Um lar para Ripley escrita por Sullie K


Capítulo 3
Interlúdio


Notas iniciais do capítulo

Olá, leitores, desculpa a demora! Espero, sinceramente que gostem deste capítulo e que estejam gostando da história. Boa leitura ♥



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Ainda chovia. Naquele momento, pouco, porém a tempestade oscilante prometia voltar. Não se demoraram numa minúscula loja, onde vendia-se desde papel e canetas a imensos armários de madeira usados, encontrada a cerca de meio quilômetro de distância, e logo retornava a chuva grossa. Correram pela rua de pedra, desafiando o céu tempestuoso enquanto dividiam um guarda-chuva preto; o que Tom comprara parecia falhar em sequer abrir.

Pararam antes do Antoniou, num café que aprimorava a visão exótica que se tinha das ruas compridas de Atenas em dias chuvosos. Ripley estava encantado. Como se quisesse e pudesse largar todo o pouco que tinha para viver vagando de país em país, sem mais policiais ou a distante inconveniência americana. Quase via a beleza nostálgica e paradisíaca de Mongibello estampada nos arredores. Foi rápido em recordar-se de que estavam lá apenas a trabalho, e que dentro de poucos dias estariam novamente num navio — desta vez sem Meredith —, retornando à Itália.

Peter pedira um tipo excêntrico de iogurte, pães brancos e café, enquanto falava em levar Tom para comer algumas ótimas saladas e pratos com nomes que o rapaz não conseguia pronunciar, além de algo sobre montes, em especial o Egaleu. Ripley se mantinha quieto; escutava pacientemente enquanto esperavam o temporal amenizar.

Mesmo com o chuvisco ainda iminente, caminhou só, rumo ao hotel. O Kingsley teve de ir à igreja aonde iria se apresentar, para um ensaio prolongado que Tom nunca fizera quando tocava em bares. Curioso e distante diferencial. Não se via capaz de fazer qualquer coisa além de perder-se pela cidade quando estava longe do inglês, e acabou por confirmar esta suposição quando distraiu-se com uma acrópole longínqua que o chamara silenciosamente na paisagem. Impossível de perdê-la, até mesmo a olho nu, se lamentou pela distância óbvia da construção. Ao olhar para trás, já não mais reconhecia seus arredores. Um trovão ecoou em um estrondo frenético, e Tom se viu obrigado a tomar abrigo sob a marquise de uma das casas próximas, à medida que via a falta de vontade de trégua da tempestade eclodir.

Aguardou alguns minutos; meia hora, se não lhe falhava a noção do tempo. Correu rua abaixo, cobrindo-se como podia com seu casaco, e parou numa livraria de esquina. Gastou seus poucos trocados comprando uma revista e o último guarda-chuva à venda — certificando-se de que este abriria quando precisasse —, e se manteve de pé próximo à porta de entrada, revistando as imagens sem entender o que os colunistas tinham a contar. Volta e meia via uma ou duas pessoas entrando e saindo da loja, ocasionalmente comprando algo também. Então distraiu-se, as roupas secando devagar e seus dedos tapeando a borda das páginas.

Foi só quando adentrou uma figura que Ripley apercebera com o canto do olhar, denotada pelos cabelos anormalmente loiros e a pele pálida, encharcada pela chuva, que ele voltou a sentir-se tenso por um instante. Levantou, veloz, a cabeça, pensando em como desconversaria Meredith, e só assim notou, ao invés dela, um homem esbelto, pouco mais alto que a garota e tão loiro quanto. Contudo, não conseguia ver sua face. Ele parecia falar grego com o vendedor; ainda assim, Tom duvidava que ele fosse, de fato, grego. Descobriu que o encarava quando, finalmente, recebeu um olhar do tal homem, que acenou embaraçado.

Tom acenou de volta e prosseguiu a observá-lo. Viu-o comprar um maço de cigarros, e virar-se novamente, estranhando seu olhar fixo. O desconhecido se aproximou com a cautela de quem já lidara com situações parecidas, alarmando Ripley. Começou sua frase em grego, até captar que Tom não entendia uma palavra sequer. Murmurou um “oh” paciente.

“Você está perdido, amigo?” Perguntou, a voz presente comprovando a hipótese de Tom: o homem era tão inglês quanto Peter.

“Não, só esperando a chuva passar.” Desviou o olhar lá para fora.

“Nós nos conhecemos, então?”

“Creio que não.”

