Meteoro escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 2
Impacto


Notas iniciais do capítulo

Yei!
Demorei, mas to aqui.
Espero que todos estejam bem!
Antes de tudo quero agradecer a fofissíma da Snowy Kitten por me seguir até aqui (Sem bem que o Team! Vega é grandinho e acho que ela não foi a única -q) e fazer o meu dia mais feliz com os comentários lindos dela.

Também devo lembrar-lhes que essa história é pra ser pesada, mas não irei me estender em detalhes de violência exacerbada porque este não é o ponto em que quero chegar.
Vamos sofrer com a Vega, mas manter nosso almoço no estômago, tudo bem? q

Enfim... tenham todos uma boa leitura. :3



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Fazia um ano desde que eu perdera meu olho e fora raptada pela bruxa. Nos meus treze anos, a velha maldita decidiu retornar para casa. E quando digo casa, quero dizer a casa dela.

Nos mudamos para o Reino dos Pesadelos, não sabia por qual causa, razão e circunstância, afinal a bruxa tinha preferência por retalhar corpos humanos. Que tipo de monstro pretendia me fazer caçar lá dentro, era um mistério.

Aquele era o lar, como já devem imaginar, das coisas mais medonhas, bizarras e cruéis. Tudo que causava medo, tudo que apavorava os habitantes do Sonhar, vinha de lá. Esse Reino era separado em várias cortes, que reuniam as criaturas similares dentro de si e mantinham uma falsa ideia de organização, porque ninguém parecia seguir as regras naquele lugar.

Nos instalamos na Corte das Bruxas, como era de se esperar. Ao menos eu pude constatar que a mulher que me controlava não era a perfeita representação da raça. Ali se aglomeravam bruxos e bruxas de todas as idades, todos com um poder absurdo e devastador, mas de todas as aparências imagináveis, das melhores às piores. O que me fez perguntar à velha se esta não podia ser menos feia.

Ela ameaçou arrancar meu outro olho.

Eu lembrei-lhe que não podia fazer meu trabalho se estivesse completamente cega.

Meu olho foi deixado em paz, não posso dizer o mesmo das minhas costas… mais cicatrizes para a minha coleção surgiram, naquela época eu ainda era capaz de contá-las.

Não esperava absolutamente nada daquele Reino. Não era capaz de vislumbrar esperança em qualquer local que fosse, não quando tinha de matar e torturar e retalhar. Ainda estava tentando recolocar os pedaços do que eu era no lugar, depois da tempestade que havia me estilhaçado.

Porém, nem só de amargura vive uma amaldiçoada.

Houve algumas coisas que fizeram minha perspectiva mudar…

 

Passou-se um mês naquele lugar tenebroso sem que a bruxa me escalasse para a tal tarefa que nos levara até lá. Eu conhecera a maior parte da corte, e sofrera na mão de uma boa parte desta. A velha havia garantido que eu não deveria ser morta nem mesmo “neutralizada”, mas isso não impedia seus companheiros de “brincarem” comigo. Geralmente se contentavam em lacerar a superfície da minha pele, usando lâminas, objetos aquecidos e chicotes. Mas alguns engraçadinhos, obviamente, tinham que ostentar seu grande poder mágico.

O que alegar sobre isso? Ter extremidades do seu corpo sendo explodidas para retornarem ao normal alguns segundos depois, não é nem de longe empolgante. Pouco importa que o membro vai voltar para o lugar, isso não ameniza a dor.

Então, quando os trinta dias haviam passado, a bruxa separou-me dos meus outros carrascos e levou-me novamente aos seus aposentos. Um descanso, afirmara com azedume, visto que eu xingara-a da cela de tortura até a porta de casa.

Quando perguntei mais uma vez sobre a razão de estarmos ali, ela me ignorou.

Quando questionei que coisa era esperado que eu matasse, apenas grunhiu.

Quando inquiri como ela conseguia desperdiçar meu talento tão facilmente, mandou-me calar a boca.

E então, eu o vi.

E soube. Imediatamente.

O alvo era ele.

Soube também que nunca conseguiria vencê-lo.

 

Seu nome era Kandrak.

