Bohémienne escrita por Ananda Ayira


Capítulo 17
...Peuvent-ils Encore Voler?


Notas iniciais do capítulo

Tradução do título: "...ainda podem voar?"
Hey, hey!! Demorei? Tentei ser o mais rápida possível, mas agora tô de férias!!1 Virão mais! Prometo! ♥ :*
Vamos ao cap que tá delicioso!! :x



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Hélène, chorando correu até Peter e o abraçou. Sentia-se grata por ele ter aparecido, era a segunda vez que ele evitava que o pior lhe acontecesse. Imediatamente, Peter fez com que os dois desapareceram em meio à fumaça, deixando o padre desacordado no chão da cela.

Quando reapareceram, no Pátio dos Milagres, Hélène continuava a chorar e agarrada em Peter como uma criança. Estavam dentro da cabana de Clopin. Ali estavam todos. Clopin, Rosalie, Aimée e Gahel. Esperando-os.

Os quatro assustaram-se ao vê-la. As costas machucadas, além do sangue mal coagulado, agora, tinham sujeira e pedra, entre os cortes.

Aimée virou o rosto, amparando-se no ombro de Gahel. Ver a amiga tão machucada, doeu. Rosalie levou as mãos aos lábios.

— Minha menina! – Exclamou ela.

— O que fizeram com você, ma fille?— Perguntou retoricamente, Clopin. Era óbvio o que havia se passado.

— Vamos... – Rosalie hesitou. – Vamos cuidar desses machucados. Agora não vai adiantar fazermos nenhuma pergunta.

Rosalie e Aimée se aproximaram de Hélène. Ela passou dos braços de Peter para os de Rosa, como se fosse um bebê passando de colo em colo. As duas levaram-na e deixaram os homens para trás. Tudo isto ocorreu em silêncio, o único som era o choro da garota.

Hélène foi levada para a tenda de Rosalie.

— Aimée, ajude-a a se deitar e tire essa roupa dela. Deite-a de bruços! Precisamos limpar essa ferida. – Ordenou ela.

— Sim. – Assentiu a jovem, auxiliando Hélène a se livrar dos trapos imundos.

Rosalie correu apanhar as calêndulas, pegou e arrancou-lhes as pétalas e folhas. Pegou também as folhas do loureiro e enfiou algumas na boca.

Hélène estava estendida sobre o colchão feito de palha e coberto de panos. Ela ainda soluçava.

— Shhh... – Fez Rosalie. Pegando um pano limpo e molhando-o no talho de água ao lado da cama. – Vai ficar tudo bem agora. Vai ficar tudo bem.

Com o pano, ela foi removendo a sujeira das feridas. As pedrinhas do chão da cela que haviam grudado no sangue quando René jogou-a no chão e ficou em cima dela.

Ela ainda conseguia sentir o peso do corpo dele sobre ela. O corpo dele. O corpo daquele rapaz que Peter matara, lembrou-se do sangue jorrando em cima dela. E chorou, ainda mais.

— Lu... – A voz de Aimée, chamou-a. Mas hesitou. – Hé-Hélène.

Ela só continuou a chorar.

— Depois, Aimée. – Orientou Rosa. – Vá colocando as calêndulas e as folhas de louro onde já está limpo.

A garota obedeceu.

Na tenda de Clopin, Peter contou o que viu quando chegou à cela. Descreveu, com nojo, o que acontecera. E que, pelo visto, Hélène havia sido torturada durante o julgamento.

— De nada. – Ironizou, no final.

— Você só fez o que fez, por isso! – Bradou Clopin, com o coração de Peter nas mãos. – E, pela aparência, você não o faria com ele!

— Faria, sim! Eu me importo com ela! – Respondeu ele. – Mas, agora que já fiz, pode me devolver?

— O acordo ainda não foi cumprido, falta a última parte. – Disse o homem. – Vocês dois, vão sumir daqui. Assim que Rosalie cuidar daquelas feridas.

— Eu poderia cuidar dela melhor, se nos deixasse ir assim que a resgatei da prisão! – Exclamou ele.

— Eu preciso falar com ela, primeiro. E que garantia eu teria de que você não foi sozinho para sua terra e a abandonou para morrer? – Questionou Clopin. – Que nem fez naquele beco, quando a deixou ser presa.

