Entre Dois Mundos escrita por Benihime


Capítulo 14
Gramado — Dia 1: Paisagens e fotografia




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Zoey

Entrei no carro com minha dinda, o namorado dela e Mateus. Os três sorriram animadamente para mim.

— E aí, Z! — Minha dinda cumprimentou. — Pronta pro final de semana mais maluco da sua vida?

 — Depende. — Ri com gosto de seu exagero. — Só se isso envolver um gole de alguma coisa bem forte. Quem sabe uísque?

— Cerveja no máximo, menina. — Ela rebateu. — Se comporte, ou o seu pai mata a gente.

— Vodka.

— Nem pensar! — Foi a resposta. — Um vinho, e acabou a discussão.

— Branco suave?

— Se você insiste ... 

— Boa! — Comemorei. — É isso aí!

Todos nós rimos. Logo chegamos à barca e tivemos que descer do carro. Como de costume, fui até a amurada e me debrucei para ver o rio passar. Depois de alguns minutos, senti um toque em meu ombro e me virei para olhar para Mateus.

— O que você quer? — Me recostei contra a amurada, encarando-o de braços cruzados.

— Pedir desculpas. — Foi a resposta. — Olha, Z, eu sei que você não queria que eu tivesse vindo, mas sua mãe insistiu. Ela disse que te faria bem sair um pouco, e não tive coragem de recusar.

Fechei os olhos por um momento, respirando fundo para manter a compostura. Por que tinha que ser assim? Sempre que eu conseguia erguer algum tipo de muro entre nós, aquele garoto dava um jeito de quebrá-lo. Não que eu realmente pensasse que ele me devia desculpas ou algo do tipo, mas o fato de ele reconhecer meus sentimentos quanto àquela situação me acalmou.

— Eu é que peço desculpas. — Respondi. — Sei que você não tem culpa, e estou tornando tudo muito mais difícil do que precisa ser.

— Ei, Z, olha lá! — Ele exclamou, abrindo um súbito sorriso de deleite. — Uma garça-real!

Me virei tão rápido que tenho certeza que pareci um pião de brinquedo. Ao ver a ave e seu voo gracioso, não consegui conter meu próprio sorriso.

— Uau! — Exclamei. — É tão linda!

— A garça não é a única coisa linda que eu vejo.

Senti Mateus pegar uma mecha de meu cabelo e deslizá-la entre os dedos. Sem sequer parar para pensar, me virei de novo para encará-lo, afastando sua mão com as costas da minha.

— Por favor, não complique as coisas.

— Está bem, está bem, não vou dizer mais nada. — Ele ergueu as duas mãos no ar em um gesto de rendição. — Mas, a menos que você me diga com todas as letras, em alto e bom som, também não vou desistir de você. Não esquece disso, tá bom?

Sem querer me confundir ainda mais com aquela conversa, voltei para o carro e peguei um livro em minha bolsa. Precisava urgentemente tirar as palavras de Mateus da minha cabeça, ou corria o risco de começar a acreditar nelas.

Um bom tempo depois, já na estrada, o clima estranho entre nós foi amenizado por músicas, risadas e conversas. Quando sentimos fome, paramos para comer em uma daquelas lanchonetes de beira de estrada. Afinal, a viagem era longa e ninguém quisera perder tempo com uma longa parada para o almoço.

Descemos todos do carro para esticar as pernas enquanto minha dinda pegava os lanches, e aproveitei para ir ao banheiro. Quando saí, através da enorme e antiquada fachada de vidro da lanchonete, vi Mateus com uma câmera fotográfica nas mão.

— Ei, seu maluco. — Chamei ao ir até ele. — Não sabia que você gostava de fotografia.

— Ah, oi, Z. — Ele mal tirou os olhos do visor da câmera, tão concentrado estava. — Não conte pra ninguém, ou meus amigos vão parar de me levar a sério.

— Claro. Afinal, uma reputação falsa é tudo. — Nós dois rimos, e Mateus pareceu surpreso quando tirei minha própria câmera fotográfica da bolsa. — Parece que temos mais uma coisa em comum.

— É, mas você é mulher. Não cai tão mal.

— Seu machista!

Dei um soco em seu ombro, talvez com um pouco mais de força do que o estritamente necessário.

— Credo, garota, calma! — Ele riu. — Depois eu que sou o maluco. Nem foi o que eu quis dizer, sua surtada.

— Tá bom. — Eu o encarei de braços cruzados e com a cara mais zangada que consegui fazer. — O que você quis dizer, então?

— Quis dizer que, por ser mulher, sua sensibilidade é maior, até porque isso é algo esperado de vocês desde a infância. Pode soar misógino, mas você sabe que é verdade. A maioria das mulheres consegue ter um senso artístico que nós, homens, muitas vezes temos que treinar duro pra desenvolver, simplesmente porque nos é dito desde a infância que não devemos ter. Além do mais, a sociedade é preconceituosa. A maioria ainda acha que qualquer coisa a ver com arte é "coisa de mulherzinha".

— Uau. — Seu discurso me surpreendeu, e sei que isso ficou bem óbvio. — Por essa eu não esperava.

— Claro que não. — Ele rebateu zombeteiramente. — Ninguém esperaria.

— Me mostra algumas das suas fotos?

— Beleza, mas primeiro quero que você olhe para aquela árvore ali.