Num primeiro momento, eu o vi como uma sombra, trevas crepitantes em forma de homem. Nada como os monstros da escuridão que viria a enfrentar ao lado de Louise. Eles ainda não haviam surgido no mundo, a princesa Hannyere ainda vivia… doente, em permanente fraqueza, mas vivia.

O poder dele chegava até mim através de pulsos de sua aura, e mesmo depois de ter visto muitas coisas ruins desde que chegara àquele lugar, Kandrak ainda foi capaz de fazer-me arrepiar.

Não recuei, apesar disso.

Encarei-o.

Ficamos frente a frente: a criança que fora forçada a crescer rápido demais, e a sombra viva, enorme em tamanho e presença.

E eu vi as sombras rasgarem de forma irregular onde deveria ficar a boca do ser.

Me surpreendi ao perceber que era um sorriso.

“Gostei dessa garota”, foi o que disse. Sua voz era um pingo de divertimento num oceano de malícia. Era a única coisa que me dizia sobre sua personalidade e aparência reais. Não que houvesse algo como isso, vejam bem… Kandrak era um monstro diferente, um tipo de metamorfo. As criaturas de sua corte eram todas hábeis em mudar de forma, nenhuma possuía um corpo fixo. Ele, em especial, era conhecido no Mundo Real como Bicho-Papão. Algo que se alimentava do terror das vítimas, principalmente crianças. Que transmutava-se para cada pessoa específica, dando forma ao seu pior medo.

E ter uma garotinha raquítica como eu, encarando-o com ferocidade – independente do receio que sentia – quando esperava apenas encontrar-se com uma bruxa… imagino que isso tenha deixado-o interessado.

Minha madrasta má – oh… foi uma piada ruim? Não ligo… - me empurrou com violência para o recinto medíocre que eu deveria chamar de quarto, enxotando-me dali. Estava cada vez mais difícil saber o que ela queria… praguejei mais uma vez, apressando-me, mais porque esperava encontrar algo comestível no meu aposento do que por me incomodar com as palavras ásperas que me dizia.

Escutei a risada masculina, de tom malicioso, ecoar depois disso. Não sabia se ele ria da minha desgraça ou de alguma coisa que a velha tinha lhe dito.

Não estava errada em minhas conjecturas, graças a todas as divindades que aparentemente me detestavam. Havia alguns pratos separados no meu quarto – a comida era insossa, mas deveria ser nutritiva – que devorei em pouco tempo. Muita pouca atenção dei às palavras trocadas na sala, entre a bruxa e Kandrak.

Desconhecia o motivo que trouxera-o ali. Quem sabe havia descoberto que a velha tramava algo contra si. O fato que ele era meu alvo tinha entranhado na minha mente, no entanto. E, mais tarde, quando ela veio ter comigo e disse-me o que eu já sabia, joguei os braços para cima e perguntei, sinceramente, se a mulher tinha perdido a cabeça.

Não sabia como matar tal coisa…

Não tinha como.

A bruxa me disse que eu deveria ser-lhe grata. Grata por não ter me enviado como teste, para derrotar as coisas abstratas que habitavam o limite do Reino dos Pesadelos. Coisas sem forma e sem consciência, terrores inimagináveis que não tinham mais do que um nome. Aquelas que causavam um medo tão absoluto, que suas vítimas apenas paralisavam, não conseguiam fazer mais nada, padeciam de terror.

Ela afirmou categoricamente que eu deveria trazer-lhe o coração do monstro, e foi surda aos meus argumentos. Nem sabia se aquele cara tinha coração ou não, e acreditar fielmente nas palavras da velha era difícil. A esse ponto pensei se ela simplesmente decidira livrar-se de mim. E foi sozinha que precisei criar um plano para matar Kandrak.

 

Uma informação básica a respeito de metamorfos: seu coração só é acessível quando eles mantêm uma forma física, entretanto… o corpo deles não tem nenhuma lógica. Os órgãos nunca se encontram no lugar que esperamos, o dito músculo cardíaco poderia estar em qualquer ponto de Kandrak e eu jamais conseguiria descobri-lo.

Teria de matá-lo primeiro e dissecá-lo até encontrar o queria.

O problema continuava o mesmo… como acertar o ponto vital de um metamorfo?

Decidi acertar a cabeça…

Na dúvida, sempre deve-se mirar na cabeça.

