—Acha que vai se acostumar com a Terra?-Jane perguntou, andando ao meu lado na rua.

—Eu não sei. Bem... Costumo de adaptar fácil, depois de sair de Asgard pela primeira vez. Então... Acho que sim. Não tem outro jeito. Sabe... Midgard é tão diferente. Mas eu venho daqui. Frigga costumava me contar histórias Midgardianas.

—No mínimo ela queria que conhecesse a cultura que seria sua caso... Tivesse crescido aqui.

—É. Ela disse isso. –Suspirei. –Me sinto como se não fizesse parte de nenhum lugar. Como se fosse... Uma intrusa nos dois reinos.

—Não é uma intrusa, Seren. Você pertence à Terra, e à Asgard.

—Infelizmente isso não é verdade. Não aqui. –Apontei para o meu coração. –Acho que...

—Princesa!-Olhei por cima do ombro. Soldados Asgardianos estavam se aproximando rapidamente.

—Pelos deuses... Corra, Jane. Avise ao meu irmão que Odin me encontrou.

—O que vai fazer?-Perguntou.

—A única coisa que posso fazer agora. Correr.

Me afastei e comecei a correr para longe de Jane. Eu era a segunda mulher mais rápida de Asgard, perdendo apenas para Sif. Porém, os soldados logo conseguiram me alcançar.

Um deles lançou uma corrente em mim, que prendeu meus pés, e deslizou, prendendo meus braços. Não havia mais o que fazer.

***

—Precisava de tudo isso, Seren?-Odin perguntou.

—Para escapar de você, sou capaz de qualquer coisa.

—Espero que esse corte no rosto sare antes do casamento.

—Eu não vou me casar com você!

—Veremos se não vai. Podem levar a princesa aos aposentos dela. –Os soldados começaram a me puxar para fora da Sala do Trono.

—Eu te mato, Odin! Te mato antes que pense em tocar em mim!

Descobri, no dia seguinte, que meu vestido de casamento já estava pronto. As costureiras tiveram que ajeitá-lo um pouco, por que eu não era tão magra quanto elas esperavam, era mais “encorpada”, por passar horas e horas treinando.

Já pronta, até mesmo com uma coroa, eu fiquei olhando pela janela, esperando o pesadelo maior começar. Tinha que ter um plano e me livrar de Odin. Não matá-lo, claro. Ele ainda era meu pai. Mas eu precisava fazer alguma coisa.

—Seren?-Não me virei. Era Odin. –É a mais bela noiva dos Nove Reinos. –Me recusei a responder. Tocou meu rosto, me afastei.

—Se acha que vou aceitar isso, de cabeça baixa, está enganado. Em pleno altar, interromperei a cerimônia, vou gritar, praguejar e rasgar o vestido. Farei um caos digno do RagnaröK.

—Se fizer isso, Thor sofrerá as consequências. –Olhei para ele.

—O que?

—Prenderei seu irmão em Asgard, de onde ele nunca mais sairá. É o que quer?

—Não. Por favor, não faça nada a ele.

—Então faça tudo o que eu mandar. –Assenti. –Nos vemos daqui a pouco. –Saiu. Lágrimas de raiva finalmente escorreram pelo meu rosto.

O casamento foi como um borrão. Eu não consigo me lembrar de nada do que houve ali. Parece que foi num piscar de olhos, então estávamos no baile. Havia muitos convidados, pessoas que jamais vi na vida. Procurei minha mãe na multidão, então lembrei que ela estava morta, e não poderia estar ali para me ajudar.

Freya veio me desejar felicidades, um pouco confusa com o casamento. Até mesmo soltou um “Você não é filha adotiva de Odin?”. Chocado, o irmão dela se desculpou e a tirou dali.

—Senhora Seren?-Me virei para Idga, uma das servas. –Está uma noiva maravilhosa e bela.

—Obrigada. –Sorriu e se afastou.

—Você é mais esperta do que pensei, querida. –Me virei, meu sorriso sumindo. Eu não conhecia a mulher. Alta, cabelos castanhos, vestido de um vermelho chamativo.

