Aos olhos de alguém - Mudanças escrita por Loressa G M


Capítulo 5
Sem mais distrações




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  – Qual será o próximo pecado capital? – Diz Gabriel enquanto joga um jogo de quadradinhos em seu celular

  No dia seguinte aos acontecimentos decidimos nos reunir novamente, na sala da minha casa.

  – O mais importante é o que vai acontecer no próximo pecado – responde Lorenzo, deitado relaxadamente no sofá

  – Talvez seja vaidade, e uma modelo morra de tanto emagrecer – os rapazes nem ao menos se olham

  – Mas... emagrecer demais não a tornaria mais bonita – mesmo falando diretamente com Gabriel, os olhos de Lorenzo fitam o teto e não o anjo. – Não sei seu gosto, mas eu prefiro mulheres que não se pareçam com o “Puro osso” de “Billy e Mandy”.

  – O pecado se chama Vaidade não Beleza, imbecil

  Lorenzo finalmente se senta no sofá para conseguir encarar Gabriel, o qual continua morrendo em seu joguinho.

  – O que é “Billy e Mandy”? – pergunta Yasmim, perdida na discussão. As vezes o Kirian de olhos purpura se esquece que são poucas as pessoas com acesso aos programas do mundo exterior, provavelmente nem mesmo Gabriel havia entendido.

  Se bem conheço aquela família, a modelo não morreria simplesmente de fome, ela definharia aos poucos, sua garganta ficaria tão seca que ela não conseguiria pedir ajuda, suas pernas fracas, e magicamente ninguém se lembraria dela, pelo menos não antes de sobrar apenas um esqueleto dissecado em seu apartamento.

  Todos os olhares da sala se voltam para mim. Não havia percebido que falava em voz alta.

  – Preciso descansar – Me levanto e sigo em direção a escada, os dois garotos me seguem – sozinha... por favor.

  Entro em meu quarto e abro a janela, eu realmente precisava de um pouco de ar fresco e silêncio. Meus amigos me ajudam, e muito, sem eles eu não saberia viver. Mas as vezes, preciso de um tempo para mim, um minuto de calmaria que seja.

  Deito na cama, esticando meu corpo. Minha cabeça parece queimar. Tudo começa a perder o sentido, não queria dormir, mas acho que não sou eu quem decide o que quero, já existe alguns Kirians que o fazem por mim.

 

  Me levanto da cama. Não me recordo de sonho algum. Por quanto tempo eu dormi? Devo ter deixado todos preocupados.

  A porta do meu quarto parece diferente, ela está... rosa. Olho ao redor, minha janela, banheiro e uma das paredes não mais existe. Esse, definitivamente, não é meu quarto.

  Minhas roupas... desde quando eu uso vestido de babado? Está tudo tão... rosa, e alegre. Encaro a parte do quarto em que não há uma parede, entretanto, a luminosidade não me deixa focar em nada. Penso em poder ver o que existe naquela luz, mas não consigo.

  Não estou em minha mente, e pior, meus poderes não funcionam nessa.

  Uma risada de criança ecoa por todo o ambiente. Passos que parecem pertencer a um gigante caminham em minha direção.

  Eu estou em uma casa de boneca? Eu sou um brinquedo nessa mente?

  Minhas perguntas são logo respondidas, uma garotinha de cabelos negros e olhos castanhos se aproxima, tapando a luminosidade.

  Sim, eu sou um brinquedo em uma casa de boneca.

  — Cassie! Venha aqui com a mamãe – Uma voz extremamente familiar, porém, em um tom que nunca ouvira dela, fala mais alto do que meus ouvidos gostariam    

  Mesmo a voz sendo suave e gentil, ela provém de uma pessoa com muitas vezes o tamanho da casinha de boneca. Finalmente percebo de quem é aquela voz, Sofi, minha irmã.

  – Não vou, você vai me dar banho! Eu sei “dissu” – responde sorridente a garota de uns três anos

  – Vamos Cassie, senão você vai virar uma gambazinha – Sofi se aproxima, só consigo ver suas pernas, mas a julgar pelo salto de seus sapatos, com certeza é Sôfi

  A menininha se vira de costas para mim. Tudo se torna escuro, a terra estremece e os sons se distorcem.

  – Era melhor não ter tomado banho Sofi, eu preferia estar viva – diz a garota em uma voz demoníaca.