Passei o mês seguinte vagando pela corte dos metamorfos, tentando ao máximo não ser encontrada ou chamar a atenção, enquanto buscava a residência de Kandrak. Quando a descobri, invadi-a umas três vezes, memorizando rotas de fuga e a quem pertencia cada aposento. Era um lugar realmente grande…

Não gostava de bancar a espiã. Preferia quando precisava só ir até o alvo e obliterá-lo numa luta… detestava apelar para subterfúgios. Os fins justificam os meios, no entanto… e Kandrak não era alguém que eu venceria num duelo

Escolhi uma noite para o ataque, comuniquei-o à bruxa e parti.

Assim como das vezes anteriores, o lar do metamorfo estava silencioso e vazio. Eu deveria ter desconfiado que algo não estava certo… que era uma armadilha. Mas entrei, e rumei até onde eu sabia que o homem passava suas noites. Segurava firme o florete entre meus dedos, tentando suprir a falta que fazia um olho. Sabia que o lado onde este se ausentava ficava aberto demais, e ainda lutava para acostumar meu corpo, para tornar minha vulnerabilidade menos aparente, até que pudesse extirpá-la.

Vi Kandrak atirado sobre a grande cama medieval, mundano demais para aquele lugar, para aquela gente. Por que usar uma aparência assim, tão… normal? Não compreendia-o, e isso já não importava, afinal estava prestes a matá-lo. Eu era uma serpente ao armar o bote, e silenciosamente desci minha lâmina para separar sua cabeça do pescoço.

O golpe atingiu, mas não jorrou uma gota sequer de sangue. Estava questionando se criaturas como ele não sangravam, inocentemente acreditando que havia matado-o, quando ele abriu os olhos.

Morte e danação!

Com as mãos ele colocou a cabeça por sobre o pescoço novamente, encaixando-a como se fosse uma peça qualquer de quebra-cabeça. Saltei para trás de imediato, brandindo a lâmina contra ele, mas uma onda de energia negra foi lançada contra mim, afastando-me ainda mais. Suor gélido escorreu por minhas costas quando Kandrak levantou-se num salto felino e bocejou, absolutamente tranquilo.

“Boa noite, garota.”

Foi o que disse.

A essas horas eu só conseguia pensar que ia morrer, que definitivamente ia morrer, da forma mais atroz que eu pudesse imaginar.

Descobri que temia desaparecer.

Mas ele não atacou, nem me deu atenção, na verdade, por um bom tempo. Um estalar de dedos fez com que os candelabros do aposento se acendessem. Assim pude ver perfeitamente o papel que assumira para seu showzinho de drama: não era tão humano quanto imaginei num primeiro instante… ainda que fosse, sem sombra de dúvida, humanoide.

O corpo era masculino, no auge dos vinte e tantos anos, o tom da pele levemente moreno. Um rosto bonito, meio ocultado pelos cabelos avermelhados, bem longos. Olhos vermelhos que pareciam queimar… garras negras no lugar dos braços e das mãos, chifres carmesim que despontavam das têmporas. Tentei ignorar as coisas que cresciam nas costas dele, as quais deveriam ser asas.

Um demônio aliciador de menininhas… muito conveniente.

Ele moveu a cabeça levemente para uma cadeira que estava localizada à minha esquerda. — Sente-se.

— É agora que você começa a arrancar as partes do meu corpo?

— Sente-se, garota.

— Não.

O que houve a seguir, foi rápido demais para meu único olho processar com detalhes. Num minuto ele estava ali, avaliando-me por sobre o dossel, e no seguinte senti algo agarrar a gola da minha camisa por trás, levando-me para perto da dita cadeira e sentando-me à força nela.

— Garotinha complicada…

— Morra!

— Quem dera, se fosse assim tão fácil, cair morto por conta de meras palavras. — Senti seu hálito quente, como uma fornalha, no meu pescoço. Milhares maneiras de morrer passaram pela minha cabeça. Afastei todas elas, uma a uma. — Se bem que, com uma lâmina… não faria tanta diferença.

— O que quer de mim?

Ouvi seus passos estalarem no chão, enquanto Kandrak contornava-me para ficar a minha frente. Abriu mais uma vez aquele sorriso carregado de diversão secreta e impagável. — É o tipo de coisa que eu perguntaria, afinal é você quem está invadindo meus aposentos privados. Mas esta resposta eu já conheço. — ele sentou-se na beirada da cama, abrindo a veste semelhante a um robe que usava e mostrando o peito. Depois, casualmente, enfiou as garras da mão direita no local, puxando pele e carne para o lado, mostrando-me um coração.