“Eu só... vi que você estava me olhando e pensei que precisasse de alguma coisa.” Sentia-se confuso, porventura chateado. Posicionara-se lado a lado de Tom, confiantemente distante, e deixando a água escorrer de seus cabelos e de suas roupas longas.

“Me perdoe, você me lembra uma conhecida minha. Ela está aqui em Atenas, também.” Tom comparava em pensamento os olhos azuis do rapaz aos de Meredith Logue. Logo percebeu o que acabara de constatar, envergonhado.

Ela?” O estranho segurou um riso frouxo com a mão. “Já me chamaram de muitas coisas, mas de garota é a primeira vez.”

Ripley sorriu, polido.

“Trabalho ou lazer?” O rapaz perguntou-lhe, sacando um chiclete do bolso.

 Seu sorriso agora fraquejava, amaldiçoando-se por ter chamado a atenção de um homem disposto a conversar. No entanto, em breve estaria seco o suficiente para não congelar do lado de fora; pegaria seu guarda-chuva, caminharia um pouco, tentaria se achar e quem sabe até achar a igreja. Os ponteiros do relógio não andariam nem mais lentos, nem mais rápidos.

“Um pouco dos dois. E você?”

“Trabalho. Estou tentando ser jornalista, mas o bastardo do homem que deveria tirar as fotografias para a minha coluna perdeu o barco para cá.” Gesticulava exagerado enquanto falava, quase de forma cômica. “Com o quê você trabalha, afinal?”

“Eu lido com finanças. Lidava. Tive que deixar isso para trás, antes que descobrissem que eu falsificava assinaturas.” Falou com neutralidade, esperando a reação do outro para seu próprio divertimento. O desconhecido virou-se com o cenho franzido, antes de rir sozinho e elogiar a piada.

Aparentemente, o rapaz que ele pensara ser Meredith chamava-se Ed. Edmund Banbury. Gostava de tagarelar e tinha lábia a de um verdadeiro jornalista, mesmo se dizendo um “mero freelancer”. Reclamou mais um pouco do amigo fotógrafo que só chegaria na semana seguinte, comentou sobre o clima e prendeu Tom por mais tempo do que ele gostaria dentro da loja. Um sujeito solícito, talvez não muito esperto por revelar tanto a um ninguém que conhecera numa livraria.

“... E como posso falar com você de novo, Tom?” Ed questionou, suas próprias roupas estando quase completamente secas. “Meus amigos iriam te achar hilário.”

“Estou no Antoniou, conhece? Mas não vou ficar aqui por mais muitos dias. Acho que vou voltar para Veneza.” Apalpou seus bolsos, em busca de uma caneta. Arrancou um pedaço da capa da revista para rabiscar um número de telefone. “Tenho me hospedado na casa de um bom amigo, Peter Smith-Kingsley. Ele sempre saberá onde me encontrar, de uma forma ou de outra, então ligue para ele.”

Não se sentira confortável em dar o telefone de sua casa a Ed, e reconsiderou se era boa ideia entrega-lo o de Peter. Imaginou que o homem acabaria por não ligar, no fim. Despediu-se em simpatia ensaiada, deixando para trás a livraria que, agora, a chuva não hesitava em esconder. Abriu seu guarda-chuva e caminhou tranquilo pelo caminho úmido. O som das gotas caindo, batendo, ele o acalmava, mesmo sem saber por aonde ir ou em qual direção virar.

Eventualmente, avistou o que supôs ser a silhueta da acrópole ao longe e pôde reconhecer uma casa particularmente esbranquiçada com a qual esbarrara mais cedo. Prosseguiu até ver, mais uma vez, o café, e sabia, por fim, onde estava. Se desejasse voltar ao Antoniou, saberia como. Não obstante, confiou nas coordenadas que o pianista lhe dera e defrontou a chuva.

O som melódico e quase impecável subia e contornava as paredes da alta igreja. As figuras sacras se deleitavam com a música dedicada a elas, suas expressões nulas, pintadas no teto arredondado e construídas nos vitrais. Absorto nas compridas partituras, Peter não pudera ver Tom chegar silencioso.

Como que por coincidência, Ripley conhecia aquela canção. Não recordava-se do nome; só sabia que era uma de Vivaldi. Requeria-se um ouvido atento para notar o piano sóbrio em sua discrição, e Tom notava-o, tão sutil quanto da primeira vez em Veneza. Nesta ocasião, quem se dava à honra de cantar era uma mulher adulta, todavia, não mais o menino italiano. Ao fim da composição, aplaudiu, e Peter viu-o então, a surpresa se tornando sorriso em seu rosto pálido.

