Meteoro escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 3
Combustão.


Notas iniciais do capítulo

Olá, olá, gente!
Nem demorei, viram só? kkk
Espero que estejam gostando do rumo que a história está tomando. Esse capítulo é um pouco parado, mas no próximo o bicho vai pegar.
QUe todos tenham uma boa leitura! :3



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Com quatorze anos, decidi cortar meus cabelos. Eles já estavam longos demais, e por mais que eu os apreciasse daquela forma – eram uma lembrança do que eu um dia fora – mantê-los era problemático. Existem presas que reagem, e eu fora agarrada pelas minhas madeixas negras o bastante para aprender minha lição. Usei o florete para me livrar da maior parte do comprimento, e uma adaga menor para deixá-lo em um corte chanel, na altura do queixo.

Eu era uma criança, mas quando adentrava os bares e tavernas, era atendida como um adulto. Geralmente me sentava de frente para os balcões, usando roupas de couro que roubava das vítimas que fazia, enroladas muitas vezes para que coubessem no meu corpo pequeno. O tapa-olho e as cinco cicatrizes que já havia juntado na face deviam dar-me uma aparência assustadora. O Florete permanecia sempre pendurado na minha cinta, e todas as vezes que entrava em algum daqueles recintos, duas coisas aconteciam:

A primeira, tomava sempre a bebida mais forte do local. E haviam drinques especialmente dotados naqueles lugares, disso podem ter certeza.

A segunda, sempre haviam valentões querendo arranjar briga com a pequena estrangeira que vestia-se como guerreira. Eu geralmente deixava-os atirados contra alguma mesa antes que conseguissem encostar em mim e me ferir, mas às vezes os desgraçados tinham vantagem. Esses, que maculavam meu corpo e deixavam-me irada, não fazia muita questão de poupar. Era deles que eu tirava a maior parte dos ingredientes que a bruxa me enviava para conseguir. Afinal, quem falaria contra uma garotinha que estava matando por legítima defesa?

Era claro que havia vítimas pré-selecionadas. Crianças ou jovens com um ou outro talento que chamavam a atenção da velha, os quais ela cobiçava, e normalmente tomava o controle do meu corpo para arrancar o que queria delas. Essas eram sempre as piores… porque eu simplesmente não podia lutar contra isso. Se ela me mandasse ir e eu me negasse, tomava meu corpo no mesmo instante. Se eu capturava a vítima e não tivesse coragem de matá-la, automaticamente apagava. Quando despertava estava sempre numa orgia de sangue e pedaços de corpos, e precisava juntar todo o sangue frio que dispunha para pegar as partes que interessavam e levá-las para a bruxa.

A este ponto, vocês devem se questionar: se as criaturas do Sonhar se dissolvem quando morrem, como eu podia separar partes específicas dos corpos e entregá-las?

Imagino que eu já tenha dito que as bruxas são seres espertos e cruéis. Grandes usuárias de magia negra, elas encantam a si mesmas e aos seus “discípulos” para isolar suas presas da ação conhecida como “desaparecimento”, ou mais especificamente, dissolução do cadáver. A alma que estava presa ali é libertada, mas o corpo se mantém até que todo o necessário seja retirado. Só então, os restos somem. Era o mesmo método que minha torturadora utilizara para tirar meu olho e mantê-lo intacto com o passar dos anos. Sabia que também era válida para sacrifícios, e que os outros habitantes do Reino dos Pesadelos usavam feitiços similares para devorar as criaturas que caiam em suas garras.

 

Era uma noite como outra qualquer, todos os dias e noites pareciam iguais para mim. A bruxa havia migrado para o Vale Profundo novamente, depois de passarmos alguns meses no Reino das Florestas, caçando elfos e fadinhas. Ela realmente gostava mais de atormentar humanos, não tinha jeito, e eu não sabia se sentia pena por conta dos meus conterrâneos, ou alívio por deixar as criaturas mágicas em paz.

Ergui minha cabeça para visualizar a placa com o nome da taverna. Eu raramente frequentava as mesmas, justamente por conta das várias brigas e dos ocasionais assassinatos. Naquela, em especial, jamais tinha entrado antes. Parecia comum, a única coisa que chamava atenção era o nome sublinhado por um desenho de pena: Taverna dos Contos.

Curioso.

