Greater Good — Interativa escrita por Excelsior


Capítulo 1
PRÓLOGO




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PRÓLOGO — The Song of the Dead

(...)

Funerais eram, na opinião de Rowan, um ritual primitivo e desnecessário de culto à morte.

Ela se sentia vazia quando deparada com a efemeridade da vida humana, encarando e lamentando sobre um corpo já sem vida e em seus primeiríssimos estágios de decomposição. Um evento para os vivos.

Mesmo assim acordara particularmente cedo com uma chamada emergencial de Terrance Cobbs, negligenciara sua necessidade por café puro e forte e adentrara o carro com aquecedor estagnado às seis da manhã e dirigira cinco horas direto para cobrir o enterro de Helena Schreave, substituindo a colega que entrara em trabalho de parto dois meses antes do previsto. Uma oportunidade sem precedentes, e Rowan tinha de agradecer aos gêmeos prematuros de Lisbeth Foley.

Já conseguia sonhar com Pulitzers por sua matéria revolucionária.

Ela riu enquanto exibia o cartão de imprensa autorizada preso ao pescoço através da janela do carro. A quem estava enganando? Escrevia para a coluna de fofocas sujas, e fofoca, apesar de ser, comprovadamente, a seção mais lida dos jornais, não rendia prêmios Pulitzer. Sequer um review decente no fim do mês.

Ela estacionou o carro, tomando cuidado com as poças de água no caminho. A última coisa que queria era água penetrando suas botas de couro fino e deixando seus pés dolorosamente úmidos pelo restante do dia.

— Rowan Goselyn? — um homem franzino de meia-idade a alcançou. Ela confirmou com um aceno da cabeça e se aprumou dentro do casaco de couro velho que um dia pertencera ao pai. O homem estendeu a mão. — Eu sou Bryan McTarty. Vou estar fazendo as fotografias.

— Não achei que permitissem que a imprensa veiculasse imagens.

— Somente antes da cerimônia, — ele ajustou a alça da câmera antiquada ao redor do pescoço. — Fez uma boa viagem?

Ela deu de ombros, enterrando as mãos enluvadas nos bolsos do casaco de couro e jogado por cima de um suéter que pegara emprestado de Maeve. Ainda assim, conseguia sentir o frio penetrando as camadas de agasalhos e atingi-la como se estivesse nua.

— Eu viajei baixo, quase não peguei engarrafamento aéreo.

Eles seguiram pela plataforma até chegarem na área designada para a imprensa, onde várias equipes se reuniam. Rowan revirou os olhos para os esnobes da imprensa televisiva, com suas repórteres-papagaios de sorriso largo, como se não passassem de autômatos. Ela odiava noticiários, sempre preferiu a distância e liberdade que os jornais de papel proporcionavam. Tanto que quando se formou, a primeira coisa que fez foi procurar o Illean, mesmo que o único emprego disponível fosse o de trabalhar nas colunas de fofoca que tanto desprezava. Mas, ela pensou na época, é temporário. Seu plano era mostrar seu potencial como repórter investigativa e trabalhar nas sessões mais emocionantes do jornal, talvez até mesmo conseguir uma manchete principal de primeira página que não fosse um quadrinho minúsculo no canto esquerdo, cujas primeiras palavras não fossem “FLAGRA!” ou “BABADO!”.

Isso foi há quatro anos.

— O velório começa às duas, certo?

Ryan confirmou, checando as lentes da câmera para o que ela supunha ser o mais soturno possível. Ela checou o próprio equipamento: um bloquinho de notas no bolso traseiro dos jeans surrados e uma caneta gravadora que segurava seu cabelo num coque no topo da cabeça. Não era mulher de carregar bolsas — elas só serviam para ser roubadas, perdidas e um atraso geral na vida de quem quer que as possuía.

Um trovão rugiu no céu acima deles e Rowan levantou a cabeça para observar as nuvens carregadas, prontas para despejar sua fúria contra o mundo.

— É como se o tempo se preparasse para o velório, — Ryan comentou.

Rowan não podia deixar de notar o quão triste e melancólico ele soara. E, ela percebeu, súbita e inspiradamente poética, aquele era o sentimento de de toda a nação naquela gélida manhã de segunda-feira, quando a herdeira do trono Illeano veio a falecer.

Pegou o bloquinho e anotou.

 

Os jornalistas deveriam se manter a uma distância respeitável dos amigos e família, e todas e quaisquer perguntas deveriam ser feitas na a coletiva de imprensa às sete da noite. Câmeras eram estritamente proibidas, e o jornalismo televisionado deveria acontecer fora da área delimitada como a área da imprensa.

Rowan observava à distância os membros da família, um retrato perfeito de compostura e elegância, e descrevia a cena na cabeça.

O caixão estava fechado. Segundo relatos médicos extra-oficiais, o rosto da princesa havia sido desfigurado após a explosão, e preferiram que a última imagem da vivaz futura governante de Illéa não fosse distorcida. Seu irmão gêmeo, o tenente-coronel Cassian Schreave, não comparecera. A Rainha-Mãe encarava o caixão com os olhos frios e distantes, certamente pensando no próprio filho, que também beirava a morte numa unidade de tratamento intensivo, milhares de quilômetros dali. E logo ao seu lado, o filho mais velho e atual rei de Illéa, parecia impassível, embora uma sombra de tristeza cruzasse seus olhos claros e suas mãos estivessem fechadas em punho.

Rowan se perguntou se era uma questão política tanto quanto de estética o modo como se colocava exatamente entre a mãe e a esposa.

A rainha Anna era uma mulher bonita, de olhos gentis e cabelos negros que dançavam sobre seus ombros como uma cortina de seda devido à ventania. O vestido preto balançava ao redor de sua postura rígida, e não se dirigia para o caixão; encarava o horizonte com um ar perdido e desolado, os olhos verdes inchados, nadando em lágrimas.

O quão difícil seria, Rowan se perguntou, apertando os braços ao redor do corpo para gerar mais calor, para uma mãe ver um filho morrer? Não era a ordem natural do mundo, da vida. Pais não deveriam viver mais que seus filhos. Simplesmente não deveriam.

— Eu tenho dó deles, — Ryan comentou ao seu lado.

— Muitas pessoas morrem todos os dias, — disse Rowan. — Eles são só parte do circo.

Ryan a observou, intrigado, antes de levar a câmera ultrapassada na altura dos olhos e bater uma foto. Logo, logo, já não poderiam mais.

A Rainha-Mãe, além de seus quatro filhos, tinha também uma filha. A General Cassandra Schreave, a irmã mais velha do rei, seguira os passos da mãe na Marinha. Dolorosamente magra, mantinha-se militarmente ereta, com braços que pareciam gravetos quebradiços saindo do vestido preto. Dificilmente seria considerada bonita, mas a General tinha postura, exalava liderança e respeito por onde quer que passasse, e sua aparência desfavorável não era nunca comentada.

Havia outras pessoas, é claro. Muitas outras pessoas. Família, amigos próximos, conhecidos políticos. Gente com poder suficiente para fazer parte do velório.

Nós fizermos deles o circo.

Então anotou.


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Notas finais do capítulo

FICHA: http://greatergood-interativa.tumblr.com/ficha

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Capítulo novo ainda nesse fim de semana, e até mais!