  Tudo desaparece tão inexplicavelmente como surgiu. Eu caio no chão de uma boate, machucando a minha coluna.

  Mas... o que?

  Entre as pessoas que perambulam, dançam, e têm atitudes inapropriadas na boate, identifico um par de olhos azuis safira, mas não são os de Alinpç. Começo a abrir espaço entre as dançarinas e clientes, tentando me aproximar da garota. Ela periodicamente olha por cima dos ombros para mim, seus olhos agora são vermelhos, depois verdes, e enfim castanhos quando ela finalmente decide parar de andar.

  – Deverron! – digo. Ela abre um enorme sorriso infantil

  – Gostou da lembrancinha? A garota é sua sobrinha, “ops”, era. – Mesmo com toda a música e barulho da boate, consigo ouvi-la claramente.

  – Estamos na mente de Sofi, não? – ela silencia-se, o que confirma minha pergunta – Aquilo foi um sonho, ou melhor, um pesadelo que minha irmã um dia teve.

  – Você é esperta. A sua irmã nunca viu a filha crescendo.

  – Mas você não herdou a astucia de seu pai, nem mesmo de sua tia – respondo para a projeto de Alinpç

  Deverron percebe que acabara deixar implícito em sua frase que Cassie ainda está viva.

  – Enfim – diz a mulher, como uma adolescente não sendo capaz de aceitar que comete erros – Não importa, estou aqui para outra cousa. – Gesticulo para que ela continue. A kirian levanta as sobrancelhas – Queria te deixar semanas caçando os pecados, entretanto, papai disse que temos outras prioridades. O jogo é o seguinte, ache-os todos aqui, identifique cada um corretamente. Se conseguir fazê-lo em dois minutos, estará livre.

  – Se não...

  Ela sorri novamente, se sentindo superior.

  Mimada, “cof”.

  — Há algumas vantagens em ser uma Kirian nível quatro. – Nível... quanto?

  Que eu saiba, o nível almejado de qualquer kirian ambicioso é o quarto. Kirians de nível um são quase que “inúteis”, a partir do nível seguinte seus poderes realmente podem causar grandes estragos, no meu nível, podemos parar o tempo, mas no de Deverron, podemos volta-lo.

  Ela pretende me deixar em um Loop infinito, reiniciando o dia, até eu aceitar? Se eu acertar alguma vez.

  E se ela possui esse poder, que sentido faz uma guerra, quando se pode voltar o tempo caso a perca?

  Entretanto, Ernesto deve saber dos poderes da filha de seu inimigo, e morta, ela não poderia ressuscitar Alinpç. Tal fato explica o porquê de Rafagh querer ver o futuro que Jacques previra, tanto ele quanto Ernesto possuem honra demais para “colar na prova”, mas se tratando da vida de sua única filha, o kirian teve que ser impedido por sua irmã – a qual suspeito que não dá a mínima para quem irá perder ou ganhar, apenas gosta de se entreter com guerras. 

  – Deixa eu advinhar, está se perguntando o porquê que eu não volto no tempo e mato o inimigo de meu pai quando as chances eram maiores

  – Não, na verdade isso eu já solucionei, seu pai é orgulhoso demais para deixar que outra pessoa mate Ernesto. Quero saber por que não procuram outro Vidente, alguém sem ser Jacques. – A mulher a minha frente parece pasma, um pouco contrariada, mas o sentimento que mais me chama a atenção em seu rosto, é o pouco de satisfação que há em seus olhos.

  – Bom, videntes não saem prevendo tudo, apenas o que encaixa em sua realidade. E Jacques é o único vidente da ilha. – Esse fato realmente me surpreendeu.

  – Então por que Alinpç não simplesmente deseja que Ernesto morra?

  – Ele é imune a magia kirian de meu pai... deve ter sido pelo mesmo demônio que criou seu corpo e roubou sua alma do paraíso.

  – Fez o quê?!

  — Opa. Que comece o jogo. – seu corpo, encostado no balcão, simplesmente desaparece.

  Ótimo, agora vou ter que procurar cinco pessoas especificas em uma boate lotada, após saber que eu nem deveria estar na Terra.

 

  Começo a correr, só tenho dois minutos, e já se passaram trinta segundos sem achar sequer um dos pecados capitais.