Apressei-me a entrar. Minha cota de sacrifícios e assassinatos da semana tinha sido cumprida – eu imaginava, pelo menos – e precisava mergulhar em alguma bebida forte para relaxar. Ultrapassei as portas de madeira, soltas e altas, que abriram e fecharam algumas vezes após minha passagem, e olhei ao redor. Era o estabelecimento mais tranquilo em que eu já entrara fazia meses, havia cavalheiros, damas recatadas, escribas franzinos recostados nos cantos e um bardo eufórico cantando alguma balada que não reconheci.

Tive vontade de retroceder alguns passos e ler de novo a placa, minha visão só podia estar pior do que o normal. Não tinha como uma taverna ser um ambiente tão… amigável.

Por entre a música que tocava, alguns clientes me observaram. Eu destoava ali. Cada cicatriz visível gritava que era diferente, que não devia continuar lá. Havia manchado-me de negro e carmesim, e toda a pureza branca do local me enchia de nostalgia e ressentimento.

As pessoas voltaram as suas devidas conversas. Olhares desprenderam-se de mim. Nenhum brutamontes desafiou-me para um duelo. Nenhum rosto contorceu-se com minha aparência, e ninguém encolheu-se quando dei mais um passo.

Imediatamente, meu instinto berrou para que eu saísse dali, e quando preparava-me para dar meia volta, o taverneiro gordinho, de aparência bondosa e bigode escuro, fez um sinal para que eu me aproxima-se, chamando-me por “moça”.

Poderia apenas ignorá-lo, é claro, mas estava curiosa. Todo aquele lugar me impressionava, talvez não faria mal ficar apenas alguns minutos. Segui até o balcão, disfarçando um princípio de nervosismo. Ele sorriu – um sorriso que eu não merecia – e batucou seus dedos sobre a madeira. Disse que um homem tão estranho quanto eu havia passado por lá a alguns dias atrás. Que tinha deixado-me uma mensagem.

Confuso…

Não consegui pensar em ninguém que poderia estar à minha procura. Lembrei-me de meu pai, mas a vila que morávamos ficava do outro lado do Reino, era bem próxima ao lugar onde o centro do Mundo dos Sonhos se erguia. E o provável dono da taverna afirmara ser um homem estranho a me procurar… papai não era estranho. Ele era um cavalheiro, teoricamente se misturaria aqui como qualquer um dos outros…

Esperei que o senhor voltasse com a tal mensagem, em silêncio. Uma dama jovem sentada sozinha ao meu lado olhava-me atentamente, mas ao notar que eu reparara, desviou os olhos, envergonhada. Controlei a vontade de lançar-lhe um olhar feroz – o que eu fazia sempre, principalmente quando encaravam meu rosto destruído demais – e fixei meu único olho na madeira. Logo o homem retornara, trazendo uma caneca cheia de um líquido verde e borbulhante, junto de um pequeno pedaço de papel rasgado.

Me entregou ambos, o que deixou-me mais perdida ainda, e disse-me que o tal homem pedira para servir-me a tal bebida. Era a mais forte do estabelecimento, afirmara com convicção, uma mistura nova que estava se espalhando por todo o mundo. Aparentemente o desconhecido pagara com antecedência por uma dose, e dissera para dá-la, junto com o bilhete, a uma jovem de tapa-olho e roupas de guerreira.

Que diabos estava acontecendo naquele lugar?

Antes de provar da coisa verde e de aparência suspeita que me era oferecida, resolvi ler as linhas escritas no papel. A caligrafia era bonita, eu acreditaria que era obra de um lorde, não fosse o conteúdo:

 

Olá, garotinha complicada!

Esta é a bebida mais forte de todo o Sonhar, acredito que apreciará.

Beba-a para se lembrar de mim enquanto não nos encontramos novamente.

Tente não morrer até lá, garotinha… seria muito decepcionante.

 

Estava assinado como “de um amigo”. Grunhi de indignação.

Não tinha notícias de Kandrak a mais de um ano. Não que eu procurasse, mas não o vi mais depois daquele primeiro encontro. Para alguém que parecia tão animado em fazer amizade comigo, o metamorfo era ausente demais.

