Bohémienne escrita por Ananda Ayira


Capítulo 18
Ma maison c'est ta maison


Notas iniciais do capítulo

Tradução do título: "Minha casa é tua casa", link da música: https://www.youtube.com/watch?v=dFc-zJsgnDA
Oi, gente! Desculpa o atraso, eu fiquei empacada numa cena desse capítulo. Mas achei que valeu a pena, ficou do jeito que eu queria. E tenho uma boa notícia: acho que não estamos tão perto do fim como eu imaginava rsrs, acho que vou prolongar a história um pouquinho pra não ter que aumentar os capítulos. Então, podem comemorar e ir ler mais esse capítulo da história, agora que o negócio tá ficando doido! XP
Boa leitura, mes amours! ♥



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— Afaste-se dela! – Bradou Peter, tomando a mão de Hélène que se estendia para a Sombra.

— Pan. – Disse a criatura em seu tom agourento. – Por que não estou surpreso de que você mentiu para ela, sobre o motivo de tê-la trazido aqui?

— Eu a trouxe aqui para salvá-la. – Resmungou ele, interpondo-se entre a garota e a Sombra. – Ela não pode voltar para o mundo dela. Eles a querem morta lá...

— Que conveniente! Os dois precisam um do outro para se manterem vivos. – Caçoou de forma assombrosa. – Mas, infelizmente, ela aceitou o acordo. Se eu a contasse para que você precisa dela, ela iria embora...

— Se os dois puderem parar de falar de mim como se eu não estivesse aqui, eu agradeço. – Hélène saiu de trás de Peter e pôs-se ao lado dele. – Eu não disse que aceitava o acordo.

— Você tomou meu silêncio como resposta e me disse. Mas eu não fechei acordo nenhum com você. - A garota passou do lado de Peter à frente e estreitou os olhos para a criatura de olhos brilhantes como velas.

— Peter, - Ela virou-se para ele. – isso é verdade?

Ele não respondeu. Ponderou sozinho, algo dentro de si. E ergueu os olhos verdes pétreos para a Sombra.

— Deixe-me explicar tudo a ela. Se ela, ainda sim, decidir partir, eu mesmo a levarei. – Propôs à Sombra.

— Não mais, nem menos. – Decretou a criatura, antes de sair voando por sobre o mar.

Hélène respirou fundo e voltou-se para Peter que tinha uma expressão consternada. Ele parecia pensar e repensar suas palavras, enquanto arrastava-se o silêncio. Apenas o barulho das ondas permanecia, indo e vindo. Soprando sobre os dois.

— Diga-me. – Pediu ela, por fim.

— Mas você tem que acreditar em mim. As coisas que a Sombra disse, não são completamente verdade...

— Mas também não são mentiras. – Resmungou ela. Repreendendo-se, nada secretamente, por alguma vez ter se esquecido de como aquele gadjê podia ser perigoso.

— Eu vou te mostrar... – Suspirou ele. Estendeu a mão a ela e elevou-se no ar.

Hélène lembrou-se da primeira vez que deram as mãos, ao descer do palanque onde se casaram. Naquela primeira dança ele pediu que ela confiasse nele e ela se recusou. Os momentos prazerosos no Pátio do Milagres, como quando ela o ensinou a tocar a flauta, quando dançou para ele, mesmo contrariada, e depois a noite juntos. E as noites que se seguiram, eles dançando juntos em Paris. Tudo aquilo parecia tão distante. Ela tentava entender em que ponto tudo mudara para estar naquela situação.

Peter tomou a mão dela e a puxou junto dele, até que Hélène tivesse que abraçá-lo para ficar acima do chão também, ele a tomou nos braços como uma criança. Quando ela percebeu, estavam ainda mais alto e continuavam subindo.

Estavam sobre o mar. Hélène pôde ver ondas se formando do sopro do vento. O som do mar e o som do vento em seus ouvidos pareciam vozes a sussurrar. Peter subiu mais ainda no céu e anunciou:

— É ali!

À frente deles, cercada pelo mar, estava uma ilhota. Onde apenas havia um rochedo, cujo formato assemelhava-se à uma caveira humana. E foram, cada vez mais, se aproximando do lugar.

Peter adentrou pela caverna que correspondia ao olho esquerdo da caveira. E, assim que pôs os pés no chão, colocou também Hélène de pé. O lugar era repleto de outras rochas, também em formato de caveiras. A pouca luz vinha de pequenas lanternas, em cima das pedras.

— O que é isto? – Perguntou quando notou ali um enorme recipiente que jazia em cima de crânios de pedra mais clara que a das paredes. E areia dourada corria entre o pequeno vão entre a parte de cima e a parte de baixo.

