Meu destino é você. escrita por Drica Mason


Capítulo 10
Chapter #10




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Acordei com o som do meu despertador, porém queria não ter acordado. Segunda feira é o típico dia que queremos não levantar da cama, é o pior dia da semana. Eu odeio segundas feiras e duvido encontrar alguém na face da terra que goste. Me esforço para apenas sentar na cama e quando faço perco tempo olhando para as paredes do meu quarto .

Quando aterrisso meus pés no chão, sinto o gelado do piso em contato com a minha pele, tenho vontade de me enfiar de baixo das cobertas e passar o dia todo em baixo dela. Acho que estou assim por causa de ontem, por causa de Eduardo, tenho receio de encontrá-lo de manhã e ter que olhar para seus olhos. E aí que lembro dos meus meninos, é claro que não posso deixá-los, não depois de me apegar tanto.

Imaginar seus sorrisos me dá forças para sair da cama e me arrumar para mais um dia de trabalho. Prometo ser forte e resistir, por ele, Diego e Bruno, eu amo aqueles dois pestinhas e não conseguirei viver um dia daqui em diante sem saber como eles estão.

Depois de me arrumar, pego minha bolsa, as chaves da picape e o celular e saio do meu quarto. Ontem, quando cheguei em casa encontrei um bilhete de Jen grudado na porta da geladeira, dizia que ela ia passar a noite no apartamento do Caio e que ia direto de lá para a faculdade, em baixo tinha uma observação avisando que ela tinha feito bolo de fubá e estava na geladeira.

Liguei a cafeteira e coloquei para funcionar, pelo menos sei fazer um café que preste. Retiro o bolo de fubá de dentro da geladeira, está com uma cara ótima, com certeza o gosto também, afinal, foi Jen que fez, e sei que essa receita é da minha mãe. Tiro um pedaço do bolo e mordo, sentindo gostinho de casa.

Fecho os olhos e aprecio o momento, lembrando da minha infância quando Jen e eu passávamos a tarde correndo no jardim da minha casa, subindo na árvore e brincando de fazer bolos de barro, no final do dia mamãe sempre nos presenteava com um delicioso bolo de fubá e suco de laranja. Ser criança é tão bom, não nos preocupamos com nada, apenas em nos divertir.

Depois de tomar café checo as horas, já estou em cima do tempo. Pego minhas coisas e parto para mais um dia de trabalho.

Quando chego a mansão como sempre entro pela porta dos fundos. Sinto alivio quando não vejo Eduardo sentando a mesa com os meninos, mas me pergunto por que eles estão sozinhos. Me preocupo com Eduardo, será que aconteceu alguma coisa? Bobagem, ele já deve ter saído para o trabalho.

— Alana. — acordo dos meus pensamentos.

Quem me chama é Eduardo, ele está de pé perto da mesa, arrumando as abotoaduras da camisa. Os meninos também prestam atenção em mim e dão sorrisos encantadores, mas continuam comportados tomando café.

— Tudo bem? — faço que sim com a cabeça. — Você já tomou café? — questiona Eduardo. — Junte-se a nós.

— Obrigada. Mas eu já tomei. — disse. — Eu vou levar minhas coisas para meu quarto.

— Tá; tudo bem.

Abaixei minha cabeça e dirigi-me para os fundos da cozinha. Pensei que algo estava estranho, fora do lugar, mas não sabia o que. De repente escuto risos.

— Alana. — Eduardo me chama novamente, giro sobre meus calcanhares e olho para ele. — Seu quarto não é mais por aí. Agora você precisa subir a escada.

Que besta! Como consegui me esquecer disso? Por isso Diego e Bruno estão dando risada. Mudo o caminho, dessa vez indo na direção da sala. Passo pela mesa, agora os três estão rindo.

— Força do habito. — digo sem graça. — Bom, eu já volto.

— Será que a gente pode conversar depois? No meu escritório?