Encarei fixamente a tal substância, que aparentava ser ácido, cheirava a ácido e provavelmente tinha gosto de ácido. Imaginei Kandrak com a última aparência que mostrara a mim, virando aquela caneca e dissolvendo aquela língua felina que só parecia capaz de dizer bobagens. Talvez eu devesse mergulhar seus dedos em ácido da próxima vez, afinal ele escrevia tanta asneira quanto falava.

Maldito seja…

O senhor olhou-me por um tempo, percebendo a suspeita com que eu via a bebida, e garantiu-me que era seguro. Depois de hesitar por mais alguns segundos, tomei coragem e virei a caneca, bebendo metade dela em um gole.

E me arrependi.

O negócio podia até não ser ácido, minha garganta não estava dissolvendo nem nada, mas que queimava feito o inferno, não havia dúvidas. O gosto era cítrico e muito forte, e minha cabeça ficou leve por alguns segundos. A donzela ao meu lado uniu as finas sobrancelhas (ela era uma daquelas beldades delicadinhas de cabelos dourados e olhos azuis, que piscavam e faziam os homens suspirarem) e voltou a me olhar. — Hum… você não é nova demais para beber?

Meu olho ainda marejava quando consegui responder: — E isso lá é da sua conta?

Verguei-me, abaixando a cabeça por um tempo, sentindo tudo queimar. Ai percebi que tinha sido desagradável… bom, isso não era novidade, eu agia assim o tempo todo, afinal o relacionamento mais próximo que tinha era com uma bruxa que eu odiava (e acredito que o sentimento era recíproco).

Ignorando minha evidente má vontade em socializar, a moça aproximou-se para me oferecer um copo d’água. Antes que minha mente decidisse recusar, minha mão já tinha agido por conta própria, pegando o recipiente, e logo eu bebia todo o conteúdo do mesmo.

O senhor no balcão disse baixinho que aquele drinque era para ser bebido devagar. Eu só conseguia xingar Kandrak de todos os termos depreciativos que eu conhecia. Minha boca suja deve ter surpreendido a garota ao lado, que abriu a boca num pequeno “o”.

Felizmente, mais ninguém prestava atenção no meu pequeno drama. Os escribas continuavam a deslizar suas penas no papel, os cavalheiros permaneciam flertando com as jovens damas e o bardo agora cantava uma melodia ainda mais agitada. Ao menos as pessoas daquele lugar não me incomodariam. Olhei uma vez mais para a caneca, cheia até a metade, e trouxe-a para mais perto novamente, tomando desta vez um pequeno gole.

Lógico que a dupla observadora ficou chocada com o ato. Quanto a mim, chegara a conclusão que aquilo continuava queimando, independente da quantidade que eu tomava, a única diferença é que consegui sentir melhor o gosto dessa vez. De alguma forma consegui acabar com a bebida verde e estranha – cuja qual descobri chamar-se “Acidic” - e deixar a taverna, com sua música estrondosa e alegre, para trás.

Infelizmente, não fui capaz de desvincilhar-me da dama dourada. Ela veio atrás de mim com seus passinhos rápidos, apesar de ser mais velha do que eu poderia ter a maturidade de uma criança. Ingenua, mal sabia o perigo que corria comigo, quantas moças como ela eu retalhara até não restar nada.

— Ei, espere!

— Dai-me paciência… — virei bruscamente para encará-la. — Que raios você quer?

— Er… você não é aquela garota… a que dizem que homem nenhum consegue vencer numa briga?

Raciocinei brevemente sobre a pergunta. Quanto mais cedo admitisse, mais rápido a infeliz gritaria e sairia correndo… valia a pena tentar. — Sim.

— Oh, é sério? Eu queria tanto ser como você!

Obviamente, aquela garota só conhecia a superfície da situação, como a maior parte dos habitantes do sonhar. Meus assassinatos dificilmente aconteciam quando havia uma plateia para me linchar depois.

— Não, você não quer.

— Sim, eu quero! Eu quero ser capaz de me proteger sozinha, de não ter que esperar um cavalheiro de armadura me salvar! Não foi assim que você se tornou o que é? — os olhos azuis me fitaram, incrédulos.

Eu estava mais perplexa ainda.