— Esta ampulheta conta quanto tempo até o feitiço que mantém a magia da Terra do Nunca se esgotar. Quanto tempo até o tempo deixar de ficar parado aqui e as crianças não poderem mais visitar este mundo...

Ele fez uma pausa grave. Mirando fixamente a ampulheta e a areia a correr, não estava tão perto de se esgotar. Mas percebia-se como Peter temia cada grão de areia que passava de um lado para o outro.

— E, quando isso acontecer, eu deixarei de existir. Este lugar deixará de ser o que é. Um paraíso, um refúgio. – Peter olhou para garota. – Foi por isso que eu fui buscar ajuda. A sua ajuda. Eu preciso de você Hélène. Há um jeito de reverter esse relógio...

Ele deu um passo na direção dela e ela recuou.

— Eu só preciso encontrar a criança certa. – Continuou ele. – E você é única que pode me ajudar...

— Como posso ser a única que pode te ajudar? O que você precisa, afinal? - Questionou Hélène.

— Na verdade, você é a única que pode me ajudar a encontrar quem realmente vai salvar a Terra do Nunca. O Coração do Verdadeiro Crédulo. – Declamou ele. – A criança que possui a mais pura e verdadeira crença na Magia. Eu preciso encontrar essa criança, Hélène. É a única esperança que eu tenho para salvar este mundo.

— Então, você me quer para salvar sua terra. – Concluiu a garota. Ela tentava compreender as coisas que Peter dizia. Mas até poucos dias atrás ela nem sequer acreditava em leitura de sorte, que dirá em Magia. E agora estava num reino mágico, onde o tempo não corria e seu marido era o único habitante daquela terra.

— A Terra do Nunca não é só minha terra, Hélène. É meu coração, é minha vida. Eu abri mão de tudo que possuía para vir para cá. Eu dou a minha vida por este lugar, tente entender. Eu sou o único que se importa com este mundo.

Hélène lembrou-se de seu pai. Lutando com tudo o que tinha para que não a tirassem dele, tivessem um teto e tivessem o que comer. Reconheceu a mesma força em Peter. Ele resistia para sobreviver no lugar que escolheu. Assim como seu pai e ela fizeram por todos aqueles anos.

Peter, por outro lado, não sentia o menor remorso de estar escondendo parcialmente a verdade de Hélène. De que o Coração do Verdadeiro Crédulo iria para ele, que a ampulheta na verdade contava o tempo dele. Não da Terra do Nunca. Óbvio, que tê-la com ele por todos os séculos, não era uma má ideia. Depois que tivesse a garantia de que seus poderes jamais desapareceriam.

Teria seus poderes e sua esposa a seu lado, por toda eternidade. E poderiam reinar a Terra do Nunca, sem nunca envelhecerem.

Catedral de Notre-Dame de Paris, 02 de agosto de 1499...

A notícia de que a bruxa cigana fugira quando o padre foi dar-lhe a última chance de conversão correu Paris. Passaram-se dois meses, ainda haviam buscas por ela. Mas a maioria dizia que a bruxa fora chamada à seu senhor, o próprio Lúcifer. E, agora, René trancara-se em sua cela. Não queria ver ninguém, não saia para as refeições. Ficava à janela, olhando fixamente para a praça.

Já passava da meia-noite e as tochas da catedral estavam acesas. Deixando a área abaixo da catedral iluminada com suas luzes a tremeluzir. As chamas pareciam dançar. Assim como os cabelos daquela menina pagã.

Ele a viu rodopiar na praça, e com as mãos fazer sinal para que ele se juntasse a ela. A garota dançava e se mostrava para chama-lo. René sentia-se sucumbir aos encantos dela, não havia nada que pudesse fazer. Era um pecado mais forte que seu corpo.

Ele desceu as escadas a correr. As escadas rangeram e seus olhos que não viam no escuro da catedral o enganaram. Seus pés tropeçaram na batina. Sua cabeça caiu contra os degraus de madeira e seu corpo deslizou até o fim daquele andar.

Quando abriu os olhos, alguns minutos depois. Padre Sebastian dava-lhe tapinhas no rosto.

— Padre René? Padre René, pelo amor de Deus Todo-poderoso, responda! – Clamava o pároco.

— O que aconteceu? – Perguntou o jovem.

— Você caiu da escada. Eu escutei o barulho da minha cela. – Respondeu ele. Amparando a cabeça de René. – Você fica dias sem sair da cela, sem comer e quer sair no escuro da noite. É uma ideia bem ruim, não acha?

