- escrita por Blue Butterfly


Capítulo 37
Trinta e sete


Notas iniciais do capítulo

Apareci! Eu sei, eu sei... Demorei muito. Mas antes tarde do que nunca, não é? =B



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Angela

 

Havia um fato inquestionável sobre certa qualidade de Angela Rizzoli: ela sabia como ninguém ser uma ótima mãe. Ela poderia não ser mais a esposa que Frank desejava, ou então ela poderia ser uma cozinheira boa, mas se fosse para se qualificar como sendo uma mãe, ela não tinha dúvida alguma de que o adjetivo para descrever sua capacidade desenvolvida aos longos dos anos era essa: ótima. Ela tinha criado três filhos cheios de energia, expressivos, barulhentos. Jane, Frankie e Tommy, os três deles, tinham se tornados pessoas boas, carregadas de compaixão, carinhosos. Ela tinha orgulho de cada um deles e, mesmo considerando Tommy e seus pequenos problemas – como entrar em uma briga para defender outra pessoa que ele mal ou sequer conhece – ela reconhecia que, apesar de querer puxar suas orelhas e colocá-lo de castigo, do mesmo jeito que fazia quando criança, ele ainda se esforçava para ser bom.

Ela reconhecia cada qualidade e defeito de cada um deles. Ela sabia, apenas em olhá-los, se estavam felizes ou tristes. Quando Frankie entrou em sua primeira briga na adolescência, ela soube logo que algo de errado tinha acontecido quando ele colocou os pés dentro de casa, cabeça baixa e ombros jogados para frente. Quando o taco de baseball de Jane apareceu quebrado, Angela descobriu quem tinha sido o culpado três segundos depois de fazer o interrogatório – Tommy nunca fora esperto em contar mentiras. Quando Jane se apaixonou pela primeira vez pela colega de escola, Angela não demorou muito tempo para fazer as contas e descobrir porque a filha mais velha andava suspirando distraída pela casa.

Havia também aquelas coisas que Angela notava, mas que não resolvia comentar sobre. Uma decepção amorosa que nunca chegara a se tornar um relacionamento real. Um choro abafado no quarto com portas fechadas. Segredos entre filhos e pais. Jane vivia dizendo que ela era intrometida demais e que sempre falava pelos cotovelos, mas ah!, se a morena apenas soubessem quantas vezes e quantos segredos Angela mantinha em silêncio. Anos de experiência como mãe tinham lhe ensinado a arte da percepção, a hora de falar e também a de calar.

Era por isso que, de imediato, quando Jane e Maura cruzaram a porta da sala da casa da loira, Angela sabia que algo naquela cena parecia estranho. Ela tinha trabalhado até o final da tarde e depois do turno tinha se dirigido ali, como havia combinado com as outras duas. Um jantar entre elas para colocar o assunto em dia, assistirem a um filme qualquer e discutirem os planos para o Natal.

‘Oi, mãe.’ Jane disse um pouco animada demais, os olhos negros estudando o conteúdo em cima da mesa.

‘Olá, Angela.’ Maura disse em seguida, tirando o casaco de neve e pendurando-o no gancho na parede.

A mais velha sorriu para as duas, mas seus olhos não conseguiam deixar de observar Maura. A julgar pela aparência, ela parecia melhor. As curvas do seu corpo se destacavam mais agora, a pele parecia mais hidratada, os movimentos mais ágeis e certeiros. Ela tinha tido uma recuperação completa, pelo menos fisicamente. Desde que começara a namorar Jane – Angela não sabia exatamente quando isso tinha acontecido, mas tinha sido tão claro e evidente quando ela notou os toques mais íntimos – a mulher parecia mais confiante e, sem dúvidas, feliz. Quando aqueles olhos verdes pairavam sobre Jane, Angela não notava outra coisa senão amor, admiração e carinho misturados com aquela felicidade única e singular de quando se está apaixonado. O problema, a mais velha passara a notar também, era quando aqueles mesmos olhos se perdiam no nada. O que tinha acontecido mais vezes do que ela poderia contar nos dedos de uma mão, e sempre que ela presenciava, seu coração apertava de um jeito doloroso.

