—Você deixou cair isso…

Lilian tomou o laço cor-de-rosa da minha mão bruscamente.

—Não pense que eu vou te agradecer. -Disse, seca.

—Olha, eu também não gosto de ter que contar com você pra isso, mas parece ser a única maneira…

Seu tom de voz aumentou.

—A única maneira realmente eficaz é você sair desse lugar!

Virou-se para continuar seu caminho e deu um passo em falso. Ela grunhiu.

Segurei meu impulso de tentar ajudar. Além de saber que Blanché detestaria minhas mãos a tocando, ela não merecia ajuda.

—A culpa é toda sua, Zachary! Duas vezes! -Seu rosto começava a ficar vermelho. -Uma aquele dia da caixa de som e hoje!

Franzi o cenho, incrédulo.

—O quê? O que eu fiz?

—Eu tive uma torção, honey, estou fora dos treinos por sua causa!

—Tá, mas o que eu fiz hoje?

Cruzou os braços e jogou os cabelos para trás do ombro com um movimento de cabeça.

—Me deixou com tanta raiva que e esqueci da torção e bati o pé no chão!

Lembrei da cena em que ela batia o pé no chão com bastante força e segurei o riso. Ela estava realmente furiosa para fazer aquela idiotice.

—Quero me livrar de você o mais rápido possível. Siga-me. -Andou rebolando e mancando.

—Eu tenho aula agora…

—Vai ter que faltar. Estou completamente sem tempo nesse início de ano.

Decidi não discutir.

Entramos na quadra poliesportiva e vi todas as líderes uniformizadas e com seus pompons.

Blanché se sentou no terceiro degrau da arquibancada, pegou sua mochila que estava largada ali, retirou dela o notebook da Apple que eu quase derrubei dias atrás e plugou na caixa de som.

—Já se aqueceram, meninas? -Elevou o tom de voz para as líderes escutarem.

—Sim!

Assentiu e apertou o enter.

Desacreditei na música que começou. Com certeza não havia sido escolha de Lilian – não era a cara dela. Era o tipo de música que minha mãe escutava e que, logo, eu escutava também e adorava.

As líderes dançavam perfeitamente ensaiadas, era mais ou menos vinte meninas dançando passos firmes e até que sensuais. Nunca imaginaria que aqueles movimentos combinariam com It’s My Life de Bon Jovi. O que achei mais legal foi que, nas partes em que a nota era mais alta, elas pulavam, faziam piruetas e tudo se encaixava muito bem. No final da música, algumas começaram a montar uma pirâmide enquanto umas outras ficaram atrás e a música acabou.

—Aí eu me jogo e fim. -Lilian tirou o notebook do colo e o deixou na arquibancada. -Foi até bom eu ter ficado de fora hoje pra ter a visão de um espectador. Deu pra notar algumas coisas. -Ela disfarçava bem o mancar enquanto caminhava. Os sorrisos das líderes começou a murchar e eu compreendi que aquele andar e aquela entonação de voz precediam um ataque.

—Carrie, eu disse pra você largar o chocolate, mon amour. Agora tá gorda e cheia de espinhas. Falta muito pouco pras pessoas acrescentarem “a estranha” quando forem falar de você! -Colocou as mãos na cintura. -Você vai pra fora da base!

A tal da Carrie colocou as mãos no rosto e começou a chorar.

—Marianne, o seu joelho dobrou ridiculamente, quase que você derruba Amana! Você vai pra base.

Essa segunda não chorou, apenas se encolheu.

—E agora, a maior decepção da manhã… Natalia, você é burra ou o quê, sweetheart? Ano passado estava na segunda fileira de pirâmide, logo abaixo de mim, e agora você caiu pra base porque virou a personificação de um hipopótamo! -Natalia conseguia sentir o hálito de Lilian de tão perto que a loira estava. -O que você fez nas férias?

—Assisti Netflix e…

—E comeu, né? Esse é o resultado – Blanché começou a andar – da negligência. Quando as férias começam, são férias escolares e não férias da academia, meninas! Três caíram de posição em menos de uma semana!

O silêncio reinou naquele lugar enorme. A chefe das líderes umedeceu os lábios e voltou a falar:

—Amana, você conseguiu retomar o equilíbrio rapidinho quando Marianne falhou. Você vai ficar na segunda fileira, no lugar de Natalia.

Amana, uma moça negra de cabelos longos e alisados, bateu palmas com seus pompons ainda em mãos e deu pequenos pulos.

—Isadora, você vai de fora da base direto para o meio da pirâmide, no lugar de Marianne. -A menina arregalou os olhos, incrédula. -Jackie, você vai para o lugar de Carrie…

—Eu nem sei como você pode falar isso pra nós sendo que você é inútil agora! -Natalia berrou jogando os pompons no chão.

—Desculpe? -Lilian se fez de desentendida.

—Nem andar direito você consegue, sua ridícula! E acha que pode mandar e desmandar na gente! Quem você acha que é?!?! Um rascunho da professora Isis?!?!

—Primeiro: vamos abaixar a voz porque eu não sou uma gralha com problema mental como você pra ficar berrando desse jeito. Segundo: não acho que sou “um rascunho da professora Isis”, mas sei que sou a mais entendida das alunas e estou num nível bem superior ao seu porque foi a mim que ela confiou os ensaios e não a você! Se ela achar que tomei uma decisão errada, ela vai consertar e, não sei se você sabe, mas ela sempre concordou com todas! Terceiro: meu pé torcido vai ficar bom muito mais rápido do que o tempo que essas celulites levariam pra sair da sua bunda! -Todas as meninas soltaram uma exclamação e Natalia recuou, ofendida.

Era engraçado reparar que, mesmo sendo mais baixa que a maioria, Blanché estufava o peito, enfrentava quem fosse e até chegava a ser ameaçadora de verdade.

Natalia bufou e tentou esbarrar em Lilian quando se retirava da quadra. Com um jogo de corpo, a chefe das líderes de torcida desviou facilmente e sorriu, debochada.

—Precisa muito mais pra me derrubar, darling.

Como eu disse, Lilian Blanché era a garota mais bonita que eu já tinha visto em toda minha vida, mas também era a mais estúpida. Ela sempre me mostrava que seu limite era mais além do que eu pensava.