— Sim. Acredito que tenha sido um gênio ruim que me possuiu. Vou voltar a minha cela e orar que me deixe em paz. - O rapaz levou a mão à cabeça onde doía a pancada.

— Venha, eu o ajudo. – Disse o padre. Ajudando-o a levantar-se e subir o lance de escadas até a cela.

Na cela, Padre Sebastian deixara as lamparinas acesas “para afastar os maus espíritos e clarear as vistas”, segundo ele. René fitou a parede do lado oposto à cama onde estava deitado. Recordou-se de que não movera os papéis sobre a escrivaninha desde que adentrara aquela cela.

Sempre escutara o quanto o arcediácono de Josas era um homem da Igreja e da ciência. Muitos diziam que ele era um feiticeiro, por ser tão ligado à Artes Liberais, como a alquimia e a anatomia. Mas o homem era, de fato, inteligentíssimo.

René debruçou-se sobre a escrivaninha, empurrou para o lado os jarros de substâncias em pó, em líquido e pastas e os utensílios de alquimia. Soprou a poeira dos manuscritos e começou a lê-los. Um deles, um livro de capa de pele de carneiro e amarrado com uma fita de couro reforçado. Desatou o nó e encontrou escritos pelo próprio Padre Claude Frollo. Abriu em uma página aleatória e leu:

Dia 02 de janeiro, do ano de Nosso Senhor 1482.
Tempo comum.

Ao abrir a bíblia pela manhã, encontrei esta passagem:
“Pois o zelo pela tua casa me consome,
e os insultos daqueles que te insultam
caem sobre mim.” (Salmos 69:9)

Eu vaguei pela catedral durante toda a manhã, observando a portada da catedral. Este lugar é minha alma, minha pátria e lar, desde meus dezesseis anos. Cada pedra, cada página escrita sobre elas é parte do legado de Deus para a humanidade. Não permita, meu Senhor, que o fogo do Maldito penetre essas paredes, jamais! Seria de chorar os rios por este lugar. Não há como eu me sentir mais em casa, do que em Tua casa. Oh, Meu Deus! Esquadrinhando as estátuas deste lugar, parei diante da imagem de São Cristóvão, com o Deus-menino nos ombros, o santo que mesmo sem compreender a fé, serviu e ajudou a tantos antes de sua conversão. Ele é uma prova de que nada, absolutamente nada está acima de Vossos planos, oh, Senhor! Passei também, pelas estátuas que representam as virgens com as lâmpadas, retratando a parábola das Virgens Néscias1. Assim como elas, meu Senhor, eu vigio e espero em Vós. A Vossa sabedoria está guardada, para se relevar na hora certa. Por isso, eu vigio, oro e, enquanto isso, também aprendo. Entrego-me às mais sublimes Artes que deste ao homem a inteligência para criar: as leis, os idiomas, as matemáticas e, sobretudo, a alquimia. Ah! Que grande inspiração do Vosso Espírito, subjugar a matéria, convertê-la noutra. De certo, um grande sopro do Espírito Santo eu sinto quando me dedico a estes estudos.

Durante a tarde, visitei novamente as ruínas da casa de Nicolau Flamel, na esquina da rua do Escritores com a Rua Marivaulx. Mais uma vez, fracassei em escavar as colunas atrás do grande segredo que guardava o alquimista. Deus sabe que procuro pela Pedra Filosofal para que esta sirva para edificação de Sua Igreja. Tão pouco me importo com a juventude eterna, meu desejo é encontra-la para que não caia em mãos erradas. Que mal a vida eterna pode fazer a quem tem sua vida entregue a Lúcifer, por exemplo? O meu Deus deu aos homens a inteligência para subjugar as matérias e os animais à sua vontade. Se Ele deu a Flamel a sabedoria para forjar tal minério, parte de seu plano não seria dá-la aos Seus servos? Que bem a Santa Igreja não seria capaz de alcançar em Teu Santo Nome? Eu não desistirei desta tarefa. Por mais que me julguem um feiticeiro, os fiéis da Tua Igreja ainda irão agradecer-me por procurar pelo artefato que trará glória aos tesouros da Santa Igreja, que o protegerá por todos os séculos de cair em mãos erradas.

Que Deus me ilumine, me salve, me proteja e me guarde nesta missão para a glória de Seu Nome!

Terra do Nunca, Ilha da Caveira...

— O que exatamente você quer que eu faça? Como eu devo ajudar a encontrar essa criança? – Questionou Hélène.

— A sua maldição, pode ser uma bênção nesse caso. – Disse Peter. – A minha última pista que tenho sobre essa criança é que ela é deixada pelos pais pela melhor chance...