Ela amava Maura com a mesma intensidade que amava Jane. Não era difícil de se entender a razão. Enquanto Angela reconhecia Jane como a filha vinda de si, com seu sangue e com todas características de um Rizzoli, uma personalidade forte – para não dizer teimosa – cabelo preto e corpo esguio como o do pai, a mulher se perguntava se aquele bebê que tinha perdido em sua primeira gravidez poderia ser uma versão de Maura. Mais feminina do que Jane, cabelo loiro e olho claro como os seus próprios. Logo, ela gostava de tratar Maura como sua própria filha – ainda que ela soubesse que não fosse. Doce e educada, a loira passava horas discutindo combinações de roupas, dicas de beleza, sapatos e qualquer outra coisa relacionada ao mundo feminino. Em outros momentos, elas apenas cozinham juntas. Eram nesses, principalmente, que Angela alimentava seu amor pela outra. Se era Maura quem estivesse cortando os tomates, ela perguntaria se o corte em cubinhos serviria; Angela sempre diria que estaria perfeito, porque no fundo ela sabia que a loira estava pedindo, na verdade, por aceitação. Se estivessem prontas para terminar a noite e Maura perguntasse se ela estaria interessada em ler o artigo que estava escrevendo, a mais velha serviria duas taças de vinho e se sentaria com ela no sofá, sabendo que o que loira queria, nas entrelinhas, era companhia. Os pedidos de Maura sempre eram sutis, tímidos, e depois de conhecê-la melhor, Angela se perguntava se toda aquela independência emocional em relação aos pais surgira apenas porque ela não sabia como pedir pela atenção deles.

Agora, inserida no dia a dia uma da outra, a mais velha não conseguia deixar de notar esses pequenos traços da personalidade da mulher. Então, quando Maura parecia se desligar do mundo presente, a preocupação e necessidade de confortá-la cutucavam a matriarca incessantemente.

‘Minhas meninas!’ Ela finalmente exclamou e abriu os braços. Jane revirou os olhos mas, assim como Maura, a abraçou de qualquer forma.

‘Desculpa o atraso, começou a nevar de novo e o trânsito ficou mais lento do que o normal.’ Maura disse depois de soltá-la.

‘Não se preocupem. Eu já cozinhei uma lasanha para nós! E também Zeppoles!’ Ela disse animada, batendo as mãos juntas.

‘Mãe, isso é um pouco pesado para um jantar, você não acha?’ Jane protestou.

‘Ora, Jane, não seja ridícula. Eu sei muito bem o que eu estou cozinhando.’ Ela rebateu, naquele mesmo tom de sempre de quando estava disposta a repreender e castigar a filha.

‘Eu só estou dizendo. Ninguém aqui precisa ganhar uns quilos extras.’ A morena murmurou.

‘Perdão? Você está me chamando de gorda?’ Maura se virou para a detetive, escandalizada.

‘Não!’ Ela se defendeu imediatamente.

‘Jane Clementine Rizzoli, saiba você que eu só cozinho com ingredientes orgânicos! E caso você não saiba, esses são os mais saudáveis para o corpo.’

‘Inclusive, há uma pesquisa realizada por uma universidade da Itália que afirma que os italianos que se alimentam de massas produzidas com ingredientes orgânicos são mais magros e mais saudáveis se comparados com os que não usam os já citados ingredientes.’ Maura adicionou

‘Certo’, disse Jane como quem compra uma informação apenas para evitar uma discussão mais longa.

Maura pareceu feliz – alheia ao descaso de Jane – com a resposta e se ocupou em arrumar pratos e talheres para todos.

‘Você sabe, eu estou pensando em me mudar.’ Angela ofereceu a notícia do nada, tirando de Jane reação nenhuma.

‘Para outro estado?’ A morena brincou segundos depois. Maura a reprovou com o olhar.

‘Não, eu quero dizer de casa, Jane. Não me agrada o fato de que teu pai pode entrar lá quando bem desejar e, além disso, eu quero recomeçar. Colocar tudo para trás.’

