Entre Dois Mundos escrita por Benihime


Capítulo 22
Madrugada




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Adaline

Com um CD de músicas clássicas suaves tocando no velho meu velho rádio e um pincel na mão, eu tentava limpar minha mente e me concentrar na pintura. Até o momento não estava funcionando muito bem, pois eu não conseguia tirar um certo par de pernas da minha cabeça.

Ei, garota. Luísa chegou e me abraçou por trás Está aqui quase o dia inteiro. Também quero um pouco de atenção.

Olhei para minha namorada, mas só o que aparecia em minha mente eram cabelos negros e olhos verdes. Eu não conseguia parar de pensar naqueles olhos. Sabia que já os tinha visto, tinha certeza disso, só não conseguia dizer exatamente quando ou onde.

Lu, me deixa em paz. — Resmunguei. — Estou com dor de cabeça.

Ah, Ada, eu vim aqui só pra te ver Ela fez biquinho, manhosa como sempre, o que já estava mesmo começando a me irritar.  Não faz isso, vai.

Desculpa, Luísa.  Falei simplesmente.  — Eu preciso mesmo de um tempo sozinha.

Seus olhos se arregalaram de surpresa e momentos depois sua expressão ensombreceu, mas ela não disse mais nada. Poucos minutos depois, ouvi a porta de meu apartamento bater, indicando que minha namorada se fora. Suspirei de alívio e larguei o pincel, desistindo de vez daquele quadro que não iria a lugar algum.

Fui para a sala, em deitei no sofá e simplesmente deixei minha mente vagar. Mesmo de olhos fechados, eu podia ver Suzana na minha frente, como se ela de fato estivesse ali. Cada vez mais curiosa, relembrei mil vezes as expressões daqueles olhos de esmeralda. E então, subitamente, um outro par de olhos igualmente verdes me veio à mente, olhos que eu não via há mais de cinco anos.

Não, pensei, surpresa com a revelação, não pode ser!

Recriei em minha mente, traço por traço com toda a exatidão que podia, a imagem de Zoey, comparando-a com o rosto que não me saía da cabeça desde que a conhecera naquele café. Suzana era mais feminina, mais elegante, do que a garota que eu conhecera. Efeito do tempo, talvez? Talvez, mas mesmo assim havia algo em suas feições que parecia diferenciá-la de minha amiga. Eram muito parecidas, mas não podiam ser a mesma pessoa, por mais que eu quisesse.

Zoey

Acordei devagar, ainda grogue de sono e álcool, e ergui o rosto do peito de Mateus, com quem saí depois que fui beber em um bar qualquer. Tínhamos bebido, flertado, e acabamos na casa dele. Como quase sempre acontecia conosco.

Suspirei de frustração enquanto levantava da cama e começava a me vestir, agradecendo a sorte de ter ido dirigindo até ali, pois não suportaria ficar mais nem um segundo naquela cama.

Assim que estava vestida, saí sem olhar para trás. Enquanto dirigia de volta para casa, deixei meus pensamentos seguirem seu próprio rumo e eles imediatamente se voltaram para Evie. Seu jeito de falar, alguma coisa no modo como colocava o cabelo atrás da orelha, em sua postura ao mesmo tempo receptiva e tímida ... Tudo aquilo era muito familiar. Eu tinha a nítida impressão de que já a conhecia, e muito bem.

Grunhindo de frustração, voltei minha atenção para a estrada vazia, fato que não me surpreendeu quando vi o relógio no painel do carro indicar duas e meia da manhã. O que realmente me surpreendeu, a ponto de me fazer pular de susto, foi o toque do meu celular. Aceitei a chamada pelo sistema Bluetooth do carro.

— Suzana Montevano, em que posso ajudar?

 Suzana? — A voz do outro da linha, embora baixa e trêmula, era inconfundível. — Oi. É a Evie. Não sei se você se lembra ...

— É claro que sim. — Afirmei gentilmente. — O que aconteceu, Evie?