— Ela foi presa porque quis! Ela se recusou vir comigo, como recusou na primeira vez que apareci na cela, antes de ela ser arrastada para o tribunal. E torturada. Ela podia ter evitado, se não fosse tão teimosa!

— E por que será que ela não queria ir com você? – Ironizou Gahel.

Um silêncio instaurou-se. Os três ficaram esperando, conseguiam ouvir o choro e os gritos de Hélène, quando uma das pedras estava enfiada na carne aberta. Depois de um tempo, não se ouvia mais nada. E Rosalie, entrou. Seguida de Aimée.

— Dei a ela algo para que dormisse. – Disse a cigana. – As feridas eram fundas, mas nada irreversível. Irá cicatrizar, mas essas cicatrizes vão ficar.

— Por que não a curou de uma vez? Têm poder para tanto. – Questionou Peter.

— Porque somos cautelosos. Sabe o que pode acontecer, se alguém souber sobre a magia nesse mundo? – Ralhou Rosalie. – Você viu o que aconteceu com ela, mesmo sem ela ter usado magia alguma.

— Toda magia tem um preço. – Completou Clopin. – Nós não estamos dispostos a pagar. Por isso, a nossa magia é usada apenas em último caso.

— Mas vocês leem o futuro por dinheiro. – Riu Peter.

— As linhas, as formas que elas fazem, elas existem. Apenas sabemos ler o que está lá. – Esclareceu Rosalie. – Assim, como a chama da vela, as folhas do chá. Nós lemos o que está ali, não há magia nisso.

— Mas, ainda sabemos usar a nossa magia. Algumas tribos ciganas têm mais magia do que outras, umas usam até para andar entre os reinos quando debandam. Por isso, há ciganos em todos os reinos. – Disse Clopin.

— Eu enfeiticei o colar com a Pedra da Lua quando o demos à Hélène quando ela ainda era um bebê. Mas a magia tinha uma condição... - Lembrou Rosa. - Se ela perdesse a virtude, a Pedra também perderia. E passaria a ser inútil.

— Não adiantou nada eu pedir a ela que não se fizesse sua esposa. – Resmungou o cigano.

— Aquela tornozeleira que disse para que você colocasse nela. Aquelas pedras, protegeram Esmeralda... - Clopin fez uma pausa.

— Vê, Esmeralda, tinha os mesmos olhos de Hélène. Eram negros, mas tinham o mesmo encanto. Eu a protegi com aquelas esmeraldas, costurei-as no colar que ela carregava. Ela o tirava, algumas vezes. Nem sempre eu podia estar junto dela. – Contou ele. - Ela enfeitiçou quatro homens. E cada um deles, agiu segundo um coração diferente. Ela estava apaixonada pelo soldado que ela enfeitiçou. Depois disso, não havia o que eu pudesse fazer para desviá-la do caminho em que ela se colocou. – Recordou.

— Eu prometi que isso não ia acontecer de novo. Quando a mãe de Hélène apareceu aqui com a menina, eu percebi que havia magia nos olhos dela. Mas parece que o preço foi você aparecer e coloca-la de volta no mesmo caminho de Esmeralda.

— Eu também não vou deixar ela seguir esse caminho. – Justificou-se - Por isso quero leva-la para o mundo de onde eu vim. Se me devolver meu coração, eu a levaria agora mesmo.

— Mas não há como vocês irem, sem magia. – Disse Rosalie.

— Eu posso leva-la, da mesma maneira que vim. – Disse Peter. – Voando. É minha própria magia, vocês não pagarão o preço por ela.

— Mas Hélène pagará? – Indagou Clopin.

— Não. – Respondeu ele.

— Pode me garantir isso?

— Eu sempre cumpro minhas promessas. – Disse Peter. Com tal propriedade que o coração dele, nas mãos de Clopin, transpareceu por um instante.

O cigano, pôs-se frente a frente com o rapaz. Num movimento só, empurrou o coração de Peter de volta ao seu peito.

Ele respirou pesarosamente algumas vezes, antes de recompor-se.

— Obrigado. – Disse ele.

— Leve-a, antes que eu pense duas vezes. – Clopin deu as costas.

Ele virou-se, mas Rosalie viu a lágrima que desceu por seu rosto. Era doloroso assumir que falhara. Que a melhor chance de sua afilhada agora era ir para outro reino, longe dele, longe de tudo o amor que ele a cercou quando Gringoire morreu.

Peter, então, saiu de lá. Acompanhado por Rosalie, Gahel e Aimée que queriam despedir-se de Hélène.

