Você Nem Deveria Estar Aqui escrita por L C Crimson


Capítulo 2
A melhor solução é ruim




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Eu sempre fui muito tranquilo. Para alguém tirar minha paz teria que se esforçar muito. Nunca havia entrado numa discussão (sequer saberia o que fazer se entrasse) e sempre, sempre, sempre mesmo eu via o lado bom das coisas sem fazer esforço, porém, menos de uma semana depois das aulas terem começado, eu ficava desanimado por ter que subir aquelas escadas.

Esse desânimo era incomum na minha vida e, por se tratar da coisa que eu mais tinha sonhado durante dois anos, era muito mais incomum. Eu deveria estar na fase de euforia ainda, olhando cada detalhe daquele colégio com paixão… essa fase me fora roubada.

No primeiro dia de aula, um colega de classe cismou que eu tinha cara de ser engraçado e fez todos olharem para mim na esperança de que eu falasse algo divertido. Nem “oi, tudo bem?” saiu da minha boca. Sempre travo quando tenho que falar com muita gente e isso nunca tinha sido um problema, só que ali foi.

As pessoas zombaram de mim por eu ser tímido. Depois zombaram de mim quando descobriram que eu era bolsista e que meu material era o que o colégio distribuía. Então zombaram porque eu era gordo. Cada vez que se referiam a mim era para me diminuir, nunca ouvi um “como vai você?” que não fosse de um professor.

Ah, também tinha isso: por eu ter tido uma nota muito boa na prova para concorrer a bolsa e conseguido cem por cento de desconto, os professores sabiam quem eu era e eu me tornei o “queridinho” - isso em nada ajudava a me enturmar.

—Senhor Bernardelli, Jensen gritou na aula de Educação Física que a professora não poderia me obrigar a correr porque eu teria um infarto em menos de cinco metros. -Eu tentava conter minha indignação, mas falhava. -Eu sou gordo, sim, isso é óbvio! Tenho dificuldade em praticar esportes, mas isso é… é… - engasguei com as palavras - é demais! É humilhante! E só está piorando! Alguma coisa tem que ser feita!

—Zachary, eu te alertei sobre o “humor maligno” desses estudantes quando você veio fazer a matrícula, sei o quanto eles podem ser terríveis! - Harin Bernardelli, o diretor do colégio Arabella Alighieri, suspirou impotente. -Só que penso que eu me intrometer nessa situação só vai ser pior pra você.

Bufei e meu cérebro trabalhou rapidamente para encontrar uma hipótese que contestasse o que ele disse, mas não aconteceu.

—Estou tentando pensar em algo em que a chance de piorar a situação não seja maior do que a chance de funcionar. - Tamborilou calado seus longos dedos finos em sua mesa de madeira maciça. -Você já participa de algum clube?

—Sim, óbvio, foi a primeira coisa que tentei.

—Qual?

—O Clube de Xadrez. Mas nem com eles tive sorte e olha que eles são bem excluídos também!

Ficamos em silêncio. Vultos passavam para lá e para cá na janela, silhuetas borradas por causa da cortina. Era desanimador pensar em todas aquelas pessoas conversando e sorrindo com alguém durante o intervalo enquanto eu só tinha o diretor (e nem um sorrisinho havia aparecido no meio daquela conversa).

—Eu tenho algo que pode ajudar. -Disse o diretor por fim.

—Estou pronto.

—Existe uma moça, sempre muito engajada nos projetos do colégio, ela vive me pedindo favores como liberar a quadra pra treinar, a sala de dança e tudo mais. Sei que ela é bem popular e não tem como recusar isso.

—E quem é minha salvadora?

—Você deve conhecer, é Lilian Blanché o nome dela.

—Ah, não…

 

***

—… eu levo as meninas pra treinar na minha casa! Sei que consigo convencer meu pai a mandar dois motoristas em vez de apenas um pra que dê pra levar todas elas. Juro pro senhor, senhor Bernardelli, que até o final do Ensino Médio eu não peço mais favor algum pro senhor, mas tenha piedade de mim e não me obrigue a conviver com esse… - os lábios de Lilian se comprimiram quando olhou para mim – ser.

Eu tentei, antes dela, fazer o diretor mudar de ideia. Mas depois da minha reclamação, ele estava focado em deixar as coisas melhores para mim e acreditava que aquele seria o melhor jeito. Estava irrevogável.

Lilian Bluebell Blanché era o nome dela. Loira com cabelos que iam enrolando gradativamente até o fim de seu busto, grandes olhos verde-oliva, lábios ligeiramente carnudos e a ponta do nariz esquisita (um tanto quadrada demais). Eu tinha que admitir que, quando ela sorria, era angelical, mas, quando ela franzia o cenho e bufava, parecia o diabo. Isso até que fazia sentido já que Lúcifer era o anjo mais bonito - eu não duvidava que era ele naquele corpo feminino.

Não contente em ser a garota mais bonita daquele colégio (e a mais bonita que eu já tinha visto em toda minha vida), ela era também a mais rica e a mais popular. As outras meninas tentavam imitar seu jeito de andar, o enrolar de seus cabelos e até suas roupas. O que ela dizia era regra: se falasse que uma garota estava gorda, imediatamente a menina começava uma dieta; se dissesse que o corte de cabelo de uma tinha ficado ruim, essa imediatamente comprava uma peruca.

Eu simplesmente não poderia contar com ela. Lilian era dona do lugar, era natural para ela essa hierarquia idiota. Duvidava muito que ela fosse contra sua filosofia de vida.

Sua boca não havia se calado por um instante sequer desde que o diretor colocou em palavras seu plano. Suas mãos se mexiam freneticamente e sua cabeça fazia o mesmo a ponto de fazer escorregar o laço que prendia duas mechas frontais atrás de sua cabeça. Não foi surpresa quando seu cabelo se ajeitou sozinho.

—Senhorita Blanché, Zachary é um ótimo aluno, tem vários méritos e precisa de ajuda.

—O senhor não entende?! -Controlou-se para não faltar o respeito. -Senhor Bernardelli, se eu andar ao lado de Baker, ele não vai ficar popular e, sim, eu que vou me tornar anônima!!!

Suspirei.

—Senhorita, essa é a minha sugestão e agora é também uma ordem. Você ajudará Zachary pelo tempo que for necessário e, Zachary, - virou-se para mim – me conte tudo, não se intimide. Se Blanché não cumprir seu dever, perderá seus privilégios.

A loira bateu o pé no chão e virou-se rapidamente fazendo a saia e o cabelo levantarem um pouco. Ainda assim, teve a educação de não bater a porta.

—Boa sorte.

O diretor Bernardelli falou como se tivesse certeza que eu estava caminhando para a forca.


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Notas finais do capítulo

Oi. Críticas construtivas, por favor ♥



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