Meteoro escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 4
Soterrada - Parte I


Notas iniciais do capítulo

Ei, gente, como vão vocês? :3
Passando para avisar que esse capítulo terá duas partes, afinal se eu colocasse tudo que eu queria numa só ficaria enorme. Está um pouco menor que o normal, e também tem umas cenas um pouco pesadas (mais em caráter psicológico do que violento).
Ou talvez não seja tanto assim para vocês, mas é sempre avisar antes por via das dúvidas...
Tenham uma boa leitura. :3



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Aos quinze anos, uma série de catástrofes aconteceram:

A primeira foi o duelo que iniciei com o dito Cavaleiro Prateado, o qual terminou de maneira fatídica… tanto para ele, quanto para mim.

A segunda é referente a minha prisão e tudo que foi desencadeado através disso.

A última, foi a notícia que relatava a destruição de minha vila natal e, consequentemente, o desaparecimento de meus pais.

Dessas três, apenas as duas primeiras estão interligadas. Como já mencionei, não havia nada que eu pudesse fazer para deter aquele dragão… a menos que estivesse solta quando ele atacou, o que não era o caso.

O palco está armado, e iniciarei esta parte da minha vida com o mais importante: minha invasão ao Centro do Sonhar, onde reside a família Real.

 

É claro, desta vez precisei ser mais sutil que o de costume. Minha fama havia se alastrado demais, e se os guardas ou qualquer habitante me visse, seria adeus para todos os meus planos e principalmente à minha liberdade. Não tinha certeza se o Rei me condenaria a morte se colocasse as mãos em mim, então era bom considerar essa hipótese também.

Aquela missão me fez estrear em vários quesitos…

Foi a primeira vez que me disfarcei.

Foi a primeira vez que matei um sacrifício por conta própria.

Foi a primeira vez que baixei a guarda o bastante para ser pega.

Foi a primeira vez que, depois de ter sido capturada pela bruxa, alguém se deu ao trabalho de me salvar.

Entrei no Reino Central usando um vestido branco justo e bem cumprido, com mangas tão grandes quanto, na tentativa de esconder o máximo possível das cicatrizes. Eu odiava vestidos desde sempre, mal conseguia andar com eles, quem dirá lutar… além disso, eu era forçada a sentar comportadamente, quando preferia simplesmente largar-me em qualquer lugar, de qualquer jeito.

Consegui uma peruca multicolorida que fazia-me parecer um arco-íris ambulante – não havia nada melhor, infelizmente – e usei meu parco conhecimento de maquiagem para disfarçar as marcas em meu rosto. Também apropriei-me de uma lente de contato cor-de-rosa que incomodava bastante. Quanto ao meu olho arrancado, não havia nada a se fazer quanto a ele, então eu jogava a franja da peruca para aquele lado, na esperança de tampá-lo o máximo possível.

Nem me perguntem onde arranjei tais coisas, garanto que não vão querer saber…

Eu estava mais colorida do que me sentira em toda a minha existência, não havia nada da Vega habitual em mim… e em meio às criaturas bizarras e vibrantes que circulavam pela capital, conseguia passar despercebida.

Meu maior receio era que eu acabasse encontrando meu pai, o que era uma possibilidade grande, estando à margem do grande Palácio. Mas garanti a mim mesma que, mesmo que o homem passasse por mim, não me reconheceria. Dessa forma eu também evitava olhar diretamente para a multidão ao meu redor, temendo encontrar olhos conhecidos.

A despeito da doença amplamente conhecida da princesinha, Hannyere, o povo do centro do Sonhar era vívido e festeiro. Havia barulho e música por toda parte que eu fosse, o que fez me lembrar da Taverna dos Contos, com sua irradiante alegria. Todo o tipo de criatura passava por mim, desde as ninfas com sua pele quase translúcida aos unicórnios, de fadinhas a duendes. Era uma miscigenação incrível, pois eu estava acostumada a ver as raças limitadas aos seus devidos territórios. A energia que emanava de toda a praça por onde eu andava era viciante, mas foquei-me na minha missão. Eu não fazia parte daquilo, agora eu habitava a margem da civilização, o lugar mais próximo que podia chamar de lar era o Reino dos Pesadelos, com suas crias desvirtuadas e sanguinárias.

Minha lâmina estava escondida temporariamente dentro de uma caixa de instrumento musical – imaginava que fosse de um violino ou algo parecido – e eu a carregava nas costas. Precisava manter-me ocupada até a noite, quando a multidão se dispersaria e eu poderia acuar o Cavaleiro Prateado sem ser interrompida. Contudo, ainda não havia localizado-o.

