Castelobruxo escrita por Vilela


Capítulo 14
Capítulo treze - O totem de veracosta




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            Na semana que se seguiu, Castelobruxo era um cenário de enganos. Tanto porque as caiporas davam um jeito de atrapalhar quem quer que estivesse por perto, quanto por causa da regra do vigia. Desde que a diretora autorizara a utilização de feitiços imobilizadores para impedir que os alunos sofressem ataques, era comum ver todo o tipo de feitiço sendo lançado nos corredores a qualquer momento. Até mesmo nas aulas, onde havia a presença de um bruxo adulto e capaz, de vez em quando ouvia-se um estampido e um dos alunos caía de cara no chão, os braços junto ao corpo e as pernas coladas umas nas outras. A justificativa era sempre a mesma: ele ou ela estava agindo de forma estranha.

            Amadeus se divertiu muito com essa história toda. Ele vinha estuporando as pessoas pelo mínimo que fosse, principalmente os alunos mais novos. Um dia no refeitório ele usou o feitiço-peso-pena e fez três pajuantes do segundo ano flutuarem até o teto de vidro. Ninguém interferia, pois a verdade era que não havia quem soubesse de fato como uma pessoa que estava sendo atacada se comportava.

            Sofia tinha suas teorias. Após ler a lenda toda pelo menos duas vezes, ela disse que dava para reconhecer quem estava sobre os domínios de Tunchi apenas olhando em seus olhos. Mateus, apesar de concordar com ela que definitivamente havia alguma coisa errada com os olhos de uma pessoa sob o ataque, não queria nem ouvir falar nessa lenda. Foi por isso que Sofia passou a se sentar apenas com Alex, e os dois sozinhos discutiam o que sabiam e o que precisavam aprender. Nicolás também não tinha muito interesse, ele tinha suas próprias coisas com que se preocupar. Como por exemplo a batida que ocorreu no dia seguinte à chegada dos aurores brasileiros.

            Estavam todos reunidos no dormitório depois das aulas, jogando conversa fora ou estudando, quando a grande porta preta se abriu. Wellington e Ingrid entraram de supetão, acompanhados do professor Mervir, e foram de imediato revistar os quartos. Alex ficou atônito. Ele ainda tinha pelo menos algumas gramas de pó de flu escondidas no quarto, completamente ilegal.

            — Não se livrou do pó? — perguntou Nicolás. O argentino tinha escondido da melhor maneira tudo de ilegal que ele tinha, que aumentara de tamanho no último mês. Mesmo assim, ficou apreensivo quando um dos garotos disse que os aurores já revistavam o último andar do dormitório dos garotos.

            Para a tristeza de todos, Wellington e Ingrid saíram de lá carregados de artefatos proibidos pelo regulamento da escola e Parlamento. Jogos, objetos ilegalmente enfeitiçados, comidas, produtos do mercado negro e até mesmo muitos, mas muitos animais de estimação. Nicolás manteve sua preguiça desmalte no fundo do bolso o tempo inteiro e não ousou chegar perto dos aurores. Foi engraçado, entretanto, ver os outros alunos reclamando que seus lagartos (os pets mais comuns do castelo) foram apreendidos.

            — Isso é uma vergonha — disse Mateus. — Amadeus me disse que há anos o Parlamento tenta entrar aqui para confiscar as coisas e controlar a escola. Agora com essa desculpa de investigação eles vão aproveitar para fazer o que quiserem.

            — Não descobriram meu pó de flu — disse Alex.

            — Graças a mim! — respondeu Nicolás. — Coloquei un feitiço protetor no nosso quarto. Quando se tratava de dar um jeito, Nicolás se tornava um ótimo bruxo.

