Aos olhos de alguém - Mudanças escrita por Loressa G M


Capítulo 4
Primeiras impressões enganam




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*Joseph

  – Papai! – Ouço uma voz de mulher, entretanto, não é a de Sofi – Papai!

  Imagens começam a se formarem ao meu redor, uma mulher de cabelos castanhos e pele morena está de costas para mim, ela parece segurar algo grande enquanto chama pelo pai. A moça começa andar pelos enormes corredores com seu vestido, arrastando incontáveis tecidos dele no chão. Ela entra em uma das portas. Enquanto gira a maçaneta de ouro, tento segui-la discretamente. A mulher entra no cômodo – Espio-a – Nele há um homem de cabelos negros, sentado de costas para a jovem, enquanto olha pela janela naquela espécie de sofá grudado à ela.

  – Tu pretendes seguir o plano filha? – pergunta o homem, sem se virar. Mesmo de costas seus olhos azuis brilham mais do que a luz do luar acima deles.

  – Sim – o corpo dela se endurece em uma postura de quem pretende manter a decisão.

  – Sabes o que penso.

  A mulher se aproxima, ela parece ter apenas dois anos a menos que ele. Como podem ser pai e filha?

  – Ela é o maior presente que me deste papai – diz a garota, olhando para o que segura, e mudando o assunto.

  – O que querereis será vosso. Prometera-lhe a ti há anos. – O homem se vira. Ainda sentado nas almofadas, a mulher entrega a ele a criança que estava em seu colo.

  Já vira aquele homem antes, minha mãe sempre me contara as histórias dele, mesmo quando pedia para contar de qualquer outro da face da terra, e mostrava-me pinturas escondidas a sete chaves. É o homem que Sofi me fez odiar sem motivo, Alinpç. Então aquela mulher deve ser Deverron, mas a criança...

  A menina acorda entre a troca de braços.

  – O aniversário de sete anos dessa pequena garota está chegando – Deverron faz cocegas na menina, a qual pede, sorrindo, ajuda ao seu “vovô”.

  Nunca vira Alinpç sorrir em pintura alguma, ele parece um homem sério e de poucas palavras nas histórias e ilustrações. Mas, pelo que vejo, com sua filha e neta ele é bem diferente.

  Algo me parece estranho. A garotinha de olhos castanhos e cabelos negros me parece familiar, como se eu tivesse uma ligação com ela...

  – Pô-lo-ei a de castigo Cassie, por perderes tão facilmente – Ele sorri para ela, enquanto brincam de cócegas.

  – Eu não perderei, nunca. – responde a garota com sua voz aguda   

  Cassie, a palavra ecoa por minha mente. Ela é... minha irmã.

  — Faria de tudo por ela papai – Deverron se vira para mim, seus olhos vermelhos como fogo – tudo.

 

  Acordo, neve circunda todo o meu corpo. Sofi apenas me olha sentada em um banco de madeira com aquecedor ao lado. Ela se levanta e estrala os dedos, sua feição é séria e ela parece descontente por eu ter desmaiado, nenhum relampejo de preocupação em seus olhos.

  – Entre. – ela ordena, o banco não se encontra mais atrás dela.

  A caverna é escura, minha visão leva alguns minutos para diferenciar as paredes de pedras, dos corpos pendurados nelas por uma espécie de casulo branco. São dezenas. Dezenas de casulos, de humanos...

  Viro-me para a entrada. Já estão mortos mesmo, eu não quero ficar aqui, eu não quero mo...

  – Por favor, garoto, ajude a minha filha – meu cérebro traduz as palavras, mas não é capaz de localizar a origem do som – Por favor – o pedido sai como um último suspiro

  – Onde você está? – Pergunto, aflito, olhando ao meu redor. Está tão escuro. – Moço!

  Respiro fundo. Em silencio, parado em frente à escuridão, causo uma ilusão a meu próprio cérebro. Eu posso ver sem luz alguma. Fecho meus olhos por alguns segundos, e, ao abri-los novamente, consigo distinguir perfeitamente os rostos das pessoas embalsamadas por algo semelhante a uma resistente teia de aranha.

  As mãos de um homem de meia idade e de uma garota com seus nove anos estão entrelaçadas. Deve ser ele. Começo a puxar os fios brancos que envolvem ela, porém o material é grudento, e... e eu queria minha mãe para me ajudar.   

  Eu tinha que fazer aquilo? Tinha que fazer a outra assumir o controle da mente dela? Como eu queria voltar no tempo agora e dar um soco no pequeno eu. 

