Meteoro escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 5
Soterrada – Parte II


Notas iniciais do capítulo

Yo, pessoinhas. :3
Demorei um pouco mas voltei, haha.
Espero que todos façam uma boa leitura. ♥



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Eu estava presa…

Durante aproximadamente três meses fui mantida em uma cela desconfortável, com grilhões pesados presos aos meus pulsos e tornozelos, sem ver o sol, a lua ou as estrelas. Recebia alimentação o suficiente para me manter viva, e o mínimo de água responsável pela minha existência. Mas nenhum dos dois parecia ser o bastante, eu sempre me via faminta e sedenta no fim do dia.

Era incapaz de contar os dias que passavam e meu sono estava desregulado.

Minha única companhia era o silêncio e a solidão. Na masmorra em que fora jogada, nada além de mim respirava.

Então veio o fatídico dia em que minha sentença seria cumprida. Aparentemente alguém decidira condenar-me a morte, e fui arrastada da minha cela obscura para uma claridade que me cegou instantaneamente. As vozes irritadas da multidão feriram meus ouvidos, já desacostumados ao som. Até mesmo o sol parecia incinerar minha pele.

De qualquer forma eu ia perder a cabeça em breve, então por que deveria me preocupar?

Talvez, se ainda guardasse um pouco de minha determinação, conseguisse de alguma forma escapar daquilo. Digo talvez porque, exausta do jeito que me encontrava, não tinha certeza se qualquer plano que fizesse funcionaria.

Mas eu já não era determinada a este ponto. Tinha desistido totalmente de viver, e aquela inexistência que passei a temer com minha falha ao matar Kandrak, havia desaparecido.

Foi dessa forma que eu, a grande assassina do Cavaleiro Prateado, fui levada até um pódio onde o carrasco esperava com um machado muito afiado, pronto para decepar minha cabeça. Teria me consolado pensando ser uma morte rápida, se tivesse forças guardadas para isso.

Fui vergada, ajoelhada a força e tive meu pescoço acomodado em uma tora de madeira

As palavras de acusação passaram por meus ouvidos sensíveis, mas não consegui prestar atenção nelas. Estaria satisfeita se tudo acabasse rápido. Todo mundo deveria saber dos meus crimes, não havia uma necessidade real de que eles fossem gritados em uma praça pública.

Meu olho bom capturou os pés do carrasco movendo-se, provavelmente buscando uma posição melhor para o golpe. No vislumbre que tive dele ao chegar, reconheci a frieza e a diminuta estatura de um anão. Era surpreendente um membro de uma raça tão orgulhosa se dispôr a cortar cabeças, mas essa surpresa também desapareceu e suspirei, fitando o chão novamente. Pude sentir a deslocação do ar quando o machado foi erguido e descido, perigosamente próximo…

Vou poupá-los do suspense. Todos sabem que eu não morri nesse momento. O que devem se perguntar é: quem me salvou?

Não foram meus pais, claro. Minha vila foi destruída em algum momento destes três meses que passei aprisionada, ou seja, eles já estavam desaparecidos… provavelmente mortos.

Também não foi a bruxa. Por mais valiosa que eu fosse, ela nunca se daria a este trabalho.

Então, como podem bem imaginar, meu salvador foi um certo metamorfo…

 

A única coisa que consegui discernir foi uma escuridão pesada me envolvendo e o barulho da lâmina do machado trincando contra alguma outra coisa. Quando ergui um pouco a cabeça, só pude ver a multidão recuando com expressões apavoradas, olhando para algo atrás de mim. Antes que pudesse ver o que era, alguém com mãos detestavelmente duras agarrou-me pela cintura. Em seguida senti o vento bater no meu rosto quando disparamos para frente, numa velocidade alta, atropelando quem ficasse em nosso caminho. A turba abriu passagem à força, e senti meu estômago revirar. O cheiro de carne podre chegou ao meu nariz e me fez vomitar, o que causou um resmungo despreocupado do meu salvador.

— Que ótima forma de agradecimento.

Minha cabeça rodou, o que me impediu de movê-la para observá-lo. Tinha a plena certeza de que era Kandrak pela voz, mas não fazia ideia de que forma estava usando no momento. A julgar pelo odor, preferia não descobrir.

O metamorfo nem de longe era um meio de transporte confortável, mas o cansaço extremo me fez adormecer. E só fui acordar quando senti o baque contra o chão, após Kandrak ter me soltado sem cuidado algum.

Eu o ensinaria boas maneiras, se as tivesse.

