Entre Dois Mundos escrita por Benihime


Capítulo 21
Café




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Cinco anos depois

Zoey

Entrei em casa e fui recebida pelo silêncio, algo com o qual nunca me acostumei. Morar sozinha era mais duro do que eu imaginara.

Sentei no meu sofá de couro e meu olhar foi imediatamente atraído para a estante azul do outro lado da sala. Ali, em posição de destaque, estava um porta retrato com uma foto minha e de Adaline.

Suspirei ao olhar aquela foto. Parecíamos felizes, então é claro que tive que estragar tudo, como sempre. 

Suas últimas palavras, dizendo que me queria mesmo depois de tudo o que tinha acontecido, ainda ecoavam em minha mente, me assombrando mesmo depois de tanto tempo. Me perguntei se, depois de todos esses anos, ainda seriam verdade e, não pela primeira vez, considerei entrar em contato com ela.

Ela nem deve ter o mesmo número, minha mente racionalizou Talvez nem more mais no mesmo lugar. Será quase impossível encontrá-la.

 

Tudo isso, claro, mera desculpa para mascarar minha covardia.

Adaline

— Anda, Line. — Luísa, minha atual namorada, insistiu. — Qual é! A festa vai ser legal.

— Eu já disse que não, Luísa! — Respondi, mal humorada. — Não estou com vontade e pronto. Dá pra parar de insistir?

Vi a ruiva se afastar e fazer um biquinho, obviamente magoada com minha atitude.

— Está bem. — Ela deu de ombros. — Mas eu vou, com ou sem você.

— Divirta-se.

Eu não podia ir, não quando estava num humor tão ruim. E o motivo para tudo isso era que cinco anos haviam acabado de se completar. Cinco anos desde que Zoey fora embora, naquele dia no parque. O mais engraçado é que doía como se tivesse sido ontem.

Levantei da cama e fui até a caixa onde guardava minhas recordações. Não precisei procurar. Eu sabia perfeitamente onde estava o que eu queria. Logo estava segurando nas mãos a outra metade do colar de coração que, por cinco anos, eu não tirara do pescoço.

Toquei o metal frio do pingente contra minha pele. Sem sua outra metade nem a mensagem nem a forma dos pingentes era clara. Assim eu me sentia sem Zoey, mesmo depois de cinco anos. Ela não havia sido só uma menina por quem me apaixonei, mas também a melhor amiga que eu já tivera. Talvez por isso sua ausência doesse tanto. 

Dois meses depois

Zoey

Droga!

Olhei pela janela do pequeno café e vi o céu, escuro e ameaçador desde o amanhecer, desabar em uma chuva torrencial, tornando oficial o fato de eu estar presa ali até o temporal passar. Zangada, peguei minha agenda dentro da bolsa e comecei a rabiscar uma poesia.

Adaline

Saí do ateliê de arte onde estava trabalhando, conferindo cuidadosamente minhas mãos para ver se não estavam manchadas de tinta, o que era infelizmente uma ocorrência bem comum. 

Estremeci de frio enquanto andava, amaldiçoando a mim mesma por ter esquecido de pegar um casaco e apressando o passo para me aquecer.

Zoey

A chuva enfim diminuiu e calculei que conseguiria voltar ao trabalho, no prédio de advocacia do outro lado da rua. Se corresse chegaria lá quase sem me molhar.

Claro, eu devia saber que nada seria tão simples com a minha notória falta de sorte. Mal passei pela porta do café e trombei com alguém, com tanta força que nós duas caímos.

Adaline

Senti minhas bochechas esquentarem, morrendo de vergonha por ter feito papel de boba mais uma vez.

Você está bem? Perguntei, quase pulando de pé.  Ah, meu deus, me desculpe. Eu sinto muito mesmo!

A mulher que eu derrubara riu, ainda sentada no chão, parecendo completamente à vontade apesar da situação.

— Está tudo bem. — Ela garantiu simpaticamente. — Fui eu quem saiu correndo. 

Ela estendeu uma das mãos, aceitando a ajuda que eu oferecia. Sua mão era surpreendentemente forte, apesar da aparência delicada.

— Me desculpe pelo encontrão. — A morena disse. — Qual é o seu nome?

Num rompante, quase disse a ela meu nome verdadeiro, mas lembrei a tempo de que ninguém mais poderia sabê-lo, não depois que fugi de casa. Cartazes com a minha foto como desaparecida ainda estavam espalhados em alguns lugares, e não havia como prever a reação de minha família se me encontrasse.

Zoey

A garota à minha frente (sim, pois era uma garota, não devia ter mais de dezesseis anos) era delicada e bonita, com cabelos de um rosa suave, quase da cor de algodão doce, que lhe caíam em mechas lisas e finas ao redor de seu rosto delicado.

