Meteoro escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 7
Confusão.


Notas iniciais do capítulo

Demorou mais saiu, gente... me enrolei por alguns dias, fiquei sem ideia, com falta de inspiração e o caramba, mas to de volta.
Eu dei uma revisada muito por alto no cap, então se acharem algum erro, por favor, me avisem.
Deixando para agradecer de uma vez a:
Nyry Wyrmkord, que é uma fofa e sempre deixa comentário gigantes, e se empolga tanto quanto eu quando estou escrevendo.
Garota Qualquer, que ama o nome de Louise tanto quanto eu.
Dreamer, que apesar de eu não saber se está acompanhando, foi um dos responsáveis por LnMdS ter dado certo e foi o primeiro a me dar a ideia de fazer um especial de Vega.
Um obrigado a todos os outros que acompanham também, e espero que gostem do capítulo. :3



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Aos 17 anos de idade, já havia me desenvolvido em todos os sentidos. Arriscaria dizer que poderia até mesmo vencer Kandrak em uma briga – o que futuramente descobriria ser um grande equívoco. Aquele cara era realmente difícil de enfrentar.

Mas eu sabia que, naquela época, pouquíssimos habitantes do Sonhar teriam força o bastante para oporem-se a minha lâmina. E isso bastava. Ocasionalmente, usava minha rebeldia para experimentar o controle da maldição sobre mim. Era ainda bem forte, infelizmente, embora eu pudesse senti-la vacilar às vezes.

Um progresso, embora não achasse que conseguiria algo fugindo. Tinha que esperar um pouco mais… testar até conseguir um resultado satisfatório.

É claro que, tratando-se de mim, era raro sentir-me satisfeita.

 

Para aumentar o alcance de influência e a quantidade de material coletado, a Bruxa passara a fazer algumas excursões por si própria, deixando para mim os trabalhos mais difíceis. Não sabia bem o que sentir com relação àquilo… usando a maneira que ela tratou-me como base, senti pena das pobres criaturas que caíam em seus truques. Paralelamente, estava aliviada por ter inocentes a menos para destruir.

Desta vez, ela me dissera para perseguir um casal.

Muito inusual. A velha já havia me enviado para matar noivos, amantes e namorados várias vezes antes, mas era sempre apenas um dos indivíduos que possuía partes utilizáveis. Ficava sempre em dúvida se deixava o par da vítima sobreviver ou não. No fim, preferia enviar ambos para o esquecimento.

Não me considerem uma pessoa romântica.

Não é como se eu desejasse a existência de um lugar no pós-vida onde poderiam se encontrar. Isso era apenas conveniência. Nunca se sabe quando uma testemunha pode virar o jogo e se tornar a assassina. Definitivamente não preciso de mais pessoas vingativas no meu rastro, já tenho que lidar com muitas delas.

Além disso, nem todas as mentes se mantém sãs depois de certos traumas. Digo isso por experiência própria. Creio que já está mais do que óbvio que não sou um exemplo de sanidade.

Enfim… voltando ao casal em evidência:

A fêmea era Tierra, uma habilidosa elementalista pertencente à raça das fadas. Ao pôr meus olhos pela primeira vez sobre ela, apenas vi uma criatura delicada, com pele de porcelana e olhos vítreos, que mudavam de cor dependendo do seu humor. Os cabelos eram tão coloridos quanto a peruca que um dia usei para infiltrar-me na capital. Asas de borboleta saiam de suas costas, causando uma explosão de brilho quando eram abertas.

Já Demigod, seu parceiro, era um elfo negro. Ele contrastava absolutamente dela, com sua pele escura como ébano e traços agressivos, piorados pela careta de fúria que vivia estampada em seu rosto. As orelhas eram pontudas, obviamente, os olhos pareciam um poço sem fundo de tão escuros e madeixas negras caiam descuidadamente sobre seus ombros. Dizia-se que Demigod era um mestre no que fazia…

Um especialista em tortura.

 

Sim… não estou falando de vítimas normais desta vez.

Estou descrevendo um par de assassinos… não se deixem enganar pela aparência adorável de Tierra. Ela faz coisas tão terríveis com os elementos que dispõe, quanto o marido com suas ferramentas cruéis.