Apesar das meninas chorarem e gritarem quando este passava – ou era isso que eu ouvira dizer, pelo menos – ninguém fora capaz de ver seu rosto. Imaginava que só a Família Real conhecesse sua verdadeira identidade, afinal o homem devia obediência total a ela. Talvez, com sorte, pessoas de seu círculo interno de amizade soubessem de onde ele viera…

Encontrei-o escoltando a pequena Hannyere pela passagem apinhada de gente. Obviamente recebera o título por conta de sua armadura completa e prateada, tão bem polida que chegava a brilhar. Não sabia dizer se ele era grande por si só ou era a proteção que dava essa impressão. Era difícil ver uma falha sequer na vestimenta metálica, inclusive seu rosto era protegido por um elmo em forma de dragão, tornando difícil até mesmo vislumbrar seus olhos.

Caminhava com tranquilidade e segurança, a princesinha diretamente ao seu lado. Parecia uma anã perto dele, com sua aparência delicada e doente. A pele era tão pálida que era possível ver as teias rochas que eram suas veias. Olheiras permanentes marcavam seus olhos, os longos cabelos negros não tinham muito brilho. Em compensação, seus olhos dourados transmitiam toda sua vitalidade. Eles brilhavam para as pessoas, para as lojas, para absolutamente tudo! Eu já sabia que Hannyere não podia sair do Palácio com frequência por conta do seu estado debilitado, tanta animação devia ser por essa razão.

A princesa faleceria aos quinze anos, mas naquela época estava apenas com dez.

Ao lembrar-se dela tão exultante, não consigo evitar lamentar seu destino: morrer só para ser aprisionada em um corpo semivivo, servir de catalisador para um paradoxo e depois morrer mais uma vez.

É claro que, de alguma forma, a morte de Hannyere mudou tudo. Ela foi o gatilho que iniciaria toda uma sequência de eventos, começando com minha entrada em seu Torneio e finalizando com a chegada de Louise ao Mundo dos Sonhos e a derrota de Aster. Isso, contudo, é apenas especulação de minha parte. As coisas podiam ter ocorrido de uma forma completamente diferente e o mundo poderia ter sido salvo ou destruído, e eu nem estaria mais viva para contar essa história.

Observei em silêncio o Cavaleiro Prateado andando ao lado daquela pequena bomba relógio. Girei nos meus calcanhares e dirigi-me ao anfiteatro que havia ali perto, de onde vinha a maior parte da música que pulsava no ar.

E esperei…

 

Quando as estrelas pontilharam o firmamento, desfiz-me do meu disfarce em um beco escuro e isolado. Usei camadas e mais camadas de pano para esconder meus seios – que, nessa idade, já haviam ficado irritantemente grandes – e vesti roupas mais largas, em detrimento do couro habitual. Passei de Garota Arco-Íris a Garoto Caolho em questão de poucos minutos. Então escondi-me nas sombras, mantive-me distante da luz e dos poucos transeuntes, enquanto fazia meus passos até o Palácio.

Tenho a tendência a acreditar em instinto e algo que gosto de definir como “o chamado para a batalha”, que os cavaleiros mais talentosos têm. Esse fenômeno puramente teórico é responsável por levar duelistas a se encontrarem nos campos de batalha mais improváveis. Ou fazer com que um alvo benigno saia de sua segurança para tentar derrubar o inimigo sozinho.

Quis o destino que o Cavaleiro Prateado seguisse essa inspiração, o que me permitiu encontrá-lo em uma das praças, já vazias, de madrugada.

Não houve diálogos, nem perguntas e nem acusações. No primeiro olhar ele já deveria ter prevido o que eu fazia ali. E eu nunca fora de muitas palavras, principalmente quando estava caçando alguém.

Ataquei primeiro, forçando-o a revidar. Era assim que vencia as lutas em que entrava, primeiro decorando os padrões e os golpes do oponente, depois cansando-o com minha velocidade e finalizando quando a presa não conseguia mais contra-atacar. Acontece que, desta vez, as coisas não saíram exatamente como o previsto.

Para começar, ele era uma muralha ambulante, aquela armadura parecia não ter brecha alguma. Do meu lado, estava vulnerável, as camadas de tecido não me protegeriam de sua arma. Esta, uma espada de folha larga e afiadíssima, era manipulada com maestria e precisão cirúrgica. Ainda por cima, apesar de todo o peso que deveria carregar, o homem também era rápido. Aquilo chamou minha atenção… eu reconheci o estilo de algum lugar.

Mas nesse ponto eu já estava animada com a batalha, mergulhada naquela sensação de lutar com um oponente à minha altura. Nossas lâminas trançavam-se e se encontravam soltando faíscas, e duelávamos de tal forma que aquilo mais parecia uma dança mortal. Ele não conseguia atingir-me e vice-versa, e comecei a me preocupar que alguém ouvisse o som do choque entre as espadas e viesse averiguar…

Não havia mais tempo… tinha que ser agora!

Usei de toda a minha habilidade e jogo sujo para fazer o movimento seguinte. Fui em sua direção, desviando de um golpe direto de sua espada e saltando por cima da mesma, deixando a minha para trás. Então enlacei minhas pernas em sua cintura. Arranquei seu capacete com uma das mãos num movimento ágil e, mecanicamente, sem nem focar minha atenção nos seus olhos azuis, puxei a faca por entre as minhas vestes e encravei-a em sua garganta.