Sentindo dor em todos os lugares imagináveis, morta de cansaço, com uma fome dos diabos e um enjoo ainda pior, esforcei-me para levantar e ficar ao menos sentada. Havia uma superfície lisa atrás de mim e encostei-me nela, só então analisando o ambiente ao meu redor. Parecia algum tipo de construção em ruínas, com pedras cinzentas que se desfaziam e paredes desmoronadas. A poeira avermelhada no ar não ajudava muito no meu estado. Ela impregnava meu sistema respiratório e tornava difícil a tarefa de inspirar e expirar. Não sei o que Kandrak tinha em mente, mas definitivamente aquele lugar me mataria tanto quanto o machado do carrasco.

Virei meu rosto um pouco, sem conseguir assimilar onde o metamorfo estava. Manter a cabeça erguida era quase impossível, não conseguia ter uma visão ampla de todo o local. Pelo estado da residência, as pedras cinzentas e a areia, imaginei que aquelas seriam as ruínas de alguma cidade tão antiga quanto o tempo, lugar que sempre era visitado por exploradores e aventureiros. Levantei a mão para tocar a parte inferior do meu rosto, como se eu conseguisse dessa forma impedir a entrada da areia. Então ouvi sua voz partir do outro lado da parede semidestruída em que me apoiava.

— O que tinha na cabeça quando cometeu a burrice de se entregar?

— Eu não me entreguei. — minha voz saiu rouca e arranhada, tanto pelo desuso quanto pelas impurezas no ar. Tossi um pouco para tentar aliviar a secura, em vão.

— Pelo que eu soube você nem sequer lutou quando a pegaram.

— Não vejo como isso pode ser da sua conta.

— Considerando que eu fui lá e a salvei, diria que o mínimo que poderia me dar era uma explicação.

— Eu não pedi para fazê-lo, pelo que eu saiba.

Ouvi o barulho de coisas pontudas e duras arranhando a parede do outro lado. A vibração que vinha dali era medonha, mas a ignorei. Kandrak perdera a capacidade de me assustar desde o momento que alegara categoricamente ter minha amizade. E mesmo que suas intenções fossem macabras, eu estava prestes a aceitar que minha cabeça seria separada do pescoço… por que eu deveria temer?

Eu vi sua silhueta medonha com o canto do olho bom. Era apenas carne putrefata e ossos, uma caveira nem de longe humana, com o crânio mais achatado e presas estranhas que saiam da região do maxilar. A região do tórax era mais alargada, os braços e pernas mais finos, tinha falanges que terminavam em garras afiadíssimas. Cobrindo a ossada havia tiras de carne e músculos, num tom nauseabundo de verde.

Disse o quanto ele estava repugnante visualmente.

Sua resposta foi aquela risada maliciosa, tão perto de mim que consegui sentir o cheiro de podridão. O nojo me golpeou com força, teria vomitado uma segunda vez se tivesse forças pra isso.

Kandrak não me dirigiu palavra por um tempo, mas me ofereceu uma garrafa com água que entornei garganta adentro em poucos instantes, e um amontoado de frutas diversas, cujo gosto metálico lembrava sangue.

Quando ele voltou a falar, já havia acostumado-me à aparência deprimente e ao cheiro, principalmente ao barulho estranho que os pés deformados dele faziam ao arrastar-se pela areia, arranhando a pedra sob ela. Kandrak me questionou se eu ainda pretendia deixar-me matar. Talvez devido à falta de uma resposta minha, ele mencionou o fato de que a vila em que meus pais habitavam fora atacada… que eles não foram encontrados em lugar algum.

Creio que tenha me entregado a dor outra vez depois disso. Meu salvador, como esperado, sendo a criatura maldosa que era, não fez absolutamente movimento algum para me consolar.

Chorei até que minha cabeça voltou a doer, até sentir-me desidratada outra vez. Nenhum som acompanhava meus soluços além do vento forte que levantava a areia. Ele uivava, mas Kandrak permanecia em silêncio, absolutamente parado. Havia se tornado praticamente uma estátua, sem mover um centímetro sequer… até que eu me vi implorando que me levasse de volta. Que me entregasse novamente àquele anão com o machado e deixa-se que ele finaliza-se o serviço.

Só pude reconhecer a irritação em sua voz, porque obviamente caveiras não possuem expressão. As unhas voltaram a arranhar a pedra, causando um som terrível. — Eu lhe aviso para não fazer com que me arrependa de tê-la buscado, criança.

