Aos olhos de alguém - Mudanças escrita por Loressa G M


Capítulo 3
Faltam cinco




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 Vejo de longe ruivos cabelos jogados na calçada. Victory ainda não se levantou, Tayler e Lorenzo parecem extremamente assustados. Nenhum mais do que eu.

  Me aproximo. Além de enxergar minha mãe, a qual nunca deveria poder estar doente, jogada na calçada, também vejo um papel em sua boca semiaberta. Mais um bilhetinho de Deverron.

  “Sei que nunca mais se encontrou com Ernesto. Por se comportar, não matarei Vic, ainda. Ela está com uma doença experimental, que eu e meu pai planejamos espalhar pela ilha. Os mais fortes sobreviverão, fazendo uma seleção natural para facilitar nosso trabalho. Entretanto, com Victory será diferente. Siga as pistas se quiser vê-la saldável.

  Será divertido pequenina.

PS: Não envolva Natacha nisso, a menos

que consiga a tranca da mente de Jacques

Deverron.” 

    O bilhete se desfaz em minhas mãos. Sei que apenas eu pude-o ver, porém, Tayler e principalmente Lorenzo devem ter achado estranho minha atitude de me agachar ao lado da vampira e continuar de costas para eles alguns segundos. Não quero envolve-los nos meus problemas, ainda mais com uma “kirian lendária”. Porém, conhecendo Lorenzo, suponho que já seja tarde demais.

  Davina, meu nome ecoa por meu cérebro com a voz do kirian.

  Você já sabe. – envio de volta à mente dele.

   Lorenzo segura minhas mãos, Tayler nos olha sem entender o que se passa.

  – Acho que devemos contar a Tayler – viro-me para o bruxo, e conto sobre o bilhete.

  Ele quase caí ao lado de sua amada, acariciando seus cabelos e tentando levanta-la.

  – Tayler... não é desse modo que ela irá acordar – ele me olha, nunca tinha o visto olhar assim para mim. Um olhar que diz claramente “A culpa é sua”.

  Fecho os olhos e concentro meus pensamentos. Eu aceito Deverron.

  Não sei direito como é a atual aparência dela, talvez essa frase tenha percorrido mais mentes do que o necessário. O importante, é que após dize-la, Vic abre seus olhos.

  Tayler a abraça. Os olhos da ruiva são vermelhos, rachados, como se algo bem ao fundo deles estivesse quebrado. Ela se levanta com dificuldade, e a levamos para casa. Sem ouvir nenhum “Criatura” pelo caminho.

***

   – Que pistas? – pergunta Benjamim

  – Porque mesmo chamamos o cara que te machuca? – Lorenzo intervém

  Os garotos se fitam no meio da sala, ambos os olhares parecem querer queimar o outro vivo.

  – Não comecem! – Eles voltam suas atenções para mim. – Toda ajuda é bem-vinda. Falando nisso, onde está Jacques?

     Assim que falo o garoto abre a porta principal da casa. O grupo de busca está formado, dois kirians, um anjo, uma sereia, e um vidente. Enquanto jogamos o jogo de Deverron, Tayler cuida de Victory pessoalmente, alguém precisava fazê-lo.

  Lorenzo começa a procurar por algo com a marca da kirian de olhos azuis, em seu corpo natural de doze anos. Benjamim sai com Yasmim pelo estado Vicely, ele sobrevoando, e ela tentando arrancar informações dos habitantes do sexo oposto. Também tento procurar pelas mentes do estado. Entretanto, quem encontra uma resposta é Jacques.

  – Em dois minutos, em uma confeitaria. – diz ele, seus olhos brilhando como se visse algo diferente do que realmente se encontra a sua frente.

  Entro na mente dos outros, informando-lhes qual confeitaria. Todos correm para o outro lado do estado. Enquanto Ben voa, Yasmim rouba o carro de um homem e os outros na mansão se locomovem com o carro de Ramon, eu apenas me tele transporto.

  Ao meu redor, a maior confeitaria da ilha. Doces coloridos por toda parte, caldas de chocolate e muffins coloridos preenchem as prateleiras rosas. Tudo parece tão doce, tão colorido, que chega a me causar diabetes só de olhar. Turistas de outros estados preenchem as mesas arco-íris, essa é a confeitaria mais famosa. O estado Maikle nunca teve esses estabelecimentos, para manter a forma de todos os possíveis soldados, O Wolf vive em uma época em que granulado colorido ainda não foi inventado, e o Maya, como sempre, é muito caro.

  Entre muitos estrangeiros consigo identificar alguns poucos coitados que gastam o pouquíssimo dinheiro que recebem do estado com doces, voltando o dinheiro para o próprio estado, pois todas as lojas daqui pertencem ao governo.

  Sento-me em uma mesa, esperando que meus amigos cheguem. Uma garçonete logo vem anotar meu pedido, digo a ela que estou esperando algumas pessoas. Não costumo andar com dinheiro aqui.

  Benjamim é o primeiro a chagar. Faço um sinal com a mão para que ele me ache em meio a tantas cores vivas e pessoas animadas, repletas de açúcar no sangue.

  – O que exatamente estamos procurando? – Ele se senta na cadeira à minha frente e sussurra olhando ao redor.

  – Jacques não quis falar, apenas me disse em sua mente que não tem como impedir – A porta se abre novamente, o sino balançando.

  Uma mulher alta e extremamente magra entra no ambiente. Suas roupas são alegres, um longo vestido amarelo florescente e uma sandália púrpura, seus olhos azuis colorem ainda mais seu visual, principalmente quando ela sorri. Ela estica seus braços para cima, jogando seus castanhos cabelos, e segue em nossa direção.

