande lhe esperando e vai depender de você o resultado final de tudo isso.”

Feliks observou as cartas, franzindo o cenho. Ele era um homem da ciência, afinal, ele era um médico e trabalhava com provas concretas: um ferimento por arma de fogo, tecidos machucados, sintomas e sinais de doenças, medicações cujos efeitos estavam muito bem documentados... Mas ele estaria mentindo se dissesse que aquelas cartas não significavam nada para ele. Da mesma forma que ele decidira confiar no instinto e ir atrás das cores e luzes que haviam sido parte da sua vida desde sempre, agora ele estava decidido a acreditar naquelas três cartas. Parte de si ria daquela decisão, mas outra estava satisfeita com isso.

“Eu sei que magia existe,” disse Bryce, fazendo o médico sair de seus pensamentos. “Eu vejo ela!” Ele apontou para Alfie e o menino veela, que agora estavam sentados em outra mesa, fazendo seus copos flutuarem ao seu redor. “Mas isso...”

Antes que ele continuasse, Valentina juntou todas as cartas e as enfiou nas mãos de Frank.

“Embaralhe-as e tire suas cartas, Sr. Bryce,” ela falou, piscando para ele.

Franzindo o cenho, o homem fez o que lhe foi pedido. As mãos de Frank eram tão rápidas e experientes quanto as da bruxa, apesar de menos elegantes. As cartas se dobravam sob os seus dedos como se estivessem aceitando uma ordem e não como se estivessem sendo movidas por magia, como parecia sob as mãos de Valentina. Ao final, elas estavam espalhados na mesa, viradas para baixo, e o jardineiro já havia escolhido três cartas sem fazer cerimônia.

“Ai está,” ele falou, encostando-se na cadeira e cruzando os braços sobre o peito.

“A Torre. A mudança está presente para você também, querido, mas aqui ela é mais complicada. Você estava tranquilo na sua casa, tomando uma xícara de chá e, de repente, ela o atingiu,” a bruxa explicou, apoiando os dedos sobre a carta com o desenho de uma torre sendo atingida por um raio. “Isso o assustou, fez você achar que tudo estava ruindo ao seu redor, mas, assim como a Morte indica novos começos, a Torre também tem esse significado, pois depois de toda destruição deve haver alguma construção.”

Feliks olhou rapidamente para Frank. O rosto do homem estava sério enquanto ele olhava as cartas e Ravenwood se lembrou da reação dele, alguns dias atrás, quando descobriu que Morfin Gaunt havia sido preso sem ter provas contra si em relação ao assassinato dos Riddle. Naquele dia, a morte da família o atingiu da mesma forma que o raio atingia a torre na carta.

“A Força é bem autoexplicativa,” disse Valentina, virando uma carta que mostrava uma mulher com um leão. “Você tem poder suficiente para ultrapassar os obstáculos da vida, mas você também está cheio de emoções e medo... Você precisa aprender a domar essas coisas para ter a cabeça limpa o suficiente para analisar a situação e saber como vencer. Se há algo que o esteja incomodando – e acho que têm, a julgar pela Torre -, tente não pular e agir no impulso. Suas emoções são fortes e podem ser perigosas se você não aprender a ter controle sobre elas.”

Bryce inclinou a cabeça para o lado, ainda olhando as cartas enquanto seus lábios se pressionavam um contra o outro, fazendo com que ele parecesse pensativo. Ele estava ansioso para saber qual seria a última carta, mesmo que tudo aquilo tivesse começado quase como uma brincadeira para ele.

Valentina e a Srta. Zabini riram fraquinho quando a última carta foi virada.

Feliks não sabia se devia ficar assustado ou fascinado, pois foi o Três de Bastões que ele viu sobre a mesa outra vez.

 


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Notas finais do capítulo

Olá, eu amo tarot e eu precisava meter isso na história, mil desculpas. Voltamos ao Black Siren e temos um Feliks tentando explicar para bruxos que, não, o trabalho dele não é magia negra e nem nada bárbaro. Sei lá, eu imagino bruxos muito obcecados com o sangue e a carne, pois é 'ali que a magia está', logo eles não curtem muito coisas que intervenham muito? (Intervenção no quesito de cortar e abrir e sangrar e usar partes humanas em feitiços, etc).

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