Até então, eu apenas soubera deles por boatos.

Eram contratados para abater monstros infiltrados, principalmente metamorfos. Mas suas atividades estavam além disso. Às vezes um ou outro de seus conterrâneos era chacinado por eles. Em outras, seres humanos sumiam e a causa da morte era atribuída aos dois, graças ao “cartão de visitas” que deixavam no local do assassinato – uma borboleta pintada com sangue na parede ou em qualquer outro lugar plano, com uma cobra circundando-a, sem nunca despedaçá-la. Suponho que algum deles – provavelmente Demigod – possuía conhecimento sobre maldições, afinal eles precisariam levar uma prova de que o alvo havia sido eliminado. Um dedo, ou uma cabeça, ou olhos… não duvido que usassem o mesmo método que o meu, uma arma própria para isso.

Como os habitantes do Sonhar não deixam corpos quando morrem – salvo exceções que já mencionei em outros relatos – a única forma de perceber que alguém fora assassinado por eles era se notassem sua ausência ou se cruzassem com o local onde a morte ocorrera. O casal também era cauteloso, para que sua identidade não fosse revelada. Um ou outro ser conseguira vislumbrá-los fazendo seu trabalho sujo, mas mesmo que este passasse a informação adiante, logo desaparecia. Com tantos relatos desencontrados e ditos pela metade, Tierra e Demigod mantinham-se seguros. A única informação relevante que chegou às massas fora que um casal de assassinos estava caçando criaturas em praticamente todos os Reinos do Sonhar. E um deles era um mestre da tortura.

Precisava de um parceiro para me ajudar a ludibriá-los. Então, entrei em contato com Kandrak antes de tudo. Eu podia ter pedido ajuda à bruxa, mas entre me humilhar para o primeiro ou à segunda, preferia ganhar outra dívida com o metamorfo. Além disso, a velha estava se divertindo caçando criancinhas e moças virgens, bem longe de mim, e eu não queria ter que reencontrá-la tão cedo.

Ao encontrar meu amigo monstruoso – graciosamente vestindo uma aparência meio homem, meio cobra – pedi que ele contratasse os criminosos para matar alguém aleatório e me passasse as informações da vítima. Desta forma eu saberia o local do crime e só precisaria segui-los depois do assassinato, aproveitando-me de algum momento de distração para matar ambos.

Kandrak abriu aquele habitual sorriso malicioso, afirmando que eu era uma manipuladora eficiente e sem escrúpulos. Revirei meu olho para ele, alegando categoricamente que já havia passado da época em que me importava com os sacrifícios.

Não era bem uma verdade, mas eu esperava que o desgraçado tivesse o empenho de escolher um criminoso ou um beberrão qualquer. Contra as minhas expectativas, para variar, ele colocou o alvo sobre os ombros de uma criança élfica.

Desgraçado, filho de uma vadia metamórfica…

 

Eu ainda xingava-o mentalmente quando a operação começou e cheguei ao local determinado, escondendo-me e esperando que a dupla surgisse. Para dar crédito a Kandrak, o pirralho que seria morto era uma isca de bruxa… alguém como eu. A única diferença entre nós era que ele não precisava matar ninguém, só levar as presas até sua mestra.

Ainda assim, eu não me sentia confortável com a situação. Sabia, mais do que ninguém, o que era ser tanto vítima quanto carrasco.

Não podia simplesmente impedir o assassinato e confrontar aqueles dois. Precisava esperar que se separassem, pegar um de cada vez, de preferência começando por Tierra, que era um perigo maior. Lancei às favas meu senso de moral. Afinal, eu já havia feito coisas muito piores com garotos como aquele, mesmo que tenha sido por intermédio da maldição.

Vi, em silêncio, quando eles chegaram.

A alegria multicolorida e o rancor monocromático.

Foi mais rápido do que eu julgava… o garoto foi capturado, teve os olhos arrancados pelas ferramentas de Demigod, com precisão cirúrgica. Enquanto ele voltava-se para fazer a habitual pintura na parede de pedra, Tierra finalizava o serviço, queimando a criança até os ossos.