— Você não tinha essa obrigação.

— E você é uma garotinha ingrata, mas não estou reclamando disso. Se queres tanto morrer, eu mesmo te faço esse favor, mas garanto, garota… — ele estava muito próximo outra vez, as garras de ossos afiados em frente ao meu rosto, uma delas tão próxima do meu olho bom que poderia inutilizá-lo com um mísero movimento. Nem sequer estremeci. — Não será de uma forma indolor, muito menos misericordiosa.

Resmunguei que ele era um péssimo amigo, de todas as formas possíveis. Se é que eu poderia mesmo considerá-lo um, afinal estava claramente me ameaçando de morte mesmo depois de ter me salvado. Não sei dizer quem estava mais instável com aquela situação, se era ele ou eu.

Kandrak agachou o corpo bizarro, sentando-se – bom, talvez sentar não seja o termo ideal, ele nem sequer possuía nádegas naquela forma – em uma pedra meio enterrada que ficava diretamente a minha frente. Ele apoiou um dos braços esqueléticos no joelho e a caveira sobre a mão. Uma posição tipicamente humana… sempre me surpreendia o fato dele assemelhar-se tanto a um, mesmo estando com as aparências mais estapafúrdias.

— O que precisa entender, criança… — e ele começou a falar novamente. Olhando-o de frente assim, conseguia notar que o crânio mexia os ossos de acordo com as palavras, mas elas vinham de algum ponto além do corpo retorcido. Não dava pra identificar de onde o som vinha. Era como se viesse de todas as direções e de nenhuma ao mesmo tempo. —… é que monstros como eu tem um senso diferente de moralidade. Nós vemos virtude em força, habilidade e capacidade destrutiva.

Ele continuou a falar. Disse que eu não fora a única criança que a bruxa enganara para servi-la. Também não fui a única que ela tentou enviar contra ele, mas as outras não tiveram um desfecho tão feliz como o meu – e pude notar que, ao dizer isso, havia divertimento em sua voz. Kandrak mencionou o que sabia ter ocorrido com as outras que não foram mandadas para matá-lo. Havia casos de suicídio, autossabotagem, falhas catastróficas que terminaram ceifando suas vidas… ao resumir, eu fora a única que sobrevivera por mais de um ano. Os outros não duraram nem metade disso.

Tive uma nova visão, enquanto ele explicava, do seu ponto de vista: o metamorfo não se incomodava de livrar-se de criaturas fracas. Ele alimentava-se disso, no fim das contas… do medo alheio e da incapacidade paralisante. O que me salvou, o que fez com que ele me respeitasse e de certa forma se “apegasse”, foi minha força. Minha determinação em permanecer viva. Entendi o que ele quis dizer quando nos conhecemos, sobre querer saber até onde eu iria… Kandrak estava curioso, quanto tempo uma humana como eu sobreviveria nas mãos da bruxa? E eu poderia vingar-me dela e tornar-me livre algum dia?

Ousei questionar a razão dele não tornar-me sua serva, se queria tanto destruir aquela velha.

Sua resposta foi algo como: Não me julgue mal. Eu sou um monstro, gosto de ser um e não mudarei por causa de absolutamente ninguém. Posso me importar, mas não o bastante para mantê-la comigo. Sou movido pela selvageria, eu acabaria devorando-a de todas as formas que possa imaginar. Fatalmente, você morreria nas minhas mãos.

Bom, ao menos ele era sincero. Embora aquilo de “me devorar de todas as formas possíveis” tenha soado muito perturbador. Eu tinha conseguido de alguma forma manter minha “pureza” com relação a certas coisas, mas já tinha ouvido falar sobre outras moças que haviam caído nas garras de um habitante do Reino dos Pesadelos e não foram tão “sortudas” quanto eu.

Ser deflorada enquanto era devorada não estava nos meus planos.

Meu senso de humor ácido parecia ter retornado em algum ponto da conversa, porque num repente me percebi dizendo que “ele não possuía nem dentes nem qualquer outra coisa que poderia me preocupar naquela forma”.

O riso mal intencionado vibrou em minha cabeça. — Ainda assim, posso ter a forma que eu quiser. Algumas tem tentáculos, por exemplo.

Não entendi na época a que ele se referia.

Como já disse, Kandrak usava sempre um tom maldoso para falar, então coisas tão simples como “vamos dar uma volta” ganhavam uma conotação completamente pervertida.

