- E você não beijou ela?! – George berrou com toda a força de sua indignação, fazendo Fred temer que ele fosse atrair todo tipo de segurança que o St. Mungo`s tinha para oferecer.

 - Não. – Fred respondeu com convicção e simplicidade, acompanhadas de um sorriso de quem sabe mais. – Ela esperava isso.

 - E?

 - E daí que foi bem mais divertido ver a expressão dela. – Disse com travessura, mas recebeu um olhar de seu gêmeo que dizia saber que não era só isso. – Tá, e ela é... Ela é Hermione, George.

 - E?

 - E que ela é diferente e você sabe bem.

 - Mas você vai ou não vai, tigrão? – George indagou com impaciência divertida, revirando os olhos.

 - Eu iria, mas pense comigo. – Fred fingiu ajeitar óculos imaginários, falando com os trejeitos caricatos de Percy. – Roniquito já botou os olhinhos dele na Hermione. Agora imagine se eu, claramente mais bonito e mais rico, fosse lá e usasse todo meu poder de sedução nela. Ia traumatizar o coitado! – Ele terminou sua explicação cheia de exageros e brincadeira.

 - Também já cuidei disso. – Retrucou o irmão, cruzando os braços em um gesto vitorioso. – Pense comigo. – George imitou a forma de falar anterior do gêmeo. – Hoje eu vi Ron saindo todo esquisito do quarto da Hermione, meio apalermado. Aí você pode pensar que é o estado normal dele, e eu não discordaria, mas Roniquito estava especialmente embasbacado. E eu, como ótimo investigador que sou, descobri que ele levou o famoso pé na bunda.

 - É sério? Caramba... Hermione realmente tem bom gosto então. – Fred estalou os dedos e deu uma piscadela para o irmão, que caiu em uma gargalhada.

 - Na verdade, o termo que Ronald usou foi “decisão mútua”, mas acho que ele só concordou com o que Hermione disse. – George sussurrou como se contasse um segredo.

 - Você acha? – Ele riu. – Eu tenho certeza.

 Hermione, no entanto, só tinha certeza de uma coisa: iria enlouquecer se não desse um jeito em sua mente. Seus sentidos a enganavam cada vez mais, fazendo-a ver coisas que não estavam ali, sentir calafrios quando estava sozinha, entrar em pânico com cada rangido no chão de madeira dos arredores... Se no começo estava convicta que estava completamente sã, agora já não tinha tanta certeza. A cicatriz em seu braço que a marcava como sangue-ruim, feita por Bellatrix Lestrange, só trazia memórias à tona. Lembranças de ser perseguida, de ser torturada, de ter que lutar.

 Lembranças.

 Seus pais nem isso tinham. Para eles, nunca tiveram uma filha. E doía pensar que seu contato de emergência eram os Weasley, doía pensar que se tivesse morrido, seus pais não fariam nem mesmo uma visita ao seu túmulo. Mesmo que tudo voltasse ao normal, eles provavelmente não entenderiam tudo que Hermione sofrera.

 Hermione ainda sentia sua consciência ali, sabia que seu lugar não era em um hospital cheio de pessoas que já se perderam na própria mente há tempos. Ainda se separava do resto, ainda que não gostasse de admitir algo tão mesquinho. Mesmo que visse e sentisse coisas inexplicáveis, não aceitava que tinha um problema.

 - Hermione? – Lacey bateu na porta. – Posso entrar?

 Hermione pulou da cama ao ouvir as batidas na porta, tentando acalmar seu coração depois que a visitante se identificou. Ainda assim, a médica não obteve resposta, e entrou mesmo assim.

 - Hermione, está tudo bem?

 - Claro, só... Estava dormindo. Ainda estou um pouco sonolenta. – Ela se justificou com rapidez, usando um gesto de mão para dispensar o assunto.

 - Ah, sim, entendo. De qualquer forma, pensei em ter nossa sessão em um lugar diferenciado hoje. – Lacey sorriu para Hermione. – Gostaria que mantivesse o local em segredo, se possível. Posso confiar em você?

 - Com certeza. – Hermione assentiu com solenidade.

 - Certo, então vamos.

 Dra. Minnington guiou sua paciente por corredores e mais corredores, acenando e cumprimentando os funcionários que encontravam no caminho, enquanto Hermione decorava cada passo dado, sem exatamente ter um motivo para tal. Logo, Lacey parou em uma porta abaixo de uma placa que dizia “Acesso aos jardins. Apenas funcionários”.

 - É aqui. – A doutora abriu a porta com cuidado, evitando chamar atenção. – Não é grande coisa, mas é um lugar calmo. Mudança de cenário é sempre bom.

 Realmente, não era o lugar mais bonito do mundo. A vegetação já estava mais para o lado selvagem, descuidada desde o começo oficial da Guerra, quando o hospital ficou tão movimentado que ninguém mais visitava o local. Haviam bancos brancos descascados no centro do jardim, cercados por arbustos que costumavam ter formas de animais, flores e mato crescido.

 - Não é um local muito frequentado, é? – Hermione indagou, inspecionando cuidadosamente o jardim um tanto abandonado.

