Descobrindo Sombras escrita por Lucy Devens


Capítulo 7
Silêncio




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Ronnie e Vanilla acabaram me obrigando a usar as roupas delas. Nilla me emprestou um vestido preto que tinha uma mini saia e Ronnie me emprestou uma meia calça grossa da cor vinho. A única coisa que me deixaram escolher foi o sapato, a mesma bota preta de cano curto e salto alto que eu havia usado na noite anterior. Secretamente eu havia nomeado o par de botas como "par da sorte", já que eu havia ganhado uma carona de John com eles. Saímos dos dormitórios em direção à fraternidade por volta das dez da noite e quando chegamos lá a festa já havia começado.

Minhas amigas estavam animadas. Não sei muito bem o motivo, mas elas adoravam essas festas. Elas me arrastaram pela casa e me fizeram falar com um monte de gente estranha, até que eu vi Roland parado perto da escada com uma cerveja na mão, rindo enquanto eu parecia uma barata tonta.

Peguei uma cerveja e me rendi, fui até Roland.

— Pelo menos alguém se diverte com a minha confusão - Eu disse quando cheguei até ele - Saúde - Levantei a minha garrafa de cerveja e bati de leve na dele.

— Com certeza, e saúde.

Bebemos juntos um longo gole.

— Parece que John vai aparecer na festa hoje - Disse ele - Não sei como ele ficou tão popular, sendo que ele nem está mesmo nessa turma.

— Eu o convidei, ele deve ter alguns atrativos.

Roland riu e eu percebi que havia falado besteira. Eu acabei rindo junto.

— Finalmente, você está aqui! - Disse Nilla- Eu preciso te apresentar o... - Ela parou um segundo e olhou para o meu amigo - Oi, Roland. Não sabia que você estaria aqui.

Tentei entender Nilla, mas os pensamentos dela estavam todos embaralhados por conta da bebedeira.

— Relaxa, não estou te perseguindo.

Nilla bufou. Ela não parecia gostar muito de Roland, achava que ele tinha uma queda por mim e temia que ele fosse me roubar delas. Medo bobo, cheio de ciúmes, de repente era uma atração que ela negava, ou os dois.

— Bom, temos que participar de um jogo de verdade ou desafio agora - Ela disse- Se nos dá licença.

— Verdade ou desafio? - Roland riu - Vocês tem o que? 10 anos?

— Engraçadinho - Ela estreitou os olhos para ele. - Vamos, Mey?

Roland deu uma piscadela e saiu de cena. Eu resolvi chegar no jogo. A maioria dos desafios acabou envolvendo muito álcool, então eu acabei ficando meio tonta rápido. Não era esse o plano. A qualquer momento John poderia chegar e eu não queria que ele me visse bêbada de novo. A preocupação tomou conta da minha cabeça e de repente os pensamentos das pessoas invadiram a minha cabeça, junto com a música alta e falatório. Eu estava ficando tonta e com dor de cabeça. Achei uma brecha para sair dali e fui direto para a cozinha, que não tinha quase ninguém. Apoiei as mãos no balcão e fechei os olhos com força, mas os pensamentos pareciam gritar na minha cabeça. Todos embaralhados.

Espero que isso não arruíne meu fim de semana.

Não acredito que ele está fazendo isso comigo.

Eu deveria parar de ignorar a minha mãe.

Meu deus, eu estou muito louco.

Eles não paravam de vir, todos de uma vez.

— Mey? - Alguém me tocou e de repente tudo ficou silencioso.

Abri meus olhos e vi John.

— Oi - Eu finalmente disse - Você apareceu.

— Apareci - Ele estava preocupado - Você está bem?

Fiz que sim com a cabeça e respirei fundo, aproveitando um segundo de paz na minha cabeça.

— Eu estava jogando com o pessoal - Confessei - Acho que a bebida subiu rápido.

Ele me olhou confuso.

— Mas eu estou bem - Completei logo em seguida. Não queria que ele pensasse algo errado.

— Quer sair daqui? Tomar um ar?

Peguei na mão dele e fomos em direção à frente da casa. A mão dele na minha fazia com que meus dedos formigassem. Um simples toque tinha todo aquele efeito em mim. Não queria soltá-la nunca, mas tinha que lutar contra aquilo. Eu mal conhecia o cara. Finalmente chegamos na frente da casa.

— Foi aqui que você me chamou de John Travolta - Ele disse e eu ri - Mas acho que devem ter vários outros Johns que eu gostaria de ser confundido. Já se foram os tempos de brilhantina.

Percebi que ainda segurava a mão dele e, com relutância, acabei soltando. Me sentei na grama e aproveitei a brisa gelada que estava vindo. O verão havia acabado. Logo seria a hora de beber cappuccino de abóbora e colocar cachecóis. Apesar de não gostar daquelas modinhas, ainda era a minha estação favorita.

— Acho que pensei no Travolta porque ele está no meu filme favorito- Confessei.

— Os Embalos de Sábado à Noite? - Ele se sentou ao meu lado. O silêncio que ele trazia consigo me deixava confortável.

— Pulp Fiction, na verdade.

— Grande filme, Pumpkin - Ele disse, fazendo referência à primeira cena.

— Grande filme, Honey Bunny - Eu respondi e ele deixou escapar uma risada.

A risada dele fez com que um choque percorresse por todo o meu corpo. Não entendia como ele conseguia ter esse efeito em mim. Desde a primeira vez em que eu o vi. Nunca soube que isso era realmente possível. Mas não podia deixar só por isso. Queria conhecer mais sobre ele.