Olhei na direção que ele apontou, vendo um plátano com as folhas amareladas, em tons de amarelo, laranja e vermelho.

— As cores são bonitas. — Admiti. — Mas ainda é só uma árvore.

— Não, Z, você está se concentrando na coisa errada. — Foi a resposta. — Olhe daquele lado.

Mateus delicadamente ergueu meu rosto com o dedo indicador, fazendo com que eu olhasse para cima. Vi o sol iluminando as folhas outonais por trás, fazendo com que parecessem estar em chamas. Era tão bonito que soltei um suspiro de deleite.

— Ei, gente. — Minha dinda chamou, quebrando nosso transe. — Hora de ir!

Voltamos ao carro e, dessa vez, ao invés de manter distância, fui sentada bem ao lado de Mateus, olhando as fotos que ele me mostrava em sua câmera. Eu tinha que admitir, aquele garoto tinha muito talento.

— Ei, pessoal. — Marcos, o namorado da minha dinda, chamou. — Se preparem, estamos começando a subir a serra.

— Uau! — Mateus exclamou quase ao mesmo tempo. — Olhe só essas estufas de morango, Z!

Me inclinei ao seu lado para olhar. As estufas eram mesmo charmosas, de um verde profundo que contrastava com sua cobertura branca. Entre as folhas, morangos vermelhos brilhavam como pequeninos rubis.

Quando finalmente chegamos em Gramado, fomos para o hotel, deixamos nossas malas no quarto e saímos para dar uma caminhada. Minha dinda e o Marcos estavam com fome, então nossa primeira parada foi em uma lancheria. Mateus e eu passamos grande parte desse tempo discutindo planos e técnicas de fotografia enquanto comíamos pastéis.

Minha dinda insistiu em fazer compras. Como não estávamos nem um pouco interessados nisso, Mateus e eu resolvermos dar uma volta pelas construções históricas próximas. Quando nos reunimos de novo, minha dinda tinha quatro sacolas nas mãos.

— Caramba! — Exclamei. — Precisava mesmo disso tudo?

— Presentes. — Ela respondeu. — Claro que precisava.

 Ri com gosto de seu exagero. Mateus disse que queria ver uma coisa numa das lojas e nos encontraria no hotel. Logo descobri uma sala de jogos onde estávamos hospedados e entrei em uma partida de sinuca contra alguns senhores simpáticos.

— Ei, Z. — Mateus cumprimentou da porta depois de algum tempo. — Aposto dez reais como você está perdendo feio.

— Errou feio, filho. — O senhor chamado Arthur disse, rindo. — A mocinha aqui está dando uma lição em todos esses velhotes.

— Essa eu quero ver!

Continuamos o jogo. No final um dos senhores, Sílvio, venceu, mas eu mesma tive minha cota de boas jogadas. Como havíamos chegado relativamente tarde (por volta das cinco da tarde), resolvemos de comum acordo jantar no hotel naquela noite e dormir cedo para aproveitar bem o dia seguinte.

O quarto que minha dinda escolhera era composto por uma peça grande destinada a um casal, um banheiro e uma peça menos depois dele, onde Mateus e eu iríamos dormir. Mesmo sendo menor, nossas acomodações contavam com uma enorme televisão de tela plana, frigobar e até acesso a uma pequena varanda. A cama de casal no centro do quarto, porém, a princípio me preocupou.

— Ah, vamos, Z, deixa de ser fresca. — Mateus declarou com uma risada. — Não é como se eu fosse abusar de você enquanto dorme. Que falta de confiança!

— Ok, você tem razão. — Cedi, rindo junto com ele. — É bobagem minha. Vamos ficar numa boa.

A sacada era com certeza a melhor parte do lugar, com uma vista panorâmica da cidade que aproveitamos por um longo tempo, até eu decidir entrar para tomar um banho.

Mateus

Zoey entrou no quarto tão silenciosamente que me surpreendeu por um momento, até eu notar que ela estava descalça. Sua camisola era longa o bastante para ser considerada quase recatada demais, mas toda aquela renda branca definitivamente me deu ideias impróprias.

— O que foi? — Ela sorriu e notei gotículas de água ainda brilhando em sua pele. — Isso está ficando estranho. Para de encarar.

Desviei os olhos apenas por um segundo, mas tive que olhar de novo quando ela deitou ao meu lado, espalhando seus cabelos negros pelo travesseiro. 

Caramba!, pensei. Está aí uma cena que eu não me importaria de ver de novo toda noite.

— Vou tomar um banho também. — Anunciei, antes que fizesse alguma loucura.

Levei tanto tempo no banho tentando me acalmar que, quando voltei, Zoey já estava dormindo. Deitei ao seu lado, coloquei um programa interessante na TV e tentei manter minhas mãos sob controle, já que não podia manter meus pensamentos.

— Hum. — Zoey praticamente ronronou — Isso é bom.

Notei que eu estava fazendo cafuné em seus cabelos e tentei parar, mas ela pegou minha mão e a colocou de volta na mesma posição.

— Se parar eu te bato.

Não pude deixar de sorrir. Zoey era sempre assim, com aquela pose de durona.

— Pode deixar — Respondi — Boa noite, Zoey.

Não sei quanto tempo levou, mas sei que, quando adormeci, minha mão ainda estava enrolada no cabelo dela.


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