Ah meu Deus, conversar com ele? No escritório dele? A vida só pode estar me pregando uma peça. Logo hoje que tudo que quero é manter distância de Eduardo, ele me chama para uma conversa no seu escritório? Só pode ser mal agouro mesmo. Mas, droga, ele é meu chefe e claramente quer falar sobre os filhos, e seus filhos me interessam, pelo bem deles tenho que conversar com Eduardo.

— Claro.

— Okay. Vou estar te esperando.

Faço que sim com a cabeça e volto a caminhar para meu novo quarto. Subo a escada e percorro o corredor. Meu novo quarto é bem maior que o de antes e admito que é bem melhor, não aguentava mais aquela mancha horrenda no teto. Largo minhas coisas na cama e começo a me trocar.

Já vestida com meu uniforme de babá saio do meu quarto e sigo para o cômodo ao lado, é onde fica o escritório de Eduardo. Bato na porta e escuto sua voz dizendo que posso entrar. Adentro a sala e ele está de pé em frente sua mesa, olhando para o celular que rapidamente guarda no bolso para fitar meus olhos.

— Aconteceu alguma coisa? — indago. — Com os garotos?

— Na verdade sim. — responde. — Você quer sentar?

Olho para a cadeira e ela está posicionada na frente da sua mesa, a uma pequena distância do seu corpo. É melhor eu ficar de pé e evitar ficar perto demais dele.

— Não. Tudo bem. — Eduardo suspira e caminha até onde estou, parando alguns centímetros, consigo sentir seu cheiro e isso me pega totalmente desprevenida. — Acho melhor eu sentar.

Caminho até a cadeira e me sento. Eduardo está atrás de mim, posso escutar sua respiração e ainda sinto seu cheiro. Fecho os olhos por alguns segundos, tentando me recompor. Ele contorna sua mesa e se senta na cadeira atrás dela.

— O aniversário do Bruno está perto. — comenta, com uma tristeza lastimável nos olhos. — E esse ano eu quero fazer uma festa para ele. O Bruno nunca quis festas depois que falaram que a culpa da mãe dele ter morrido era dele. Acabamos parando de comemorar seu aniversário porque ele fica muito triste.

— Quem fez uma crueldade dessas? — senti muito ódio e vontade de esganar a pessoa que fez isso com o Bruninho, ele é tão especial, tão inocente, não merecia escutar tamanha maldade.

— Foi a tia dele. Ela passou por problemas depois da morte da Nanda. As duas eram muito ligadas. Ela invadiu a festa de 3 anos do Bruno e falou muita merda para ele. Eu não estava presente na hora. Foi minha mãe que tirou-a da festa, Cecilia cuidou dos meninos, fiquei sabendo só depois.

Não acredito que existe pessoas assim no mundo, capaz de culpar uma criança inocente. Eu nem conheço essa mulher, mas já a odeio com todas minhas forças. Quero tanto abraçar o Bruno e protegê-lo, dizer que não é culpa dele, dizer que a mãe dele fez de tudo para protegê-lo.

Sinto muita raiva, tenho certeza que se conhecesse essa mulher eu ia atacá-la igual uma leoa quando defende seus filhos. A partir de agora vou ser uma leoa, vou proteger com unhas e dentes meus dois garotinhos, nunca vou deixar ninguém fazer mal algum para eles, nem que para isso eu tenha que agir como uma fera.

— Eu quero fazer uma festa surpresa esse ano para ele. Minha mãe e Cecília vão organizar tudo, e quero que você as ajude no que for preciso. E quero que esteja aqui no dia.

— É claro que eu vou estar. — Eduardo sorriu e olhou profundamente nos meus olhos.

— Meu Deus, você é incrível.

Eu sei que devo estar com as bochechas vermelhas de vergonha. Mas eu gosto de ser elogiada por ele. Gosto do fato dele querer que eu esteja presente na vida dos seus filhos. Eu só estou tão confusa, e ficar perto dele só piora as coisas.