            Depois daquilo, ficou difícil para os aurores experimentarem a hospitalidade que a diretora pedira para os alunos terem. Ingrid dormia com os pajuantes, e Sofia mesmo dizia que ninguém dava uma palavra com a mulher. No dormitório dos veracostas, entretanto, as coisas foram um pouco mais além. Wellington foi alvo das melhores das brincadeiras e pegadinhas, como por exemplo ser acordado no meio da noite por uma nuvem por cima da sua cama, que chovia copiosamente. Ele tentou se livrar dela da melhor maneira possível, mas ele mesmo não estudara em Castelobruxo e não conhecia metade desses feitiços que eram tão comuns ali. Acabou se retirando do dormitório o mais rápido que conseguiu.

            Sofia tinha uma opinião dividida sobre isso. Ela sabia que precisam da ajuda do Parlamento, principalmente porque estavam lidando com uma entidade muito poderosa. Mas ficava irritada em saber que nenhum deles estava se esforçando para entender o que estava acontecendo. Foi por isso que ela teve a ideia de ir conversar com um dos aurores sobre a lenda.

            — Não! — pediu Alex. — Má ideia. Eles não vão acreditar e isso pode até sujar o nome da escola.

            — O que fazemos então? — ela estava aflita. — Precisamos saber mais sobre el Tuchi, algo que no tenha a ver com esse livro. Mas a biblioteca não tem mais nada...

            — Posso perguntar ao João. Afinal, foi ele que nos emprestou o livro.

            Sofia concordou. Acharam o loiro numa manhã no refeitório. Ele disse que não sabia nada sobre a lenda, porque na verdade nem tinha lido aquele livro antes de entregá-lo a Alex. Mas disse que, caso descobrisse algo a respeito, ele podia avisá-los. Sofia estava se tornando obcecada pelo Tunchi, tanto que uma de suas amigas acabou usando o feitiço do corpo preso nela quando a viu andando pelo quarto de madrugada. Alex queria ajudá-la, mas só foi descobrir como dias depois em aula.

            Em magizoologia eles começaram a segunda semana de maio estudando uma criatura um pouco mais difícil de lidar do que as outras. Chamada araréu, o bicho parecia ser um jacaré com longas pernas peludas de aranhas. Fazia teias nas árvores mais altas e com sua língua lambia a seiva das árvores. O fio de suas teias era tão forte que era usado para fazer a linha de vários tecidos. Estavam alimentando os araréus de Castelobruxo naquele dia, enquanto Mateus reclamava que eles só faziam tarefas chatas naquela aula.

            — Sofia queria contar para os aurores sobre a lenda — disse Alex para os amigos. O araréu mais próximo estava com a boca cheia de seiva, mas vinha de novo sempre que Alex estendia a colher.

            — Ela continua insistindo nisso? — perguntou Mateus.

            — Continua. Ela tem certeza disso.

            — Y usted? — Nicolás quis saber.

            — Eu não sei. Pode ser verdade, não é?

            — Pode ser perda de tempo também — Mateus enfiou a colher na boca do araréu, receoso. — Eu acho melhor deixar isso para a diretora resolver. O máximo que a gente pode fazer é impedir quem quer que seja de cometer suicídio.

            — Estão dizendo que a própria professora Margarida tentou suicídio — comentou Alex. — Por isso ela não estava aqui nas primeiras aulas. De qualquer forma, eu vou ajudar Sofia a descobrir mais sobre a lenda. Ela quer saber se el Tunchi é considerado um animal mágico.

            — Ele não está registrado? — perguntou alguém atrás deles. Alex se virou para dar de cara com Juan. Ele também tinha vindo para perto deles alimentar os arareús daquele lado.

            — Eu acho que não.

            — Só tem um jeito então: perguntar para o totem de veracosta. Ele tem me ajudado com o dever de casa desde o início do ano. Só que ele vai pedir um favor em troca.

            — O totem fala?! — perguntou Nicolás. Mateus soltou uma risada.

            — No exatamente — Juan corou. — Ele usa telepatia.

