- escrita por Blue Butterfly


Capítulo 38
Trinta e oito




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Jane não chegou às onze horas e tão pouco à meia-noite. Na verdade, o relógio na parede da sala marcava 1:14 quando finalmente a porta abriu, revelando a mulher exausta. Ela, tentando fazer o mínimo de silêncio possível. Não era de se esperar que nem Maura e nem Angela ainda estivessem acordadas. A mais velha já estava dormindo no quarto de hóspedes, enquanto a outra possivelmente tinha esperado acordada o máximo que conseguira, sendo ninada por nada mais do que um descontentamento pela falta de Jane ao seu lado na cama.

A detetive se sentia culpada: ela tinha mesmo tentado voltar para casa no horário combinado, mas no trabalho uma coisa foi levando à outra, e quando uma criança estava envolvida… Bem, Jane simplesmente não podia deixar para depois. Ela e Kendra passaram horas lado a lado tentando entender o que tinha acontecido naquela casa. Uma mulher morta no chão da cozinha, a mamadeira do bebê de dois anos ainda nas mãos, a criança ainda chorando no berço. O que despertou a ira dos vizinhos foi o choro incessante da criança – acreditaram que a mãe estava negligenciando ele e telefonaram para a delegacia – mas as notícias que estampariam as capas dos jornais do dia seguinte seriam muito mais trágicas do que uma negligência parental.

Ela suspirou e jogou a chave em cima da mesa ao lado do sofá – na manhã seguinte ela se esqueceria e passaria cinco minutos procurando nos lugares óbvios, menos naquele – e nem se importou com a fome que sentia. Ela precisava de uma cama macia, do cheiro e corpo quente de Maura contra o seu. Era esse o jeito que achara para escapar do mundo.

Ao entrar no quarto, contra suas expectativas, Maura estava deitada na cama, acordada. Jane só descobriu isso quando se aproximou dela para beijar sua bochecha e a outra lhe disse um fraco ‘olá’. Bem, ela tinha acabado de acordar, a julgar pela sua voz rouca.

‘Você disse onze.’ A voz sonolenta a cobrou.

‘Eu disse. E juro que tentei.’ Ela se sentou na cama, cruzou as mãos na frente do corpo. ‘Sinto muito, foi um pouco pior do que eu imaginava.’

A loira, Jane viu sob a luz fraca que sempre ficava acesa no corredor, balançou a cabeça em compreensão e se curvou um pouco.

‘Era para você estar dormindo agora.’ Ela sorriu e acariciou o rosto de Maura. Ela estava um pouco suada. Jane franziu o cenho. ‘Você tá bem?’

‘Cólica, nada grave.’

Jane revirou os olhos, irritada. Maura se recusava a sair da cama no meio da noite, ainda mais se fosse para tomar qualquer remédio. Da última vez, a morena se lembrava muito bem, a loira tinha dito que uma meditação antes de dormir ajudaria o sintoma a desaparecer, mas durante a madrugada virava de um lado para o outro, se encolhendo contra Jane, e, ao não ser que o objetivo da Yoga fosse justamente esse, a detetive realmente achava que aquela coisa boba de meditação não funcionava nada.

Sabendo melhor agora, ela beijou a cabeça de Maura e disse que voltaria logo. Depois de colocar seu pijama – que era constituído apenas de uma calcinha e uma camiseta velha – ela serviu um copo de água e pegou um comprimido para dor. Não vamos repetir aquilo essa noite, ela pensou consigo mesma. É claro, a loira não protestou. Se bem que, pensando bem, talvez ela estivesse tão sonolenta que não sabia ao certo o que estava fazendo. Jane riu baixinho e tão logo o copo estava seguro em cima da cômoda, Maura estava aninhada em seus braços. A manhã chegaria mais rápido do que ela imaginava.

