Marina e Simão escrita por Mary


Capítulo 5
5




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Depois daquela noite Marina e Simão começaram a namorar, a caminharem de mãos dadas, ainda que namoros fossem proibidos dentro do acampamento.

Eles não eram os únicos apaixonados naquela colônia de férias. O cupido costumava acertar a flecha do primeiro amor em muitas outras crianças. Elas, aliás, se ajudavam, compartilhavam aquelas sensações tão boas, o frio na barriga que era mágico por ser o primeiro. Tudo possuía um gostinho especial por nunca ter acontecido antes, por ser de fato uma novidade para todos, mesmo para aqueles que se vangloriavam de terem beijado e eram pegos pela inexperiência.

Os dias de verão transcorriam com velocidade e doçura, confraternizando com a certeza magnânima de um amor puro e correspondido. Marina e Simão se conheciam melhor, gostavam de ficar juntos, se apreciavam, compartilhavam suas vidas, seus sentimentos, se divertiam, pareciam amigos de longas datas, algo que nem ele e nem ela nunca tiveram. Simão era amigo de todos, mas não tinha um melhor amigo.

Simão ensinou Marina a pescar, contou-lhe sobre a escola — ele já estava alguns anos à frente —, os planos para o futuro, escutando também as histórias da vida dela com a singular atenção que ninguém antes nunca lhe deu, então quando os moleques vinham chama-la de boca de lata e as meninas a caçoarem do seu jeito desengonçado, ela apenas escutava, nem sequer se dava ao trabalho de revidar, pois nada disso tinha o poder de afetá-la.

Infelizmente, como tudo nessa vida, as férias estavam se acabando e os dias de acampamento também. Marina e Simão, gostando ou não, teriam de se separar. Não era uma ideia que os agradasse, mas não tinham escolha, não poderiam ficar ali para sempre.

Marina, no pavilhão das meninas, passou a noite em claro chorando na véspera da despedida. A choradeira não era exceção. Outras garotinhas também lamentavam se separar de suas amigas, de suas paixonites. Enganava-se quem pensava que os meninos não choravam. Eles também estavam arrasados a exemplo nítido do Simão que tentava rabiscar umas poesias para deixar de lembrança, mas a luz da lua não substituía uma lamparina e a inspiração decidiu brincar de pique-esconde, foi para os ares.

Marina e Simão acordaram com os olhos inchados, dor de cabeça e quase nada de fome, mas ninguém podia sair do refeitório sem fazer o desjejum. A comida mastigada com tristeza não tinha o mesmo sabor, parecia uma borracha dura e amarga. Os corações estavam concentrados no inevitável, desfrutando os minutos finais como se eles durassem muito mais do que o natural.

Um morava muito longe do outro, muito longe mesmo. Apenas as cartas serviriam para atenuar um pouquinho daquela tristeza.

— Nós voltaremos a se encontrar algum dia, Simão? — quis saber Marina, escrevendo por extenso com uma caneta esferográfica azul o nome completo e endereço num pedaço de papel sulfite, guardando com carinho o envelope que Simão lhe entregou com uma fotografia dele para olhar sempre que sentisse saudades, o que seria bem comum dali em diante.

— Nem que seja no ano que vem, mas nós voltaremos a nos encontrar! — prometeu Simão apertando os dentes para não chorar na frente dela, mas era tão difícil não sentir um nó comprimindo a garganta. Ela na partida para o outro lado da estrada levaria um pedacinho do coração dele consigo. Sabia que estaria bem cuidado.

Marina e Simão se beijaram por entre as lágrimas. A música que marcou esse momento era uma famosa do Neil Sedaka, Laughter in the rain, a mesma que estava tocando na noite do baile, do primeiro beijo, a canção que sempre os aproximaria um do outro, não importaria qual fosse o tamanho da distância, ela nunca seria maior do que o amor que os unia.

As portas dos ônibus já se encontravam abertas para todos os passageiros ajeitarem as bagagens nos referidos compartimentos, procurarem uma poltrona e seguir viagem. Sucediam-se, portanto, as inúmeras despedidas lacrimosas.

Os monitores gritavam clamando por uma ordem que só existia na cabeça deles. Os jovens estavam entristecidos demais para qualquer coisa, ainda mais para obedecer a quem só respondia a tudo com o soprar de apitos. Até parecia que eles nunca tinham se apaixonado, que já tinham nascido chatos.

Simão entrou no primeiro ônibus que seguiria para o norte e Marina no outro com destino ao sul.

Regina, ao encontrar Marina na rodoviária, percebeu que a filha era outra, estava animada, falante, com um brilho nos olhos que não havia ali outrora.

— Você está diferente, Marina! — disse Regina abraçando a única filha com muita afeição, pois não aguentava mais de saudades.

Marina que antes era pouco aberta a carícias, correspondeu ao abraço da mãe com uma força extraordinária, com toda a sua alma.

— Como você passou esses dias sem mim, mãezinha? Está tudo bem?

— Tudo ótimo!

E não era mentira.

Regina conseguiu graças ao seu diploma de datilografia um emprego num consultório de advocacia que pagava o dobro do ordenado que ela ganhava na fábrica de sapatos. Com isso era questão de tempo para que mãe e filha aos pouquinhos se mudassem para outra casa, ainda que os avós gostassem da presença das duas.

Regina, no entanto, não queria falar de si mesma e sim saber como foram todas aquelas semanas de confinamento:

— Esse Simão é legal?

— Muito legal! Simão é um amigo e tanto! — suspirou Marina, contente de um jeito que Regina só se lembrava de quando a menina era pequena e o pai ainda morava com elas.

Marina diante da mãe conseguiu disfarçar a vontade de chorar ao pronunciar o nome de Simão. Para todo efeito, ele era seu amiguinho de acampamento com quem se corresponderia a partir de então, embora Regina conhecesse muito bem a filha para saber que aquele menino era especial, o primeiro amor dela. Reconhecia o brilho nos olhos, o sorriso largo, a entonação cuidadosa.

Regina olhou para a filha dormindo e sentiu um aperto no peito antes de apagar a luz e fechar a porta naquela noite. A menina que costumava caçar lagartixas e subir até o pé de jabuticabas do avô estava crescendo. O tempo passava devagar, mas não tanto que mantivesse as coisas no lugar, não tão depressa que não a situasse.


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Notas finais do capítulo

Toda boa história de amor precisa ter uma falsiane para perturbar a paz... Será que Marina e Simão será uma exceção? Tchan...tchan...tchan...



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