- escrita por Blue Butterfly


Capítulo 35
Trinta e cinco




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Segunda-feira tinha sido um dia estranho, para dizer o mínimo. Jane diria até surreal. Tantas emoções rodeavam e atacavam ela e Maura num rodízio que parecia infinito. Na parte da manhã, enquanto elas voltavam para Boston, a loira tinha entrado num estado de transe. Jane tentou conversar com ela algumas vezes, mas tudo o que a outra fazia era lhe oferecer respostas curtas. Sim. Não. Eu não sei. Obrigada, mas não. A detetive não era lá muito de insistir em conversas, principalmente quando a outra parte deixava claro que não estava a fim de embarcar em bate-papos sem sentidos ou desnecessários. Se Maura quisesse ficar em silêncio, pensando sobre o que quer que fosse, Jane respeitaria seu espaço.

No meio do caminho, no entanto, uma única pergunta desencadeou a sequência de várias outras. 'Eu posso dar uma olhada nos exames que foram feitos no caso dela?' Ela murmurou.

Jane franziu o cenho e teve que se segurar para não perguntar no caso de quem. Então ela suspirou lentamente para ganhar tempo, juntou dois mais dois e com um estalo se deu conta do que Maura estava falando. Aquele caso em que ela e Frost estavam trabalhando. Claro. Algo tinha despertado uma curiosidade insaciável na loira, e se na noite anterior ela tinha adormecido nos braços de Jane enquanto ela lia algumas passagens do relatório em voz alta, nessa manhã Maura parecia cem por cento conectada àquilo.

'É claro.' Ela respondeu um tanto contente porque a outra demonstrava interesse no seu trabalho.

E então as perguntas vieram. Há quanto tempo ela namorava o suspeito? Ele tinha registro de infrações? Algum acesso a remédios exclusivamente prescritos por médicos? Qual era a profissão dele? Como ele encontrou o corpo?

Deus, era pergunta atrás de pergunta, e Jane já não sabia se se concentrava no trânsito ou em uma Maura que de repente tinha se transformado em uma tagarela. Será que ela ficaria ofendida se Jane pedisse, com um por favor bem grande no final da frase, para ela parar de perguntar por, pelo menos, um minuto? Ela poderia usar o trânsito como desculpa, como: espera um minuto, Maura, deixa eu me concentrar nessas ruas aqui, não conheço elas direito. Colaria?

Quase uma hora mais tarde, já em casa, a loira tinha voltado ao seu silêncio inquebrável. Ela deve estar tentando juntar o quebra-cabeça das informações que dei, pensou Jane. Para seu alívio, a outra permaneceu assim por longos minutos. Pensando. Resmungando coisas para si mesma enquanto erguia um dedo para o ar, desaparecia no que uma vez tinha sido seu quarto na casa de Jane - agora era praticamente um escritório - e voltava minutos depois. Ou ainda mais concentrada - daquele jeito extremo onde as suas sobrancelhas se juntavam teatralmente - ou mais aflita, como se tivesse perdido algo e não tivesse conseguido achar.

Às onze horas, Jane decidiu que tinha que cair fora dali. Ela precisava ir para a delegacia e começar a trabalhar naqueles documentos. Ela juntou os envelopes, beijou Maura nos lábios e colocou o casaco pesado de neve.

'Eu vejo você mais tarde. Por favor, não enlouqueça.' Ela brincou e, de novo, beijou Maura.

'Jane.' Ela se levantou da cadeira e colocou as mãos na cintura. 'Você acha que eu posso dar uma olhada nesses documentos? Nos atuais, eu quero dizer.'

A detetive franziu o cenho, perdendo a insinuação. 'Nos atuais?'

'Você sabe, no caso que está em andamento.' Ela explicou, um tanto quanto tímida mas com certa audácia.

A morena arregalou os olhos, espantada. 'Maura, eu adoro ver você empolgada assim com algo, querida, mas se lembra? Esses são documentos confidenciais.'