O dia seguinte tinha sido longo. Começou com o barulho do chuveiro ligado – Maura tomava banho todas as manhãs – seguido com o toque do telefone de Jane. Ela mal tivera tempo de se arrumar – Kendra estava gritando algo ininteligível do outro lado da linha e, ainda desorientada, a detetive trocou de roupa o mais rápido que pôde, se despediu de Maura com vários beijos seguidos em seus lábios – Eu amo você, não se esqueça. Não deixe minha mãe te enlouquecer. Eu não sei se volto para o almoço. E, caso eu não tenha dito, eu te amo.— e saiu pela porta como um furacão. Claro, depois de passar cinco minutos procurando pela própria chave.

Na delegacia as coisas pareciam correr tão rápido como nunca. Revisão de recibos e telefonemas, interrogatórios dos vizinhos. Uma pena, se é que Jane poderia assim dizer, que a criança era tão nova que mal falava. Se fosse velha o suficiente, poderia, quem sabe, ajudar com alguma descrição do que viu e ouviu. Nesse caso, todavia, a detetive estava aliviada pela consciência ainda não desenvolvida do menino. Certas coisas eram melhores quando não lembradas.

A manhã tinha se transformado em tarde, e a tarde estava cedendo espaço para a escuridão da noite. Jane ainda estava lá, focada no caso. Kendra, também. As duas tiveram um almoço rápido na cafeteria no primeiro andar do prédio. A comida não era assim tão boa, mas comer ali sempre salvava um tempo extra.

Quando o relógio marcou sete e meia – Jane já tinha passado uma hora e meia do seu horário de trabalho – Kendra apareceu no seu andar e a convidou – intimou? - para um jantar rápido. Elas apenas cruzaram a rua e entraram no restaurante mexicano mais próximo.

‘Não foi suicídio.’ A detetive loira dizia enquanto cutucava a comida. ‘Isso não se encaixa pela cena, e não digo só por conta da ausência da arma. Ela decide se matar enquanto prepara uma mamadeira para o filho?’

‘Não faz sentido.’ Jane concordou.

‘Não foi o marido.’ A outra emendou, parecendo frustrada. ‘A não ser que ele tenha descoberto um jeito de sair do túmulo.’ Ela esfregou os olhos, cansada.

‘Bem, ela também não tem um namorado.’ Jane adicionou, parecendo tão infeliz quanto Kendra.

‘Um crime aleatório? Isso não me tá cheirando bem, Jane.’ Ela suspirou, desistindo de comer a enchilada.

‘Arrumaram uma casa provisória para o menino?’ Ela se lembrou de repente do bebê aterrorizado na presença de tanta gente desconhecida.

‘Sim. Beck é uma ótima assistente social. Ele vai permanecer com esse casal até que alguém da família chegue para buscá-lo. Isso é, se alguém vir.’ Ela adicionou a última parte com um suspiro.

Jane estalou a língua num lamento. Ninguém da família de ambas as partes parecia muito interessado em assumir a guarda do bebê. Ela não conseguia entender porque; se fosse um de seus irmãos, ela imediatamente clamaria pela guarda dele.

As duas se perderam em pensamentos, e depois do que pareceu muito tempo, foi Kendra quem falou.

‘Como Maura está?’ É claro, ela também estava ansiosa pela situação da loira. Teria ela decidido depor? Kendra tinha um caso sólido, mas a simpatia ganha do juri popular, também do juiz, traria uma resolução ainda mais vigorosa.

Agora era a vez de Jane suspirar e abandonar a comida. ‘Distraída, ultimamente. Anda passando mais tempo com minha mãe do que comigo, mas isso é por conta do trabalho.’

‘Algum progresso?’ Kendra inclinou-se para frente, interessada.

‘Pessoal ou relacionado ao caso dela?’ A morena perguntou com certa ironia, um tanto na defensiva. Lembrar do que tinha acontecido com a mulher sempre lhe trazia um gosto amargo na boca.

‘Ambos.’ Kendra disse honestamente, com calma.

Jane se desarmou. ‘É difícil dizer se ela progrediu ou não. Ela ainda vai na psicóloga, então acho que isso é bom. Só que ultimamente ela tem andado… se desligando, se é que você me entende.’

‘Você quer dizer, pensando demais?’ Kendra perguntou, confusa.