— Eu ... — A garota estava obviamente morrendo de vergonha. — Olha, sinto muito por ligar tão tarde ... Eu ... Não sabia pra quem mais podia ligar. Preciso de ajuda.

— Sem problemas, eu estava acordada. — Respondi. — Posso dar um pulo aí e te ajudar. Qual é o endereço?

Ela me passou rapidamente o endereço, que me esforcei para memorizar, já que no momento minhas mãos estavam ocupadas com o volante.

— Olha, muito obrigada mesmo! — Evie agradeceu calorosamente. — Eu nem sei como te agradecer.

— Não precisa me agradecer, bobinha. — Respondi. — Fique onde está, que chegarei logo. 

Estacionei na frente do endereço dado em quinze minutos, um prédio antigo e dilapidado, mas ainda em razoável bom estado. Evie estava me esperando no saguão, branca como um lençol e claramente apavorada.

Adaline

Não pude evitar, meu queixo caiu quando a vi. Suzana estava com os cabelos soltos, e eles lhe caíam como uma cascata ondulada até o meio das costas. O vestido de noite azul-escuro, colado ao corpo, não deixava nada para a imaginação, revelando plenamente suas formas esculturais. Foi a preocupação sincera em seu rosto, porém, que mais me comoveu.

— Obrigada por vir. — Falei quando ela se aproximou. — Me desculpe de novo. Eu ... Realmente não sabia mais quem chamar.

Ela pareceu prestes a dizer algo, mas mudou de ideia e passou um braço pelos meus ombros. Para minha surpresa, o gesto me acalmou imediatamente.

— Está tudo bem, não há motivo para se desculpar. — A morena disse gentilmente. — Qual é o problema, Evie? O que aconteceu?

— Eu ... Acordei com um barulho, uma pancada alta. — Contei, estremecendo ao lembrar. — Acho que alguém entrou pela janela. Eu entrei em pânico, saí correndo e vim para cá.

— Já ligou para a polícia?

— Não, eu nem pensei nisso. — Admiti. — Sinto muito, muito mesmo! Fiquei tão apavorada que nem sequer pensei ...

— Ei, está tudo bem. — Suzana interrompeu. — Só se acalme. Está tudo bem.

Senti as lágrimas arderem em meus olhos, ameaçando transbordar, e foi quando Suzana me abraçou. Seus braços eram fortes e ela exalava um agradável perfume de lavanda. Seu gesto e o perfume eram tão familiares que não consegui mais conter, e todas as lágrimas que não chorei desde que fugira de casa vieram à tona. 

Zoey

Ela chorava e soluçava em meus braços, como uma criança assustada. Para minha surpresa, em nenhum momento senti vontade de ir embora. Alguma coisa em mim me dizia que era ali que eu tinha que estar, com aquela garota.

Quando Evie enfim se acalmou e se afastou um pouco, me permiti pensar em como lidar com a situação.

Sabe, mesmo que você ligasse, não acho que a polícia chegaria tão rápido assim. Falei.  É melhor eu subir e dar uma olhada. Isso é, se você quiser.

Adaline

Mas ... Mas ... Limpei algumas lágrimas teimosas e tentei me recompor.  Pode ser perigoso.

Aposto que foi só um gato. Você me disse que mora no quinto andar, ninguém escalaria até lá.

Sem mais protestos, vencida por sua lógica firme e razoável, eu a guiei pelas escadas, uma vez que o elevador daquele prédio sempre dava defeito.

— Preciso que me diga algumas coisas. — Suzana declarou, sua voz calma e prática. — A cozinha, onde é? Logo na entrada ou mais para dentro da casa?

— Um pouco mais no fundo. — Respondi. — Na sala de estar, você passa por um corredor que leva direto para lá.

— Certo. E onde você guarda as facas? Das grandes, não facas comuns de mesa.

— Na primeira gaveta do armário à esquerda da pia.

— Bom. Alguma luz acesa? — Fiz que não com a cabeça. — E quanto a velas, ou lanternas?