'É que eu acho que algo está faltando, e se eu desse uma olhada no relatório do médico legista e mais sobre o que você conseguiu desse caso novo, eu poderia descobrir o que é.' Ela lançou para Jane aquele olhar.

Ela riu de leve, achando a atitude fofa. 'Ei, Sherlock Holmes, você precisa de uns anos de academia para se tornar detetive.' Ela brincou, cutucou a barriga de Maura, fazendo-a rir um pouquinho mas se desviar do toque.

'Por favor? Eu sei guardar segredos.' Ela quase implorou, e aqueles olhos pedindo para não serem decepcionados foi o que moveu Jane a responder.

'Eu vou tentar.' Ela não fez promessas, se inclinou uma última vez e plantou um beijo carinhoso na bochecha da loira. 'Não se esqueça que nós vamos jantar na minha mãe hoje. Te pego às seis. E Maura, os seus pais ainda estão na cidade... Talvez você queira telefonar para eles?' Ela tentou, mesmo sabendo a resposta.

A loira torceu o nariz e balançou a cabeça em negativo. 'Não hoje.'

Ela disse apenas. Jane deixou para lá. Ela não entenderia tão cedo essa relação estranha entre eles - principalmente porque Maura tinha dito que tivera um tempo agradável com o pai no aquário, mas agora parecia não querer mais o contato por um tempo. A detetive não podia julgar, afinal de contas. Ela não tinha a melhor relação com os pais também. Bem, Angela pelo menos era mais... maleável do que Frank, ela admitia isso.

'Certo. Aproveite seu dia. Amo você.' Ela disse naturalmente, fechou a porta e embarcou em todo percurso para a delegacia.

A procura tinha sido longa. Ela e Frost - e depois Frankie - tinham se juntado para estudar, primeiro, as conexões. Aparentemente, não havia nenhuma pessoa em comum entre os dois casos. A família da primeira vítima não conhecia a família da segunda. Nenhum amigo de escola ou faculdade em comum. Nenhum amigo de trabalho em comum. Depois eles passaram para os recibos do suspeito. Restaurantes, lojas, compras online. De novo, nada.

Jane estava ficando frustrada. Ela já tinha tomado tanta cafeína que suas mãos tremiam levemente - talvez por um pouco de raiva, também. Era assim que ela se sentia quando um caso estava travado. Quando ela achou que nada poderia piorar, Kendra mandara uma simples mensagem de texto.

Nós precisamos conversar.

Arrastando os pés, ela cruzou o piso e pegou o elevador para o andar de Divisão de Vítimas Especiais. Ela não fez questão de cumprimentar ninguém. Ao chegar na sala de Kendra, anunciou sua presença com três batidas na porta e abriu-a quase imediatamente quando a voz da mulher a convidou para entrar.

Jane sabia exatamente o que ela tinha a dizer. Ela se sentou na cadeira em frente à mesa, apoiou a cabeça entre as mãos e suspirou. 'Quando?'

Kendra, tão prática como Jane, respondeu sem ensaios. 'Dezesseis de janeiro. A data é definitiva.'

'Merda.' Jane resmungou. Ela estava esperando por um tempo a mais. Um tempo para Maura se acostumar melhor com a idéia. Um tempo para ela... O que? Sofrer maias com a espera? Pensando bem, quanto mais cedo fosse, melhor. Tirar o band-aid de uma vez.

'Jane, eu gostaria de dar a notícia pessoalmente para ela. É importante.' Kendra cortou seus pensamentos e ela se surpreendeu porque aquilo era um pedido, e não uma ordem.

A morena abriu um sorriso brincalhão e provocou. 'Ora, Kendra, você está pedindo permissão?' 