‘Isso. E com razão, eu acho.’

Kendra concordou com a cabeça e não perguntou mais nada. Elas deixaram o restaurante dez minutos mais tarde. Lá fora a neve caia preguiçosamente. As decorações de Natal brilhavam num dourado angelical em todas as lojas e restaurantes. Até mesmo a delegacia tinha, na porta de entrada, uma guirlanda. Era a primeira vez que Jane estava notando tudo aquilo. Espantada em como ela parecia ter se desligado do mundo e época em que estava, jurou para si mesma que perguntaria para Maura se ela queria montar uma árvore-de-natal em casa.

Era a atividade preferida da morena.

É, o tempo estava voando, ela concluiu. Para aquele caso. Para a chegada do Natal. Para o julgamento. Mas nada parecia melhorar ou se resolver. E o tempo… Ele não esperaria por ninguém.

Já se passava das nove quando a morena finalmente chegou em casa. Seus ombros doíam por causa da tensão do dia, ela precisava de um banho, de uma cerveja, de um tempo com Maura, de uma noite longa de sono. Só duas necessidades foram riscadas dessa lista: o banho e colocar em dia o sono.

Ela encontrou Maura no escritório e beijou seu rosto com carinho, mas se retirou dez minutos depois porque, obviamente, a loira estava disposta a escrever pelo menos mais uma página do artigo que estava trabalhando. A detetive, então, decidiu que um banho cairia bem. A água quente relaxou os músculos e ao mesmo tempo expôs ainda mais o cansaço que sentia. Quando saiu do banheiro, a loira já estava sentada na cama, esperando por ela. Depois do dia longo e emocionalmente desgastante – ela contou toda a tragédia para Maura - era sua vez de ser abraçada e ninada ao sono.

Os dois dias seguintes passaram em um borrão. Pelo menos para Jane. O caso estava se desenrolando melhor do que ela pensava que fosse, novas pistas aparecendo e levando-a de um lugar para o outro e não em becos sem saídas. Agora ela e Kendra tinham uma teoria de acordo com o depoimento e elementos que apareceram ao longo da investigação. O assassino teria sido um garoto - entregador de pizza, de acordo com uma gravação de uma câmera de segurança de um vizinho – embora elas ainda não soubessem a razão. Hoje, com sorte, ela conseguiria identificar e apreender o sujeito. Ela até faria uma aposta com Kendra. Algumas rodadas de cerveja no Dirty Robber se ela conseguisse prender o garoto até amanhã à noite.

O que preocupava Jane, além do caso, era Maura. A detetive sabia que ela estava passando mais tempo sozinha do que acompanhada. Justamente por isso, ela incentivara a loira a passar o dia na casa de Angela. A mãe tinha decidido se mudar logo para a casa de hóspedes da loira, e a desculpa de que precisaria de uma mão extra na hora de empacotar algumas caixas tinha caído bem. Maura nem sequer reclamara, ela até mesmo pareceu bem empolgada com a ideia e pulou para dentro do carro depois de se trocar em menos de dez minutos – para surpresa da morena.

Era por isso que as duas estavam, nesse momento, na sala junto com Frankie e Tommy. Angela estava no quarto, gritando algo para os filhos mais novos.

‘Bem, essa é minha deixa.’ Ela deu um beijo na cabeça de Maura e apontou um dedo para os irmãos, lançando um olhar afiado e ameaçador. ‘Cuidem bem dela.’ E depois o dedo apontou para Maura.

A loira revirou os olhos e suspirou. ‘Eu não sou nenhuma criança, Jane.’ Ela retrucou.

‘Não, mas eles conseguem ser bem infantis, às vezes.’ Ela devolveu. ‘Eu vejo você mais tarde.’

