A filha do louco escrita por Loressa G M


Capítulo 5
Nova esperança




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  Entro no carro. Minha irmã nos leva para fora do refúgio ao som de carniçais nos seguindo –Eles são inofensivos quando se têm um carro com gasolina.

  O céu é limpo e iluminado, como se não compartilhasse de meus sentimentos. Encaro-o como se fosse o olhar de uma pessoa. Uma pessoa a qual sinto muito raiva no momento, porém, algo muda em minha mente. Sei que não posso ver as estrelas agora, mas também sei que elas estão lá, em algum lugar do universo.

  Então, aquele foi o último som da sua voz que ouvimos mamãe?

  Thomas seu idiota, você matou minha mãe... e a si mesmo. Era o que planejava para suas filhas?  Você quis deixa-las vivas, imunes, “a salvo”, mas olha o que aconteceu. Agora estamos apenas órfãs. E assustadas.

  A culpa é sua Thomas, a culpa é...

   — Minha – Cafira chora no banco ao lado – Há quatro anos vi nosso pai mexendo nas minhas coisas, achei que ele tinha descoberto meu namoro com Alex, mas... – ela começa a perder o controle do carro, minha irmã não está em condições de dirigir – Ele queria o modo mais rápido de acabar com a humanidade. E ele achou, nos meus livros e filmes de zumbis. Deveria ter intervindo, questionado do porquê que ele estava tão interessado nas minhas coisas, mas na época eu apenas queria esconder Alex, escondia de papai as mensagens e cartas, só isso. Eu era uma adolescente idiota que não percebeu nada.

  – Não foi sua culpa – somente percebo que estava chorando ao ouvir o som de minha voz – Thomas fez tudo isso, não você e suas histórias.

  Minha irmã não parece nada bem para continuar dirigindo. Eu deveria pelo menos saber conduzir um veículo, seria menos inútil se o fizesse.

  – Cafira, deixe comigo – Adeline se pronuncia, quase tinha me esquecido da presença dela.

  Ela segura o inquieto recém-nascido, enquanto Billy parece dormir encostado na porta sem dificuldade alguma. Cafira para o carro e elas trocam de lugares, apesar de nossa “ex madrasta” também parecer muito abalada. O bebê acaba em meu colo.

 

  – Melhor pararmos um pouco, já estamos longe. – digo, quando vejo a vã parando ao nosso lado. Adeline pareceu controlar suas emoções o trajeto inteiro, mas não quero ter sobrevivido até aqui e acabar morrendo por bater em uma árvore, ainda mais com um recém-nascido em meu colo.

  Adaline concorda com a cabeça, e aos poucos deixa de segurar sua tristeza e começa a soluçar entre lágrimas, parece que ela realmente amava o meu pai. Adrien desse da vã e corre em direção a mim ao ver seu filho entre lençóis em meus braços. Seiji também se aproxima.

  – Como Billy consegue dormir? – Pergunta o japonês enquanto entrego o bebê para Adrien.

  – Ele praticamente nasceu no apocalipse, para ele, zumbis são como cachorros, grandes e famintos. – percebo o olhar de Seiji, o qual diz claramente “tá, mas e o fato de que pessoas que ele conhecia foram mortas”

  Saio do carro e sigo em direção ao espaço entre os dois veículos, até chegar bem perto de meu amigo asiático.

  – Ele não sabe o que é a morte Seiji, o ensinamos que todos voltam, como o caso dos gêmeos, ele acha que todos voltarão uma hora ou outra – sussurro perto de sua orelha, não quero que Billy escute, nunca sei quando o pestinha realmente está dormindo

  – Como você pode saber o que ele pensa? – Seiji me olha. Percebo que nossos rostos estão próximos demais, respirando juntos, nossos olhares se cruzam, e nos afastamos. Mesmo se gostasse dele dessa forma, não estou com cabeça para nada. Ele também não, às vezes acho que não apenas Cafira pensa da mesma forma que eu, entretanto, sempre chego à conclusão que Seiji apenas me entende como ninguém.

  – Confie em mim, conheço aquele pestinha.

  Sorrio brevemente e olho ao meu redor. Adrien chora com o filho nos braços, assim como Cafira no ombro do namorado, Adaline chora sozinha, e Kath tenta entender o porquê de seu irmão Adam parecer tão triste cobrindo o rosto com suas mãos.

  Entre todos, apenas um permanece imóvel sem gotas escorrendo por sua pele, Sebastian, o garoto que passara anos como zumbi, e mesmo assim nunca havia se separado do irmão gêmeo. Ele não chora, tampouco parece triste, parece simplesmente não ter sentimento algum no momento, permanecendo afastado do grupo com seu olhar perdido.