A detetive e Maura trocaram um olhar, depois encararam Angela.

‘Parece promissor.’ A loira mais nova disse, oferecendo um sorriso educado e parecendo empolgada com a idéia. Diferente de Jane.

‘E o que você vai fazer, mãe? Você precisa de um trabalho para se sustentar, você sabe. Pagar aluguel e tudo mais.’

‘Não é como se eu já não trabalhasse, Jane!’ A mais velha rebateu enquanto colocava a forma de lasanha na mesa. ‘Eu posso me bancar sozinha.’ Um olhar afiado foi suficiente para alertar a filha a não rebatê-la.

A morena suspirou fundo, se ocupou em servir uma taça de vinho para Maura. A mulher já tinha se sentado à mesa e quando Jane entregou-lhe a bebida, acariciou também suas costas. Com Angela, o assunto estava encerrado.

Ou quase.

Maura bebericou o vinho e depois de considerar a questão, inclinou-se levemente para a mais velha. ‘Eu tenho uma casa de hóspedes que está sempre vazia, você sabe. Eu ficaria feliz em ter sua companhia todos os dias.’

As reações foram opostas e gritantes. Por um lado, Angela pareceu se iluminar, um sorriso de gratidão cortou seu rosto, os olhos brilharam. De outro lado, Jane fechou a cara e fez um bico, lançando um olhar mortal para Maura.

‘Oh, Maura. Você tem certeza?’ A mulher levou as mãos ao peito. ‘Eu não quero impor nada.’

Jane queria gritar que não, porque ela não precisava da presença mãe ao redor de si por mais duas horas adicionais que fosse. Só que, em vez de protestar, ela observou o jeito como Maura respirava lenta e profundamente, como se esperando com expectativa pela resposta da outra. A morena conhecia aquele olhar, e sabia que a loira ficaria destruída por dentro se Angela recusasse a oferta.

‘Mãe, se ela está te convidando...’ Ela deu de ombros. ‘Quer dizer, se ela acha que pode te suportar o tempo todo ao redor.’

‘Jane!’ As duas castigaram a morena num coro só.

‘Bem...’ Angela suspirou. ‘Eu vou precisar de um tempo para me organizar.’ Ela respondeu por fim.

‘Tome o tempo que quiser.’ Maura disse educadamente, oferecendo um sorriso educado.

‘Agora, nós podemos comer essa bomba de calorias?’ Jane disse, apontando uma mão para a lasanha. Maura riu levemente, Angela a acertou em cheio com o guardanapo.

‘Mais um pio sobre minha comida e você vai dormir de estômago vazio essa noite, Jane!’

Se ela tivessem começado a comer quinze minutos mais tarde, era exatamente isso que aconteceria. A detetive estava prestes a agarrar a sobremesa quando o celular tocou.

‘Não! Não durante o jantar.’ Angela a castigou, mas Jane se afastou da mesa com um dedo levantado, pedindo silêncio. Atendeu a ligação e ouviu as instruções já lançando um pedido de desculpas para Maura.

‘Eu preciso mesmo ir. Me acompanha até a porta?’ Ela disse para a loira.

Com um balançar de cabeça ela se levantou, cruzou a sala com a mulher e saiu com ela até a varanda, deixando Angela na espera.

‘Me desculpa, eu preciso dar uma ajuda para Kendra. Ela não pediria se não fosse urgente.’ Jane disse, segurando a cintura da outra.

‘Eu entendo.’ Maura afirmou, acariciando seus braços. ‘Desde que você volte para mim ainda hoje. Eu já não sei dormir mais nessa casa sozinha.’ Ela se inclinou para frente e beijou carinhosamente os lábios de Jane.

‘Bem, qualquer coisa, minha mãe tá aí. Já que você parece gostar tanto da companhia dela.’ Ela provocou e riu em seguida quando Maura revirou os olhos em falsa irritação. ‘Sério, Maura. Você não precisava oferecer.’ Ela disse, mas o tom de gratidão e admiração contrariavam as palavras.

‘Ela é sua mãe. Eu quero retribuir o bem que vocês me fazem.’ Ela disse daquele jeito doce de sempre, e Jane não teve o coração de discordar.