Meu nome é Evie.

O meu é Suzana.

Suzana era meu segundo nome. Com o meu trabalho como advogada, eu pensava que se encaixava bem melhor. Era muito mais elegante, de qualquer forma.

É ... Um prazer. Ela gaguejou em voz baixa, obviamente ainda envergonhada.

Você está toda molhada. Declarei Deixe eu pagar um café para compensar por isso.

Não ... Não foi sua culpa. Eu estava a pé ... Peguei um pouco de chuva ... Só isso.

— Bom, nesse caso precisa ainda mais de uma bebida quente, e se secar antes que pegue alguma doença.

Adaline

Não protestei quando Suzana tirou o casaco e o passou sobre meus ombros, revelando a blusa social branca que usava por baixo. O decote talvez fosse um tanto ousado demais em contraste com sua saia-lápis preta extremamente formal, mas isso só lhe conferia ainda mais charme.

Num gesto gracioso, um de seus braços envolveu meus ombros, guiando-me para dentro do café do qual ela acabara de sair. Pouco depois me vi sentada em uma mesa nos fundos, perto dos aquecedores. Eu não podia negar que era gostoso.

O que você bebe, Evie? Suzana perguntou, tirando-me de meus pensamentos.

Eu ... Eu ... Eu mal conseguia falar, pois meus dentes batiam de frio. Agora que meu corpo voltava à temperatura normal, eu começava a sentir os efeitos. Um expresso.

 Boa escolha. — A morena sorriu. Ela era claramente do tipo simpático, que sorria fácil. — Volto num minuto.

Dito e feito. Suzana levou menos de cinco minutos para voltar à nossa mesa, trazendo dois copos grandes de café.

Beba. Ela disse gentilmente, pousando um dos recipientes à minha frente.  Vai te ajudar a se aquecer.

Zoey

Olhei para a simples blusinha branca de alcinhas com contas cor de rosa ao redor do decote arredondado, a saia longa branca e as botinhas peep toe bege com desaprovação. Óbvio que ela estaria com frio vestida daquele jeito. Nem sequer usava um casaco.

Apesar de que, eu tinha que admitir que aquele estilo vintage romântico lhe caía bem. Ela parecia jovial, de uma forma discreta que era extremamente agradável.

Adaline

E então, Evie, o que você faz? — Suzana perguntou, quebrando o breve silêncio. — Estuda?

— Na verdade não. Eu larguei a escola meses atrás e agora trabalho num ateliê de artes.

— Ora, ora, uma artista. — A morena sorriu mais uma vez. — Isso é bacana. Já tem algum trabalho próprio concluído?

— Não, nada ainda. Apenas rascunhos.

— Bom, eu conheço um professor de artes que talvez goste de dar uma olhada nesses rascunhos. — Ela declarou. — Quem sabe? Talvez ele possa lhe ensinar alguma coisa. Isso é, se você quiser conhecê-lo.

— O que?! — Quase engasguei de surpresa. — É claro que quero! Mas ... Por que está me ajudando?

Suzane sorriu e me dirigiu uma piscadela marota, de um jeito que me lembrou tão intensamente de Zoey que até perdi o fôlego. 

 

Caramba, pensei, decepcionada comigo mesma. Será que nunca vou esquecer aquela garota?

— Digamos que eu simpatizei com você. — Suzana riu. — Ou talvez eu conheça esse ateliê em que você trabalha e já tenho ouvido Jean-Luc elogiar seu desempenho.

— Ele ... Ele falou mesmo sobre mim?

— Sim, ele a elogiou bastante. Inclusive prometeu que nos apresentaria na próxima vez em que eu fizesse uma visita. — Suzane mais uma vez riu, dessa vez com malícia. — Imagine só a decepção dele quando perceber que essa honra lhe foi negada pelo destino.

Não consegui deixar de rir de sua piada, surpresa com o quanto me sentia bem em sua presença, algo raro depois que fugi de casa. Suzane pareceu querer dizer mais alguma coisa, mas o toque de seu celular a interrompeu.

É melhor eu atender.

Ela pegou o aparelho de dentro da bolsa e começou a falar rapidamente. Não prestei atenção no que estava sendo dito. Ao invés disso, deixei minha atenção vagar.

Bem, Evie, sinto muito mas preciso voltar ao trabalho. Suzana disse depois de algum tempo. Ela tirou algo da bolsa e deslizou em minha direção. Me ligue para falarmos sobre o professor de arte, ok?

Ela saiu logo depois disso, e não consegui evitar. Mais uma vez, assim como quando ela estava falando ao telefone, meu olhar desceu para suas pernas.


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