— Acredite, seguir o mesmo caminho que eu não vai fazê-la sentir-se mais útil. — dei mais alguns passos, pensando em me afastar. Mas ela tinha pegado no meu ponto fraco. Uma garota que preferia armas aos vestidos de noiva… era como se cutucassem na minha ferida, aumentando-a. Suspirei, exasperada, e virei-me para olhá-la. — Você tem certeza que é isso que quer? Não é um capricho de adolescente? Porque se for, juro que vai se arrepender de me fazer perder tempo…

— Eu juro que não! É isso que eu quero, eu quero… tornar-me uma guerreira. Quero poder fazer algo além de casar, ter filhos e envelhecer.

— Qual é o seu nome?

Ela me disse.

Chamava-se Elirya. Era a terceira filha de sete, pertencente a uma família nobre, alguém que não conseguiria um partido tão cedo, e nem desejava tal coisa. Fiz com que me acompanhasse pela metade do caminho, lhe dando instruções: como encontrar uma certa vila, procurar um certo cavalheiro e apresentar sua ambição a ele. Como deveria evitar falar-lhe sobre mim ou sobre onde eu poderia estar.

Eu não queria que meu pai viesse procurar-me. A bruxa poderia forçar-me a matá-lo, e eu já estava desgraçada o bastante sem isso.

Papai era um homem de visão… se ele visse potencial naquela beldade recatada, com toda certeza não o desperdiçaria. O máximo que eu podia fazer era aquilo, enviá-la para alguém que eu sabia que não a maltrataria e que podia dar-lhe uma chance.

Retornei para casa naquela noite com um peso a menos nos meus ombros. A velha torturadora pareceu ter notado algo diferente em mim, mas nada disse… e o tempo passou, lentamente, como o arrastar da areia em uma ampulheta…

 

Muitos meses passaram-se, e então a bruxa me veio com essa: mate o talentoso Cavalheiro Prateado.

Lancei-lhe meu melhor olhar de tédio.

O tal Cavalheiro em questão era uma incógnita. Ele surgira do nada e escalara na hierarquia do exército, tornando-se um dos melhores soldados em pouco tempo. E então fora convocado a fazer parte da Guarda Real. As pessoas sussurravam que o rapaz era incrível, matara vários monstros e derrotara muitas criaturas, boas e mais, em duelos armados. Fora capaz até mesmo de bater de frente com o Porteiro – sim, esse mesmo cão de três cabeças que vocês pensaram – e já havia boatos de que seria enviado para o Vale Parado no Tempo, onde Heri e Cras habitam.

Eu não estava particularmente amedrontada, até porque chegara ao ponto em que pouquíssimas coisas me faziam temer. Só imaginei que teria um desafio maior à minha espera. A ideia de retornar ao Reino dos Pesadelos quase me agradava, quem sabe eu poderia passar lá e dar um oi a Kandrak, tentar matá-lo por mim mesma – ainda não havia esquecido a brincadeirinha com Acidic, embora deva concordar que esta tornou-se minha bebida favorita. Infelizmente a bruxa mantinha-me ali, onde minhas lutas não me traziam adrenalina alguma e eu podia simplesmente apodrecer de tédio.

Coloquei em mente que ao menos poderia me entreter com tal humano e parti para assassiná-lo.

Quisera eu, estúpida como era, ter me rebelado como todas as outras vezes…

Talvez assim a bruxa tivesse me controlado e eu teria evitado meu desatino. Talvez, dessa forma, eu me sentisse menos culpada pelo crime que haveria de cometer.

 


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Notas finais do capítulo

Antes de tudo agradeço a todos que chegaram até aqui! Vocês são maravilhosos, muito obrigada por acompanharem!

Nesse capítulo vemos como Vega está cada vez mais próxima do que ela é atualmente. Para aqueles que não leram Louise, essa bebida borbulhante que ela cita aqui é um drinque que ela vive bebendo durante a história. E o Porteiro é um cão de três cabeças, responsável por guardas as arenas Reais.
Para aqueles que leram: temos ai a explicação do porquê Vega é viciada na bebida verde que parece com ácido, cheira como ácido e tem gosto de ácido -q. Alguém imaginava que Kandrak tinha dedo nisso?
E o que dizer da corajosa Elirya que foi até lá perturbar a Vega? -q
Não me lembro se já mencionei, mas cada capítulo da história é relativo a um ano que ela passou com a bruxa. Os dois próximos, contudo, serão considerados como um só (porque as cenas relevantes serão bem longas, então terei de partir o cap em dois).
Kisses kisses para todos vocês e até a próxima. ♥



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