— Eu preciso ir ver os garotos. — levanto-me. — Vou ajudar em tudo que for preciso. Mas preciso ir agora, está quase na hora de levá-los para a escola, Ronaldo deve estar nos esperando.

Acabo esbarrando na cadeira quando me viro para sair do seu escritório. Bato minha coxa com força na madeira e solto um gemido de dor. Rapidamente Eduardo levanta e vem até mim.

— Está tudo bem? — ele segura meu braço e ajeita a cadeira para eu me sentar. Após me sentar ele se ajoelha a minha frente e segura minha mão. — Você está bem?

— Sim; foi apenas uma batida. — que vai deixar um hematoma gigante, mas omito isso.

— Tem certeza?

Ele fita meus olhos e eu sinto a intensidade do seu olhar, a eletricidade que nos une e algo indecifrável em seus olhos. Olho para sua mão que ainda segura a minha, seus dedos acariciam os meus. Meu coração está batendo tão forte que penso que a qualquer minuto ele vai abrir um buraco no meu peito e sair pulando.

— Eu estou bem. — Puxo a minha mão. — De verdade. — Me levanto novamente. — Preciso ir.

Viro-me e ando o mais rápido possível para fora da sua sala. Não tenho coragem de olhar para trás e encontrar seus olhos, apenas saio porta afora. Encontro Diego no corredor. Ele me pergunta se está tudo bem, digo que sim, apesar da minha coxa doer. Então ele diz que Naldo já está nos esperando com o Bruno. Pego a mão dele e seguimos para onde os outros nos esperam.

[...]

Depois que voltei da escola subi para o quarto dos meninos, para organizar tudo. Parece que ontem passou um furacão pelo cômodo. Organizei tudo, levando cada brinquedo, roupa, materiais escolar e calçados para seus lugares. O chão precisava ser aspirado já que tem um tapete enorme que ocupa metade do piso.

Terminei a limpeza e saí do quarto deles, fui para o meu e peguei o celular. Preciso ligar para casa dos meus pais, saber como mamãe está e se tiver sorte conseguir falar um pouquinho com ela.

— Alô. — dou um sorriso ao reconhecer a voz. É meu irmão.

Meu Deus, como estou com saudades desse pirralho.

— Felipe. Oi, é a Alana. Como você está?

— Oi mana. Eu tô bem, e você?

 Sinto a alegria na sua voz. A gente sempre foi muito ligado desde que minha mãe e meu pai voltaram com ele no colo do hospital. Felipe era tão pequeno que tive medo que meu pai o esmagasse. Naquele dia meu pai agachou-se com o bebe nos braços e disse que aquele era meu irmãozinho.

Eu olhei para aquela criança delicada de pele rosada. Suas mãos eram tão pequenininhas assim como seu rostinho cheio de sardas, me apaixonei no momento em que meus olhos bateram nele. Felipe agarrou meu polegar e não queria largar de jeito nenhum, achei impossível aquela criaturinha tão pequena ter tanta força.

— Também. Estou com saudade. — falei, me jogando na minha cama. — Como a mamãe está?

— Com saudades também. Todos estamos. — Suspirei, a saudade dentro de mim é tão grande que me dói não vê-los sempre. — Quando você vem para cá?

— Eu não sei. — enrolei uma mecha de cabelo nos meus dedos. — Papai contou que consegui um emprego.

— Sim, de babá. Ele disse que você está feliz.

— Bastante. Os meninos são uma graça. — comentei sorrindo. — E a escola? E as namoradinhas?

— Você parece à tia Isa. — pude vê-lo revirando os olhos. — Sempre querendo saber das minhas namoradinhas.

Comecei a rir.

— Desculpe, mas eu sei que isso te irrita, é por isso que faço.

— Engraçadinha. — falou dessa vez mais alegre. — Mas e você, muitos namoradinhos por aí?

Ah meu irmão sabe rebater como ninguém.

— Não tenho. Só estou pensando em terminar a faculdade.

— Sei. — resmungou.

— Como a mamãe está?