A garota ainda dormia, na tenda de Rosalie. Ela estava de bruços, com as costas enfaixadas, cheirando a calêndula e louro. As mulheres vestiram-na com saias, uma camisa e uma blusa, que elas não apertaram por medo de apertar as feridas e acordar Hélène.

Aimée beijou a mão da amiga. E desejou-lhe sorte, sentindo, desde já a saudade, e a tristeza por não estarem juntas pelos dias que lhes viessem. Tantas vezes Aimée imaginou Luce – não conseguia pensar nela com o outro nome – ao seu lado nos dias mais felizes de sua vida. Ajudarem uma a outra no dia do casamento, na chegada dos filhos.

— Boa sorte, cabeça de fogueira. – Disse Gahel, com pesar, dando apoio à Aimée, que chorava. Ele também era grato pela amizade com Luce, haviam crescido juntos. Os três eram inseparáveis, até a chegada daquele gadjê.

Rosalie demorou a chorar, mas não se conteve, quando ajudou Peter e pegar a garota nos braços. Lembrou-se dela, ainda um bebê, nos braços da mãe. Quando leu sua mãozinha e viu, ali, o mesmo destino de Esmeralda.

Lembrou-se de como planejou com Clopin, como afastá-la deste destino. E como esse destino esforçava-se para alcança-la. Aquela tinha que ser a última tentativa. Não podia falhar.

As despedidas, não tiveram respostas. Assim, dali, partiram os dois.

 

 

 

Terra do Nunca, pela manhã...

Hélène contorceu-se, quando percebeu a claridade de onde estava. Um som de sussurros, parecia uma revoada de pássaros, mas não havia piados, apenas um farfalhar constante. Ia. E vinha. E de novo. Não conhecia aquele som. E o ar tinha cheiro de sal.

Abriu os olhos devagar, o vento vinha da direção da água e a jogava contra a areia e as pedras. Era esse o barulho. O cheiro de sal também vinha da água, que respingava no ar.

Levantou-se e o solo cedeu sob seus pés. Sorriu, ao sentir cócegas entre os dedos, onde a areia entrou. Ela andou até a onde a água vinha, mas recuou antes de molhar os pés. Talvez fosse medo.

Mas o movimento da água de vir encontrar a areia e voltar, era tão hipnótico. Que seus pés foram querendo entrar e, quando viu seus pés estavam na água.

Hélène riu, quando um calafrio gelou seu corpo inteiro, a água era fria. Mas fresca. Respirou fundo, jogando a cabeça para trás e espreguiçou-se. Esticou as costas e...

Não doeram.

A realidade veio com a onda que quebrou aos seus pés. Alcançou suas costas e não sentiu as feridas, nem cicatrizes. Quanto tempo havia dormido? Afinal, que lugar era aquele?

Ela correu para longe da água. Em direção à árvore onde estava deitada antes.

— Olha quem está acordada! – Exclamou uma voz familiar.

Ela ergueu os olhos, Peter estava sentado num galho da árvore. Alto demais para ter chegado lá escalando.

Hélène estava tão confusa que não conseguia elaborar qual pergunta fazer primeiro. Ele deu um riso, mas não de escárnio.

— Você não está no Pátio dos Milagres, nem em Paris. Muito menos na França ou no seu mundo, Hélène. Bem-vinda à Terra do Nunca! – Disse ele, descendo da árvore. Sem cair.

Ela recuou um passo.

— De nada pelas suas costas. – Ele apontou para a garota e ela tocou suas costas. - Eu a curei enquanto dormia.

— Que lugar é este? – Perguntou ela. Ainda sem entender tudo o que estava ao seu redor.

— Eu já disse – Riu ele. – Essa é a Terra do Nunca. O meu reino!

— O que? – Indagou ela. – Peter, onde estamos? Pare de brincadeiras. Onde está Clopin? E Rosalie? Eu me lembro de estar na tenda dela...

— Não estamos mais em Paris, Hélène. – Respondeu ele. – Eu te trouxe para o meu mundo. Clopin concordou que o único modo de te proteger era você vir para cá comigo.

— Este lugar é uma ilha. Só há nós dois aqui, por enquanto. -  Ele continuou. A garota ainda parecia incrédula. – Crianças geralmente aparecem aqui durante à noite. Este lugar é mágico!

Hélène ainda não parecia completamente crente sobre aquele lugar.

