- escrita por Blue Butterfly


Capítulo 34
Trinta e quatro




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Assistir as baleias pulando sobre a água tinha sido a melhor surpresa que Jane tinha planejado para ela até agora. Exceto pela parte de que ambas tinham esquecido de passar protetor solar. Jane, morena, tinha apenas pegado um leve bronzeado no rosto, já Maura... Bem, tudo o que ela podia dizer era que suas bochechas estavam ardendo. Terrivelmente. Ela nem se importava, entretanto. Elas tinham caminhado de volta para o hotel e agora as duas estavam deitadas na cama, Maura com sua bochecha pressionada contra o peito da detetive que dormia profundamente. As duas tinham concordado em descansar um pouco antes de se encontrarem com Yori, o detetive que iria entregar os arquivos para Jane.

Maura, porém, não conseguia sequer fechar os olhos. Seus dedos pressionavam carinhosamente contra a pele da outra, cada curvinha das costelas fazendo o percurso para cima e para baixo, conforme ela descia e subia a mão. Ela repassava cada momento das horas anteriores na praia e na lancha com Jane. Eles tinham sido silenciosos na maior parte, as vezes acompanhados por risadas divertidas enquanto as baleias pulavam sobre as águas. Só algo no canto de sua mente não parava de cutucar. Aquele único pensamento que ela tentava a todo custo manter sob cantos escuros e empoeirados, tentava escapar, se fazer notar.

Agora que não tinha absolutamente nada para lhe distrair, Maura estava achando bem difícil evitá-lo. Ela sabia, do fundo do seu coração, que Jane tinha trazido o assunto da corte por uma única razão: iria acontecer logo. Sua pele pinicava toda vez que ela imaginava a sala onde ela teria que sentar, se expor. Depor. Ela construíra em sua mente toda a cena, se perguntava qual dos juízes se sentariam na cadeira - Maura conhecia, pela televisão, dois ou três deles - conseguia ver os rostos das pessoas que constituiam o juri popular, as expressões de horror, desgosto, raiva, pena... Dela.

Angustiada, ela se sentou na cama e esfregou os olhos como se o gesto pudesse fazer os pensamentos desaparecerem gradualmente junto com a massagem. Ela conferiu o relógio em seu pulso - 6:17 - e achou que Jane não acharia ruim se fosse acordada treze minutos antes do combinado. Maura já não queria ter que suportar os próprios pensamentos. Ela preferia lidar com outros assuntos. Se inclinou para a morena e beijou sua bochecha demoradamente. Jane não era a pessoa mais feliz da face da terra quando acordava, então Maura sabia que lentamente, do jeito que estava fazendo, era a melhor forma de fazê-lo.

'Jane, você precisa acordar.' Ela sussurrou e acariciou o rosto dela com os dedos. A morena se remexeu e num gesto preguiçoso abraçou a cintura de Maura e a puxou para si.

'Cedo.' Ela murmurou.

Maura riu divertida e balançou a cabeça. 'Não é cedo se você quiser se encontrar com Yori.' Ela beijou de novo a bochecha da morena, depois o pescoço, sentindo o cheiro fraco de lavanda invadir seu nariz.

Às vezes tudo o que Maura queria era ficar assim, abraçada com Jane durante o dia todo, rindo das bobagens que ela falava, das provocações inocentes que fazia. Mas a vida continuava acontecendo e logo elas teriam que sair do conforto da cama para se encontrarem com o colega de trabalho da morena.

'Hmmmm.' A morena resmungou, esfregou os olhos com uma mão e finalmente olhou para Maura. 'Eu sonhei que era um pirata e eu tava bebendo rum. Acho que eu deveria ser um pirata, não parece atraente?'

A loira riu levemente, balançando a cabeça em negativo. 'Sinto em dizer, Jane, mas até onde eu sei, mulheres a bordo de um navio eram vistas como mau presságio.'

A morena estalou a língua, suspirou. 'Se eu não posso ser um pirata, então, ao menos posso ficar com o rum?'