—Perdão?

—Você esperou pacientemente, não é? Até dar o bote na hora certa. Como uma serpente.

—Não estou entendendo, senhora.

—Agora que Odin ficou sozinho, conseguiu fazê-lo casar com você.

—Eu não sei do que está falando.

—Sabe sim. Tão astuta quanto aquele seu irmão, Loki. Como convenceu o rei a se casar com você? Ah, eu imagino.

—Escute aqui... –Odin olhou feio na minha direção, pois eu estava falando alto demais. Abaixei o tom de voz. –Escute aqui, senhora, eu não admito que fale desse jeito comigo... Agora sou a Rainha de Asgard, e querendo ou não, me deve respeito. –Riu.

—Você não é a rainha, Seren. Por que aquele não é o rei. –Então sumiu entre os convidados.

—Está tudo bem, senhora?-Idga perguntou, se aproximando rapidamente.

—Quem era aquela mulher?-Questionei, tentando encontra-la no meio da multidão.

—Que mulher?

—Aquela que estava falando comigo. –Franziu a testa. –A de cabelos castanhos, vestido vermelho...

—Não veio ninguém de vermelho perto da senhora.

—Havia uma mulher aqui, agora pouco, Idga. Antes de você se aproximar. Veio falar comigo assim que você se afastou.

—Senhora... Ninguém se aproximou depois de mim.

Me afastei de Idga e saí do salão, indo para a sacada. Eu havia imaginado a mulher? Não era possível. Ela esteve ali e falou comigo. Você está ficando louca, Seren, vendo coisas.

No fim do baile, Odin e eu fomos os únicos a permanecer na Sala do Trono. Assim que o último guarda saiu, eu arranquei a coroa da cabeça e a lancei no chão. Ela foi parar aos pés de Odin, sentado no trono. Soltei o cabelo.

—Mais feliz agora?-Perguntou.

—Eu te odeio. Não faz ideia do quanto.

—Interpretou bem o papel de noiva feliz.

—Se chegar perto de mim, eu vou matá-lo. –Sorriu.

—Preciso lhe mostrar uma coisa.

—Não estou interessada em presentes. Nem em surpresas. –Me virei para sair.

—Seren, espere. –Parei, respirei fundo, e me virei.

—O que quer?

Uma luz verde cercou Odin e desapareceu, como uma capa deixando um corpo. Ali, onde estava o Pai-de-Todos... Estava meu irmão. Loki.

—Não é possível... –Sussurrei, dando alguns passos para trás. –Thor me disse que estava... Morto. –Ficou de pé.

—Eu pareço morto, Seren?-Agarrei a saia do vestido e corri, abraçando-o com força. Meu irmão estava vivo. De repente, toda a situação entrou na minha cabeça, e eu entendi. Me afastei dele.

—Se você... Estava aqui... Onde está Odin? Loki, o que fez com nosso pai?

—Ele não é nosso pai. Ele é pai de Thor.

—Não... Ele nos criou como...

—Como enfeites do reino dele, apenas isso. Se passando por um rei benevolente. Nunca se importou com nenhum de nós dois.

—Isso não é verdade. Ele nos amou, ele era...

—Não repita isso.

—Onde ele está? O que fez com ele?

—Quanto menos souber, melhor.

—Há quanto tempo se passa por ele?

—Desde que acham que eu morri. Quando retornou a Asgard, eu já estava me passando por Odin.

—Se descobrirem... Não pode continuar com isso, meu irmão.

—Eu não sou seu irmão. –Se tornou Odin novamente, então segurou meu braço. –Vamos.

Me deixei sem levada, sem saber que atitude tomar. Loki não estava morto, estava ali, porém, cometendo um crime grave que poderia matá-lo futuramente. Se alguém descobrisse... Ele morreria.

Loki me soltou quando entramos no “quarto dos reis” e voltou a se parecer com ele mesmo.

—Sabe onde isso vai terminar, não sabe, irmão?-Perguntei.

