Entre Dois Mundos escrita por Benihime


Capítulo 2
Troca de artes




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Adaline

Cheguei da escola, peguei algo pra comer, corri para meu quarto, joguei a mochila em um canto e peguei meu computador. Zoey já estava online quando me conectei no Skype, começando quase imediatamente a chamada de vídeo.

— E aí, loirinha! Como foi a aula? 

— Ai, Zo. — Eu bufei em contrariedade. — Um saco completo.

— A minha também. — Ela respondeu, rindo. — Ainda bem que levei um livro. Fico lendo por baixo da classe.

— Eu às vezes faço isso também. — Confessei. — O que você está lendo agora?

A descoberta desse amor compartilhado pela leitura, embora nosso gosto em livros com certeza fosse diferente, me deixou feliz. 

Zoey ergueu uma das mãos, fazendo sinal de que voltaria logo, e se afastou. Pude ver seu cabelo ondular quando ela levantou, preto contra o fundo da blusa cor de salmão que ela usava. Espere aí ... Preto?! 

— Zoey! — Exclamei, me sentindo meio pateta por ter demorado tanto a notar. — Você pintou o cabelo de novo!

— Na semana passada. — Ela respondeu sem se virar, balançando a cabeça para que as mechas negras onduladas dançassem sobre suas costas. — Nada mal, né?

— Tá brincando?! Ficou incrível!

E era verdade. As mechas escuras combinavam com o verde de seus olhos e sua pele clara, o que me deu uma vontade súbita de desenhá-la. Eu sabia que os detalhes ficariam gravados em minha memória, e com certeza acabaria tentando mais tarde.

— Achei! — Zoey exclamou, tirando um livro da estante e se voltando para mim. — Esse é o livro que estou lendo.

— A Menina que Roubava Livros! Faz meses que procuro esse livro e não consigo comprar.

— Te empresto quando quiser. É só pedir.

— Valeu, Zo. Você é a melhor!

Ela sorriu e deu uma piscadela amistosa, bem no estilo Zoey. Se eu não a conhecesse melhor, até diria que se tratava de um flerte. 

— E aí. — Ela quebrou o breve silêncio — O que mais você gosta de fazer?

— Eu gosto de desenho, pintura, artesanato, teatro, dança ... Esse tipo de coisa. — Respondi. — E você?

— Boxe e karatê, principalmente. — Zoey declarou. — Mas também curto escrever. Poesias, contos, terror ... Tenho de tudo um pouco.

— Legal! — Exclamei, animada. — Lê alguma coisa pra mim?

— Desculpa, bebê. — A morena riu. — Hoje não vai rolar. Um dia desses te empresto meu caderno de rascunhos, ok?

— Ah, Zo, por favor! — Juntei as mãos na frente do rosto, fazendo minha melhor expressão de cachorrinho pidão. — Te mostro alguns dos meus trabalhos. Que tal?

— Está bem, sua chata. — Ela cedeu com um suspiro. — Peraí, vou pegar meu caderno.

Alguns minutos depois nós duas estávamos sentadas na frente do computador de novo, Zoey com um caderno de capa vermelha tão grosso que quase parecia uma Bíblia e eu com uma caixa na qual guardava meus cadernos de desenho antigos.

— Você começa. — Ela disse, ainda com aquela ruguinha de contrariedade entre os olhos.

Tirei da caixa um caderno de desenhos todo dedicado às minhas heroínas de infância: Arlequina, Mulher Maravilha, Viúva Negra e várias outras. Quando mostrei a ela, Zoey pareceu surpresa.

—  Você é muito boa, Ada. — Ela declarou. — Fez algum curso?

— Não realmente. — Expliquei. — Tive aulas por um tempo, mas parei, depois fui pegando as coisas aqui e ali, praticando quando podia. Não foi tão difícil.

— Puro talento. — Zoey sorriu com aprovação. — É assim que se faz, garota.

Corei com seu elogio. Zoey era direta, tanto que a maioria das pessoas nem sequer compreendia quando sua intenção era ser gentil. Precisei de um pouco de tempo para me acostumar com isso, e mais ainda para aprender a lidar com sua língua afiada.

— Sua vez. — Eu a lembrei — Agora você lê alguma coisa. 

Zoey revirou os olhos, obviamente contrariada, mas abriu o caderno em uma página aleatória e começou a ler: 

Viajando nas asas negras de um corvo

Cavalgo o vento pútrido que sopra

Viajando nas costas da Morte

Para sempre forasteira

A última humana do mundo

A poesia continuava, contando a história de como a Morte havia assumido a forma de um corvo, abarcando o mundo com suas asas gigantescas e ceifando toda a vida. Uma garota, a única sobrevivente, era agora transportada em suas costas, e os versos seguintes contavam sua viagem solitária ao Mundo dos Mortos.

— Desculpe. — Zoey disse ao terminar, suas bochechas adquirindo um leve tom rosado. Era a primeira vez que eu a via corar. — Eu sei, ainda preciso melhorar muito.

— Bobagem, Zo, sua poesia é ótima. — Elogiei. — Você escreve muito bem, não devia ter vergonha de mostrar.

— Valeu mesmo, Ada.

Os cantos de seus lábios se ergueram em um sorriso fraco. Continuamos nessa troca de artes por um longo tempo, em trocas alternadas.

As poesias de Zoey eram incríveis e, mesmo depois que ela disse que precisava ir, continuei ouvindo sua voz. Aquela voz baixa, suave e um tanto sombria, que parecia atingir até o âmago do meu ser.


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