Maura riu alto dessa vez, o sorriso perdurando nos lábios. Ela deitou-se sobre Jane apoiando o peso do seu corpo com os cotovelos, e beijou-a nos lábios. 'Por favor, não comece com as piadas sobre piratas.' Ela assistiu, estupefata, enquanto Jane abria aquele sorriso que entregava sua desobediência.

'O que o pirata disse para sua tribulação enquanto o navio afundava?'

Maura revirou os olhos, chacoalhou a cabeça. 'Você sabe que eu sou péssima com piadas.'

'Nada!' Jane entregou.

A mulher olhou para ela, primeiro desacreditada, depois sua risada foi crescendo gradativa e lentamente até se transformar em uma gargalhada, só que em certo ponto ela não sabia se estava rindo da piada ou da risada de Jane. Uma crise de riso tinha nascido daquilo. Um minuto depois e completamente sem ar, Maura limpou os olhos molhados com a mão.

'Essa foi a pior piada de todas, Jane.' Ela se jogou na cama, ao lado da outra.

'Você tem que admitir que o trocadilho foi bom.' A detetive disse, se levantando. 'Eu vou escovar meus dentes e já volto para você.'

Ela meneou a cabeça e esperou, então. Logo Jane estava lá de volta, e dessa vez era ela quem estava com o corpo pressinado sobre o seu. Ela gostava daquela sensação, era como ser amparada, era como se estivesse à deriva no meio do mar e, de repente, encontrar seu norte. Ela abraçou a cintura de Jane, sorriu para ela. Havia tantas coisas que as duas dividiam, mas os sorrisos, esses em cumplicidade trocados entre pausas silenciosas de uma conversa... Esses eram o que fazia o coração de Maura pular uma batida. Engraçado, era nesses também que ela se sentia mais viva.

'O que foi?' Jane perguntou para ela com um sorriso de canto, sua marca assinada.

Maura franziu os lábios num bico, em pensamento. 'É só que eu ainda tento entender como tudo aconteceu tão rápido, com uma discrepância tão grande.' Ela ter sido sequestrada e ter encontrado Jane em seguida. Os dois pontos que gritavam diferença; dois pólos tão distantes um do outro. Quase duas vidas diferentes. Era isso que ela queria dizer, entretanto não precisou verbalizar tudo. Jane entendia.

'A vida... As coisas acontecem de jeitos misteriosos.' Ela disse, apenas.

'Eu não acredito em destino.' Maura devolveu, depois completou. 'Se eu acreditasse, talvez, seria mais fácil.'

Jane franziu o cenho e balançou a cabeça. 'Ninguém planejaria um destino tão... cruel para uma pessoa, Maura.' Ela beijou carinhosamente os lábios da loira. 'Merdas acontecem. E coisas boas também.'

Ela concorcou com a cabeça, os dedos delicados apertando nas costas da outra. 'Minha vida era diferente, você sabe. Eu nunca tive isso que tenho com você.'

A morena sorriu para ela, beijou seus lábios e depois de falar, sua testa. 'É porque você mudou. E, ei, pensar demais sobre isso enlouquece. Além do mais, você soa como se precisasse de rum.' Jane piscou para ela; a loira riu.

'Nós ainda temos alguns minutos extras, vamos aproveitá-los ao máximo.' Maura acrescentou, ainda rindo um pouquinho.

Quinze minutos mais tarde - elas tinham chegado naquela fase do relacionamento que era difícil tirar as mãos uma da outra, mas não é como se elas se importassem, de qualquer forma - e elas saíram finalmente da cama e se arrumaram.

O pub ficava apenas a dez minutos de distância do hotel, logo, elas conseguiram chegar bem a tempo. Assim como Maura esperava, Yori era um japones mais velho e mais sorridente do que Jane. Ele parecia simpático e descontraído, e ela se perguntou se ele estava na profissão certa - ele daria, sem dúvidas, um belo apresentador de TV. Eles se sentaram em uma mesa afastada da parte central do restaurantes, o que dava à eles certa privacidade.