Entendam, eu não poderia ter parado esse golpe nem se eu quisesse, pois a partir do momento em que eu o cogitara, precisava ser veloz o bastante para que meu inimigo não o lê-se em meus olhos, no microssegundo que eu levaria para enterrar a adaga…

Esse foi meu erro…

Se eu tivesse demorado um pouquinho mais, se tivesse encarado aqueles olhos azuis, teria parado.

Porque não era um homem que me olhava por trás do capacete, e sim uma garota.

Era uma daquelas beldades delicadinhas de cabelos dourados e olhos azuis, que piscavam e faziam os homens suspirarem…

— Elirya?

Aqueles olhos me fitaram de volta. Ela também me reconhecera, e neles eu pude ver a antiga inocência brilhar uma última vez, antes que se apagassem por completo e o corpo não tão grande assim tombasse, levando-me junto. A pergunta silenciosa escrita neles, “Por quê?”, chegou até mim. E não fui capaz de me levantar.

Os cabelos longos e leves adornavam o rosto pálido e sem vida, eternizado numa expressão de incompreensão. Sangue espalhava-se do corte em sua artéria, eu não fora capaz nem de retirar a faca dali.

Eu estava lúcida…

Não era a bruxa no controle do corpo, não era o fogo azulado que enfiou aquela adaga, e sim eu… apenas eu.

As lágrimas chegaram. Já fazia muito tempo que eu não chorava, eu as estranhei, e não conseguia me mexer para estancá-las.

Eu havia matado Elirya…

O conhecimento da minha condição nunca me atingiu de forma tão terrível. Foi ainda pior do que quando eu matara aquele primeiro garoto, três anos atrás. Eu sempre soube que era uma assassina e uma marionete, e não passava disso… mas aquela era a confirmação de que eu era um monstro.

Percebam, eu não era assim tão apegada a Elirya para chorar por ela… era apenas uma garota que eu enviei ao meu pai para que treinasse e esperava nunca mais encontrá-la novamente. E era aí que estava o problema, pois aquela moça havia conseguido o que eu idealizara. Mesmo que em segredo e cercada de mistérios, ela treinara e tornara-se promissora em pouco mais de um ano. E se fora meu pai que realmente a ajudara…

Chorei ainda mais. Apoiei uma das mãos no peito metálico e com a outra tentei puxar a faca. Murmurava pedidos de desculpa e lamentos, tudo ao mesmo tempo.

Com a minha própria tolice, eu havia sido tirada de meu pai.

Com minhas próprias mãos, eu matara a garota que poderia ter tomado meu lugar.

Eu era uma desgraçada e deveria ser torturada e amaldiçoada por toda a eternidade! E nem isso seria o bastante para apagar aquele pecado. Ele parecia gravado a ferro e fogo no meu coração, uma ferida nova, uma chaga que nunca curaria completamente.

Só consegui me redimir deste erro anos mais tarde, poupando Louise. Naquela Arena onde eu era uma vencedora, onde agia sem misericórdia alguma, mesmo que isso não significasse a morte… foi ali que me vi frente a frente com a segunda criatura que nunca conseguiria matar.

Mas, aos meus quinze anos, sobre o corpo morto de Elirya, eu era apenas desespero. E permanecia incapaz de arrancar a adaga que tirara sua vida.

Foi assim que a Guarda do Reino me encontrou.

Sentia meu rosto inchado e gosmento, o sangue deveria ter espirrado em mim quando a acertei. Eu ouvia berros, maldições e ameaças, sabia que precisava sair dali, fugir, levar os olhos que a bruxa havia pedido… sabia que o corpo não desapareceria até que eu os arrancasse. Mãos poderosas apertaram-me com violência, tentando tirar-me de cima de Elirya, e só então despertei. Mas agora já era tarde… não escaparia deles.

O máximo que consegui foi arrancar finalmente a lâmina do pescoço dela, e com sua ponta deformar seu belo rosto. Apenas para que ela desvanecesse… sim, ao menos seu corpo não estaria fadado a manter-se intacto até o fim dos tempos, não haveria provas de que o Cavaleiro Prateado era uma donzela e que ela fora morta por uma adolescente maníaca.

A última coisa que vi, enquanto era arrastada pelo longo caminho até o Palácio, antes que me selassem numa masmorra escura, úmida e fria por meses, foi aquele corpo se dissolvendo, tornando-se poeira e deixando apenas a armadura enorme para trás…

E um par de olhos azuis que tão logo seria esmagado e perdido no esquecimento.


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Notas finais do capítulo

Eiiii!!

Antes de tudo, acalmem-se, não pretendo demorar muito para postar a segunda parte. Lembrando que, de acordo com o que propus a mim mesma, cada capítulo cobre um ano da vida da Vega, mas esse em especial, como foi partido em dois, vai tratar da mesma época, com uma diferença de alguns meses.
Nossa "heroína" foi presa e está completamente desamparada... quem será que vai salvá-la dessa situação? Façam suas apostas!

Até a próxima pessoal, kisses para todos ♥



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