— Ela começou um tratamento novo. — e a voz do meu irmão mudou d’água pro vinho, agora ele portava um tom sério. — Os médicos estão bastante animados.

— Esses médicos estão sempre animados. — digo. — Posso falar com ela?

— Eu não sei. Ela está fraca. O doutor falou que é normal, efeitos do remédio. — explicou. — Mas eu vou ver se ela pode falar.

— Tá bom. — segurei o celular contra a orelha enquanto meu irmão conversava com minha mãe.

— Vou passar para ela.

Esperei ansiosamente, e então com a voz tão fraca e sensível minha mãe falou.

— Oi meu amor.

— Mamãe. — instantaneamente meus olhos encheram de lágrimas. — Como a senhora se sente?

— Um pouco cansada, querida. Hoje os médicos iniciaram um novo tratamento. Eles falaram

Sua respiração fica mais intensa e ela leva um tempo inspirando e expirando. Meu coração parece encolher e minha garganta aperta, tenho vontade de chorar, mas me controlo para que mamãe não perceba.

— Que estão muito animados. Mas e você, meu bem, como está? Seu pai disse que começou a trabalhar como babá, como está indo?

— Muito bem. Cuido de dois meninos. Mãe, você precisa conhecê-los. São encantadores.

— Tenho certeza que vou conhecê-los. Pode demorar um pouco. — diz. — Quando vem nos visitar?

— Eu não sei, mãe. Está tão corrido na faculdade. E agora com os garotos minha vida virou de pernas para o ar, mas eu prometo que quando sobrar um tempo irei visitá-los.

— Tudo bem, meu amor.

— Eu estou morrendo de saudades. Foi bom escutar sua voz para acalmar um pouco.

— Você sabe que não gosto de falar pelo celular, mas por você.

Eu sorri. Comparado a falar pessoalmente com mamãe isso não é nada. Sempre amei nossas conversas e dividia tudo com ela, desde problemas na escola, pessoais e minha vida amorosa.

Depois que encerramos a ligação eu deixo muitas lágrimas escaparem. Tento ser o mais forte possível quando falo com ela para que não note minha angustia porque sei que mamãe sofreria ao notar que estou sofrendo, mas quando paramos de nos falar eu deixo o medo de perdê-la tomar conta de mim. Choro e imploro para que ela não seja levada de mim.

Minha mãe é a mulher mais bonita que conheço, não só fisicamente, ela tem uma generosidade inquestionável. Sempre foi boa, seu sorriso encanta qualquer um. Foi assim que ela conquistou o turrão do Humberto, meu pai.  Ela adora contar histórias de como se conheceram, do dia em que ele a pediu em namoro. Mamãe dizia que papai era o cara mais insuportável que ela já conhecera, mas disse que foi isso que a encantou mais nele e o fato de derreter o coração dele toda vez que sorria.

Eles se conheceram em um dia de chuva. Mamãe ainda estudava, estava prestes a se formar e meu pai trabalhava em uma oficina mecânica. Os dois trombaram e todos os livros que ela protegia em baixo da blusa caíram em uma poça de lama. Os dois começaram a discutir no meio da calçada, em baixo da chuva forte, depois disso sempre se encontravam e discutiam de novo até o dia que minha mãe tomou as rédeas da situação e o beijou, depois sorriu e foi embora. Meu pai sempre completa essa história dizendo que foi uma magia dela.

Leves batidas na porta me tirão dos meus pensamentos. Levanto-me e enxugo minhas lágrimas enquanto caminho até a porta, puxo a maçaneta e Eduardo está parado no corredor. Henrique está do lado dele e sorri quando me vê.

— Oi Naná. — diz Eduardo. — Ronaldo me disse que estaria aqui.

— Sim. Eu estava organizando algumas coisas. — ele me olha nos olhos.

— Você estava chorando? Aconteceu alguma coisa?

Merda! Não acredito que os dois me pegaram assim, absolutamente na minha pior hora. Eu sei que fico vermelha igual um tomate e meus olhos incham, devo estar parecendo o interior de uma melancia. Passo as mãos pelo rosto e dou meu melhor sorriso.