A outra estreitou os olhos, depois riu levemente. 'Você não toma jeito, Rizzoli.' Ela cruzou a mão no colo e estudou-a por um minuto. 'Eu trabalho com isso há bastante tempo, Jane. Eu sei como isso que aconteceu com ela, o fato de ela depor na corte, se expor... Eu sei que isso tudo mexe com a estrutural emocional da vítima e da família. E pelo que eu vejo, você e sua família se tornaram a família dela.'

A morena arregalou os olhos com a observação que Kendra tinha feito. É claro que era exatamente isso que Maura era agora: família. Não só por sua parte, mas Jane sabia como Angela olhava maternalmente para Maura. Como Frankie e Tommy tinham aquele instinto protetor para com ela. Deus, ela não conseguia imaginar nenhum deles escutando Maura contar o que ela sofrera, e Kendra estava tão certa em assumir que eles estariam lá para ouvir e apoiá-la.

Oh, droga. Angela choraria inconsolavelmente.

Tommy ergueria os punhos para o ar, agitando de um lado para outro, provavelmente profanando o réu.

Frankie seria o pacificador – controlaria Tommy, acalmaria Angela, mas acumularia o que sentia e jamais conversaria aquilo com ninguém. Assim como Jane, ele não era muito bom com palavras e emoções.

E a ela própria… Como ela lidaria com aquilo? Que papel ela faria entre lágrimas, rostos escandalizados, Maura… Oh, Maura. Como ela protegeria Maura diante daquela situação que ela queria evitar tanto, que a vinha assombrando por dias e dias agora?

 

‘Você não vai ser a detetive Rizzoli, lá.’ Kendra adicionou em baixo tom, confortando-a. ‘Você é a namorada dela, Jane. Ela precisa mais da pessoa que você é para ela, do que a detetive que você é aqui.’

‘É, eu imaginei.’ Ela se permitiu dizer, apenas. Às vezes era difícil manter a pose de durona. Às vezes, aquilo custava tanto de sua energia. Era bom, para variar, poder ter alguém como Kendra para conversar de vez em quando. Um pouco, poucas palavras. Alguém que soubesse que, apesar de tudo, Jane também era humana; que aquela armadura que vestia para o trabalho, muitas vezes para vida pessoal, era cheia de falhas – definitivamente penetrável. Maura sabia disso também, porque ela era uma das únicas pessoas com quem Jane se abria. Nesse momento, entretanto, não era à Maura que ela tinha que recorrer. Era Maura quem ela tinha que proteger.

‘Vou passar na casa dela hoje, depois que eu sair daqui. Vamos ver como isso vai desenrolar.’ Kendra disse. Jane balançou a cabeça em sim, depois em não.

‘Ela está na minha casa, na verdade.’ Ela falou, mas sua cabeça estava em outro lugar, ainda pensando em como a loira receberia a notícia, se os pesadelos voltariam.

‘Não seria mais fácil se vocês se mudarem para uma única casa de uma vez?’ Kendra provocou, ganhando uma revirada de olhos da outra.

‘Você é tão inteligente, caramba. Resolveu metade dos meus problemas.’ Ela disse se levantando, passando a mão entre o cabelo revoltoso. ‘Eu saio às cinco e meia, hoje. Te encontro em casa lá pelas seis.’ Ela deu as costas para a outra detetive, decidida a sair de lá e acabar com a papelada lá embaixo o mais rápido possível.

‘Jane, espera.’ Kendra a chamou mais uma vez, com urgência.

Quando Jane se virou para ela, de novo, a detetive estava andando em sua direção, uma mão na cintura, os olhos um tanto preocupados. Ela parou a poucos centímetros da morena, quase invadindo seu espaço pessoal.

‘Eu já disse uma vez, e quero reforçar. Se você precisar de alguém pra conversar, você sabe onde me encontrar. Pode ser que isso seja difícil para você também, Jane.’