— Então - Eu estalei a língua - Você é um aluno de pós graduação que assiste aulas de graduação?

— Ah, verdade. Eu acompanho uma aula sua. Na verdade eu estou fazendo uma especialização e gosto de ver algumas aulas para ter certeza de que não estou me esquecendo de nada.

— Especialização? E trabalha no Honor's?

— Sim, acabei de me formar em medicina. Semana que vem é minha última semana no Honor's antes de entrar no hospital. Foi mais um emprego de verão para conseguir manter a grana em dia.

Devo ter dado muita sorte em encontrá-lo no Honor's. Ou muito azar de não tê-lo encontrado antes. Não sabia ao certo.

— E você? Qual é a sua graduação?

— Antropologia - Respondi e passei a mão na grama.

— Combina com você - Tive a impressão que ele deixou escapar essa frase - Quer dizer, pelo menos é o que parece.

Um minuto de silêncio. Não sabia mais o que dizer. Não sabia o que perguntar. Não sabia qual assunto puxar.

— Quer mais uma bebida? - Ele finalmente disse.

— Claro.

Nos levantamos e fomos direto para dentro da casa. As pessoas pareciam estar se divertindo e felizes de estarem ali. Era difícil dizer. Enquanto eu estava perto de John, era como se uma barreira estivesse a nossa volta. Eu não recebia os pensamentos de ninguém.

Pegamos dois copos de plástico e enchemos de ponche batizado. Brindamos e bebemos juntos. Era como se já tivesse tido vários momentos como esse com ele. Até Vanilla chegar.

— Mey, você não vai acreditar - Ela chegou cambaleando - Aquele nerd da minha aula de Literatura acabou de vomitar no tapete, os caras estão pu...- Ela pausou e olhou para John - Ei, eu te conheço - Ela apontou o dedo para ele - Você era voluntário no hospital que minha vó fez aquela cirurgia. Meu Deus, ela te adora.

— Vanilla, certo? - Ele perguntou.

— Isso! Minha vó sempre fala de você. - Ela se virou para mim - Então esse é o cara que te levou para o dormitório?

Revirei os olhos. De novo isso? Minha amiga tentou piscar para mim, mas falhou.

— Heeeeeeey - Ela se virou e abraçou alguém.

Ela foi direto para os braços de Roland. Não pude deixar de rir. Era bem típico.

— Desculpe se eu sou chata, vou aprender a gostar de você.

Roland riu.

— Tudo bem, acho que já é hora de alguém ir para casa - Eu disse.

— Eu levo ela - Disse Roland.

— Me leve para todos os lugares - Ela respondeu para ele. - Ah, e avise Ronnie!

— Ela já foi embora, Vanilla - Disse Roland.

— Vaca! Amanhã ela vai ver!

— Tuuudo bem. Vamos então?

Ela se apoiou nele e os dois foram embora.

— Essas festas são bem intensas - Comentei e tomei mais um longo gole.

— Esse cara vai realmente levar ela pra casa?

— Ah, não se preocupe. Os dois são feito gato e rato. Toda vez que ela bebe demais tenta fazer as pazes com ele e depois finge que nada aconteceu.

Olhei para o fundo do meu copo e percebi que estava quase vazio. Então enchi com mais ponche.

— E você também faz trabalho voluntário? - Indaguei - Já fui visitar a vó da Nilla no hospital várias vezes e nunca te vi lá.

— Não era sempre que eu ia - Ele encheu seu copo com mais ponche - Ela e a vó são muito parecidas.

Ele encarou a porta pela qual ela havia saído e ficou pensativo. Podia jurar que estava começando a fazer ele se abrir um pouco, mas ele se fechou de novo. Aquilo me desanimou. O ponche subiu direto para a minha cabeça. De repente eu não queria mais estar naquela festa.

— Acho melhor eu ir embora - Eu disse e virei o copo.

— Eu te levo.

— Não precisa. Eu poderia usar o caminho pra respirar um pouco de ar fresco.

— Vamos andando - Ele olhou para mim - Eu insisto.

Aceitei o convite e fomos andando até o dormitório. O caminho não era muito longo e ficamos a maior parte do tempo em silêncio. Eu podia sentir o álcool subindo cada vez mais a medida que nos afastávamos de tanto barulho e das pessoas. Era a minha chance.

— Tem certeza que a gente não se conhece? - Perguntei quando chegamos na porta do meu quarto - É como se eu já te conhecesse há muito tempo.

Ele olhou para mim, levou sua mão ate meu rosto e colocou uma mecha de cabelo atras da minha orelha.

— Eu não esqueceria um rosto como o seu.

Olhei no fundo dos olhos dele e não pude me conter. Estávamos tão próximos, eu podia sentir a sua respiração no meu rosto e sua mão ainda estava no meu cabelo. Num impulso eu o beijei. E recuei aos poucos. Ele não se moveu.

— Desculpe, eu precisava...

Ele não me deixou terminar. Me deu mais um beijo. Um beijo logo. Sua mão no meu pescoço e seus lábios nos meus. Não queria que aquilo acabasse nunca. Mas infelizmente ele se afastou.

— Não deveríamos fazer isso - Ele disse de maneira suave.

Tentei entender sua expressão. Uma espécie de confusão, negação e desejo. Eu não sabia o que fazer. Não sabia o que dizer.

— Me desculpe, Mey. - Ele deu um beijo na minha testa e foi embora.

Fiquei com a respiração presa na garganta. O que aquilo significava? Ele tinha se fechado de vez? Eu estraguei tudo? Abri a porta do meu quarto e entrei no dormitório sentindo o vazio que estava instalado ali.


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