‘Você é a pessoa mais generosa que eu conheço.’ A detetive a colocou num abraço, segurando seu corpo delicado por vários segundos. O vento frio soprava sutilmente do lado de fora, logo a sensação de dormência começava a espalhar pela pele do rosto. Jane beijou sua bochecha e depois seus lábios. ‘Ok. Eu preciso ir agora. Vou tentar voltar lá pelas onze. Você vai ficar bem?’

A outra abriu um sorriso não muito convincente e balançou a cabeça. ‘Eu vou. Te vejo onze horas.’ Maura pontuou. Um último beijo em seu rosto e ela assistiu Jane caminhar até o carro, daquele jeito que quem visse saberia imediatamente que ela poderia causar problemas. Ou resolvê-los imediatamente. Essa era sua marca registrada. As vezes, Jane era furacão. As vezes, ela era o vento que fazia as folhas caídas na rua rolarem e farfalharem numa melodia gostosa. Dos dois jeitos, Maura gostava de vê-la se mexer.

De volta dentro de casa, Angela tinha se movido para o lado de seu assento. Com um sorriso, elas se juntaram para a sobremesa e comeram em silêncio – para o espanto da mais nova – pela maior parte do tempo.

Embora Maura ainda matinha aquele sorriso delicado nos lábios, Angela sabia que a ausência de Jane na parte da noite era difícil para a outra, principalmente naquela casa tão grande. E era exatamente por isso que Maura passava a maior parte da semana na casa da morena. Em casos de emergências noturnas, ela não se sentiria tão sozinha num lugar menor.

‘Ela disse que volta por volta das onze.’ A loira ofereceu como se Angela, por empatia, também pudesse notar a falta que sentia e ansiar pelo retorno em conjunto.

Com um sorriso quase triste – Angela sabia tão bem que em certos casos a morena nem sequer voltaria para casa – ela apertou a mão da outra e meneou a cabeça. ‘Nós podemos assistir algo nesse meio tempo, o que você acha?’

Maura estudou a mesa com um olhar, depois olhou para Angela. ‘Podemos limpar primeiro?’

‘Definitivamente.’ A mais velha respondeu, batendo de leve em sua mão.

Num ritual quase combinado, Maura passava as louças para Angela enquanto a mulher se encarregava de colocá-las na lava-louças.

‘Jane comentou que você não se decidiu sobre depor na corte ou não.’ Ela adicionou na conversa como se não fosse algo tão importante, mas logo percebeu que Maura se tensionou imediatamente.

‘Eu não tenho pensado muito sobre isso.’ Ela disse com o mesmo descompromisso, apesar de sua expressão corporal entregar desconforto.

‘Maura.’ Angela abaixou e depositou o guardanapo em cima da mesa, colocou as mãos na cintura de um jeito que dizia eu estou ponderando algo. Quando encontrou as palavras que estava procurando, alcançou a mão da mais nova e a segurou com carinho. ‘Eu não vou dizer o que você deve fazer. A decisão é completamente tua. Eu só quero ter certeza de que você entenda uma coisa.’

A loira piscou os olhos para ela, um tanto assustada por quão direta Angela estava sendo, outro tanto curiosa.

‘Eu gosto de pensar na minha família como uma rede, como uma de pescador, se fica mais fácil imaginar. Nós estamos ligados e entrelaçados, e é desse modo que funcionamos. Às vezes nós somos jogados ao mar e apanhamos uma carga maior do que podemos carregar, mas porque cada um é um cordão e porque nós estamos todos entrelaçados, são nossas forças combinadas que acabam por vencer esse desafio. Você entende?’

Maura balançou a cabeça em sim para ela, apertou sua mão com gentileza. ‘Eu entendo a metáfora; trabalho em equipe. No que devo aplicar?’ Ela inclinou a cabeça para o lado, como sempre fazia quando não entendia ou estava confusa com algo.