  – Amei esse lugar – ela se senta do meu lado, olhando para mim e Benjamim alternadamente – Como vai Joaninha?

  Permaneço de boca aberta. Realmente é Natacha. Estava tão acostumada com ela em seus vestidos cheios de tecido e seu olhar melancólico, além de que fazia tanto tempo que não a via, que quase não a reconheci. Mas, como? Como ela está em carne e osso ao meu lado?

  – Davina, quem... – Benjamim tenta perguntar discretamente a mim.

  – Sou Natacha, prazer. – ela estende, sorridente, a mão ao garoto. Ao tocá-la, Natacha acaba se queimando. – Ai! Acho que você acabou de diminuir em um nível meu poder. Não tem problema, ainda tenho muitos kirians mortos sobre meus ombros.

  Benjamim recua. A kirian de mil anos parece mais feliz do que o normal, talvez por além de estar fora de seu caixão, estar em uma loja cercada de doces. Ela olha sorrindo para algum ponto distante, quando de repente se lembra de algo.

  – Joaninha! – viro-me para encara-la em seus olhos. Ao mesmo tempo que ela me olha, é como se não estivesse direcionando seu olhar a mim, e sim a qualquer coisa por perto. – Então, não, eu não saí. Apenas na medida em que Isabel começa a crescer, aquele ouroboros em um de seus olhos começa a ficar mais forte...

  Ela para de repente.

  – E... – pergunta Ben, tentando entender direito quem seria aquela mulher, enquanto continuo tentando encara-la, mas seu olhar é perdido, como sempre.

  – E o que? – ela se vira para ele em um saltinho. – Garçonete! Três Muffins de chocolate, morango e abacaxi, um pedaço de bolo branco e quatro cupcakes com cobertura rosa, azul, amarela e verde.

  Benjamim me olha, confuso. Ergo meus ombros. Sei que ela não vai voltar a falar, não hoje.

  Duas garçonetes trazem o seu pedido, ela então começa a comer um Muffin rosa de granulados coloridos e se vira de costas para nós, observando indiscretamente um homem bem acima do peso comer na mesa ao lado. Com a boca lotada de doces ela começa a falar em tom normal.

  – Clouci— três, na língua dela – Junny— dois – Cap!

  Um. Natacha sorri empolgada, enquanto o homem bem acima do peso se levanta, parecendo passar mal. Ele começa a andar bambaleando em direção à caixa registradora e então a Kirian de olhos azuis posiciona suas mãos apoiando seu queixo e encara sorrindo o homem.

  – Zero.

  Assim que as palavras saem da boca de Natacha, o sino da porta toca, e o homem explode em grandes pedaços à nossa frente.

  O sangue banha a todos na confeitaria, junto aos pedaços de seu corpo, principalmente os intestinos, os quais devem ter sido os primeiros a se repartirem em pedacinhos. Uma mistura de sangue, doces digeridos, pele e banha, lavam o meu rosto. Yasmim fica parada à porta de entrada, sem saber exatamente o que fazer.

  Todos na confeitaria ficam pasmos, com nojo, e assustados. Menos Natacha, a qual continua a sorrir alegremente, segurando sua risada. Percebo que ela protegeu seus bolinhos com a jaqueta de Benjamim, a louca sabia exatamente o que iria acontecer. Ela se levanta, ninguém mais parece percebe-la, nem mesmo Benjamim. Natacha retira um lenço enorme da jaqueta jeans preta de Ben, algo que, não parecia estar lá antes.

  Ela então enxuga seu rosto, e com a outra parte do lenço, limpo como se não tivesse sido esfregado em pedaços de carne humana, ela limpa o meu rosto e depois o do anjo. Não conseguimos nos mover até ela guardar o lenço no pequeno decote de seu vestido e estralar os dedos. O mundo ao nosso redor então volta a ter som e movimento, pessoas desesperadas, em sua maioria humanos sem entender como aquilo foi possível.

  – Davina – Lorenzo entra no estabelecimento, retirando-me do meu estado de choque – olhe a parede, atrás de você.

  Me viro, e deparo-me com uma mensagem, escrita a sangue e algo amarronzado. Claramente, Benjamim e os outros não conseguem ver as palavras.

  “Parabéns pequena. Encontrou a pista dois. Tudo bem não ter visto a primeira, o importante mesmo, é que ache a última.

Agora só faltam cinco

Com amor, Deverron.”

  “Agora só faltam cinco”... “Encontrou a pista dois”

  – Jacques! – grito, enquanto saio do estabelecimento. Natacha segue meus passos, após deixar um maço de dinheiro no balcão. – Você sabia disso? – pergunto encarando o garoto mais baixo que eu.

  – Ele não podia contar – Natacha diz, enquanto come o pedaço de bolo, seus olhos parecem maiores que o normal – Deverron queria surpresa.

  Ela continua a dizer palavras sem olhar em rosto algum, e começa a andar na direção contrária de onde estou, até desaparecer, como uma programação falhando em um jogo. Assim que ela não se encontra mais as nossas vistas, Jacques parece ter uma memória desbloqueada.

  Entro em sua mente. Uma mulher em ataques de nervos no estado Maikle começou a jogar objetos sobre os funcionários, como sempre fazia, mas dessa vez, de tanto gritar suas cordas vocais rasgaram, junto ao seu pescoço, deixando sua cabeça pendurada para trás apenas por uma fina camada de pele.

  – Está pensando o mesmo que eu? – pergunta Lorenzo, olhando-me nos olhos.

  – Ira e gula já foram... “faltam cinco”.      


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