Trocou uma palavra com uma das violinistas e veio até Ripley, o reflexo da janela colorida lhe pintando por um instante com as cores de Eva e da maçã.

Tom, eu não esperava te ver tão cedo!” O abraçou, cordial.

“Perdão, fiquei preso numa loja por causa da chuva e acabei perdendo a noção das horas. Iria te convidar para caminhar comigo, mas acho que como são só...” Matutou, esperando que o outro completasse seu raciocínio.

“...Onze horas. Sim, eu ainda não posso sair, infelizmente. Você já viu a tal acrópole? Quem sabe você não poderia ir até lá e nós nos vemos quando você estiver de volta.”

“Ah, eu vi. De longe, digo, mas quem sabe?”

Andaram, passando pelo confessionário vazio, até chegarem numa estatueta de madeira de Jesus pregado ao crucifixo. Peter observou-a por um momento como se ela pudesse se mover ou começar a falar quando menos se esperasse. Foi apenas quando murmurou um “amém” quase inaudível que concedeu-se a palavra mais uma vez.

“Tem tido alguma notícia de Meredith?” suspirou, sem tirar os olhos da estátua. O som deste nome soou engraçado a Tom.

“Não desde ontem no navio. Se não me engano, ela já estaria indo embora hoje.”

“Uma pena que não pude convidá-la ao concerto de amanhã; ela ama esse tipo de música.” Parou, pensativo, e Tom se acomodou na beira de um dos bancos escuros.

“Desculpe-me por ter mentido, Peter. Não deveria ter sido assim.”

“Não estou chateado, você sabe que não há motivo para desculpar-se.” Quis virar-se ao americano, porém não o fez. “Só queria que você confiasse mais em mim. Às vezes, sinto-te tão distante.”

Ripley calou-se junto da chuva que cessava lá fora. O pianista sentou-se ao seu lado e, sabendo que não havia ninguém por perto, segurou sua mão.

“Você está bem?” Perguntou a Tom, olhando-o nos olhos.

“É claro.”

“Era só o que eu precisava ouvir.” Sorriu, agora melancólico. “Acho que tenho de retomar o ensaio. Quando você voltar da acrópole, estarei aqui te esperando.”

Foi embora e, mais rápido do que imaginara, Tom estava só. Estranhou o quão diferente tudo era sem Peter ali. Não pior; talvez menos completo ou simplesmente solitário. Recordou do perigo que a vida do homem uma vez correra e quase falhou em ter uma imagem de como tudo seria sem ele por lá. Ripley seria o alguém a ocupar o banco do enorme piano, Ripley seria aplaudido ao fim da melodia carecida de prática, com a consciência de que jamais seria como Peter; a imagem do cadáver do Smith-Kingsley lhe causou náuseas.

Afinal, se despedia em absoluto silêncio da igreja, tanto por respeito à música que voltara quanto por respeito aos santos, sentindo-se límpido como nunca antes. Sua cabeça, contudo, embriagava-se da pele branca de Meredith, de seus olhos cristalinos como o mar Egeu. Até seu cheiro se imprimia, descarado, pelo ainda fresco odor da chuva na longa rua. Por um minuto sequer conseguia pensar em outra coisa; nem mesmo na Acrópole ou no calor das mãos de Peter. Seu corpo tremia por debaixo do casaco, até quase tropeçar numa pedra solta ao chão e balbuciar a si próprio: “Deixe disso! Deixe disso!”.

Respirou fundo, os olhos fechados e suas pernas o levando ao encontro de uma parede. Apoiou-se por lá e olhou em volta. Nenhum sinal de Meredith Logue. De repente, estava novamente ao navio rumando ao Pireu, quando tinha certeza de que tudo terminaria bem. Se ela vivia, como poderia tudo acabar bem?

“Dickie Greenleaf? Oh, mas é claro que o conheço! O vi há poucas semanas, num barco à Atenas...” E, como uma gota de chuva que desce e mistura-se com o esgoto, sua vida seria estilhaçada. O amor de Peter, por sua vez, seria como inconveniente compaixão a esta gota. Se tivesse sorte, conseguiria fugir antes que a polícia italiana — ou até mesmo o detetive particular MacCarron — ligasse os pontos.

Não confiava em Meredith; mais do que isso, naquele momento, detestava-a. Por ter falado com ele na Itália, por ter pego o barco. Ela o estava perseguindo? Não, Ripley é quem estava sendo paranoico. Ela sequer o conhecia. Ele, por outro lado, sabia precisamente quando e onde ela estaria. Corinto, no dia seguinte, e provável que na casa de amigos ou no hotel mais caro que o dinheiro pudesse pagar.