— Não estava chorando. É só uma crise de rinite. Quando entro em contato com muito pó começo a expirar, meus olhos coçam até ficarem vermelhos, aí começa a lacrimejar.

— Bom, eu vou te esperar no escritório. — diz Henrique, com uma expressão de diversão. — Antes que ela me deixe tonto.

Fico um pouco envergonhada. Novamente soltei a língua com Henrique por perto, ele deve achar que sou uma tagarela de carteirinha. Olho para Eduardo que também está sorrindo de forma mais contida.

— Rinite é normal. Na verdade não é normal, é sobrenatural, é coisa do

— Alana. — Eduardo me interrompe. — Eu já entendi. — diz em tom calmo. — Tome um antialérgico, vai ajudar.

— Sim, senhor. — ele fez uma carranca. — Desculpe, é que você falou como meu pai.

— Tudo bem.

Ele fica em silêncio, enquanto me encara, fico nervosa e sinto a mesma sensação que senti quando estava sozinha no carro com ele. Penso o quanto é fácil pegá-lo desprevenido agora e o beijá-lo. Mas sei que se fizer isso vou levar um fora épico.

— É, você deseja alguma coisa?

— Eu só vim lhe avisar que Henrique vai almoçar aqui. Nós vamos trabalhar no meu escritório até ás duas horas. Então, quando os meninos chegarem evite que eles entrem no escritório.

— Okay.

— Era só isso mesmo. — ele vira-se e segue para seu escritório, mas antes de entrar na sala vira-se e me olha. — Não se esqueça do antialérgico.

— Não vou. — dou um sorrisinho que é retribuído, mas então ele entra no escritório e fecha a porta.

Desço até a cozinha e fico lá até a hora de pegar os meninos na escola. Hoje trânsito está pior do que nunca. Ronaldo é muito paciente e dirige enquanto escuta rock internacional dos anos 70. Chegamos a escola um pouco atrasados, os meninos estão sentados em um banco no pátio da escola. Vou ao encontro deles e recebo um abraço de cada um. Noto que Diego tem um pequeno corte no canto do lábio, quando pergunto ele diz que caiu na educação física.

Tento não pensar no ferimento de Diego, mas isso fica matutando no meu pensamento todo o caminho até a mansão. Vou ter uma conversa com ele, sinto que está mentindo e se receber uma mentira novamente serei obrigada a conversar com a diretora da escola. Não acho que Diego tenha machucado a boca em um tombo, geralmente esse ferimento viria juntamente com machucados no joelho e no cotovelo. Tem muita coisa por trás dessa historinha e vou descobrir.

Subo com os dois até o quarto, mando Bruno lavar as mãos e trocar de roupa enquanto limpo o ferimento do Diego. Ele dá um gemido de dor com a ardência causada pelo antisséptico, mas resiste firme até o fim. Me agacho na frente dele e seguro seus ombros.

— Di, o que aconteceu hoje na escola? Alguém está incomodando você? Pode confiar em mim.

Ele pensa na resposta. Diego tem 8 anos e meio, mas me surpreende a maneira como ele lida com as coisas, como protege o irmão, parece um adulto na maioria das vezes, sei que é porque ele perdeu a mãe cedo demais.

— Não aconteceu nada, Naná. Eu caí jogando bola. — respondeu como antes. — Eu vou lavar as mãos e trocar de roupa.

Assenti e ele saiu correndo para o banheiro. Sentei-me na poltrona em frente a mesa de estudos. É claro que tem algo errado, eu sei, eu sinto que ele está mentindo, que há algo mais sério atrás disso.

Depois que os meninos estão prontos para almoçarem nos descemos. Hoje o almoço está sendo servido na sala de jantar. Acomodo os meninos em seus lugares. Em seguida Eduardo e Henrique descem e se sentam a mesa. Os dois estão conversando sobre algo, uma nova conta que a agência havia conquistado, parecia importante, mas parei de prestar atenção quando comecei a servir os meninos.