Preferi deixar o assunto para lá…

— Se você é capaz de fazer a diferença… — ele prosseguiu, retornando ao que importava. —… não deveria simplesmente deixar-se matar. Cresça mais. Adquira conhecimento e técnicas mais poderosas. E, quando sua força estiver no auge… — Kandrak fez mais uma pausa, desta vez passando a falange em frente aos ossinhos que correspondiam ao topo da coluna vertebral. —… Degole a vadia.

— É fácil dizer. Estou a três meses presa. Se ela me quisesse de volta teria me procurado…

— Hum? Aquela Velha Bruxa? Nunca se daria ao trabalho, provavelmente acha que você consegue se virar sozinha. De qualquer forma, ela não negará sua presença. Se eu estivesse em seu lugar… — ele estendeu um dos dedos para apontar o buraco onde deveria estar meu segundo olho. — … Começaria fortalecendo minha mente. Para que um dia possa subjugar o pacto.

— Isso é possível?

— Sim… mas é necessário ter muita força de vontade.

Deixei que um sorriso arrogante aflorasse em meu rosto pela primeira vez em meses.

— Então está falando com a pessoa certa.

— Não duvido. — Quase pude ver a ironia desenhar-se em seu crânio com a seguinte frase: — Agora que estamos resolvidos, você quer um abraço? Essas demonstrações incompreensíveis de afeto parecem próprias para vocês, humanos.

Olhei-o de cima a baixo, minha expressão provavelmente demonstrando aversão. — Dispenso.

 

Kandrak não me deu um abraço – ele estava apenas me importunando, como sempre – mas me guiou para fora das ruínas, de volta a um caminho que eu pudesse usar para encontrar-me com a bruxa. Estava meio em dúvida se torcia para ela ter mudado seu território de atuação ou não.

Vi-me mais curiosa quanto aquela cidade arruinada do que qualquer outra coisa. Ele me explicou que o Sonhar era um lugar moldado por fantasias, e que sua aleatoriedade era constante. As terras podiam manter-se as mesmas por eras, mas quando haviam mudanças drásticas, elas tragavam tudo em seu caminho para recomeçarem do zero. Aquele lugar era o que restara de uma antiga cidade, anterior ao nosso último reinício. O metamorfo me confidenciou que ali dentro já fora considerado um Deus.

— Mas isso foi a muito tempo.

 

Ele finalizou, e não tocou mais no assunto. Questionei-me em pensamento o quanto ele e a bruxa viveram… sem dúvida era uma eternidade.

Durante a caminhada, ele tirava de uma bolsa de couro que carregava mais suprimentos. Era o máximo que Kandrak fazia para me ajudar a locomover-me.

Quando eu oscilava, era mandada me virar sozinha.

Quando o enjoo voltava, ouvia alguma piadinha da parte dele.

E foi assim, mais me arrastando do que caminhando, que eu encontrei um lugar reconhecível e que não me levaria para as garras da Guarda Real. Meu parceiro de caminhada entregou-me o resto das provisões e despediu-se daquela maneira indiferente com a qual eu já começava a acostumar-me.

Levei mais alguns dias para encontrar a bruxa, que não fez pergunta alguma sobre minha demora em retornar. Nem ao menos tive como descobrir se ela sabia da minha prisão ou não. Preferi guardar para mim a pergunta que girava em minha cabeça: Chegou a raptar mais uma criança inocente para pôr no meu lugar?

Nesse ponto, eu já tinha uma nova meta.

Eu venceria a vontade da bruxa que me acorrentava.

Eu apagaria o fogo azulado em meu globo ocular vazio à força.

E quando o fizesse…

Ela se arrependeria amargamente por ter me enganado…


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Notas finais do capítulo

+Então... a partir de agora começamos uma nova etapa na vidinha da Vega, ela vai começar a brigar contra o controle da Bruxa. Preciso dizer que vai dar muita treta? Acho que não, né... -q

+Talvez seja bom eu fazer uma nota referente ao Kandrak: ele não é uma criatura boa. Ele mesmo diz isso e afirma com todas as letras. É um monstro cruel e malicioso, mas esse certo apego que ele tem para com a Vega é real. Mesmo assim não é um personagem que foi feito para entrar naquele clichê "o amor mudou o cara". Não, galera, o K é bem mais complexo que isso. Mantenham isso em mente, podemos esperar muitas coisas dele, mas há limitações.

+Com esse cap chegamos à metade da fic. Espero que estejam gostando de passar um tempo na cabeça da Vega.
Um beijo para todos vocês e até a próxima. ♥



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