— Aqui. — Entreguei a ela o chaveiro-lanterna que sempre mantinha comigo. — Sempre mantenho isso à mão, aqui a energia tende a cair de repente.

— Melhor prevenir do que remediar. — A morena concordou com aprovação. — Uma última pergunta: em que cômodo você ouviu o baque de que me falou?

— No meu estúdio. É a última porta à direita, seguindo pelo corredor após a sala de estar.

—Está bem. — A essa altura já estávamos na portado meu apartamento. — Fique aqui e mantenha seu celular de prontidão. Ligue para a polícia se ouvir algo suspeito. Vou dar uma olhada e te chamo assim que estiver tudo certo.

— Tome cuidado. 

— Relaxe, menina. — Ela abriu um sorriso maroto, estendendo uma das mãos para bagunçar meu cabelo. — Se tem uma mulher que sabe se cuidar, essa sou eu. Não precisa se preocupar.

E então Suzana entrou no meu apartamento, somente com a luz da lanterna.

Zoey

Eu tinha que admitir, aquele apartamento tinha um ar sinistro no escuro. Como planejado, fui primeiro até a cozinha e peguei a maior faca que encontrei, uma grande faca de carne. Eu não pretendia, na verdade rezava para não precisar usá-la, mas é sempre melhor estar preparada.

Segui a passos lentos, silenciosos, até o cômodo que Evie indicara. Ela tivera o bom senso de trancar a porta por fora, mas a chave ainda estava na fechadura. Girei-a lentamente e abri a porta, varrendo o cômodo com a luz débil do pequeno chaveiro.

Encolhido e um canto, não demorei a localizar o "intruso", um enorme gato cinzento. Quando encontrei o interruptor e acendi a luz, ele miou alto em protesto.

Passo por passo me aproximei do felino, que me observava com seus olhos muito azuis. Ajoelhei-me à sua frente e estendi a mão. O gato permitiu que eu o acariciasse e pouco depois começou a ronronar. Não pude deixar de rir.

Adaline

Suzana voltou poucos minutos depois, trazendo nos braços um enorme gato cinzento.

Olhe só o seu intruso.  Ela disse, rindo.

Meus joelhos amoleceram de vergonha e tive que me encostar contra o batente da porta.

Ai, droga! — Exclamei. — Me desculpe, Suzana. Estou me sentindo uma idiota agora.

Tudo bem. — A morena sorriu, obviamente achando graça da situação. — Eu também já levei um susto parecido com esse.

Será que o nosso amiguinho aí tem dono?

Pela magreza dele, eu diria que não. Ela me olhou, imediatamente deduzindo tudo.  Não vá me dizer que gosta de gatos!

Adoro. Confessei Não posso jogar essa gracinha aí na rua.

É, eu entendo. — Suzana concordou enquanto me acompanhava de volta para dentro do apartamento. — Também já estava pensando no que fazer com esse bichano.

Obrigada mesmo por ter feito isso, Suzana. Falei, desabando no sofá da sala. Está tarde, não acho que deveria dirigir para casa a essa hora. Tenho um sofá cama no estúdio e ...

Tudo bem, Evie Ela me interrompeu gentilmente.  Eu moro a cinco minutos daqui, vou ficar bem.

Tem certeza?

É claro. Suzana me entregou o gato cinza, que se aninhou em meu colo de boa vontade. Bem, é melhor eu dar boa noite a você e nosso amiguinho peludo.

Boa noite, Suzana. E obrigada de novo.

Se quer tanto assim me agradecer, que tal nós duas sairmos juntas uma hora dessas?

Tipo ... Tipo um encontro?!

— Eu não pensei dessa maneira. — Ela piscou para mim, deixando claro que estava blefando — Mas, se você quiser ...

— Sábado à tarde no parque — Falei, antes que mudasse de ideia — Podemos nos ver lá.

Até sábado, então.

E ela saiu com um sorriso tão sexy que poderia derreter um iceberg.


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