O almoço seguiu tranquilamente, os meninos comiam em silêncio enquanto Eduardo e Henrique falavam sobre a nova conta, algo sobre contratar novas modelos.

— Então, como foi à escola hoje? — questionou Eduardo para os filhos.

Diego foi o primeiro a falar, contou tudo menos a parte que caiu jogando bola e machucou a boca, mas Eduardo não deixou passar, notou o ferimento e perguntou o que havia acontecido, a resposta de Diego fez seu pai me encarar demoradamente, como se estivesse trocando um olhar cumplice. Ele compartilhava do mesmo pensamento que eu, sabia que o filho estava mentindo.

Bruno esperou o irmão contar tudo sobre a escola e então foi sua vez de falar o que havia aprendido e como a professora era legal, comentou também sobre seus amiguinhos.

Enfim, depois que os meninos almoçaram eu subi com eles para o quarto. De tarde eles tinham escolinha de futebol ainda, então tinham que vestir o uniforme e escovar os dentes.

Depois que os meninos estavam prontos, descemos para a cozinha. Arrumei a lancheira deles e partimos. A escolinha de futebol era perto do condomínio, na verdade era um campinho para os moradores do condomínio, com gramado artificial, tudo muito bem organizado, bem diferente do campo enlameado que eu jogava quando era mais pequena.

Diego joga na turma dos maiores, de 8 até 12 anos e o Bruno na de 3 até 7 anos, devido isso Diego treina primeiro e Bruno fica junto com os amiguinhos, brincando de chutar a bola nas laterais do campo. Observo o treinador, ele é lindo, tem um corpo másculo e bronzeado, ombros largos e uma bunda maravilhosa.

Estou na seca há algum tempo é claro que fico babando quando vejo um treinador como ele. E não é só eu, a arquibancada está cheia de mães babando pelo gostosão, aposto que são mulheres casadas e donas de casa, madames do condomínio, aliás já vi algumas por lá. E muitas são arrogantes. Do tipo que entortam o nariz quando veem minha picape.

Uma confusão no meio do campo tira minha concentração do treinador bonitão. As crianças gritam em coro a palavra ‘briga’ e há um tumulto no centro do campo. Procuro os cabelos loiros de Diego, mas não o encontro. Levanto rapidamente e desço a passarela até o campo correndo. Continuo correndo, até chegar ao meio do tumulto, abro passagem entre os garotos e dois deles estão se engalfinhando no chão, encontro a cabeleira loira conhecida, Diego está acertando vários socos no outro menino que tenta se defender, sem êxito.

— Diego. — tento puxá-lo pelo braço, mas ele consegue se livrar de mim e volta a acertar o outro menino.

— Naná; Naná! — escuto os gritinhos de Bruno, ele se enfia no meio dos outros garotos, mas acaba sendo empurrado e caí no chão.

Não sei qual eu protejo primeiro. Os outros garotos acabam pisando em Bruno, ele está assustado e chorando. Abro caminho até ele e o seguro, puxo até mim e lhe dou um abraço, tentando ampará-lo. A essa altura, o treinador já separou a briga, colocando Diego e o outro menino de lados opostos.

Diego está todo sujo, o outro garoto conseguiu abrir um ferimento no seu supercilio e dar um arranhão na sua bochecha que noto ser superficial e pequeno, mas no supercilio o sangue brota intensamente. Corro até ele e tento desesperadamente limpar o ferimento.

— Eu quero saber o que aconteceu aqui? — a voz bruta do treinador fez os outros garotos dispersarem. — Ei, todos aqui. Eu quero uma explicação.

— Foi ele que começou. — o outro garoto apontou para Diego.

— Você me chutou. — Defendeu-se Diego. — De propósito.

— Meu Deus, Alex. Você está todo machucado. — Uma das mulheres que vi sentada na arquibancada corre até o menino que Diego brigou. — Quem fez isso com você? Eu exijo saber.