Maura muito rápido entendeu que além de uma reunião de trabalho, aquela era também um reencontro entre dois amigos. Yori tinha ido para a academia com Jane, eles tinham treinado juntos e começado a trabalhar para a BPD na mesma divisão, só que dois anos depois Yori se casou e pediu a transferência para Provincetown. Jane disse para Maura, mais tarde, que a mulher dele era médica e, logo, rica. Depois das apresentações, da curta história sobre como se conheceram, os dois partiram para assuntos do trabalho. Ele entregou para Jane dois envelopes contendo relatórios sobre o caso e fotos de evidências. Jane abriu rapidamente mas não tirou o conteúdo. Ela apontou para o terceiro e ele continuou.

'Bem, essas são as fotos da cena do crime. Quer dizer, nós não temos provas para condená-lo, mas ainda acho que foi o namorado.' Ele entregou bateu a mão em cima do envelope e balançou a cabeça. 'Mas veja isso depois, é uma noite de domingo e isso chama por cerveja!' Ele exclamou, abriu um sorriso e colocou o envelope ao seu lado, no banco. 'Você é detetive também, Maura?'

A loira balançou a cabeça, sorrindo. 'Não. Eu costumava ser a chefe do Hospital Geral de Boston.'

Ele abriu bem os olhos, espantado, e encarou Jane. 'Você não disse que sua namorada era esperta desse jeito.'

'E o crédito é todo dela.' Jane disse, apertando a mão de Maura por baixo da mesa. Maura sentiu as bochechas arderem e dessa vez ela sabia que não era por causa do sol.

'É só um trabalho como qualquer outro. Ser responsável por processos, documentos, contratações e tudo que vem com esse cargo não parece nenhum pouco atrativo nem empolgante como o trabalho de vocês.' Ela disse.

'Ela é humilde.' Jane revirou os olhos.

'Então Jane tem falado de mim?' Ela cortou a morena, antes que aquela timidez repentina a fizesse se enfiar de baixo da mesa.

'Ah, você sabe, ela mencionou que viria com você, que você era bem bonita e tudo mais. E o que mais? Ah é, que ela tá tá caidinha por você.' Yori provocou, e dessa vez foi Jane quem sentiu as bochechas corarem.

'Ele pode ter re-fraseado uma coisa ou outra.' Ela adicionou em baixa voz, fazendo Maura rir. E o resto da noite tinha sido tão leve e agradável como Maura esperava. Em nenhum momento Yori deu a entender que ele sabia o que tinha acontecido com ela - talvez nem soubesse mesmo - o que a deixou bem confortável porque, é claro, era um assunto que ela queria evitar. Jane tinha bebido apenas uma cerveja - porque estava dirigindo - e Maura apenas uma taça de vinho branco. Em torno das nove horas, as duas se despediram de Yori. Elas teriam que acordar cedo pela manhã para voltarem para Boston e Jane, na tarde do dia seguinte, teria que trabalhar. Logo, as duas teriam que dormir cedo.

Para Maura que, diferente da morena, não tinha dormido bem a noite e tão pouco na parte da tarde, fora um alívio chegar no hotel e deitar-se na cama. Ela se sentia cansada apesar de se sentir bem ao mesmo tempo. Ela estava prestes a se convencer de levantar e colocar o pijama quando ouviu Jane reclamando de algo.

'O que aconteceu?' Ela perguntou, sem muita coragem de sequer erguer a cabeça para olhar para a morena.

'Esqueci um dos envelopes com Yori!' Ela exclamou, correndo a mão pelo cabelo. 'Você se importa se eu voltar lá? É melhor agora do que amanhã cedo.'

Maura deu de ombros. 'Tudo bem.'

'Eu prometo que é rápido.' Ela se inclinou e beijou os lábios de Maura. 'É uma vizinhança segura, mas tranque a porta, ok?'

'Ok.' Maura disse, sentando-se na cama agora. E no estilo Jane Rizzoli, a morena saiu tão rapida e determinadamente dali.