Afastei o mal estar e espiei enquanto trocavam palavras amáveis um para o outro. Tierra questionara o que fizera um metamorfo querer a morte da pobre criança. Seu parceiro deu de ombros, num gesto indiferente. Ele respondera que bruxas e metamorfos não tinham uma convivência muito boa, um estava sempre querendo atrapalhar o outro.

Quando ela insistiu, argumentando que o contratante deveria ter pedido pela morte da mestra também, Demigod calou-a com um beijo. Depois disse que isso não era da conta deles, e que era hora de ir.

Então comecei a segui-los. Não perdia seu rastro em momento algum. Quando passaram por uma taverna e o elfo negro separou-se da esposa (ou seja lá o que ela fosse dele), percebi que chegara o momento. Se eu não tentasse a sorte agora, teria que estender a missão por tempo demais.

Tierra continuou seu caminho, os passos delicados como os de uma bailarina percorrendo um atalho escuro demais pro meu gosto. Aquilo tinha cheiro de armadilha… talvez tivesse percebido que estava sendo seguida.

Continuei em frente. Se a situação estivesse muito ruim para o meu lado, eu voltaria, simples assim. Seria muito mais difícil fazer com que eles caíssem em outra cilada da minha parte, mas daria meu jeito.

Eu sempre dava.

 

Antes que ela chegasse até outra via, dei meu bote. Joguei toda a pressão em minhas pernas para saltar alto e atirei-me para frente, tentando inutilizar uma das asas dela. Com seres voadores, era padrão este procedimento. Uma vez que estivessem no ar, era quase impossível abatê-los. Alvejar membros tão grandes como os dela deveria ser brincadeira de criança…

Mas não foi tão simples assim.

Tierra desviou no último segundo, fechando as enormes asas de borboleta e respondendo a minha investida com uma bola de fogo. A magia por pouco não me atingiu, mas deixou um rastro fumegante em meu colete. Mais importante, eu estava tendo que lidar com um ataque em duas direções, porque um mangual havia sido manejado para acertar minhas costas. Girei o corpo para o lado oposto, tomando o golpe de raspão e recuando para o lado, de maneira que conseguisse avistar meus dois inimigos.

Lógico que era Demigod. Pela sua expressão, ele estava muito zangado por eu ter tentado retalhar sua parceira.

— Eu sabia que estávamos sendo seguidos.

— Ora, querido, não é como se isso fosse problemático para nós dois. — Tierra abriu um sorrisinho simpático que me fez querer socá-la. — Afinal, agora podemos dar conta de outro dos nossos contratos.

Oh… droga.

Não deveria ser algo difícil de imaginar, mas nem me passara pela cabeça que aqueles dois poderiam estar me caçando também. A julgar pela recompensa enorme sobre minha cabeça, era até uma dedução óbvia. Decepcionada com meu erro de cálculo, entrei em uma posição defensiva.

Era inútil lamentar minha falta de percepção. Dificilmente aqueles dois me deixariam sair dali, então o jeito era matar ambos juntos. Trocando olhares, eles atacaram outra vez. Tierra criou um caminho congelado, com a clara intenção de prender meus pés… Demigod investiu com o mangual, tentando acertar-me no rosto. Abaixei e rolei para o lado, sentindo o frio penetrar nas extremidades do meu corpo sem aprisionar-me, mas deixando uma sensação incomoda no lugar. Além disso, o solo abaixo de mim agora estava insuportavelmente escorregadio.

O elfo negro continuou a atacar. Tendo minha movimentação limitada pelo gelo, foi mais difícil esquivar totalmente da chuva de golpes que ele lançou sobre mim. A maior parte causou apenas ferimentos leves por ter pegado de raspão, mas um em especial acertou meu flanco direito, quebrando umas três costelas no mínimo e prejudicando alguns órgãos internos.

Isso estava começando a ficar ruim.

Outra esfera de chamas explodiu nas minhas costas.