E enquanto Jane trabalhava na delegacia tentando identificar o sujeito, Maura trabalhava em conjunto com Angela, Tommy e Frankie. Nesse tempo entre os quatro, eles aprenderam muito um sobre o outro. Frankie tinha sido um ótimo jogador de basquete, embora sua paixão fosse mesmo o baseball. Tommy era o melhor jogador de xadrez da família inteira. Angela era uma ótima cozinheira, mas era péssima com tecnologia. Maura não sabia andar de bicicleta, embora ela soubesse a teoria – todos olharam para ela com cara de espanto, um tanto intrigados. Jane – fora Angela quem oferecera a informação – tinha comido uma bolinha de gude quando criança, apenas porque Frankie tinha dito que ela não conseguiria. Os três irmãos eram conhecidos como os justiceiros do bairro, e mais do que Angela podia contar nos dedos das duas mãos, eles tinham se metido em brigas para defender outras crianças – essa informação derreteu ainda mais o coração de Maura. Ela sentia falta da morena nos últimos dias, e, embora Jane continuasse tomando conta dela, um sentimento de irritação cutucava sua mente. Ela ainda não sabia a razão.

No decorrer do dia, as caixas já empacotadas – pelo menos o essencial para as primeiras semanas – o quarteto resolveu tirar a parte da tarde para descansar e conversar. Angela preparara um café da tarde no estilo italiano. Maura jogara xadrez com Tommy e Frankie – o primeiro sendo seu adversário mais desafiador e, logo, preferido – e depois… Bem, os dois tiveram uma ideia que terminou sendo um tanto desastrosa. Fora isso, tudo ocorrera perfeitamente bem.

Logo depois da hora do jantar, Jane chegou na casa e encontrou todos no sofá, assistindo a um episódio de um seriado policial. O olhar carregado de culpa dos dois irmãos, somado com o de Maura!, entregou que havia algo de errado.

‘Como foi o dia de vocês?’ Ela perguntou, a princípio ignorando a tensão entre eles.

‘Bom.’ Disse Frankie.

‘Ótimo.’ Maura ofereceu.

‘Ok.’ Tommy desviou os olhos do seu.

Jane lançou um olhar para Angela e ergueu uma sobrancelha. A mais velha abafou uma risada. Alguma coisa tinha mesmo acontecido, a detetive conhecia aquele olhar da mãe.

‘Ok, o que vocês fizeram?’ Ela colocou a mão na cintura, preste a castigar os dois.

‘Bem,’ Angela começou, ‘eu tentei avisar de que isso poderia dar errado.’ Ela ergueu as mãos como se se dispensasse, por ser inocente, do sermão que estava por vir. E de repente todo mundo começou a falar ao mesmo tempo, deixando Jane bem confusa, não sabendo quem estava se defendendo, quem estava acusando, quem estava se declarando inocente. Maura tinha enterrado a cabeça nas mãos, a mãe apontava uma dedo para Tommy, parecendo furiosa e preocupada. A detetive – que tinha esse título por merecimento – se sentiu confusa. Seu coração disparou quando seus pensamentos se voltaram para Maura. O que tinha acontecido? Ela tinha tido um ataque de pânico? Preocupada demais, ela tomou ar e quase gritou.

‘Ei!’ Suas mãos voaram para o lado do seu corpo, chamando atenção. ‘Alguém pode me contar o que aconteceu?’

‘Eu andei de bicicleta hoje.’ Maura disse e tentou um sorriso – um que morreu logo quando o olhar cético de Jane caiu sobre ela.

‘Você tinha me dito que não sabia andar em nenhum veículo sobre duas rodas.’ Ela utilizou as mesmas palavras que uma vez tinham deixado os lábios de Maura, chocada com a informação recém-dada.

‘Na prática, eu quis dizer.’ Ela rebateu.

‘E hoje você tentou praticar?’ Jane devolveu com um tanto de ironia, agora tirando o casaco e a bota.

‘Lá fora! Na rua escorregadia! Eu tentei avisar de que não era uma coisa boa de se fazer.’ Angela decidiu voltar para a conversa, e Jane ergueu as sobrancelhas, agora em pura diversão.

‘Oh, é mesmo? E como você se saiu?’ Ela perguntou, olhando para Maura, um pequeno toque de ironia ainda na voz, mesclado com um leve desespero. Seus olhos estudaram o corpo da mulher. À primeira vista, ela parecia bem.