A morena trincou os dentes. Ela queria gritar um dane-se para Kendra por ser tão audaciosa, lê-la perfeitamente bem e esfregar isso na cara dela. Jane odiava ser pontuada pelas suas fraquezas; sim, ela não recusava ajuda quando era ela quem pedia, mas ser apontada assim, tão diretamente, machucava seu ego. Havia algo que ela reconhecia, entretanto. Kendra era a única mulher na delegacia que ela poderia considerar como uma amiga. Ela era direta, sim, mas suas ações eram medidas, e essa, senão outra coisa, apenas demonstrava uma preocupação que era nobre. E pela honestidade era como as amizades se fortificavam. Dividida entre sair correndo de lá e aceitar a abertura - assumir a confusão dentro de si, melhor dizendo - Jane piscou os olhos várias vezes antes de responder.

‘Eu não… Eu não sei como ela vai reagir a isso, Kendra, mas eu te digo: não vai ser de forma positiva.’ Ela suspirou, correu a mão pelo cabelo do jeito que fazia quando não estava confortável.

‘Escuta,’ Kendra disse e apertou seu braço ligeiramente. Ela não sabia se tinham chegado no ponto onde tinha liberdade para tocá-la, mas fez assim mesmo. ‘Não se adiante, Jane. Até onde notei, Maura é batalhadora. Ela pode ficar ansiosa, mas acho que ela já está recuperada o suficiente para enfrentar isso cara a cara.’

‘Mas…?’ Jane perguntou quando Kendra cruzou os braços em frente ao peito.

‘Mas eu estava me referindo ao que você sente. Você sempre contorna o assunto quando é sobre você.’ Ela observou.

A morena estreitou os olhos, decidindo se responderia com sarcasmo – que era outro método de fuga - ou não. Enfim, ela disse: ‘Eu tô cansada pra caramba, Kendra. Entre trabalho, essas festas de fim de ano que sempre trazem à tona os problemas da minha família, e Maura… É como se eu andasse em cascas de ovos com ela. Eu nunca sei se ela tá realmente bem ou se ela vai explodir a qualquer momento. Eu preciso estar sempre em alerta com ela, e Deus, eu a amo, mas toda essa preocupação tem esgotado minha energia.’ Ela disse tudo de uma vez, suspirando longamente no final. Seus olhos não se encontraram com os azuis de Kendra; ela se sentia um tanto envergonhada por finalmente confessar seu estado emocional para alguém.

Kendra colocou uma mecha loira de cabelo atrás da orelha e sorriu em simpatia. ‘Se sentir assim é perfeitamente normal. É uma situação complicada e estressante, Jane. Se te traz consolo, de alguma forma, eu aposto que depois do julgamento isso tudo vai melhorar.’

Jane colocou as mãos nos bolsos da calça e concordou com a cabeça, ainda sem encará-la. ‘É, eu espero que sim.

Quebrando a seriedade da conversa, a loira riu. ‘Ora, Jane. Pare de se torturar. Você precisa de uma cerveja para relaxar um pouco, isso sim vai te fazer melhor.’ Ela brincou.

‘Pelo amor de Deus, é segunda-feira, Kendra.’ Jane revirou os olhos, se permitiu um sorriso.

‘Que seja. Deixamos para amanhã, então. E então você pode continuar se lamentando para mim.’ la provocou.

Jane balançou a cabeça, estreitou os olhos. Ela estava prestes a devolver a provocação, mas então estudou o sorriso delicado no rosto da outra e entendeu que Kendra só tinha quebrado o gelo porque sabia que ela ficaria incomodada com a situação caso a conversa terminasse de outro jeito. Tocada, Jane sorriu de volta, retribuindo aquela honestidade que lhe fora oferecida mais cedo. ‘Obrigada, Kendra. Você tem razão. Às vezes fica difícil mesmo.’

A outra meneou a cabeça, suspirou. ‘Pode apostar, Jane. Pode apostar.’