Como orientada, Maura trancou a porta. Ela massageou o rosto, sentindo o cansaço do dia nos músculos doloridos. Agora ela teria que esperar no mínimo vinte minutos até que Jane estivesse de volta, e só assim poderia finalmente deitar-se para dormir. Afim de distrair-se e com certo tempo para matar, ela sentou-se na beira da cama depois de alcançar alguns livros. Leu a contracapa de um, depois de outro, e já estava no quarto livro quando ouviu uma batida na porta. Ela franziu o cenho ao erguer a cabeça. Aquela não poderia ser Jane, a morena tinha saído havia apenas cinco minutos, talvez nem isso. Ela se levantou e silenciosamente caminhou até a porta, estudou o visitante desconhecido pelo olho-mágico.

Oh, era Yori. Ela mordeu o lábio inferior e olhou ao redor. Ela estava sozinha, mais uma vez, em um quarto que não era seu e, bem ali, do outro lado da porta tinha um homem que ela mal conhecia, que não sabia se poderia realmente confiar. Ela sabia, entretanto, que tinha que recebê-lo. Ele provavelmente carregava consigo o que Jane tinha esquecido no pub. Com as mãos trêmulas, ela respirou fundo e abriu a porta, se sentindo tão exposta como nunca.

'Olá, Yori.' Ela forçou um sorriso. O vento frio entrou no quarto sem pedir licença. Seria educado convidá-lo para entrar, ainda mais considerando o frio, mas ao mesmo tempo ela não queria estar em um ambiente fechado com um desconhecido.

'Oi, Maura. Eu só passei para entregar isso aqui.' Ele mostrou e entregou o envelope nas mãos dela. 'Jane esqueceu lá. Eu tentei ligar para ela, só que ela não atendeu.' Ele disse com naturalidade, como se sentisse confortável na presença dela, como se já considerasse que ela fosse uma amiga.

'Oh.' Ela piscou os olhos rapidamente. 'Obrigada. Ela acabou de sair daqui para tentar encontrar você lá.'

Ele colocou as mãos no bolso do casaco e franziu o cenho. 'Maura, você tá bem? Pode ser só a luz, mas você parece pálida.'

Ela dispensou a preocupação com um aceno de mão. 'Eu só estou cansada, você sabe, foi um longo dia.'

Ele a analisou por um momento, decidindo se acreditava nela ou não. Por fim, ele pareceu aceitar a declaração que era parcialmente verdadeira. 'Bem, eu preciso ir, de qualquer jeito. Boa noite, Maura.'

'Boa noite, Yori. E obrigada mais uma vez.' Ele sorriu e acenou um adeus com a mão, e quando Maura fechou a porta atrás de si e pensou que sentira alívio ao estar finalmente sozinha, ela se sentiu confinada dentro daquelas quatro paredes. Ela odiava aquela sensação, aquele antigo medo. Mas como ela poderia se livrar dele considerando de onde ele vinha? Frustrada, ela jogou o envelope em cima da cama e esfregou os olhos, sentando-se também. Ela respirou fundo algumas vezes para se recompor, achando que quanto menos pensasse naquilo, melhor lhe faria. Ela usaria os livros para sua distração. Bem, era isso que ela planejara, só que quando pegou aquele mesmo que abandonara minutos atrás, seus olhos pairaram sobre o envelope. Dirigida pela curiosidade, ela o alcançou e retirou o conteúdo de dentro. Fotos. Fotos de uma cena de crime. Era sabia exatamente que era isso que encontraria lá, mas mesmo assim não se censurou e continuou olhando as imagens.

Elas não eram assim tão ruim, se ela fosse ver bem. Tirando o fato de que havia uma mulher morta ali, a cena não era tão grosseira e repugnante como ela pensou que seria. Não havia sangue. Não haviam cortes e nem entradas de bala ou objetos afiados em sua pele. Na verdade, não havia nada que Maura pudesse identificar como sendo a causa da morte. O que tinha acontecido com aquela mulher, afinal de contas? Quem havia encontrado o corpo dela e a pessoa que a encontrara sabia dizer apenas com uma primeira olhada de que já não havia vida ali?

A pele branca da mulher, o cabelo preto caído e esparramado sutilmente no chão. Até mesmo a posição que seu corpo se colocava parecia tão natural, nada mórbido. Se Maura não soubesse que aquelas fotos em particular foram tiradas por conta de uma morte suspeita, ela poderia dizer que aquela mulher estava apenas dormindo pacificamente. Nenhum horror gritava daquela imagem, não havia nada macabro ali. O que seria diferente se tivessem encontrado o corpo dela e de Kimberly. Se fossem o corpo delas nas fotos... Oh, sim. Elas dariam pesadelos para quem quer que olhasse para elas.