O coração!

Droga! Por que não mirei no peito? Burra, burra, burra!

Ele sorriu de novo. Mordaz. Insano. Parecia ler meus pensamentos. — Imaginava que não tentaria o peito. Na dúvida, sempre devemos mirar na cabeça.

Engoli em seco. Kandrak soltou a mão, e seu peito passou lentamente a se reconstituir. — É claro que meu coração não está sempre neste local, eu não sou idiota… ainda mais quando tem uma pequena assassina me vigiando. E sendo uma enviada por aquela mulher…

Então, ele realmente sabia o que a bruxa tramava.

— Vai me matar?

— Não.

— Por que não?

Os olhos vermelhos me encararam de cima a baixo e o monstro grunhiu. — Quero ver até onde chegará, com toda essa petulância.

Trinquei os dentes. — Vai me deixar viva sabendo que serei castigada por minha falha.

— Não preciso ser um gênio para prever isso. Além disso, você parece ter sobrevivido a muitas coisas… considere isso um bônus.

Tive o ímpeto de xingá-lo. Ele ouviu em silêncio enquanto eu amaldiçoava todo o clã de metamorfos desgraçados do qual fazia parte. Quando a raiva amenizou o bastante para que eu voltasse a raciocinar, ousei perguntar como Kandrak sabia que eu atentaria contra sua vida. Garantiu-me que a bruxa com a qual eu firmara o pacto tinha uma longa e detestável história com ele – que resumia-se em um roubando o sacrifício do outro e várias tentativas de homicídio vindas de ambos os lados – e explicou-me que o coração dos metamorfos era um ingrediente raro, usado em rituais de magia negra, para atingir a imortalidade.

Aleguei que ela era velha o bastante, deveria ter vivido o suficiente para não precisar dessas porcarias. Obviamente ele viu isso como uma piada, pois começou a rir logo depois. Não sei o que aquele ser via de tão engraçado em mim.

Fui dispensada de sua presença algum tempo depois, e as palavras dele ainda martelavam em meus ouvidos quando retornava para relatar minha falha à bruxa. Ele teve a audácia de sugerir que agora eu tinha um amigo, como se eu me envolvesse com monstros insanos com senso de humor deturpado.

Não o vi de novo por muito tempo, no entanto.

Ao descobrir que eu não só fora inútil contra Kandrak, mas também que o monstro tinha se interessado por mim, a bruxa arrastou-me para longe do Reino o mais rápido que pode. Ela fez questão de me punir só após termos fixado moradia nas florestas élficas. Percebi que a velha nem tentara me controlar desta vez, justamente por prever a impossibilidade da tarefa. Creio que ela realmente não queria ter de procurar uma outra escrava…

 

Quanto ao metamorfo, naquela época não podia contar com sua sinceridade, assim como desconfiava de sua oferta de amizade. No futuro, porém, descobriria que Kandrak era estranhamente confiável.

Não me perguntem como tal coisa amorfa e cruel poderia ter se afeiçoado a mim… mesmo hoje, depois de tudo o que aconteceu, isso ainda me soa uma piada de mal gosto.

Se há uma forma perfeita para encerrar esse relato por hora, então, seria desse jeito:

 

E foi assim que, em pleno Reino dos Pesadelos, contra todas as possibilidades, eu fiz um amigo.

E não sei dizer, até hoje, se isso foi minha salvação ou minha ruína.


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Notas finais do capítulo

Yo de novo!

Como prometido, Vega trás uma visão mais ampla do Mundo dos Sonhos e suas criaturas - ainda que não seja muito abrangente, dá uma ideia geral de como as coisas são organizadas (ou bagunçadas) por lá.
E aqui entra um novo personagem na trama. Não direi nada sobre ele - monstrinho divo - mas posso afirmar que não será a última vez que veremos Kandrak por aqui.

Espero que tenham gostado! Se curtirem a história, não esqueçam de acompanhar e podem dizer suas opiniões também, eu não mordo q.
Kisses, kisses para todos.
Até a próxima o/



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