Rise escrita por Lua Chan


Capítulo 23
A garota londrina




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Era estranho demais viver sem Victor e suas piadas nem tão engraçadas que constantemente ele contava. Era estranho não conviver com Caleb e seu senso exorbitante e escrupuloso de autoridade. Era estranho viver até mesmo sem Jasmine e seus comentários sarcásticos e indelicados ou sem Marie tentando entrar na minha mente de vez em quando - ou quase sempre.

A vida no orfanato da srta. Peregrine parecia mais cinza e monótona. Todos os dias eu fazia a mesma coisa: cuidava de meus homúnculos, fazia minhas obrigações, ouvia algum noticiário na rádio e dormia. Certo dia tive o prazer de saber que Trevor Wartch, um dos foragidos mais procurados pela polícia inglesa, fora preso meses atrás.

Ele merecia isso. Era o mínimo que um psicopata como ele deveria receber, após arrancar o amor da minha vida dos meus braços. Apesar de Eleonor ter morrido, sua voz ressoava em minha consciência por todas as noites, mesmo quando eu comecei a namorar Marie Wander. Infelizmente, por motivos desconhecidos, ela não me visitou mais, depois de tantos anos. Muitas das vezes eu tinha pesadelos com ela, a maioria me relembrava o dia de sua morte.

Teria sido eu o culpado por ela ter se afastado de mim? O que eu teria feito para nem mesmo sua voz me visitar em meus sonhos?

— Enoch, hora do café. - Fui tirado dos meus pensamentos por Emma, que acabara de abrir a porta do meu quarto. Ela parecia tão desgastada quanto eu. Talvez por noites de sono mal dormidas.

Depois que Abe saiu do orfanato para ser um combatente na guerra contra os nazistas, a garota parecia mais distante do chão do que a própria Olive. Às vezes eu a encontrava lendo e relendo algumas das cartas enviadas por seu namorado, enquanto estavam separados. Parecia doloroso não poder tocá-lo ou sequer falar com ele pessoalmente. Eu costumava visitar seu dormitório para checar se ela estava bem - algumas das vezes, quando Emma tinha pesadelos, eu ficava colado a ela, beijando sua testa e dizendo que tudo ficaria bem, mesmo sem eu saber se tais palavras eram verdadeiras -. Eu sabia que não teria nenhuma chance com ela, mas faria alguma diferença se eu quisesse apenas ajudar alguém como Emma Bloom?

— Estou indo. - Respondi. Emma ainda estava me encarando com seus olhos rodeados de olheiras - Você está bem, Emma?

— Você está bem, Enoch? - Perguntou-me friamente. Ambos os questionamentos ficaram pelo ar, as respostas sequer puderam ser ouvidas.

— Não pode ficar assim para sempre, Bloom. Abe virá pra cá algum dia. Ele só está fazendo seu dever como um soldado.

— Pelo que eu saiba, o dever de um soldado não é se isolar do mundo. Não é deixar sua família de lado, mesmo estando em outro país. - Disse, pasma - É isso que Abraham tem feito nesses poucos meses. Ele nem deve mais ligar para mim.

— Não diga asneiras, Emma. Ele te ama.

— Se isso é amar, não quero permanecer com esse buraco negro pela vida inteira! - O ar ficou mais pesado. Aproximei-me dela e dei um abraço apertado e correspondido. Retirei uma mecha de seu cabelo, molhada por suas lágrimas.

— Tenho certeza que você encontrará um outro alguém, Emma.

— E se eu não quiser encontrar? - Sussurrou em meu ouvido.

— Então faremos uma aposta. Se nenhum idiota se apaixonar por Emma Bloom, você se tornará minha assistente. - Falei, sorrindo - Colherá vários corações para meu estoque. Vai sujar suas mãos de lama, se for preciso.

— Sendo assim, prefiro esperar por alguém. - Ambos rimos. Ela olhou para mim com gratidão, o que fez meu coração derreter, como se ela estivesse tocando nele - Obrigada, Enoch. Obrigada por sempre estar ao meu lado.

— Conte comigo.

. . .

Algumas das vezes sentia o tempo passar tão rápido quanto um estalo. Imaginava a srta. Peregrine brincando com os segundos e minutos, avançando-os só por diversão. Que bom que era só impressão minha.

No momento, eu lia um livro chamado Frankenstein, de Marry Shelley. Millard tinha uma biblioteca particular em seu quarto, às vezes eu pegava alguns livros. Era magnífico o que um cientista poderia fazer com suas próprias mãos: criar um monstro a partir de uma combinação macabra de diversos membros. Pena que é só uma ficção. Seria adorável conhecer Victor Frankenstein algum dia. Talvez até dar umas dicas de como trazer um morto a vida.

Falando nisso, nunca descobri ao certo o motivo de eu não ter sido levado pela Morte. Eu estava nas visões de Horace, não poderia ser um engano. Considerei tamanho acontecimento como um milagre.