Maura se ajoelhou no chão e pacientemente ofereceu um morango para Bass. Ela abriu um sorriso por dois motivos: o primeiro, sendo a resposta imediata do jabuti para a fruta vermelha entre seus dedos. Ele mordeu grande parte dele e Maura sentiu aquela mesma antiga paixão que sentia por ele, desde que o animal era menor do que a palma de sua mão. O segundo motivo se materializou em seguida. Ela ouviu Jane abrindo a porta do apartamento, as chaves tintilando, depois uma risada um tanto nervosa.

Um tanto nervosa?

A loira se levantou de imediato. Aquela era sua parte preferida do dia – a hora que Jane chegava em casa e a colocava em um abraço, perguntava como seu dia tinha sido, falava do próprio, enganava ela todas as vezes dizendo que trocaria de roupa, mas acabava sempre a empurrando para o sofá, a prendia em seus braços e, dilema esquecido, ficavam as duas por lá mesmo, roupa de trabalho ainda no corpo, Maura em seu colo.

Nos dias em que Jane chegava um tanto mais cansada do que o normal, ou ainda irritada por motivos diversos, era Maura quem se certificava de oferecer carinho em dobro. Em dias assim, ela não insistia para que Jane se trocasse tão logo chegasse. A melhor decisão era beijá-la diversas vezes, deitá-la em seus braços, massagear sua testa carinhosamente com os dedos, de forma que, com sorte, a morena se perderia nos seus toques e colocaria de lado os problemas no trabalho. Quando Maura ouviu aquela risada nervosa vinda da outra, ela se perguntou se esse seria um daqueles dias.

Ela se levantou, curiosa – e essa curiosidade se esticava para outros aspectos, do tipo, ela trouxe as anotações do caso? - e se virou para receber a morena. Para sua surpresa, ela não estava sozinha. Kendra aparecia logo atrás dela, e todo a calmaria que parecia ter se estabelecido ali, de repente sumira, abrindo lugar para aquela ansiedade tão familiar.

‘Oi, Maur.’ Jane disse, caminhando até a mulher. Ela lhe abraçou como sempre fazia, plantou um beijo em seus lábios.

‘Olá.’ Maura murmurou, mas seus olhos voaram rapidamente para a outra mulher. ‘Olá, Kendra.’

A detetive loira sorriu amigavelmente. ‘Oi, Maura. Como você está?’

Maura meneou a cabeça, manifestando compreensão. Enquanto isso, ganhando tempo, ela estudou rapidamente Kendra, mas não conseguia lê-la. Entretanto, Maura adivinhava o que ela estava fazendo ali – palpites nunca fora seu forte, mas de algum modo ela sabia. Possivelmente por conta de como Jane a olhava com preocupação desde já, do modo como tinha se colocado do seu lado e seus dedos massageavam suas costas gentilmente, como se consolando-a de algo que ainda nem tinha acontecido. Maura sentiu um leve tremor percorrer seu corpo, mas se esforçou mesmo assim para responder Kendra.

‘Bem.’ Um murmúrio, e foi quase um milagre ela se fazer ouvir. Ela mesma não registrara a resposta que dera, para ser sincera.

Kendra suspirou, ergueu as sobrancelhas. ‘Nós podemos nos sentar? Temos que conver-’

‘Quando?’ Maura perguntou diretamente, não suportando mais o mistério. Aquela tensão que tinha se construído em seu corpo era a mesma daquela quando se assiste a um filme de terror – sabe-se que um susto está para vir, então os músculos se tornam rígidos, os batimentos cardíacos aumentam e mesmo sabendo que algo assustador vai acontecer, quando a surpresa aparece, é como se toda aquela tensão fosse esmagar o corpo de uma vez só.

‘Direto ao ponto, assim como Jane.’ Kendra murmurou, olhou para a morena como se pedindo permissão. Uma vez que foi concedida, ela tomou ar e disse claramente: ‘Dezesseis de janeiro, Maura.’