— O que isso quer dizer? – Indagou ela, franzindo o cenho.

— Essa criança foi ou será abandonada. – Explicou ele, aproximando-se de Hélène. – E quem melhor para encontrar uma criança que não se sente amada, que se sente sozinha e que estará, em uma palavra: perdida. – Ele ergueu a mão até o rosto dela e acariciou sua bochecha com as costas dos dedos. - Do que aquela que tem o dom da Lua de encantar os perdidos?

— Então, não seria sequestra-las? – Perguntou Hélène.

— Não, minha querida. – Respondeu Peter. – Seria salvá-las. Trazê-las para um lugar onde estarão à salvo para sempre, onde poderão brincar e serem crianças livres. Para sempre.  

Um breve silêncio se seguiu enquanto ela refletia sobre o que ele lhe disse. Se as crianças iriam ficar melhor na Terra do Nunca do que em seus mundos, onde seriam tratadas como nada, não valia a pena trazê-las para lá? Era uma escolha tão ruim, salvá-las de serem tratadas como algo abandonado? Algo que Hélène conhecia era o peso de ser tratada como uma pária. Quando cresceu sozinha com seu pai, sendo bastarda, uma filha fora de um casamento, sendo pobres como eram. E quando viveu entre os ciganos que eram ainda mais marginalizados. Agora tinha uma chance de livrar crianças do mesmo destino que ela tivera por todo aquele tempo.

— Hélène, confie em mim. – Pediu ele. – Eu sei que é pedir demais, mesmo sendo a única opção, mas saiba: eu não faria nada que colocasse este lugar, ou você, em perigo. Você me acolheu na sua casa, no Pátio dos Milagres, criamos uma intimidade dentro daquelas paredes da tenda. Aqui, temos um mundo inteiro!

Peter pegou-a pela mão e conduziu até a abertura do olho da Caveira. Colocando-os na beirada da rocha.

— Hélène, - chamou-a, pondo-se frente a frente com ela. - minha casa é sua casa. Podemos governar esse lugar! – Declarou Peter, apontando toda a extensão da ilha da Terra do Nunca. – O que me diz? Vai estar ao meu lado para reinar sobre este lugar?

Peter ofereceu-lhe a mão, um sorriso arrogante e satisfeito em seu rosto, como quando desceram o palanque quando se casaram.

Ela permaneceu em silêncio mais alguns demorados instantes. Quando, por fim, aceitou a mão de Peter, com muito mais entusiasmo do que na noite de seu casamento.

— Sim.


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Notas finais do capítulo

1. A Parábola das Virgens Néscias: ”Então o reino dos céus será semelhante a dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do noivo. Cinco dentre elas eram néscias (imprudentes), e cinco prudentes. As néscias, tomando as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo; mas as prudentes levaram azeite em suas vasilhas juntamente com as lâmpadas. Tardando o noivo, toscanejaram todas e adormeceram. Mas à meia-noite ouviu-se um grito: 'Eis o noivo! Saí ao seu encontro!' Então se levantaram todas aquelas virgens e prepararam as suas lâmpadas. Disseram as néscias às prudentes: 'Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas lâmpadas estão-se apagando!' Porém as prudentes responderam: 'Talvez não haja bastante para nós e para vós; ide antes aos que o vendem e comprai-o para vós.' Enquanto foram comprá-lo, veio o noivo; as que estavam apercebidas, entraram com ele para as bodas e fechou-se a porta. Depois vieram as outras virgens e disseram: ‘Senhor, Senhor, abre-nos a porta’. Mas ele respondeu: ‘Em verdade vos digo que não vos conheço’. Portanto vigiai, porque não sabeis nem o dia nem a hora.” (Mateus 25:1-13)
Se tem uma coisa que eu AMEI foi escrever essa carta do Frollo. Eu empaquei mtu nela, mas adorei o resultado final e a ideia que eu tive (que, inclusive, irá prolongar um pouco mais a história esse arco que eu bolei nos 45min do Segundo Tempo). Mas o que vocês acharam??? Eu quero saber, deixem nos reviews!!

Pessoal, não achem que o Peter está amolecendo muito! Ele segue o mesmo Peter Pan que conhecemos em OUAT, ele só não vê porquê não unir útil (a Maldição da Hélène) ao agradável (tê-la do lado dele), ele pode até gostar dela, mas jamais a colocará em primeiro lugar. Jamais a amará! Eles são dois jovens, no auge dos hormônios, que foram forçados a conviverem. É só isso!!

E aí, e o resto?? O que acharam? Deixem reviews!!!
Até mais, meus amores!! ♥ Bisou, bisou!



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