Irritada consigo mesma, com o tipo de pensamento que lhe ocorrera, ela guardou as fotos dentro do envelope e jogou-o em cima da cama novamente. Aquilo tinha que parar; aquela aversão ao que acontecera com ela, aquela ansiedade e confusão em sua cabeça, as imagens que vez ou outra cruzavam sua cabeça como memórias que insistiam em se fazerem lembradas. Tudo aquilo estava se acumulando e, como a cereja no bolo, fora acrescentado o dia que ela teria que ir na corte. E então seria narrar todo o mal que ele tinha causado à ela; os gritos e a raiva que ela sentira, a resistência que quase tinha se esgotado junto com sua força.

Mais do que nunca, ela precisava de ar. Sem pensar nas consequências, ela abriu a porta e caminhou de encontro com o oceano, descalça mesmo. A princípio ela não queria se afastar tanto, mas o som das ondas se quebraram à sua frente era hipnotizador e ajudava a clarear sua mente. Andando lentamente, os pés se enterrando parcialmente na areia, ela não se deu conta do quanto já tinha se afastado do hotel, das luzes. Andar de encontro com a escuridão era estranhamente tentador. Ela se sentia livre, quase em paz, o frio era só um pequeno desconforto que ela conseguia ignorar.

Ela não ponderou se seria seguro estar ali.

Ela não questionou sua segurança e reflexo quando fechou os olhos e respirou o cheiro trazido pelo mar, uma mistura de água salgada e cheiro fraco de peixe.

Quando abraçou seu corpo, ela nem sequer pensou que naquela posição, se fosse atacada, seria um alvo tão fácil de ser jogado ao chão.

Ela ignorou o resto do mundo por longos segundos, ouvindo apenas as ondas se quebrando perto dela, a fúria do mar de encontro com a terra. E apenas depois, muito tempo, pelo que pareceu, a voz de Jane gritando ao longe.

'Maura!' Ela exclamou. A loira finalmente abriu os olhos e se virou. Só então ela percebeu o quão longe estava da área segura do hotel. 'O que diabos você estava pensando?' Jane quase gritava ao andar em sua direção.

Maura não entendeu porque a outra parecia tão aflita. Não é como se ela tivesse fugido dela. 'Eu só precisava de ar.' Ela respondeu Jane no mesmo tom de voz, se sentindo irritada de novo por ter sido retirada da paz que encontrara ali.

'Que tal na varanda do hotel, Maura? Você tinha que vir tão longe?' Agora elas estavam frente a frente, Jane arfava e a sua postura corporal entregava o quão irritada ela estava.

'Você disse que era seguro!' Ela exclamou, abraçando o corpo. 'Qual é o problema?'

Jane arfou, dessa vez indignada. Ela jogou as mãos para cima, deixando-as cair ao lado do corpo. 'O problema? Yori me liga para dizer que deixou os documentos com você, e ele também mencionou que você não parecia bem. E aí quando eu chego no hotel você não está lá; seu celular em cima da cama. Eu fiquei apavorada, Maura!' Ela disse ainda em voz alta, mas falhando no final.

Oh. A loira piscou os olhos e abriu a boca em surpresa. Jane estava mais preocupada do que irritada, ela concluiu. Ela se sentiu mal por causar tamanho estresse na morena, e abaixou a cabeça sem saber o que dizer. Ela não fizera por mal, afinal.

'Você viu as fotos?' A detetive colocou as mãos na cintura, a voz regulada agora.

Maura estalou os olhos e quase recuou. Culpada, quase pega no ato, ela confirmou o crime com a cabeça. 'Como você sabe?' Sua voz tinha sido um murmúrio.

Os lábios de Jane se curvaram para cima ligeiramente, como se fosse rir, mas no fim ela revirou os olhos e fez um barulho com a boca. 'Eu não sabia, mas você acabou de confirmar.' Ela tirou o casaco que estava vestindo e passou por cima dos ombros de Maura. 'É por isso que você está aqui? Maura, você sabe que não poderia ter visto aquilo.'