Tom estava obcecado. Estava obcecado porque sabia o que devia fazer, e a certeza o assombrava. Não era, agora, uma certeza incerta, como quando decidira enforcar Peter, era uma certeza tão clara quanto a de que estava vivo. Respirava fundo mais uma vez o ar carregado. A igreja permanecia logo ali, há pouco mais de dez metros. Uma parte sua queria desabar em cima de Peter, contar-lhe tudo, desde quando pusera suas mãos num vinil de Chet Baker para agradar Dickie, até o momento presente, em que considerava ir a Corinto, encontrar Meredith. A outra parte era fria, intocável, e sabia que estaria atrás das grades assim que se mostrasse ao pianista.

Porém, após voltas e voltas pela penumbra de sua mente, todos os seus pensamentos discrepantes chegavam a um mesmo lugar: a morte de Meredith Logue.

Ripley sentira-se enjoado e voltara ao hotel, sequer considerara se aventurar por um mercado de pulgas no qual trombara no caminho ao Antoniou, muito menos caminhar a esmo. Pôs-se a dormir em sua cama grande, e não sonhou.

Acordou como se não abrisse os olhos há dias, com o som de batidas na porta. Correu para atender; um dos recepcionistas viera avisar-lhe que alguém o ligava na portaria. Imaginou que seria Ed Banbury. Desceu, ligeiro, as escadas escuras, ouvindo um trovão do lado de fora. Ao pegar o telefone, esqueceu como havia parado lá embaixo.

Alô?” Perguntou, um pouco confuso.

“Tom, aqui é Peter.” Logo lhe ocorreu que, para variar, não sabia as horas. “Aconteceu alguma coisa? Fiquei preocupado quando você não chegava, achei que algo pudesse...” Ele parou.

“Não, não houve nada, passei mal e vim ao hotel.” Recolocou seus óculos, que havia posto no bolso antes de dormir, observando com cautela o lobby igualmente discreto. “Perdão, eu caí no sono assim que cheguei aqui, mas já estou saindo. Você ainda está na igreja? Se eu correr, consigo chegar aí em meia hora.”

“Não, Tom, você sabe que horas são?” Não houve resposta. “Estou indo aí, tudo bem?”

Ripley assentiu. Despediram-se e foi procurar um relógio, sem tempo para castigar-se por deixar Peter esperando, já que Meredith ocupara toda a sua cabeça, como um som distante e aborrecedor que eventualmente venderia a ilusão de que mal fazia presença ali, mas que no instante em que fosse lembrado não agregaria nada além do prévio estresse. Eram quatro e meia da tarde.

Voltou ao quarto e tomou um banho rápido. Tentava medir sua temperatura com as costas da mão, entretanto, não conseguia. O enjoo, ao menos, passara ao acordar, e agora sentava-se à sacada. Apenas ele e as centenas de casas.

Ouviu Peter destrancando a porta, e levantou-se para vê-lo. Ele parecia cansado, talvez até mais lastimoso do que no encontro prévio. Cumprimentou Tom com um sorriso fraco e jogou sua bolsa sobre a poltrona grená e envelhecida do quarto. Despiu-se do casaco, que pendurou na maçaneta e lançou um olhar apreensivo a Tom.

“Fiquei aborrecido, desta vez.” Disse, soando mais preocupado do que realmente bravo. Ripley sabia, e não o julgava por isso. “Você está mesmo doente?”

“Só estava muito tonto e decidi voltar aqui. Desculpe, não sei o que há comigo hoje.”

Peter suspirou. “Está bem.”

Um silêncio insólito transpassou pelo quarto, enquanto Tom pensava nas várias perguntas que poderia fazê-lo, mas nenhuma lhe parecia adequada. Foi a voz de Peter que ecoou, repentina, pelo cômodo, e roubou toda a sua atenção.

“Tom,” Quase num balbucio, dirigiu-se aos olhos cinza do americano. “você está me evitando? Eu fiz algo de errado?”

Ripley congelou, desentendido. “Por que você diz uma coisa dessas?”

“Hoje mais cedo, você não estava especialmente falante. Sequer voltou mais tarde como eu havia lhe pedido; você foi à acrópole?”

Não.” Pensou, todavia, se deteve.

“Sei que não conhece a cidade, mas você...” Passou a mão aos cabelos pretos. “Se eu fiz algo de errado, por favor, me diga.”