  Acabo entrando em uma espécie de quarto, no qual um casal... Viro-me envergonhada, mas um barulho me chama a atenção. A mulher morde o pescoço do cliente, esmagando seu pescoço com as mãos contra sua boca, a cabeça dele gira pela cama até cair ao chão.

  – Achou! – A cena congela, e Deverron aparece de pernas cruzadas em cima do corpo do homem – O que você acha que é? Luxuria por satisfazer dois desejos ao mesmo tempo, mesmo que isso leve outra pessoa a morte– ela olha de relance para a cabeça no chão – Ou Ira, por odiar tanto esse homem que decidiu matá-lo?

  Ela não seria tão tonta a ponto de me fornecer apenas duas das cinco opções, além de que, Ira já foi.

  – Nem um nem outro, ela o matou por inveja. Queria a vida que ele leva, e não a escravidão que vive, além de que Deverron, uma mulher que é obrigada a isso todos os dias não sente prazer, e sim desgosto, ou no caso dela, inveja. Ele é um homem milionário que pode ter tudo que quer a qualquer momento.

  Ela sorri, me assustando muito mais do que a cena que acabara de presenciar.

  – Então, até o próxi...

  – Espera. – Percebo que ela não consegue esconder um pequeno sorrisinho em seus lábios – Ele também é um pecado. – penso por alguns segundos – Avareza, mesmo sendo o homem mais rico, bom pelo menos até o momento, ele sempre se deita com a mais barata, mesmo sabendo que ela o odeia e provavelmente já havia o ameaçado de morte. Tudo pela economia, não?

  – Faltam três – sussurra ela, se divertindo.

  Algo atinge meu corpo, como se uma energia emanasse do chão até meus pés. Aponto para uma mulher se esfregando em um poli dance. O sorriso no rosto da Kirian desaparece em segundos.

  – C-como sabe? – ela parece surpresa, mas novamente, uma ponta de satisfação a sombreia

  – A vestígio de sangue em suas mãos, o que indica que matara todas as outras dançarinas que alguém disse, ou ela achara, mais bonita que ela. – Deverron parece ainda não acreditar. Agora tenho certeza, ela não consegue ler minha mente – Ou seja, Preguiça, para não ter que fazer uma maquiagem boa o suficiente para se sobressair todos os dias e conseguir mais dinheiro, e consequentemente, a liberdade que sonhava.

  – Você não pode saber disso apenas vendo pingos vermelhos em suas mãos

  – Tem razão. – rio um pouco comigo mesma – É uma lembrança da Sofi, a mulher também tentou matá-la. Aquela dançarina fizera um massacre nesse dia – estico meus braços, demonstrando a boate em si – Enfim, quando foi presa, denunciada por seus donos, ela disse aquilo... ela tinha alguns problemas.

  – Mais alguma lembrança que ajude?

  – Sim, o garçom do último bar é a luxuria, um homem livre que se sujeitou a ganhar quase nada, trabalhando quase como um escravo, apenas para ver essas garotas, a todo momento. – Piso um passo para frente, algo não visível encosta na ponta de meus dedos – Ele acabou morrendo de fome.

  – Alinpç tinha razão sobre você. Eu duvidara que conseguisse extrair lembranças enquanto estava em uma, mas parece que me enganei. – Tudo que eu dissera sobre os últimos dois casos, simplesmente veio a mim, como se meus pés sugassem da lembrança o que minha irmã sabia.

  Esfreguei o chão com eles, por baixo daquele chão fictício, podia ver o branco do cérebro de Sofi. Com exceção de Alinpç, todas as outras mentes tinham um fundo branco, me acostumara com esse fato, mas não sabia que conseguia extrair algo dele.

  – E enfim, soberba. – Olho em direção ao que sentira contra os dedos de meu pé direito – Quem representaria melhor o orgulho, Alinpç?

  Ele aparece aos poucos afrente da cama, de pé, seus cabelos negros levemente enrolados pelo suor de um local tão quente, seus olhos com uma coloração escura de azul e ao mesmo tempo quase transparente. Tão próximo, alguns fios de nossos cabelos se enroscam, mesmo assim, ele permanece imóvel.

  – Estás pronta

  O sorriso bobo e incontrolável desaparece de meus lábios.

  – Pronta para...?

  – A guerra – completa Deverron satisfeita.


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