 - Eu mesma não venho aqui faz tempo, a não ser para aguar as plantas de vez em quando. Não faço a menor ideia de como arrumar tudo isso aqui, e confesso que gosto de como está agora. – Lacey comentou. – É mais natural.

 Hermione assentiu enquanto analisava o lugar. O que algum dia fora um arco decorativo de plantas sobre os bancos, já estava desalinhado e com trepadeiras rebeldes, mas ainda mantendo sua forma. Era de fato bonito. Flores selvagens brotavam aqui e ali, e um laguinho decorativo estava repleto de plantas aquáticas que flutuavam em sua superfície. A vegetação chegava até as panturrilhas de Hermione, que mesmo preferindo as coisas em perfeita ordem e harmonia, reconhecia a beleza natural do lugar.

 - Como você tem estado? – Lacey perguntou, sentando-se em um dos bancos e sinalizando para que Hermione fizesse o mesmo.

 A garota raciocinou com rapidez. Se contasse das peças que sua mente lhe andava pregando, com certeza seria mantida ali por muito mais tempo do que o necessário, e acabaria por ser a última restante quando seus amigos todos fossem embora. Sua situação não parecia tão ruim em sua cabeça, e a liberdade era seu objetivo acima de tudo. Hermione idealizava o mundo de fora como um objetivo que curaria todo o resto. Sua saída, para ela, marcaria o início de sua nova vida.

 Pensando nisso, respondeu sem hesitar.

 - Bem. Estou dormindo melhor, comendo melhor e pensando com mais clareza. – Tantas palavras falsas saíam de sua boca, mas Hermione as proferia sem tanta culpa. - Acho que minha estadia aqui me fez bem. Entendo isso melhor agora.

 - Fico feliz de ouvir isso. Tenho que admitir, foi mais rápido do que eu pensei. Geralmente essas coisas levam tempo. – Lacey disse de forma enigmática. Hermione não sabia se sua voz mostrava um tom de suspeita ou era a forma de sua mente a culpar por mentir para uma médica. – Como foram as visitas?

 - Muito boas. – Finalmente, palavras sinceras. – Me deram forças, entende? Acho que são o motivo da minha melhora.

 - Que bom, Hermione. Como você se sentiu em meio aos outros pacientes? No almoço e na sua aula de pintura?

 - Em suma, solitária e observada. – Hermione confessou com um suspiro. Não havia motivos para esconder aquilo. – Mas é algo que já me acostumei depois de tanto tempo em Hogwarts com Harry. Além disso, agora acho que encontrei alguém para almoçar comigo.

 - Posso perguntar quem?

 - Fred Weasley. Se não me engano, está sendo tratado por...

 - Walter Higgins. – Lacey completou com um sorriso carinhoso. – É um bom homem. Um dos melhores médicos que o hospital tem a oferecer. Seu amigo está em boas mãos, Hermione.

 - Espero que sim. – Ela respondeu sem tanta fé. Não conhecia o médico, mas conhecia o quadro de Fred, e sabia que o ruivo precisava de ajuda.

 - Você acha que Fred traz à tona memórias indesejadas?

 - Pelo contrário. Me faz esquecê-las. – Hermione sorriu discretamente, olhando para seus próprios pés. – Não há como prever quando as lembranças aparecem.

 - É mais frequente que elas sejam ativadas por pessoas ou objetos? – Lacey perguntou, sua pena se mexendo sozinha, anotando as respostas na prancheta flutuante.

 - Eu sei que pessoas parecem não ativar. Sons são a maior causa, eu diria. – Ponderou, logo em seguida lembrando que tinha um objetivo a cumprir, adicionando rapidamente algo que dissesse à Lacey que estava sã. – Mas, como já disse antes, estão diminuindo consideravelmente rápido.

 A conversa continuou até que Lacey checasse seu relógio e visse a hora do almoço se aproximando. As duas voltaram para o quarto de Hermione, onde a garota ficou por um tempo até que decidisse passar no quarto de Fred para que fossem juntos até o refeitório. De certa forma, entrar ao lado dele quem sabe diminuiria a pressão de ter todos os olhares somente para si.

 - Fred? – Hermione chamou, entrando no quarto.

 - Veio me buscar? Estou lisonjeado! – Fred brincou, estendendo uma mão como se para Hermione beijá-la, e colocou a outra no coração. Logo em seguida, pôs-se de pé e estendeu o braço para ela. – Vamos?

 - Vamos. – Hermione assentiu, colocando sua mão na dobra do braço de Fred como se fossem para um baile. – Depois do almoço, tenho uma coisa para te mostrar.

 - Andou explorando o hospital? – Ele riu.

 - Quem dera. Acho que acabaria me entediando. – Hermione se juntou a Fred na risada, nunca deixando de se surpreender com o fluxo fácil de conversa com ele.

 - Pode me dar uma pista do que é?

 - É um lugar. Mas não vá criando muitas expectativas, porque não é lá essas coisas.

 - Tá brincando? Se tiver cor, vai ter que conter meus gritos de alegria. – Fred cutucou-a com o cotovelo de leve, sorrindo.