“Estive pensando na América, em minha tia... Não tem nada a ver com você, juro.” Contou a meia verdade e torceu que Peter acreditasse, porém, logo mais, era refutado por palavras maçantes que se misturavam aos sons de fora. Mais um trovão. Tom nunca fora um homem de juras, nem nunca sentira nada pela América.

“Menti para você alguma vez?” Perguntou.

“Não, você sabe que não.”

“Ou machuquei-lhe?” Tom já não sabia se seu incômodo vinha das perguntas de Peter ou da falta de um tom acusativo para assegurar-lhe do que deveria ser feito.

“Não. Pare.” Quis poder calá-lo de qualquer que fosse a forma, seu corpo, porém, não se movia.

“... Foi Meredith?” O pianista concluía, enfim, baixo como se envergonhado. Ripley prosseguia a olhar o horizonte maculado pelas gotas escorrendo às vidraças da janela.

“Meredith? Nem a vi mais. Você viu?” um riso nervoso escapava-lhe esbaforido.

“Sabe que te vi beijando-a no navio.” Ele falava calmo, a ponto de que nada mais naquele quarto fizesse sentido. Uma calma perturbadora. “Não se explique; ela é ótima. Até eu posso entender.”

“Peter, já lhe falei que disse ser filho dos Linton. Não gosto dela. Ela não gosta de mim, ela gosta de Richie Linton. Ela beijou ele.” Mal preocupava-se com o sentido vago de suas afirmações, apavorado pelo território em que se encontrava. “Eu detesto-a.” considerou adicionar. Manteve apenas como pensamento.

“Oh, mas que diferença faz?” Se desgastou, sentado à cama, e pôs-se a pensar com um ar culposo. “Desculpe-me, cuidar de sua vida não cabe a mim, estou estressado, apenas.” Massageou o cenho franzido. Tom aproximou-se com agilidade.

A cidade lá fora nunca parecera tão confusa, tal emaranhado de casas que apenas os pensamentos fúnebres e sobejos em sua mente assemelhavam-se a juízo. Tom sabia que ele não se frustrara somente pelo que ocorrera naquele dia. Não, ser esquecido uma vez ou outra era algo que Peter tristemente aguentava. Fora um acúmulo de atitudes displicentes de Ripley que lhe causaram, por fim, a exaustão. Queria confortá-lo, e não sabia como. Gostaria de ter como assegurá-lo de que, pelo menos entre eles, tudo havia de terminar bem. Isto é, assim que se livrasse de Meredith e sua sombra insistente...

“Pare, não se culpe. Acredite em mim quando lhe falo que agora não é o momento certo para explicar-lhe tudo. Na Itália, quando estivermos de volta à Veneza, é provável. E saiba que não pensei em Meredith nenhuma vez depois que saímos daquele barco; eu não mentiria para você.” Mentiu, enquanto chegava cada vez mais perto de forma sorrateira.

O Smith-Kingsley não contestaria, agora. Sentia-se cansado, sossegado pelo prazo, mesmo que, no fundo, soubesse que Ripley não o cumpriria. Talvez estivesse tudo bem, enfim. Talvez tudo houvesse sido um fruto de um mal entendido, e Meredith, de certo, não estava ali. As palavras maleáveis de Tom amaciavam sua tristeza e lhe traziam racionalidade; mas como queria poder tocá-lo como a garota tocara. Segurou as mãos frias do amigo, traçando beijos por seus dedos. Viram-se, ambos, com a guarda baixa, e Ripley sentia-se inusitadamente gratificado pela discussão. Olhou-o e baixou-se a um nível próximo do rosto de Peter, soltando uma das mãos para acariciar, hesitante, sua bochecha rosada.

Com a mão estendida, Peter lhe tocou também as faces, até esbarrar à testa e parar. Pela primeira vez, fitou-o com clareza. “Você está quente.” Tom sorriu, confuso. “Você está com febre.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem, espero que tenham gostado ♥ Não sou muito boa em cenas de discussão, e tive que reescrever esta "discussão" do Tom e do Peter algumas vezes. Tomara que não tenha ficado tão ruim haha
Tentarei postar o próximo capítulo com mais velocidade do que postei esse. Não deixem de comentar o que acharam.
Observação: o próximo capítulo será uma continuação deste capítulo (como uma parte dois, ou um epílogo de capítulo?), então provavelmente não será tão importante para a história como um todo, e também deverá ser menor. Não irei nem considerá-lo como um quarto capítulo, mas sim mais como um "terceiro parte dois".