Eu realmente odeio esses seres que controlam os elementos… aliás, tenho uma raiva pessoal por piromantes. Tenho vontade de queimar todos numa fogueira para saberem como o poder deles funciona na própria pele, mas é senso comum que não se pode atacar fogo com fogo. É ineficaz e bastante estúpido, na verdade.

Ao menos o gelo havia derretido o suficiente e eu consegui me firmar.

Com minha mobilidade prejudicada, vi com o canto dos olhos Tierra erguer-se no ar, usando as enormes asas de borboleta, e batê-las com uma força descomunal, criando uma habilidade de vento cortante como lâminas. Mesmo sabendo do risco, deixei que ela me atingi-se, apenas erguendo os braços para proteger meu rosto. Abriram-se talhos em minha pele, que doíam o suficiente para me deixarem ainda mais zangada. Podia sentir Demigod atrás de mim, o instinto assassino pulsante e abrasador. Quando ele fez menção de tentar outra aproximação covarde, dei um passo para o lado e girei para lhe dar um chute, não muito efetivo… ele defendeu-se usando os antebraços, e eu já estava prejudicada pelo ferimento em minha barriga.

Mas minha intenção era apenas afastá-lo… o vento continuava, mas agora eu podia contra-atacar a fada. Voltei-me de frente para ela num movimento ágil, usando toda a força que tinha no meu braço para atirar o florete contra Tierra. A arma passou silvando e cortando o ar, enganchando-se em sua asa direita e arrancado-lhe um grito de agonia. Vi-a despencar contra o chão, ao mesmo tempo que senti Demigod me agarrar por trás.

Se ele parecia irritado antes, agora estava possesso. Não parecia ser uma criatura de muitas palavras, então só imaginei que estava pensando que me mataria. Que me mataria lenta e dolorosamente, por ter ferido sua parceira.

Bom… ele poderia tentar.

Uma das mãos dele pressionou com brutalidade o machucado em meu flanco. A outra me mantinha presa pelo pescoço, apertando-o e me impossibilitando de respirar direito. A dor era agoniante, mas havia um porém…

Eu sobrevivera à Corte das Bruxas.

O desespero que experimentei lá fazia aquela pequena tortura parecer coisa de amador.

Ele podia até ser um mestre torturador, mas não estava agindo de tal forma naquele momento, e mesmo que o fizesse, ainda assim seria um nada comparado ao que eu já havia passado na mão da Velha.

Tierra reergueu-se com dificuldade, a asa ferida arrastando no chão. Seus olhos refletiam a cor vermelha, se aquilo não era raiva, eu não sabia o que poderia ser.

— Segure-a, vou incinerá-la. Poderemos usar a espada como prova.

— Mas…

— Ela me mutilou, Demigod!

Ele não tentou contradizê-la uma segunda vez. Agora o ar em volta dela esquentava e tremeluzia, o calor concentrando-se entre as palmas das mãos, formando uma bola de fogo muito maior que as outras. Se aquilo me acertasse, eu realmente viraria cinzas… como a isca de bruxa que tinham destruído mais cedo. Trinquei os dentes.

Até parece que eu deixaria me matarem assim.

Desde que Kandrak me salvara das mãos do carrasco, eu prometera a mim mesma que seria uma sobrevivente, independente do que acontecesse.

A esfera tornou-se maior.

Tierra voltou suas palmas para cima, depois fez um movimento circular, empurrando-as em minha direção. A arma mortífera deslocou-se. Ignorei a dor que Demigod me causava e entrelacei minha perna na dele, usando o resquício de força que ainda tinha para empurrá-lo, de maneira que, no último segundo, acabamos invertendo nossas posições. Eu estava perto o bastante para sentir o calor atingi-lo, sua pele começar a derreter, seu corpo começar a murchar. Não teve tempo nem de gritar. Foi uma morte praticamente instantânea.

Infelizmente, a proximidade com o elfo negro carbonizado cobrou seu preço em mim também. Os lugares onde ele ainda me segurava – meu pescoço e a lateral do meu corpo – foram cauterizados antes que Demigod se desmanchasse.

Como se eu precisasse sentir mais dor… maravilha.