‘Oh.’ Foi tudo o que disse. Ela não sabia o que estava sentindo. De repente, tudo tinha se tornado tão confuso que talvez, por autodefesa, sua mente lhe permitiu apenas isso: sentir nada.

Kendra olhou para Jane. A morena olhou de volta para ela. As duas então olharam para Maura e, naquele momento, ninguém sabia mais o que fazer, dizer. As duas estavam esperando a reação dela para seguirem em frente, mas Maura não tinha nenhuma para oferecer.

‘Dezesseis.’ Ela repetiu num murmúrio então, sentindo que deveria dizer algo, qualquer coisa que fosse.

‘Você se lembra quando nós conversamos vagamente sobre isso, uma vez?’ Kendra tinha virado a cabeça ligeiramente para o lado.

Maura limpou as mãos na calça, um gesto de nervosismo. ‘Eu me lembro.’ Mas ela não queria se lembrar, não queria, tão pouco, pensar nas consequências dessa conversa. Não agora. Ela se virou parcialmente para Jane, os olhos preocupados da morena divagando entre ela e Kendra. ‘Eu preciso mesmo ir? Eu não me sinto à vontade.’

‘Maura, é esperado que você se sinta assim. Sentir medo, ansiedade, confusão… Isso tudo é inevitável. Apenas tente se lembrar a razão pela qual você está fazendo isso.’ Kendra tentou argumentar, mais para fazê-la se sentir melhor do que para convencê-la a depor. Entretanto…

‘Legalmente, eu preciso fazer isso? Vocês já recolheram meu depoimento.’ A loira insistiu.

‘Sim.’ Kendra disse.

‘Não.’ Jane disse, simultaneamente.

Kendra suspirou e lançou um olhar afiado para Jane, depois para a menor. ‘Tecnicamente, você não é obrigada a aparecer por lá. Mas pense na mensagem que isso vai mandar. Nós temos um caso sólido, Maura. Ele vai para a prisão de qualquer forma, o julgamento apenas vai determinar quanto tempo ele fica lá.’

‘Logo, eu não preciso realmente ir.’ A loira argumentou, olhando para Jane, pedindo por ajuda.

‘Kendra, se ela não quer ir… É a decisão dela.’ A morena disse, ainda que não concordasse completamente com Maura, mas horas atrás Kendra tinha dito que ela precisava ser a namorada e não a detetive. Era isso que ela estava fazendo. Bancando a protetora.

Jane sabia que a outra detetive estava lutando para não perder a pose, ela podia ver a batalha de sentimentos em seu rosto, aquela determinação em convencer Maura sendo contida, principalmente porque a morena naquele momento não estava ajudando-a, mesmo que fosse sutilmente. Jane sabia, também, que Kendra não dava pontos sem nós.

‘Ainda é cedo para se decidir, Maura. Apenas tente digerir a informação primeiro, e então nós vamos encontrar juntas uma solução. Não seja irredutível, procure encarar isso por todos os ângulos.’ Ela debateu.

‘Eu quero colocar isso para trás. Depor, mais uma vez, vai trazer a tona lembranças que eu tenho procurado evitar.’ A loira devolveu, parecendo bem decidida.

‘Não.’ Kendra disse, balançando a cabeça com convicção. ‘Colocar para trás é diferente de colocar um ponto final, Maura. Eu espero que você se lembre, mas eu já mencionei antes que isso tudo é um processo, e que agora é a parte indispensável. Isso é o encerramento daquilo que ele começou. Você está envolvida no processo, é importante que você o conclua também.’

Embora o discurso tivesse sido coerente, eloquente, Maura permaneceu imóvel. As palavras que rodavam de novo e de novo em sua cabeça eram eu mencionei antes, espero que você se lembre, coloque um ponto final.

Oh, ela se lembrava, tão claro como a luz do dia. E pelo modo como os olhos azuis e vívidos de Kendra pairavam sobre os seus, Maura sabia que a outra também se lembrava.


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