‘Meu equilíbrio é perfeito, mas o gelo no chão me atrapalhou um tanto.’ Ela disse naturalmente.

‘É. Frankie a carregou para dentro.’ Angela indicou o filho com o polegar.

‘Oh, meu Deus! Me diz que você não quebrou nenhum osso.’ Jane lançou um olhar furioso para os irmãos. ‘Eu me lembro de ter dito para vocês cuidarem dela, que diabos?!’ Ela estava perdendo a cabeça agora. A ideia de que Maura poderia ter se machucado por atos inconsequentes e impensados dos irmãos fazia suas mãos se fecharem em punhos. Ela socaria a cara deles.

‘Jane, não foi nada sério. Eu estava me divertindo com eles, a culpa foi toda minha.’ Maura esclareceu, tentando acalmar a outra.

‘Mas você se machucou?’ Ela andou até o sofá e indicou com um dedo para que Tommy cedesse o assento para ela. Ele fez imediatamente.

‘Bem...’ Maura disse.

‘A perna.’ Frankie entregou, e a loira lançou um olhar indignado para ele.

‘Eu apenas não consegui mexer no momento por causa do impacto!’ Ela se defendeu, repetindo para ele a explicação que lhe dera mais cedo. ‘Mas agora já está tudo bem.’

‘Você concordou com isso?’ A morena não levou muito em consideração a resposta de Maura, decidiu, em vez disso, interrogar a mãe.

‘Nem por um minuto!’ Angela sentou-se com a coluna ereta, desafiando a filha. ‘Eu disse que era perigoso, mas ela se provou tão teimosa quanto teus irmãos.’ Angela rebateu, lançando um olhar significativo para Maura.

A mais nova revirou os olhos, brincalhona. Depois se virou para a morena e apertou sua mão. ‘Jane, foi uma coisa boba. Eu juro.’

‘Mas você poderia ter se machucado, Maura.’

‘Mas eu não me machuquei. Eu prometo que serei mais cuidadosa.’ Ela lançou um olhar angelical para Jane, com um sorriso que desarmava a outra.

A detetive olhou para ela, tentando decidir se acreditava ou não. Em seguida, resignada, estudou os dois irmãos e perguntou: ‘Alguém me diz que filmou isso tudo?’

Maura beliscou seu braço, e ela se sobressaltou, rindo. ‘Maura, não tenta isso de novo, tá bem? Até o gelo ir embora, pelo menos.’ Ela adicionou a última parte quando viu a outra prestes a protestar.

‘Você já jantou, Jane?’ Angela interrompeu a troca das duas.

‘É, eu comi alguma coisa com Kendra. O dia foi corrido.’ Ela disse sem dar muita importância.

‘Isso não responde minha pergunta!’ A mulher mais velha protestou.

‘Comi, Deus!’ A morena disse, se levantando. ‘Ok, nós precisamos ir.’

‘Ei, Jane, antes disso...’ Frankie esticou o braço sobre Maura para chamar a atenção da irmã. ‘Eu tenho quatro convites para um jogo de Hóquei amanhã a noite. Tá dentro?’

Ela trocou um olhar com Maura, então um sorriso e respondeu. ‘Pode apostar.’

‘Alguma sorte com o caso?’ Ainda Frankie.

Ela deu de ombros. Nós identificamos o cara, mas ainda não pegamos ele. Eu tenho até amanhã, ao meio dia para trazer ele para delegacia.’

Todos franziram o cenho. ‘Por que?’ Foi Angela quem perguntara.

‘Apostei umas rodadas de bebida com a Kendra. Se eu pegar ele até o meio-dia de amanhã, eu ganho.’ Ela disse com o sorriso afetado que era sua marca pessoal, cheia de confiança.

A mãe revirou os olhos e nem se deu o trabalho de responder.

Maura fez o mesmo, rindo de leve. Ela se inclinou e descansou a cabeça no ombro de Jane, desejando nada mais do que a morena ganhasse a aposta. Assim, em poucas horas depois do meio-dia, Jane estaria de volta em casa, para ela.