A expressão aterrorizada de Tierra era o mais marcante. Ela parecia não saber onde que tudo havia dado errado. Quase fiquei penalizada por ela, então lembrei-me que o destino de Demigod fora reservado a mim, e a sensação passou. Com muito custo caminhei em sua direção, forçando meus pés a funcionarem. A fada não moveu um músculo sequer.

Vi quando as primeiras lágrimas começaram a cair e ela abraçou-se, em pânico, questionando o que foi que fizera. Passei direto, recuperando meu florete, intacto, e voltando-me para dar um fim naquilo.

Esperava que ela se ergue-se novamente, estufasse o peito e tentasse me queimar uma vez mais, por conta da vingança. Tierra não fez nada. E continuou sem reação enquanto eu elevava a espada em direção a sua nuca, num ângulo que atravessaria o coração.

Foi quando eu ouvi-a suspirar.

“Faça logo”, me disse, com um tom de derrota.

Parei minha própria mão, um tanto incerta.

“Por que não tenta ao menos escapar?”

“Não quero viver uma vida sem ele. Não depois disso.”

Frustrada pela passividade, mal percebi que estava gritando. “Não vai se vingar? Vai apenas desistir e aceitar a inexistência assim, sem esforço algum?”

A resposta saiu em murmúrios. Ela era uma assassina. Ele também era. Um dia, algo assim fatalmente aconteceria. Nós colhemos o que plantamos.

Sem ter o que argumentar, com a dor em meu flanco começando a tornar minha visão turva, desci a espada.

E foi apenas isso… mais nada.

 

Mais tarde, Kandrak veio a meu encontro. Ele trazia poções de cura consigo, bebi umas três só pra ter certeza que meus órgãos detonados estariam perfeitos novamente. Com relação às minhas três costelas fraturadas, não tinha muito o que fazer. Elas demorariam mais algum tempo para sarar.

Eu ainda estava zangada. Detestava não compreender as coisas… era como se a resposta estivesse embaixo do meu nariz e eu não pudesse alcançá-la. Estava ainda mais estressada com Kandrak, eu tinha certeza que ele sabia sobre a dupla estar me caçando e não me contara propositalmente. Atirei isso na cara do metamorfo, e seu sorriso presunçoso aumentou de tamanho.

“É claro que eu já sabia que você venceria. Por que eu avisaria?”

“Para poupar minhas costelas”, respondi num chiado, contendo-me para não esganá-lo.

Ele me deu tapinhas que poderiam ser considerados de camaradagem, não fosse o lugar em que estava batendo: exatamente sobre as ditas costelas.

Soquei várias vezes o rosto dele depois disso. Totalmente uma perda de tempo, mas dava para descontar a raiva, pelo menos.

Admiti que não sabia o que tinha acontecido desta vez. Não entendia a atitude de Tierra, a qual Kandrak dissera que aliara-se a Demigod após conhecê-lo e se apaixonar por ele. Desconhecia o motivo dela ter oferecido sua vida sem resistência, apenas por não querer viver num mundo sem outra pessoa.

Os olhos dos dois pesavam em meu bolso, como se fossem feitos de chumbo.

O metamorfo deu de ombros. As escamas verdes de cobra faiscaram sobre a pele de suas bochechas, refletindo a luz do sol. Os olhos ofídicos fitavam o céu sobre nossas cabeças com desinteresse.

— Não sei nada sobre o que vocês chamam de amor.

Tampouco eu sabia.

— Parece ser algo superestimado.

— É dedutível que você amava sua família…

— Não é deste tipo de sentimento que estou falando. E, de qualquer forma… — enlacei meu corpo apenas com um dos braços, de maneira que minha mão ficasse por cima do ferimento. — Eu não consigo me lembrar de como era.

O sorriso malicioso de Kandrak surgiu. Disse-me que eu parecia deprimida. Que, levando em consideração minha idade atual, eu já estava pronta para me apaixonar pela primeira vez e experimentar novos prazeres.

Desdenhei-o totalmente. Aleguei que não precisava de algo tão complexo e inútil na vida atribulada que eu levava.

“Que criança mais madura.”

