Rise escrita por Lua Chan


Capítulo 22
O último suspiro - parte II




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Acordei sentindo algo macio e úmido sobre minha testa. Meu corpo ainda estava dolorido, mas nem tanto quanto antes. Ao abrir completamente os olhos, notei que não estava num gramado e sim em um quarto repleto de almofadas e móveis da cor azul bebê, o que tornou o ambiente mais harmonioso. Já sabia muito bem onde eu estava.

Ergui minha coluna, percebendo o quão confortável a cama de Olive era. Meus dedos percorreram por umas marcas deixadas pelos etéreos em minhas pernas. Assim que lembrei do que houve, me levantei da cama e corri até a porta, esperando encontrar Victor, Caleb e Marie na sala de estar. Ao andar pelos corredores, notei algo estranho:
Silêncio.

Durante minha estadia em dois orfanatos, sabia que a casa era repleta de gritos e risadas de um lado para o outro. Agora tudo estava mórbido demais até para mim, que preferia sentar num sofá e brincar com os meus velhos homúnculos. De repente, me deparo com Emma. Ela carregava uma expressão tão cansada e triste que me atingiu em cheio. Assim que me viu, a garota arregalou os olhos e deixou uma lágrima teimosa escapar.

— E-Enoch? - Perguntou espantada - Você está vivo!

Emma, por impulso, correu para mim e me abraçou fortemente. Senti suas mãos queimarem minhas costas - eu diria que era mentira, mas senti minha camisa chamuscar -. Retribuí, apesar de não compreender tão bem a situação toda.

— É... eu acho que sim. - Falei com um sorriso bobo no rosto - O que tá acontecendo? Onde estão Marie, Caleb e Victor?

No mesmo momento, os olhos de Emma bateram no chão, ela hesitou olhar para mim novamente, mas o fez com certa dificuldade. Eu não podia ler sua mente, mas seu rosto dizia tudo o que eu não gostaria de ouvir.

Eles não sobreviveram.

— N-Não! Eles estão aqui, não estão? - Pedi, decepcionado. A garota ainda encontrava um empecilho no seu caminho. Ela não conseguia falar na hora exata - Responda, Bloom!

— Ei! - Uma voz surgiu no local. Olhei para trás e vi a srta. Peregrine com os braços cruzados. Ela se aproximou de mim e de Emma, a garota flamejante já estava chorando - Enoch, modos.

— Quem se importa com essa porcaria agora? - Rebati, assistindo Alma enlaçar seus braços ao redor de Emma, que soluçava sem cessar - Meus amigos estão mortos! Eu não pude impedir nada!

— Não é completamente verdade. - Mais uma voz emergiu. Se eu não estivesse acostumado a isso tudo, teria um susto agora mesmo. Era Claire carregando seu desajeitado ursinho de pelúcia - Victor está aqui.

—Victor? - Virei-me para ela tão rápido quanto uma bala em seu percurso. Saber que ainda havia um sobrevivente deixou meu coração mais aliviado, mas nem tanto. Pensar que Marie, meu segundo amor, morreu nas mãos dos montros invisíveis deixava meu estômago mole.

— Claire, você não deveria ter falado isso... - Emma sussurrou. Se foi uma tentativa de ser silenciosa, teria falhado grandemente. Não deixei que alguém respondesse, falei logo em seguida.

— Mostre-me onde ele está.

Ninguém parecia estar feliz com meu pedido. Emma e Alma se entreolharam duas vezes, nossa mentora balançou a cabeça e permitiu que Bloom me levasse.

— Enoch. - A srta. Peregrine chamou - Seja breve com as palavras. Ele não tem muito tempo.

Mesmo com tamanha notícia, segui Emma até o quarto do meu melhor amigo. Sentia pena de Bronwyn, cujo irmão seria levado pela morte. Ao entrar em seu dormitório, notei o ambiente mais macabro e vazio. Victor encostava sua cabeça numa almofada branca e lutava para respirar.

— Victor? - Falei, esperando uma resposta rápida, que não veio tão cedo. O garoto esperou poucos segundos para replicar.

— O-Oi, O'Connor.

Aproximamos de sua cama, éramos apenas nós três. Era um momento nostálgico, me fez lembrar de quando ele e a garota de fogo me levaram para assistir à transição da fenda, no primeiro dia que cheguei aqui. Agora, estamos aqui reunidos novamente. Dessa vez, para dar adeus a Victor.

— Me perdoe, Victor. - Falei, lutando para não chorar. Quantas pessoas a mais eu teria que perder? - Eu deveria ter ajudado os outros. Eu disse que iria salvar a todos, mas eu falhei.