Para seu tamanho desgosto, Jane tinha perdido a aposta. Por apenas uma hora. Ela tinha conseguido trazer o sujeito – agora culpado – para a delegacia, pena que tinha levado mais tempo do que esperado para que ela o encontrasse, o perseguisse por uns quarteirões, o jogasse no chão com um belo empurrão e, finalmente, colocasse as algemas em torno dos seus punhos. Ele passara horas na sala de interrogatório, mas jamais confessara o crime. Jane tinha as provas contra ele: uma câmera que enquadrava bem o seu rosto, logo a identificação era certa; uma impressão digital parcial que batia com a dele que fora encontrada dentro da casa; a arma do crime que fora descartada numa lixeira num bairro próximo – ela achava uma burrice imensa quando criminosos se livravam das armas assim. Só que ele nunca confessara o crime. Dentro de uma hora, ele tinha pedido por um advogado e tinha, então, transformado a vida da morena num inferno. Ela estava frustrada porque, muito além da aposta que queria ganhar, a razão pela qual ela queria encerrar o caso logo era que ela estavam ficando desgastada. Quando o horário de seu expediente tinha chegado ao fim, ela contou com a ajuda de Kendra e Frost para cobrirem para ela, de modo que ela pudesse descansar e assistir ao jogo de Hóquei. Não muito depois de sair da delegacia, ela tinha passado na casa de Maura para pegá-la e dirigir até a casa de Frankie para pegar seus dois irmãos.

Jane estava feliz. Maura estava empolgada por ser sua primeira vez num jogo de Hóquei. Tommy tinha um sorriso imenso no rosto e Frankie recebeu as duas com um high-five, parecendo o mais animado da noite.

A felicidade de Jane não durara muito tempo, entretanto. Elas tinham passado apenas cinco minutos na casa do irmão quando seu celular tocou.

‘Ah, não. Droga.’ Jane suspirou ao checar o visor e ver o nome de Kendra. Torcendo para sua noite não ser cancelada – ainda mais considerando o jogo de Hóquei! - ela colocou o aparelho no ouvido e lançou um olhar cheio de esperanças para Maura. Talvez não fosse nada; talvez Kendra só quisesse provocá-la sobre a aposta que ela tinha ganhado. ‘Rizzoli.’ A morena disse e se preparou.

Maura sabia que quando ela desligasse o telefonema um pedido de desculpas seria feito. Ela não gostava de presumir nada, mas o olhar de desgosto no rosto da detetive deixava bem claro que ela mesma não estava contente com o que estava ouvindo. A loira resistiu a urgência de revirar os olhos e, em vez disso, apertou os dentes. Não era a primeira vez naquela semana que Jane saía no meio de um compromisso por conta do trabalho. Não seria nem mesmo a segunda vez que Maura se sentia um tanto quanto em segundo plano. Era trabalho, ela entendia. Mas tinha sido difícil ficar sem Jane ao seu lado nesses dias, por horas longas e silenciosas. Era como acordar de volta na antiga vida solitária que ela tinha. A casa sempre quieta, exceto quando Angela estava ao redor, mas a mulher também tinha um emprego, então não era como se passasse muito tempo lá. E, desacompanhada, ela começava a divagar sobre o que tinha acontecido. Sobre o que poderia acontecer. E se ele não fosse preso? Era um caso ganho, Kendra dissera, mas e se? E se ela o visse mais uma vez e então tudo voltasse a tona, com força mortal, e a atingisse de forma tão impiedosa que ela nunca mais conseguiria se recuperar? E se Jane se horrorizasse tanto com o que escutasse e decidisse que ela era, afinal de contas, quebrada demais para permanecer ao seu lado? Pensamentos como esse flutuavam ao seu redor, e Maura sabia do perigo e mentira que eles representavam, porém, ela não conseguia calá-los. Exceto quando Jane estava ao seu lado. Porque com ela ali, segurando sua mão, abraçando-a, colocando uma mecha de cabelo atrás de sua orelha, beijando sua testa antes de dormir… Isso tudo soava mais real, intenso. Verdadeiro. Jane era quem a fazia encontrar seu centro.