Foi tudo o que ele disse. Embora eu tenha sentido a ironia a quilômetros de distância, resolvi ignorá-lo. Até que Kandrak voltasse a falar, algum tempo depois. “O que me lembra”, ele começou, com seu habitual ar malicioso, “Nunca conseguiram beijá-la, não é?”.

Virei-me em sua direção para retrucar que sim, nenhum desgraçado tinha conseguido, e pretendia que continuasse assim. Mas a boca dele impediu-me de dizer metade que eu queria. Kandrak pressionou-a contra a minha, podia sentir seus lábios gélidos e rachados, assim como um leve gosto ferroso, que parecia muito com sangue. Sua língua viperina tocou suavemente o céu de minha boca, antes dele se afastar novamente.

E eu dar um ataque.

— Que diabos você pensa que está fazendo!? E que porcaria você anda comendo!?

O metamorfo só fez questão de responder a segunda pergunta, me olhando com perfídia. Ele parecia estar se divertindo muito, aquele babaca… — Você não vai querer saber.

Fiquei enjoada automaticamente com aquela constatação. Encolhi-me só de pensar nas possibilidades, enquanto limpava a boca com as costas da mão. — Argh… que nojo.

Kandrak enfiou as garras escamosas dentro das mangas da longa vestimenta que usava – que em seu mundo, provavelmente seria chamada de quimono – e continuou com seu joguinho pervertido. — Se quiser que eu seja seu primeiro em outros aspectos, é só dizer.

— Até parece… — cruzei meus braços, estarrecida. — Experimente colocar tal ferramenta sob meus olhos para ver se não vou cortá-la fora.

— Você pode tentar. — o sarcasmo espalhou-se no ar mais uma vez, e enfiei o florete em sua cabeça. Ele não fez mais que gargalhar, enquanto arrancava a arma e a atirava para trás sem a menor cerimônia. — Garotinha tola…

— Você é insuportável.

— Eu sou seu amigo. — o sorriso tornou-se quase… quase afetuoso. — É esperado que eu seja. Preciso me divertir de alguma forma, não?

— Era de se esperar que alguém da sua idade tivesse coisa melhor a fazer do que implicar com garotinhas.

— Quando se vive tanto tempo quanto eu vivi… qualquer mudança de perspectiva é válida.

Ele estava sério agora.

Nunca tinha parado para raciocinar decentemente sobre isso… por que Kandrak queria ser meu amigo, afinal de contas? Havia a questão do respeito, da força e da determinação, isso eu já percebera… mas essas coisas são o que se procura em um aliado.

Nós eramos aliados também, entretanto o metamorfo citara amizade. Poucas vezes, mas o fizera, era sempre esta a palavra que usava. E se ele existia antes mesmo do último Reinício do Sonhar… Com aquele corpo mutante sem forma definida, fadado a odiar, e matar e aterrorizar…

Só de imaginar quantos milênios ele passou sozinho, já sinto um nó apertar minha traquéia.

 

Se perguntassem a mim, eu diria que Kandrak era meu único amigo.

Porém, aos poucos fui notando que eu era a única amiga dele, também.


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Notas finais do capítulo

Ei, ei, ei, gente!
Temos um cap maior que os outros hoje. Acho que é o esperado, levando em consideração tanta coisa que aconteceu. Infelizmente acabei tendo que usar mais diálogos do que eu queria inicialmente, mas aquela cena final da Vega e do Kandrak não podia ser deixada de fora.
Provavelmente vão achar que não foi romântica nem nada do tipo, e isso é realmente a intensão. Esses dois não foram criados (volto a repetir) para fazerem um par romântico, apesar da ligação entre ambos ficar mais forte quanto mais o tempo passa.
É trágico escrever Meteoro, eu crio personagens em um capítulo para matá-los no mesmo... isso está matando minha alma. Mas e ai, o que acharam de Tierra e Demigod, nesses poucos instantes que eles brilharam?
E o que acreditam que vem por ai?
Por incrível que pareça Meteoro está chegando ao fim, meus amores. Mais uns quatro ou cinco caps e estará fechadinha.
Vejo vocês na próxima semana (ou vou tentar, pelo menos) Rsrs
Até mais e beijos para todos ♥



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