Angela riu divertida com a expressão e ingenuidade quase infantil da outra. ‘Quando eu te vi pela primeira vez, você era tão tímida e quieta, Maura. Era um pouco difícil de saber quem você era. Mas, então, com o passar do tempo você foi se sentindo mais à vontade e se mostrando, fazendo parte da nossa rotina, da nossa vida. É tão fácil gostar de você, sabia? Você nem precisa se esforçar.’

A mais nova abaixou a cabeça com um sorriso, as bochechas coradas. ‘Angela, qual era mesmo o objetivo da metáfora?’ Ela desviou do assunto.

Uma risada contida ressoou da garganta da mais velha. ‘Eu estava prestes a dizer. Nós amamos você, Maura. Você não é um fardo, você é parte da nossa rede, querida.’

Angela não esperava que Maura fosse se abrir. Ela estava pronta, simplesmente, para receber um agradecimento e logo em seguida embarcar em outro assunto. Ela sabia que era assim que a loira funcionava. Ela era reservada; não fria, mas um tanto quanto distante das pessoas. A mais velha entendia também que aquela era sua forma de autopreservação, manter-se afastada emocionalmente quando a situação era delicada. Foi por isso que ela sentiu a própria garganta apertar quando viu a batalha que Maura lutava agora. A mulher desviou os olhos – já cheios de lágrimas – abraçou o próprio corpo a fim de manter-se controlada. Lançou um olhar para Angela e mordeu o lábio inferior ao mesmo tempo que suspirou. Ela esperou para que a mais nova pudesse se recompor e quando ela pareceu melhor, Angela tentou confortá-la.

‘Eu entendo o quão isso pode ser difícil, Maura. Mas você não esta sozinha.’ Ela tocou-lhe o braço com carinho e esse último gesto desmanchou o pouco controle sobre as emoções que Maura tinha. Lágrimas escorreram pelo rosto e quando Angela a colocou num abraço, ela nem mesmo resistiu. O corpo magro e pequeno se encolheu contra o seu, e Angela jurou para si mesma que da próxima vez que Jane trouxesse alguém na mesma condição de que Maura para dentro da casa, trabalho ou não, ela castigaria a filha.

Angela não sabia se podia fazer isso mais uma vez. Com Jane e Hoyt não tinha sido diferente. Assistir a recuperação física da filha lhe causava uma dor intensa; toda vez que Jane tentava fechar as mãos e chorava de dor – e frustração – Angela fazia o mesmo, às escondidas, é claro. Jane não tinha sido fácil de lidar. Ela gritava quando estava mais frustrada do que o normal, negava tratamento adequado, recusava ajuda para se alimentar – como ela poderia fazer por si só com as duas mãos enfaixadas? Banho era a batalha mais difícil. Jane era orgulhosa e mesmo em estado crítico, não queria parecer vulnerável. Quando a detetive finalmente se recuperou e voltou ao trabalho regular, Angela passou quase um mês sem dormir direito por causa dos fantasmas que viam lhe assombrar durante a noite, dizendo que talvez Jane não voltasse viva daquela vez. Nesse tempo, ela envelheceu uns cinco anos; resultado da energia que ela gastou consigo e com a própria recuperação da filha.

E agora, Maura. Tão delicada e doce. Que tipo de pessoa poderia machucar outra tão cruelmenteera a questão que Angela se perguntava todo dia. Era algo que a enfurecia – a maldade dos outros - e que a fazia querer esfolar o sujeito que cometera esse pecado imperdoável. Por um lado, ela entendia a sede de justiça de Jane. Por outro, ela só queria encontrar uma solução para fazer a mais nova se sentir segura e feliz de novo. Mas não era só isso. Um outro fator a incomodava terrivelmente: a negligência dos pais da mulher. Ao mesmo tempo em que eles pareciam se importar, Angela tinha a sensação de que visitar a filha tinha sido apenas uma mera formalidade. Afinal, era ela quem estava agora segurando Maura em seus braços, acariciando círculos em suas costas como fazia quando Jane era pequena e, raramente, chorava. Não importava à Angela nenhum pouco quanto de dinheiro aquela família tinha; o que ela valorizava era como os membros se tratavam entre si. E, como já tinha entendido, eles tinham sido reprovados miseravelmente nas categorias que ela estabelecera indispensáveis: presença, apoio, amor. Ela jamais negaria isso para os próprios filhos, não lhe importava quão velhos eles fossem – e não negaria para Maura também. Ela engoliu o desgosto em relação aos pais da mulher, ignorou o aperto no coração e focou na responsabilidade que tinha agora em seus braços.