— No que está pensando, meu pequeno? - Fui interrompido por srta. Peregrine. Ela raramente visitava nossos cômodos, a não ser o de Victor, que mantinha o cadáver de seu dono. Fechei o livro e cocei a cabeça, um tanto confuso com sua presença.

— Nada de importância. Não deveria se preocupar comigo. - Alma sorriu como se eu tivesse contado algo nem tão engraçado. Ela abaixou-se ao meu nível e continuou a me encarar.

— Todas as minhas crianças são importantes para mim. Diga-me, Enoch, acha que uma ave não cuidaria de seus filhotes?

— Entendo. Só estava pensando no que aconteceu nesses anos. Quantas pessoas perdemos... - Suspirei, olhando para o nada.

— Algum dia teria que acontecer algo como isso, querido. Estive mal na ausência dos meus 5 pequenos, é por isso que visto roupas escuras. Mas não acho que isso deveria ser algo de sua preocupação.

— Tudo bem. - Tinha que admitir, ela estava certa. Preferi seguir seu conselho - Senhorita, posso perguntar por que está aqui?

— Oh, sim! Já ia me esquecendo. - Ela deixou uma risada abafada escapar - Hoje iremos receber mais um membro para a família. Quero que se arrume, a senhorita Jons está quase chegando.

— Jons? - Estremeci.

— Sim. Algum problema?

— Não. É que esse sobrenome me fez lembrar de alguém especial. - Alma sorriu novamente e saiu do meu quarto.

Comecei a me ajeitar para a tal peculiar. Guardei meus potes nos lugares certos, caso a srta. Peregrine resolva apresentar a casa para ela. Tomei um banho quente e me ajustei numa roupa folgada e aos meus velhos suspensórios.

— Enoch, a garota acabou de chegar. - A voz de Olive inundou meus ouvidos. Ela estava do lado de fora do quarto, mas pude ouvir perfeitamente - Apresse!

Não foi preciso dizer duas vezes. Estava prestes a descer as escadas quando uma sensação incrivelmente boa me preencheu. Eu ouvi a voz de Eleonor. Parecia tão clara, que era como se ela estivesse aqui, no orfanato. Não deixei de sorrir.

Ao chegar perto dos outros peculiares, avistei a garota. Meu coração parou assim que eu a vi. Não, não. Não é o que você deve estar pensando! "Tá certo. Enoch vai se apaixonar pela centésima vez". Eu me apaixonei, de fato, mas era como se fosse pela primeira vez.

A garota era idêntica a Eleonor, era como se fosse uma sósia dela. Seus cabelos levemente curtos e ondulados, seus olhos cativantes. Suas bochechas rosadas. Tudo era igual. Meu coração saltitou quando ela olhou para mim e ficou me encarando. Acho que todos notaram.

— Enoch, chegue mais perto. Vamos apresentar o orfanato para a srta. Jons. Quero que torne sua estadia mais agradável - Alma chamou a minha atenção. A garota ainda olhava para mim com um sorriso tímido estampado no rosto.

— Sem problemas, srta. Peregrine. - Disse a garota com um forte sotaque inglês, semelhante ao meu. Foi nesse exato momento que eu descobri de onde veio a voz que eu escutei antes de descer as escadas - Acho que nos daremos bem.

Os peculiares foram se afastando e seguindo a voz de Alma. Ela insistiu em fazer um tour pela casa. Enquanto isso, a cópia de Eleonor se aproximou de mim.

— Já nos conhecemos antes? - Ela perguntou, fazendo-me congelar por inteiro - Desculpe pela pergunta idiota. É porque você se parece muito com um amigo que eu tinha lá em Londres.

— Uh... n-não precisa se desculpar. Você também se parece com alguém que eu conhecia. Sou Enoch O'Connor.

— Eleanor Jons. - Apertou minha mão com força - É um prazer conhecê-lo, Enoch. Bom, espero que possamos ser amigos. Gostaria de ter alguém ao meu lado para me acostumar com isso tudo.

— Conte comigo, minha dama.

Suas bochechas se enrubesceram. Segurei sua mão, tão macia quanto a de Eleonor, e sorri como nunca tinha sorrido.

Ser um peculiar parecia ser mais agradável do que eu pensava.

Eu estava numa fenda de Gales, 03 de setembro de 1940, mas assim que eu vi Eleanor Jons, me senti como se estivesse revivendo aquele dia ordinário, em 04 de dezembro de 1904, ao lado da minha garota londrina preferida.

Eleonor Franklin Jones.

 


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Notas finais do capítulo

Olá, peculiares! Bom, esse foi o último capítulo de Rise * chora rios * Ainda não pretendo configurar a fanfic e colocá-la em "Concluída", porque estou pensando em escrever um final alternativo, mas é só um talvez. Segunda começam as minhas aulas, por isso preferi publicar esse capítulo logo.

Agradeço a todos que deixaram seus comentários e tantas outras considerações que fizeram meu coração e meu cérebro dançarem de alegria. Espero que tenham gostado de ler essa versão da história do Enoch.

That's all, folks!



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