—Eu não sou seu irmão, Seren!-Recuei.

—Por quê? Por que sou uma Midgardiana desprezível? Por isso não sou sua irmã?-Balançou a cabeça negativamente.

—Não. Não é minha irmã por que não tem meu sangue, por que nunca a amei como uma irmã. Apenas por isso. O que senti, por anos, era muito diferente.

—Ódio? Desprezo? Raiva?

—Não. –Me puxou pelo braço. –Não poderia sentir isso, nem se você merecesse.

Então fez a última coisa que eu esperaria de Loki... Me beijou.

De surpresa, eu apenas congelei. Ele podia não me considerar sua irmã, mas eu o considerava como meu irmão. Não considerava? Nunca entendi direito meus sentimentos por ele, mas eram fraternais... Certo?

O empurrei e me afastei, agarrando uma espada curta próxima da cama e apontando na direção dele.

—Não se aproxime de novo. –Mandei. –Nunca mais faça isso. Nunca. Sabe o quanto desapontaria Frigga?

—Ela sabia. Sempre soube.

—Não é verdade. Ela jamais ficaria calada ou concordaria com isso. Somos irmãos.

—Não somos. Nem eu, nem você, somos Asgardianos. Não somos nem irmãos de Thor, imagine um do outro.

“-Por que Loki me odeia?-Segurei a mão dela, me afastando da porta, em direção ao meu quarto.

—Ele não odeia. Apenas não sabe como demonstrar o que sente.”

—Sempre o considerei meu irmão, e... Vai continuar sendo meu irmão.

—Você foi a única que ficou de luto por mim. –Disse, se aproximando, comecei a recuar. –A única que se importou de verdade.

—Ficaria do mesmo jeito por Thor. Afinal, vocês dois são meus irmãos.

—Quantas vezes terei que dizer que eu não sou seu irmão?-Tentei forçar minha mente a pensar em alguma coisa. Não estava sendo fácil.

—Era seu plano, desde o início? Sumir com Odin, ocupar seu lugar, casar comigo...

—Quando assumi o Trono, não pensei em casar com você. Mas quando voltou... Me pareceu o plano perfeito.

—Se acha que vai ganhar algo com isso, está enganado. Nunca tocará em mim. Está entendendo?-Nossos passos aumentaram de velocidade. Eu não tinha para onde fugir.

—Nós nos casamos.

—Não. Eu me casei com Odin, mas com o falso. Nem com você, nem com nosso pai. O casamento não é válido. Não estamos casados. E nunca estaremos.

—Seren...

—Se você se aproximar, eu vou te ferir. –Sorriu.

—Como fez com Briard? Fiquei muito orgulhoso por ter conseguido se defender.

—Ficou?-Parei de andar, abaixando a espada. –De verdade?

—Sim. –Notei a proximidade, então continuei me afastando.

—Bom... Você nunca pareceu se interessar pelo fato de eu ser uma boa guerreira.

—Era mentira. Sempre soube o quão boa era.

—Podia ter demonstrado.

—Sabe que não sou bom com isso.

—O que vai fazer agora?-Parou de andar, fiz o mesmo. –Como terá certeza de que eu não vou entregá-lo? Como ter certeza de que não trarei Thor aqui?

—A ameaça continua de pé. Thor será prejudicado, assim como a mortal, Jane. Terei que dar um jeito nos dois, caso se revolte contra mim.

—Quando foi que ficou assim? Por que isso tudo?

—Por que eu sou o rei. –Fiz que não com a cabeça.

—Você não é o rei. E se continuar com isso, jamais será. Máscaras caem, farsas são descobertas. Você será pego.

—Não serei. Ninguém jamais se levantará contra Loki. –Voltou a ocupar a aparência de Odin. –Se me permite, tenho algumas coisas a ajeitar antes... –Apontei a espada na direção dele novamente. –Antes de retornar à minha rainha. –Então saiu do quarto. Me sentei na ponta da cama.

—E agora, Seren? Como é que você sai dessa?