  – Cuidado – a garota sussurra com dificuldade, sem abrir os olhos

  Algo me agarra pela cintura, começo a bater meus pés inutilmente. Olho para o monstro. Um corpo quase que esquelético, formado apenas por ossos cobertos de uma pele negra como petróleo, e uma cabeça totalmente branca – visto que é apenas o crânio de uma rena mutante.

  Suas garras envolvem todo o meu corpo, segurando-me enquanto ele me observa com aquela luz vermelha ao fundo do buraco, onde deveria haver um globo ocular.

  Ele finalmente decide bufar e me arremessar para o outro lado da caverna, como se fosse uma noz que precisasse ser aberta. Minha batida é amortecida pelo corpo de um ser humano, entretanto, a força faz com que o homem à beira da morte cuspa sangue em meu cabelo recém penteado.

  – Que nojo! – resmungo para o Wendigo, enquanto passo a mão em meu cabelo, impedindo que o sangue escorra até meus olhos – Eu estava com medo de você, mas agora, vai se arrepender de ter feito isso!

  E vai soltar a linda garota.

  Entro na mente do monstro. A maior parte de seu cérebro está desativado, apodrecendo durante décadas. Procuro em sua mente algo que ainda funcione, enquanto o vejo se aproximando cada vez mais de mim.

  É como se eu usasse um olho para ver o mundo, e outro para investigar sua mente. – Isso é maneiro!

  “Fome, fome, fome, fome, comida! Fome, fome...” – que mente mais chata.

  Me levanto e corro até o monstro. Movimento meu braço como se segurasse uma pesada espada, naquela parte do cérebro do Wendigo faço com que ele possa ver e sentir um golpe em sua barriga.

  “Dor, dor... fome, fome” – Então é assim?

  Golpeio-o mais incontáveis vezes em sua imaginação. É até que divertido, contando que tenho uma bela espectadora sorrindo.

  Você será minha donzela em perigo garota, irei salvar a ti e a teu pai.

  O monstro rosna e, distraído, sou acertado por seus enormes chifres. O corte é profundo em meu abdome, e pior, é real. Grito de dor. Caído e sem forças para mexer na mente do monstro, ele percebe que não há mais uma arma, algo que impeça um animal de se aproximar. Ele então abre sua enorme mandíbula, rasgando a pele lateral.

  Já tinha aceitado que seria a primeira refeição dele nesse ano quando Sofi entrou na caverna. Ela apareceu atrás dele no momento certo, e segurando-o pelos chifres o impediu de se mover. Apesar de o Wendigo ser três vezes maior e aparentar ter mais força que ela, Sofi tinha a maior vantagem de todas. Ela é uma Kirian nível dois.

  Olhando fixamente para a criatura, a Deverron congelou seus joelhos e pés no chão. Fazendo-o parar em uma posição quase que de reverencia a mim.

  – É o que são – disse ela olhando para o monstro, e em seguida, para mim – Súditos. Todos os outros seres sobrenaturais ou não devem servir aos Kirians, era o que Alinpç pregava pouco antes de desaparecer. – Ela olha com desprezo para o Wendigo – Ele está certo. Com um pouco de treinamento, qualquer kirian é capaz de matar um Wendigo, Vampiro, Ghoul, sereia, bruxo... – Ela se aproxima da garota de nove anos – Tudo bem, tenho que confessar que esse último tem exemplares difíceis, mas um simples Wendigo...

  A garota de cabelos castanhos e olhos azuis sorri. Quando Sofi retribui o sorriso, o homem ao lado da garota desaparece, assim como o que a prendia a parede.

  – Vamos lá cara, um desse até eu conseguiria – meu cérebro precisa traduzir suas palavras, mas aquele sorriso, até mesmo o Wendigo pensaria “Fome, que sorriso lindo, fome...”

  – Eu não estava preparado – digo uma desculpa qualquer para parecer menos humilhante.

  A roupa da garota é composta por pesadas peles de animais, entretanto, um pedaço de sua perna acaba descoberto. A garota percebe que eu olhava.

  – Eu gosto de sentir o frio, algo... real, para variar. – Ela sorri novamente para mim

  – Precisava que você tivesse um incentivo, achei Naomi em uma cabana solitária – Sofi se intromete entre nossos olhares – Pelo visto ela vai ter que ser útil de outra forma.

  O sorriso de Naomi desaparece de seus lábios.

  – Corre! – Grito para ela, ignorando a forte dor e o sangue escorrendo por minha roupa

  Naomi olha para mim uma última vez, antes de encarar Sofi como se ela não tivesse o dobro de seu tamanho.

  – Guerreiros não fogem, nunca.


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