— Não diga besteiras, O'Connor. - O garoto tossia repetidas vezes, tendo uma certa dificuldade para falar - Nenhum de nós é perfeito. E lembra do que eu te falei? Todos nós morremos algum dia. Chegou minha vez.

— Não precisa ser sua vez, Victor. - Emma rugiu - Você pode viver. Tem que ser forte por sua irmã. Ela precisa de você.

— Ela já é grandinha. Tem capacidade de viver sem mim, Emma. - O garoto sorria forçadamente, o que só me fazia sentir mal - Eu amei ter conhecido vocês dois. Foram meus melhores amigos, enquanto eu vivi por aqui.

Ficamos em silêncio, talvez pela centésima vez. O único barulho que ouvimos veio de nossas costas. Era o choro de uma garota, mais precisamente, Bronwyn. Minha vontade era de retirá-la do quarto e poupá-la de sofrer, mas Wyn merecia dizer adeus antes de seu irmão finalmente partir.

— Oh, Wyn... sinto muito por ter que me ver desse jeito.

Wyn correu para a cama de Victor e deu-lhe um abraço tão apertado, que me perguntei se ela poderia adiantar a morte do garoto.

— P-Por que você está tão delbitado, bratishka¹ ? - Wyn questionou chorando e pronunciando erroneamente a palavra "debilitado" - Por favor, saia dessa cama. Vamos erguer pedras como sempre fazíamos!

— Eu tive uma concussão, Wyn. - A menina girou a cabeça, procurando entender o que tal palavra significava - É uma espécie de choque. Você não deveria se preocupar com isso. Eu sequer tenho condições de me levantar.

— Eu te ajudo, bratishka! - Wyn tentou erguer seu irmão, mas eu e Emma a retiramos de perto dele. Victor definitivamente não estava bem.

— Wyn, deixe-me ir.

Ele disse a frase idiota. A que fazia meu coração se afogar na saudade. As palavras ditas por Eleonor, antes de morrer em meus braços.

— Não posso, Victor. Eu não posso te deixar. Quem vai me proteger? - Bronwyn persistiu, desesperada. Victor, por fim, segurou sua cabeça e colou sua testa na dela. Suas repirações se fundiram. Pelo que eu percebi, Victor cantou um trecho do "Pule, coelho" para ela e beijou sua cabeça.

— Me prometa que vai se comportar, que vai ser essa garota maravilhosa que você sempre foi.

— Tudo bem... P-Prometo.

— Ótimo. - Victor sorriu, provavelmente pela última vez.

— Você sempre foi meu herói, Victor. Sempre será.

Eu não aguentava mais. Pedi licença a todos, para sair do quarto. Não queria ouvir os últimos batimentos cardíacos de Victor, era lastimável. Antes de fazê-lo, ouvi o Bruntley chamar meu nome com o que restava da sua voz.

— Enoch... por favor, fique.

Eu não olhei para trás, nem o respondi. Sequer me despedi propriamente dele. Não importava se isso parecia egoísmo da minha parte, eu não me considerava uma pessoa altruísta. Não aguentava ver mais uma alma se esvaindo. Já basta!

Depois de alguns instantes, Emma saiu do quarto. Wyn deveria estar ainda lá dentro, sem querer soltar seu irmão. A garota flamejante se aproximou de mim e segurou minhas mãos, seus olhos ainda deixavam lágrimas saírem.

— Bronwyn disse que vai falar com a srta. Peregrine sobre Victor. - Emma falou, soluçando - Disse que irá tentar pedir para a ave guardar o corpo dele no orfanato.

— E isso é realmente possível? - Perguntei, cabisbaixo.

— Pode funcionar se o mantermos conservado. É por ela, Enoch.

Emma deu-me mais um abraço, perdemos mais pessoas que o normal. Apartei-me dela e segui ao quarto. Ela estava ali, segurando e beijando a mão de seu "bratishka". Toquei em seu ombro com delicadeza, procurando chamar sua atenção.

— Enoch, eu sinto a falta dele! - Sussurrou, abraçando-me. Alisei seus cabelos, olhando para o corpo do meu melhor amigo.

— Eu também sinto, amor. - falei num baque - Escute, prometo que irei trazê-lo de volta às minhas condições. Assim, quando você quiser, poderá falar com ele.

— Faria isso mesmo por mim? - Disse encantada, seus olhinhos brilhavam como uma estrela.

— Claro que sim. - Bati em seu nariz - Agora vamos embora. Deixe Victor dormir.

Ela forçou um sorriso e foi para a porta, antes empurrando um beijo na bochecha gélida de Victor.

— Adeus, amigo. - rumorejei para Victor - Descanse em paz.


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Notas finais do capítulo

1: Bratishka = "irmãozinho" em russo

A história está chegando ao seu fim ( honestamente, vou sentir saudades de escrevê-la). Até os próximos capítulos...



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