'Não.' Ela murmurou, aceitando o casaco e abraçando o corpo agora envolvido por ele. 'Eu só queria ar fresco.' Não era exatamente verdade, mas não era também uma mentira.

Jane esfregou os olhos e suspirou. 'Ok, vamos entrar. Tá frio para caramba aqui fora. Você vai direto para o chuveiro.' Ela disse quando passou o braço em torno do corpo da mulher.

Elas caminharam de volta para o quarto e tão logo Jane entrou, se apressou para o banheiro e ligou o chuveiro. A água gelada foi aos poucos se transformando em quente. Maura tirou o casaco e o colocou em cima da cama. Ela queria se desculpar, mas não sabia como. Ela queria dizer que nem sequer considerara a possibilidade de que Jane assumiria o pior e ficaria desesperada quando não a encontrasse lá no quarto. A verdade, também, é que ela se sentia magoada e incompreendida por Jane, pelo simples fato de que a morena tinha gritado com ela - ainda que o desespero justificasse tal atitude. Por trás disso tudo, Maura sabia também, ela só se sentia assim porque seu lado emocional estava mais abalado do que nunca. Havia tantas coisas em sua cabeça agora. Ela sentiu os olhos marejarem e apertou a palma da mão sobre eles. Por mais ridículo e infantil que parecesse, ela queria sua mãe. Certo, talvez não Constance, mas quem sabe Angela? Angela serviria.

'Maur.' Jane começou, baixinho.

Ela respirou fundo e se virou. A morena estava mais perto do que ela imaginava.

'Você quer me contar o que aconteceu?' Ela acariciou os braços dela, e era tão fácil perder o controle quando Jane a olhava assim.

'Não foi nada.' Ela mordeu o lábio inferior e deu de ombros. Ela não queria realmente conversar, e era sábia o suficiente para saber como evitar. 'O que aconteceu com ela? Eu sei que eu não deveria ter olhado, mas já olhei. O que aconteceu?'

Jane ergueu as sobrancelhas como se alertando-a de que aquele assunto estava acabado. Entretanto, não muito depois ela estalou a língua e suspirou. 'Tome um banho primeiro para se esquentar, depois nós conversamos sobre isso.' Ela beijou sua testa.

Maura ficou perplexa, um tanto desconfiada. 'Você vai mesmo discutir um caso da homicídios comigo?' Ela tinha usado a pergunta apenas para divergir do assunto anterior, mas ela não podia negar a curiosidade sobre o ocorrido também.

'Bem, se esse assunto mórbido te interessa...' Jane encolheu os ombros, estudou-a com um sorriso curioso no rosto.

Maura franziu o cenho como se ponderando as palavras de Jane e depois concordou com a cabeça. A detetive tinha razão, era um assunto mórbido e Maura definitivamente estava interessada no percurso e achados daquela investigação. 'Depois do banho?' Ela perguntou, ainda testando Jane.

'Isso, mas apenas porque eu confio em você.' Ela alertou a loira.

Maura ergueu as sobrancelhas e concordou com a cabeça. Ela não sabia se aquela futura discussão iria lhe fazer bem ou mal, mas era bom ter algo mais no que se concentrar do que em si mesma, nas suas próprias dores. Ela entrou no banheiro, ficou em baixo da água quente o suficiente para sentir seu corpo aquecido de novo, os dedos se livrando da sensação dormente, os lábios, o mesmo. Ela se enrolou na toalha, secou-se, vestiu seu pijama. Quando abriu a porta para o quarto, Jane estava sentada na cama, os envelolpes ao seu lado. Ela bateu a mão sobre a coberta, indicando que Maura se sentasse ali.

Ela obedeceu.

Ela ainda não sabia, mas a partir daquela noite, quando Jane espalhou as fotos e leu as partes principais dos relatórios em voz alta, ambas passariam a dividir uma outra paixão, uma plantada pela simples curiosidade da loira e regada pelo companheirismo da detetive.


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