Ela é moradora do condomínio, já a vi algumas vezes dirigindo uma Mercedes AMG por lá.

— Foi ele mãe. — O menino que agora sei se chamar Alex está fazendo cara de coitadinho e inocente enquanto aponta o dedo para Diego.

— Mas que selvagem. — A madame vem para cima de Diego e aponta o dedo para ele. — Olha o que você fez com meu filho, seu trogloditazinha.

— Ei, seu filho não é inocente não. — puxo Diego e Bruno para trás de mim e me meto na frente da madame. Se ela acha que pode acusar meu menino assim está muito enganada. — Seu filho chutou de propósito ele. Se você educasse seu filho direito talvez esse tipo de coisa não acontecesse.

— E quem é você? Uma babá? — solta uma gargalhada sarcástica. — Espera aí, você é aquela garota que dirige uma lata velha pelo condomínio? A babá dos filhos do Eduardo Ventura?

— Exatamente.   

— Ahh, claro. Não culpo esse garoto por ser um selvagem, ele perdeu a mãe muito cedo e o pai não dá muita atenção para eles. Ao contrário do meu filho, que sempre teve uma mãe para educá-lo e um pai muito atencioso. E você vem me dizer que não eduquei direito o meu filho?

Sinto meu sangue ferver e minha pulsação aumentar em um nível elevadíssimo. Quem essa mulher pensa que é?  

— Ah, por favor, madame! — exclamo. — Quem a senhora pensa que é?

Não posso descer do salto. Não posso!

Você só traz seu filho nesse lugar para ficar babando enquanto observa o treinador dele. — respiro fundo e sigo em frente. — Mas sei que quando ele não tem treino a senhora vai para o cabelereiro e manicure ou fofocar com as amigas e o deixa com a babá em casa.

A madame fica vermelha e me olha de cima a baixo. Já vou esperando que ela me xingue por causa do meu peso, mas ela não faz, está tão envergonhada que não consegue encontrar uma resposta, então só segura o braço do filho com força e o puxa para fora do campo.

Depois que a madame vai embora eu me agacho perto do Diego e checo seus ferimentos.

— Garotos, para o vestiário. O treino acabou por hoje. — anuncia o treinador. — Alana, você pode leva-lo para enfermaria. Mas depois eu quero falar com vocês.

— Tudo bem.

Sigo para a enfermaria com os dois meninos. Lá uma enfermeira cuida dos ferimentos do Diego. Levo Bruno até o banheiro e limpo seu rosto sujo de lágrimas, agora ele está mais calmo, até dando risada do acontecido. Quando saímos Diego está sozinho sentado na cama. Chego perto dele e me sento em uma cadeira que tinha do lado da maca.

— Di, o que está acontecendo? — pergunto, mas ele fica quieto. — Eu sei que você andou brigando na escola por isso estava com a boca machucada hoje. E agora saiu no soco com um colega novamente. O que aconteceu? Você pode confiar em mim.

Diego olha para os dedos e começa falar todo envergonhado:

— Hoje na escola um garoto quis tomar o lanche do Bruno, ele acabou derrubando ele e eu não gostei daquilo. Eu só falei para ele devolver o lanche do meu irmão, mas ele me bateu. E hoje o Alex me chutou com força e de propósito, além de tudo ficou rindo, eu tive raiva dele e comecei a dar socos nele.

Raiva acumulada, era isso que Diego tinha no momento que Alex o chutou, depois do incidente na escola Diego acabou acumulando um sentimento ruim por não conseguir defender a amiguinha e aí Alex o chutou e ficou rindo, foi dando socos em Alex que Diego conseguiu descarregar toda a raiva que ele sentia.  

— Olha só. Eu sei que você estava com raiva, mas não precisa sair dando soco nos outros. Foi errado, nada é resolvido com violência. Da próxima vez, você conversa comigo e eu vou te ajudar. Okay?

Ele assentiu.