 - Você não pode contar para ninguém. Minha médica pediu para que eu mantivesse em segredo. – Hermione contou em voz baixa, temendo que algum funcionário ouvisse suas palavras, mesmo que não houvesse ninguém por perto.

 - Então meu charme desenterrou seus segredos?

 - Não colocaria dessa forma. – Hermione retrucou, corando levemente e rindo com Fred.

 Hermione tentava acompanhar o passo de Fred, que tinha pernas maiores, até que finalmente chegaram ao refeitório. Os olhares logo acompanharam o par, assim como alguns sorrisos condescendentes. Como Ron não estava no hospital e Harry nem tinha sido visto pelos pacientes, as pessoas pareciam ter pena de Hermione, como se ela tivesse enlouquecido. Os olhares que recebia eram os mesmos direcionados a cachorrinhos perdidos, e Hermione odiava aquele tipo de tratamento.

 - Ah, eu geralmente causo essa reação nas pessoas. – Fred sussurrou no ouvido da garota ao seu lado com um ar divertido. – Nem todo mundo resiste tão bem como você.

 Fred percebia que, mesmo com todos os anos recebendo olhares de todos os alunos de Hogwarts, Hermione continuava desconfortável, apressando o passo até a fila curta da comida. Antes, no entanto, Granger geralmente recebia encaradas de desgosto, inquisição ou curiosidade. Naquele momento, era pena. Hermione não se julgava digna de pena.

 - Que comida triste. – Fred comentou, observando o almoço servido. – Quando papai estava aqui, a comida parecia bem melhor.

 - Acho que não têm tempo para fazer comida decente. – Hermione ponderou, pegando uma bandeja e começando a se servir. – Além disso, acho que muitas pessoas têm restrições alimentares, então só fizeram algo que serve para todos.

 - Continua triste...

  Fred e Hermione conversaram sem parar durante todo o almoço. Ele sempre tentava fazê-la rir quando tinha suco na boca, e Hermione jogava pequenas faíscas com as mãos em seu joelho quando conseguia engolir sua bebida (ou depois que engasgava com ela). Fred tinha facilidade de conversar com as pessoas, mas desde que se aproximara de Hermione no hospital, sentia que a conversa fluía com estranha facilidade com ela.

 - Fred, se você fizer isso mais uma vez... – Hermione ameaçou, ainda com suco entalado na garganta e vermelha de rir.

 - O quê? – Fred desafiou.

 - Vou... Bom, tecnicamente, eu posso fazer muitas coisas. – Ela tentou argumentar de brincadeira.

 - Me amarrar? – Ele sugeriu com uma piscadela. – Eu gosto.

 - Merlin, Fred... – Hermione não conteve seu riso, fazendo Fred sorrir de orelha à orelha. Ele adorava divertir os outros, mas era especialmente incrível quando Hermione Granger ria de suas piadas. Geralmente, as interações dos dois em Hogwarts consistiam de sermões e discussões, então quando conseguia extrair um sorriso ou um riso dela, não conseguia conter a alegria.

 - Mas e aí, vai me mostrar ou não a surpresa? – Fred perguntou, terminando a última garfada de seu purê de batatas insosso.

 - Vamos, então.

 Hermione guiou Fred pelos caminhos que memorizou, e quando sabia que estavam perto, parou.

 - Feche os olhos, Fred. – Ela pediu, oferecendo sua mão para ele segurar.

 - Sabe, acho que pessoas sequestradas ouvem essa frase na maioria dos casos...

 - Confie em mim.

 - Também devem ouvir isso. – Ele cantarolou, mas cedeu e fechou os olhos. Hermione soltou sua mão quando chegaram na porta, e a abriu cuidadosamente para não atrair nenhum tipo de olhar.

 - Pode abrir.

 Fred contemplou os jardins enquanto seus olhos tentavam se acostumar à luz. Definitivamente não era bem cuidado, e Fred gostava disso. Ia na direção contrária da organização meticulosa do resto do hospital, com trepadeiras, flores e matos rebeldes crescendo além do corte recebido há tempos.

 - E então, o que achou? – Hermione começou, analisando a expressão do garoto ao seu lado em busca de algum sinal. Quando não obteve uma resposta imediata, nervosamente tentou preencher o silêncio. – Eu sei que não é grande coisa, mas, como Dra. Minnington disse, mudança de cenário costuma ser bom, e...

 - É bonito, mas parece que falta algo nessa grama... – Fred ponderou com os dedos no queixo, sorridente. Quando Hermione lhe lançou um olhar questionador, ele tomou ação mais rápido que um raio: envolveu-a em um abraço e lançou os dois ao chão, usando seu corpo para amortecer a queda de Hermione. Ela só teve tempo de soltar uma exclamação de susto antes de se ver em cima de Fred, suas mãos pressionando seu peito em busca de apoio. – Você.

 - Fred! – Hermione riu, ainda tentando acalmar as batidas rápidas de seu coração enquanto Fred ria, repousando suas mãos nas costas da garota em cima dele, envolvendo-a em um abraço solto.

 Alguma parte de Hermione não queria sair de cima de Fred tão cedo.