            Os garotos riram, mas Alex não achou graça. Os totens eram parte importante do castelo, capazes de selecionar os alunos para suas designações. Não tinha por que duvidar de sua magia. No mais, aquilo significava que tinham uma outra forma de conseguirem informações sobre el Tunchi, o que deixaria Sofia feliz. Alex não pensou duas vezes, depois das aulas naquele dia ele foi direto conversar com a pajuante.

            Estava parado do lado de fora de uma incrível porta pintada de branco, com arabescos e ladeada de quadros bonitos. Era a primeira vez que Alex ia naquela parte do castelo, e com certeza ficou encantado. O dormitório dos pajuantes era muito mais bonito do que o dos veracostas. Depois de dois minutos que Alex tinha pedido um garoto para chamá-la lá dentro, Sofia abriu a porta e saiu. Estava com o livro na mão; não desgrudava dele mais.

            — Descobriu alguna cosa? — ela perguntou.

            — Não — disse Alex. — Pelo menos não ainda, quero dizer, arrumei um jeito da gente poder descobrir mais.

            Contou para Sofia sobre o totem enquanto eles caminhavam para o jardim principal. Decidiram fazer o teste; mesmo que Sofia também não acreditasse que os totens podiam falar, não custava nada. Desceram as arquibancadas, que àquela hora estavam ocupadas em alguns pontos, e tiraram os sapatos antes de pisarem na grama do jardim. Andaram até o meio dele, onde os totens ficavam. Sofia parou ao lado da incrível estátua de pedra escura, olhou para cima e franziu o cenho. Um segundo mais tarde, disse:

            — Não está funcionando.

            — Deve ser porque você é uma pajuante — respondeu o garoto. — Deixa eu tentar.

            Ele se posicionou diretamente em frente à estátua, olhou para cima e instantaneamente sua mente foi inundada por diversas imagens. Como fotos, elas passaram rapidamente por sua consciência, até chegar à cena em que ele se via perdido na floresta. Um zumbido encheu seus ouvidos e ele pôde escutar ao longe uma voz grave e tenra contando uma história sobre um lugar distante além dos oceanos.

            — Veracosta? — Alex chamou.

            — Sim? — respondeu a voz, interrompendo seu monólogo. — Vieste a mim, filho? Me diga o que queres.

            — Tenho uma pergunta.

            — Pois faça.

            — O que é um Tunchi? — Alex estava como que em transe, falando como se já tivesse ensaiado aquilo.

            — Eu tenho a resposta. Mas tenho também um pedido. Me leve para ver o pôr do sol mais uma vez, e toda a informação será sua.

            — Como vamos fazer isso? — Alex perguntou para Sofia.

            — Fazer o quê?

            Ele percebeu que estava de olhos fechados. Abriu-os e olhou para Sofia, só então percebendo o que estava acontecendo ao redor.

            — Ele disse alguma coisa?

            — Disse — Alex piscou os olhos. Por um momento achou que ele e a pedra estavam tendo uma conversa em voz alta. Pelo o que parecia, tinha sido telepatia, como Juan contara. — Ele disse que sabe o que um Tunchi é, e que pode nos dar a informação. Mas quer algo em troca: ver o pôr do sol.

            — Mas como vamos levar ele para ver o pôr do sol?

            — Foi exatamente isso que perguntei.

            A verdade era que a estátua, apesar de ser menor do que a da esquerda, Pajuante, ainda era bem maior do que os dois. Provavelmente seria muito pesada para carregar até mesmo usando feitiços de levitação. E no mais, deveria ser extremamente proibido mover o totem sagrado de seu lugar naquele jardim. Alex sabia que o totem estava ciente disso. Quando voltou a deixar sua mente livre para a conexão, não esperou ouvir a voz. Disse de cara:

            — É impossível te mostrar o pôr do sol. E você sabe disso.

            — Eu sei — a voz grave era quase risonha. — É igualmente impossível contar o que quer que seja sobre um ser maligno como um Tunchi.

            Alex engoliu em seco.