— Você está brava comigo?

— Não. — levantei e o abracei.

— Posso entrar? — olhei para a porta e o treinador caminhou até onde estávamos.

O treinador acabou dando uma punição para o Diego, três semanas sem treino, e me garantiu que o outro garoto receberia a mesma punição. Depois ele acabou me surpreendendo e pediu meu número, eu dei, é claro.

Depois desse momento do dia, bem interessante, voltei para a arquibancada, Diego ficou comigo, assistindo o treino do irmão, que ocorreu tudo na perfeita harmonia, ainda bem, porque do jeito que essas madames estão me encarando se o Bruno brigasse com algum coleguinha seria encrenca na certa.

[...]

 O dia passou mais rápido depois que voltamos do treino. Os meninos tomaram banho e ficaram o resto do dia jogando vídeo game. Eu tive que tomar um banho também por causa da sujeira e do sangue que tinha no meu uniforme. Então fiquei no quarto com eles, esperando Eduardo para falar sobre os acontecimentos.

Fiquei observando os garotos se divertindo. Aquela mulher foi tão insensível com eles quando comentou sobre a mãe e sobre Eduardo. Ela nem o conhece para dizer que ele não dá atenção para os filhos. Eu sei que não é verdade, convivo com os três, Eduardo é um pai incrível, super atencioso e que deseja sempre o melhor para os meninos.

Aquela vaca de salto merecia uns tapas.

A porta se abriu e Eduardo entrou. Bruno correu abraçar o pai, mas Diego ficou sentado, tentando esconder o curativo que tinha no rosto, talvez por vergonha ou medo do pai ficar bravo com ele. Eduardo acabou notando, então olhou para o filho mais velho.

— Diego. — chamou, o pequeno demorou para olhar para o pai e quando fez arrancou um suspiro agudo de Eduardo que correu para junto do filho. — Meu Deus, o que aconteceu?

Eduardo examinou o rosto do filho que continuava mudo.

— Diego, o que aconteceu?

Diego estremeceu com o tom mais severo do pai.

— Vamos conversar lá fora, por favor. — interferi. Foi a primeira vez que Eduardo me notou, e ele me encarou com fúria, levantou-se e caminhou sinistramente até mim.

— O que aconteceu com meu filho? Eu te pago para você cuidar deles, não deixar isso acontecer! E é a segunda vez que ele se machuca enquanto está aos seus cuidados.

Eu estremeci, nunca tinha visto Eduardo daquele jeito. Tão bravo e nervoso. Gritando histericamente.

— Papai, por que você está gritando com ela? — choraminga Bruno. — Você diz que não devemos gritar com os outros.

— Di, leva seu irmão para baixo? — Diego assentiu, pegou na mão do menor e se retirou do quarto.

Eduardo andava de um lado para o outro, passando as mãos pelos cabelos. Andei até ele e toquei seu ombro, ele deu um pulo e eu dei um passo para trás.

— O Diego brigou na escola. Protegeu o irmão. E agora de tarde, acabou brigando novamente no treino de futebol.

— Por que ele faria isso? Meu filho não é violento.

— Na escola ele tentou proteger o Bruno, mas o outro garoto bateu nele. Ele acabou acumulando um sentimento de raiva. E de tarde quando um garoto deu um chute nele, Diego perdeu o controle e resolveu extravasar. É normal acontecer isso com crianças, acontece com adultos também.

Eduardo ficou em silêncio, olhando para os lados, absorvendo o que acabara de dizer. Peguei minha bolsa.

— Desculpe se deixei isso acontecer. Desculpe se te decepcionei. Vou entender se decidir me demitir.

Saí do quarto sem olhar para trás. Sentia-me culpada e triste por Eduardo ter colocado a culpa em mim. Juro que me senti pior que ele ao ver Diego machucado.

Os dois pequenos estavam na sala, sentadinhos no sofá. Dei um abraço e um beijo em cada um, então segui para os fundos da casa, onde minha lata velha me esperava.


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