  Ouço uma respiração irregular muito próxima de mim. Seiji me abraça, percebo que ele falava comigo e provavelmente acha que eu o escutara, sinto as lágrimas dele caírem ao mesmo ritmo que as minhas. Retribuo o abraço.

  – Sei que ele era seu pai, mas... nos últimos anos, Thomas foi como um pai para mim, às vezes ele até me fazia esquecer de que não era de sua família... e que a minha estava morta. Sei que foi ele que começou todo o apocalipse, e que devia sentir ódio por perder tudo por causa dele, mas, tendo conhecido Thomas de perto, nunca consegui culpá-lo. Ele fez isso por amor, mesmo que de uma maneira questionável... íamos todos morrer mesmo, pelo menos alguns tiveram a chance de sorrir mais algumas vezes. – ele se afasta, a máscara preta encharcada de água salgada. Sei que ele sorriu brevemente por baixo dela.

  – E iremos sorrir mais – digo, afastando as lágrimas de meus olhos – acharemos outro refúgio, explicaremos tudo o que aconteceu, eles nos deixarão entrar e viveremos mais longos anos com eles. Talvez... poderemos morrer de velhice um dia.

  Ele concorda com a cabeça, esperançoso. Caminho até Sebastian, olhando para o mesmo ponto que ele. Ao longo de tanta areia, há um pontinho cinza, localizado na linha do horizonte. Pode não ser nada, como também uma grande casa afastada da cidade com sobreviventes. Seja como for, não podemos permanecer no deserto a menos que queiramos morrer contaminados pela radiação.

  Será que foi assim que aquele monstro teve sua evolução? Por radiação? Então... nem todo lugar deve ter um daquele. Entretanto, e se em alguns lugares existirem piores?

  – Ele vai voltar né? – Sebastian direciona seu olhar a mim – Alex e Adaline vão fazer novas curas, e iremos voltar para recuperar meu irmão, não é?

  – Assim como meu pai – olho para o garoto de sete anos, ele realmente acredita que conseguiremos uma nova cura. Entretanto, não menti para ele, “assim como meu pai”, se voltarmos com um antidoto, os curaremos, menos... quem levou um tiro em seu crânio.

  Um doloroso arrepio percorre minha espinha. Perdemos tanta gente em tão pouco tempo. Um sentimento de derrota toma conta de meu corpo, e então olho ao meu redor. Duas crianças, um recém-nascido, Cafira, Seiji... ainda tenho por quem lutar.

  – A dor não passa, mas as lágrimas secam – digo a mim mesma em um sussurro, observo todo o grupo novamente, sei que estão tristes pelas perdas, entretanto, ninguém sobreviverá nesse deserto radioativo e lotado de mortos. Sendo aquilo uma casa ou não, devemos ir até lá, é o que nos resta.

  Sigo em direção a Adrien, o qual segura emocionado o filho em seus braços. Encanto-me com os olhos da criança, são de um azul tão puro e inocente que nem parecem ter nascido em um mundo onde provavelmente verão tanta morte. Seus cabelos negros contrastam com sua clara pele, assim como Marjorie. Adrien finalmente me percebe ao seu lado.

  – Qual vai ser o nome dele? – pergunto

  – Eu e Marjorie pensamos em Paul, Joseph, Henrique... mas nunca pensamos em um nome para uma garota    

  Surpreendo-me, eles sempre tiveram tanta certeza de que era menino, até mesmo eu achava, até o chamava de “Adrien Junior”, mesmo antes de nascer. Lembro-me que Marjorie dizia que o sentia chutar forte, que seria um guerreiro por causa disso. Pelo visto, é uma guerreira.

  — Margarett – diz Adrien simplesmente – era o nome da mãe de Marjorie, ela iria gostar disso.

  Ele sorri olhando para a pequena Margarett. Tenho que inventar um apelido para ela, algo mais curto... Mag, vou chama-la assim.

  – Adrien... – ele se volta para mim, seus pensamentos estavam longe – Sebastian viu algo próximo daqui, parece ser uma casa.

  – Bom... melhor do que ir da Suécia até a Russia de carro, não? – Ele chama o grupo e dá as ordens.

  O refúgio mais próximo, o refúgio quatro, fica na capital da Rússia, Mosco, seria um percurso um pouco longe para as condições em que estamos.

  Seguimos viajem. Adrien e Alex dirigem dessa vez, agora me encontro na vã, com Mag novamente em meus braços, ela parece um pequeno anjinho caído nesse mundo inóspito. Espero que encontremos um lar para criá-la.


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