            — Eu sou a manifestação da fauna, o totem que resguarda os animais e todo o ensinamento da fauna mágica. Sou o pai dos bichos, o senhor das feras, à luz da sabedoria dos estudos magizoológicos. O que me pede, filho de veracosta, está fora da minha capacidade. Um Tunchi não é um animal, nem mesmo da classe dos mais terríveis. Contudo também não é um bruxo. El Tunchi é a manifestação pura do mal, o cerne do que há de pior no interior das florestas. Eu te peço: não responda ao seu assobio.

            E então houve o silêncio. Mesmo que Alex tivesse tentado logo após, o totem simplesmente não se conectara a ele novamente. Contou para Sofia o que acabara de ouvir e a pajuante escutou atentamente, a testa vincada pensativa.

            — Se ele não é um bicho, então não tem como sabermos mais nada a respeito — disse ela. — Tengo que voltar para o dormitório.

            Eles se despediram e Sofia voltou para o lado dela do castelo. Alex andou devagar para o dormitório. Estava se sentindo cansado. Pensou em comprar um dos chicletes de Nicolás e mascá-lo antes de ir se deitar. Quando chegou no dormitório, porém, descobriu que eles estavam tendo o que parecia ser uma festa.

            Um dos alunos mais velhos tinha trazido para o dormitório um barril de lito, um tipo de vinho branco, e estavam distribuindo taças para quem quisesse. Alguém tocava um violão ao canto, e todos pareciam estar se divertindo. Desde que Wellington desistira de dormir naquele lugar, eles passaram a abusar da liberdade que tinham conseguido. Alex desejou que pudesse dormir na calmaria do dormitório dos pajuantes. Estava imaginando como deveria ser o salão deles, atrás daquela porta bonita, quando Mateus o alcançou no pé da escada.

            — Onde você pensa que vai sem beber um copo? — ele enfiou uma taça de lito na mão de Alex. O garoto nunca tinha provado a bebida, por isso decidiu que não ia fazer aquilo naquela hora, mesmo que fosse sexta-feira e ele não precisasse acordar cedo no dia seguinte.

            — El Tunchi existe — ele disse para Mateus.

            O amigo parou de sorrir na mesma hora.

            — Eu perguntei para o totem. Ele existe.

            — Isso ainda não prova que...

            Mateus foi interrompido no meio da sua frase por um grito de uma garota do primeiro ano. Ela apontou para o teto, onde alguma coisa estava pendurada e balançava suavemente. As luzes dos archotes não chegavam até àquela altura, por isso alguém iluminou o teto, e foi quando todos viram: com o topo da cabeça grudada no teto, Juan balançava de olhos fechados e pele pálida.

            — Ele respondeu ao assobio — sussurrou Alex. — El Tucnhi está aqui.

            A confusão foi total. Primeiro porque não sabiam como tirar o garoto de lá de cima, nem o que estava prendendo ele no teto. Segundo porque a primeira reação deles foi sair correndo do dormitório. Foram avisar algum professor que estivesse por perto sobre o que tinha acontecido, e os primeiros a serem encontrados foram Margarida e Mervir. O professor de tradições mágicas arregalou os olhos quando viu o garoto no teto, mas Margarida continuou lívida. Ela fez alguns acenos rígidos com a varinha, mas nada conseguia tirar o garoto de lá.

            Depois de alguns minutos, a própria diretora entrou no dormitório. Acompanhada de Ruben, ela não precisou de muito para resolver a situação.

            — Finite Incantatem! — ela disse. Houve um clarão de luz branca e Juan desceu do teto vagarosamente, vindo pousar deitado no chão.

            Os alunos mais corajosos e curiosos foram dar uma olhada mais de perto, Alex e Mateus incluídos. A diretora ajoelhou-se ao lado do garoto e pôs a mão em seu coração. Suspirou aliviada e olhou para Ruben.

            — Levem-no para a enfermaria nesse instante!

            Ela saiu de lá antes de todos os outros, o robe de seda ondulando nos calcanhares.

            — Agora eu acredito — sussurrou Mateus. — Temos que contar para a diretora o quanto antes!


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