E bem agora, ela sabia que seria deixada mais uma vez. A morena juntou as duas mãos na frente do peito, como se implorando por perdão.

‘Eu sinto muito, muito, muito mesmo.’ Ela enfatizou várias vezes.

‘Oh.’ Foi tudo o que Maura disse, abaixando a cabeça por sentir suas bochechas vermelhas. Ela estava envergonhada de não conseguir esconder sua decepção.

‘Acontece que o cara que prendemos, bem… Ele nos passou um nome. Eu prometo explicar tudo depois.’ Jane disse, suspirando. Ela também não estava feliz em deixar Maura de novo.

A loira, entretanto, estudou Frankie e Tommy. Ela não queria que Jane se explicasse. Ela apenas queria a presença dela ao seu lado. Ela precisava, mais do que nunca, do apoio de Jane.

‘Eu entendo se você não quiser ir ao jogo.’ Jane murmurou em cumplicidade para a mulher, sabendo que, possivelmente, a loira não se sentiria bem apenas com as duas companhias masculinas, com o agravante de estar no meio de uma multidão.

‘Não.’ Maura a cortou. No dia anterior ela tivera uma tarde agradável com os dois. Quando ela caiu da bicicleta – coisa que ela jamais admitiria que acontecera, ela diria apenas que fora culpa da rua congelada e nada mais – Tommy tinha sido extremamente calmo e prestativo. Você se machucou? Pode levantar? Sua perna dói? Posso te ajudar? E Frankie, oh, como ele tinha sido doce!, se certificou de que sua perna não estava quebrada e a carregou para dentro de casa, mesmo sob protestos de que ela poderia andar por si só. O que ela não poderia, a propósito. Ela se sentia protegida com eles. Cuidada. ‘Eu não me importo de ir.’ Ela disse com um tanto de amargura, não porque ela dizia contrariada, mas porque ela queria deixar claro o quanto estava descontente com a morena.

Naquela noite, ela não estaria sozinha. Não dessa vez. Ela quase tomou aquilo como uma pequena vingança. Ela iria ao jogo, e Jane, não. Ela poderia se divertir com outras pessoas. Ela poderia suprir a necessidade de afeto – pelo menos parte dela. Ela queria gritar com Jane sua frustração por ter sido colocada de lado por quase uma semana, em contraponto ela queria ignorá-la e mostrar como ela ficava, oh, tão bem sozinha.

‘Qual é, nós tomamos conta dela.’ Frankie disse, se colocando ao lado de Maura. ‘Certo?’ Ele se direcionou para a loira.

‘Como ontem?’ Jane alfinetou.

‘Eu vou.’ Foi tudo o que Maura disse, apertando levemente o braço de Frankie em agradecimento e se virando de costas para Jane, decidida a pegar seu casaco e desafiá-la.

Jane estava um tanto quanto surpresa pela atitude dela. Ela não rebateu; apenas estudou-a por um instante e concordou com a cabeça, sem muitas palavras na cabeça agora para se manifestarem. ‘Te vejo mais tarde, então.’

‘Ou amanhã cedo.’ Maura a corrigiu porque quem saberia quanto tempo Jane ficaria fora de novo?

De novo, sem palavras, a morena apenas meneou a cabeça e se inclinou para beijar seu rosto. Como nunca acontecera, Maura parecia distante dela naquele momento. Um tanto perturbada, mas não o suficiente para pedir por uma conversa em particular imediatamente, Jane se despediu depois de dar ordens claras para que os irmãos dessa vez cuidassem mesmo de Maura, e se retirou. Frustrada. Cansada. Intrigada.

Maura lutou bravamente para desfazer o nó em sua garganta e não derramar nenhuma lágrima. Toda vez que ela assistia Jane andar para longe dela, doía; mas dessa vez, pelo menos, ela também estava se afastando.


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