‘Eu sinto muito, eu não sei porque me sinto assim ultimamente.’ A mulher mais nova disse, tentado agora – e só agora – se afastar.

Angela arfou indignada e apertou seu braço em volta dela. ‘Oras! Nós sabemos muito bem a razão, Maura.’

Ela se rendeu. Depositou a cabeça no ombro de Angela e pareceu aceitar aquela forma de carinho. ‘É um tanto estranho ter tanta gente em volta de mim. Eu digo da melhor maneira possível.’ Ela disse com a voz carregada.

As palavras pareceram queimar a pele de Angela; um comentário sutil sobre a vida solitária de antes de Maura.

‘Eu não entendo como tua família funciona, eu mal conheço essa parte da tua vida, Maura. Mas me escuta. A partir do momento que você defendeu o caráter de Jane quando Frank a atacou, você se tornou família. Não só por isso, é claro. Você deve ser a pessoa mais bondosa que eu conheço. Por entre tantas outras coisas que eu posso citar depois, eu me sinto encarregada de cuidar de você e do seu bem-estar – porque eu amo você, e não porque você é uma obrigação. Mantenha isso em mente.’

Os braços da mais nova se apertaram ao redor de seu corpo, mas ela não disse nada. Continuou ali, aninhada, e Angela até mesmo se apoiou contra a mesa quando percebeu que ficariam naquela posição por um bom tempo – ela não se importava com o abraço, mas sua coluna não era a mesma. Apoio, ela se deu conta. Era isso que Maura precisava sentir. Ainda durante aquela semana ela reuniria Frankie e Tommy e ter uma conversa em particular com Jane; um pouco mais de presença da parte de cada um deveria fazê-la se sentir mais segura, querida.

‘Angela?’ A voz de Maura tirou-a de seus pensamentos.

‘Sim, querida?’

‘Você poderia considerar seriamente a oferta que eu te fiz, sobre vir morar aqui, eu quero dizer.’ Aquelas palavras com um pedido de urgência tão grande.

Como Angela negaria suprir tal necessidade?

‘Eu já me decidi, Maura.’ Ela acariciou as costas da outra e beijou sua cabeça. ‘Eu ficaria muito feliz em passar mais tempo com você.’

As palavras causaram um efeito tão positivo em Maura que ela se afastou, olhou Angela nos olhos – um tanto quanto embasbacada, como se aquela resposta a tivesse pego de surpresa – e meneou a cabeça lentamente. ‘Eu também.’ Ela murmurou.

‘Perfeito.’ Angela concluiu e abriu um sorriso. ‘Nós ainda temos a chance de ver algo antes que Jane chegue. Vá colocar um pijama, jogar uma água no rosto. Eu termino tudo aqui.’

Maura concordou com a cabeça, mas antes de se retirar segurou a mão da mulher e apertou gentilmente. ‘Angela, obrigada.’ Ela agradeceu com tamanha sinceridade. A outra beijou sua testa e lhe deu um último abraço. ‘Você é família. Não há pelo que agradecer.’ Ela apontou com o dedo o corredor, daquele mesmo modo espontâneo que fazia com Jane. ‘Agora vá se trocar, eu quero assistir uma comédia romântica!’ Ela declarou, arrancando uma risada leve da outra.

Vê-la caminhando dentro daquela casa imensa era algo que por vezes partia seu coração. Um lugar tão grande, cheio de solidão. Bem, não mais. Naquela noite Angela faria aquilo que era melhor: bancaria a mãe de Maura. Algo dentro dela – instinto – gritava que era aquilo que a loira mais precisava no momento. O que um ser humano machucado precisa para se curar, afinal de contas, senão amor? E por causa dessa sua crença, naquela noite ela ajudaria Maura a cicatrizar algumas feridas, algumas bem fundas.


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