— Aqui, deixe-me provar a você! – Exclamou ele, tentando pegar a mão dela.

— Eu conheço seus truques, Peter! Não sei como os faz, mas conheço. - Ela se desvencilhou.

— É, por isso, que vou te mostrar que aqui você mesma pode fazer mágica. – Disse andando em círculo ao redor dela. – Está com fome, não está?

O estômago de Hélène roncou na mesma hora.

— Pense no que quer comer. Qualquer coisa. Basta pensar. - Colocando-se atrás dela, Peter pegou sua mão e a estendeu de frente a ela. – Feche os olhos e acredite que está segurando o que quer.

Ela o fez. Fechou os olhos, imaginou um pedaço de pão, temperado com ervas e quente, recém feito. Sua boca salivou e, sentiu algo quente em sua mão. Quando abriu os olhos, ali estava. Como imaginara.

Soltou um grito e acabou deixando o pão cair na areia.

— É real, Hélène! – Sorriu Peter. Ele fez surgir outro pão, como aquele na mão dele e entregou a ela.

Depois de ela comer o pão, e outros três iguais àquele, e Peter explicar muitas coisas sobre a Terra do Nunca à Hélène, ela estava menos desconfiada e confusa.

Hélène olhou para o mar. E pensou em tudo que, mais uma vez, fora obrigada a deixar para trás. Era incrível como tomavam aquela decisão por ela.

— Clopin disse mesmo para você me trazer para cá? – Questionou ela.

— Sim. Ele ficou muito triste, mas não podia mais te proteger. Iam te procurar em Paris depois de sumir da cela. Você não estaria mais segura lá. – Explicou Peter. – Olha, eu sei que talvez você não teria escolhido vir para cá. Mas já estamos aqui. Não é um lugar ruim, vê?

Ele mostrou para ela a praia. Levantou-se e estendeu-lhe a mão. Ela hesitou, mas pegou a mão de Peter. E ele a conduziu até o mar de novo.

Ela se rendeu àquele cheiro de água salgada novamente. Entrou na água até os tornozelos, enquanto Peter retirava as botas na areia. Ela pegou a água com as mãos em concha e passou nos braços e jogou sobre os cabelos, refrescando-se. Ela fechou os olhos e concentrou-se em sentir as ondas irem e virem.

Quando um respingo de água lhe atingiu o rosto, ela abriu os olhos. Peter ria dela. Ela revidou, gargalhando. Os dois riram e brincaram mais uns instantes. Ficaram nessa guerrilha de água, até ele derrubá-la na água e Hélène dar um grito. Depois empurrou ele, também.

Quando os dois saíram da água, sentaram-se à sombra das árvores.

— Somos só nós dois aqui, Hélène. – Disse Peter. – Sabe, aqui costumava ser bem solitário. Tudo isso, sem ninguém para compartilhar. É como ser rei, sem uma rainha.

Ela deu uma risada abafada. Peter a olhava, da mesma maneira que a olhava quando estavam à sós em sua tenda. Como quando ela dançou para ele.

— Canta. – Ele sussurrou em sua orelha e beijou-lhe no pescoço.

— Vai ter que parar com isso para eu conseguir me lembrar de uma. – Riu ela.

Olhando-o nos olhos enquanto relembrava Rosalie a cantar enquanto costurava ou lavava.

— *Bohémienne, Nul ne sait le pays d'où je viens — Começou ela. - Bohémienne Je suis fille de grands chemins...

— Bohémienne, Bohémienne... Qui peut dire où je serai demain...  — Peter continuava a beijar seu pescoço e, ela ia parando no meio da frase, conforme sentia arrepios. - Bohémienne, Bohémienne; C'est écrit dans les lignes de ma main...

— Ma mère me parlait de l'Espagne Comme si c'était son pays Et des brigands dans les montagens Dans les montagnes d'Andalousie Dans les montagnes d'Andalousie...

Ela cantou pensando em Rosalie, em como ela cantava sobre países em que dizia que os ciganos já haviam estado. Às vezes Hélène se perguntava se existiam tais lugares.

Je n'ai plus ni père ni mère J'ai fait de Paris mon pays — Àquela frase. Pensou que, talvez não fosse tão ruim ficar ali. Havia sido cigana por tanto tempo que se sentia mais cigana do que qualquer outra coisa. E ciganos eram do país onde estavam. E, agora, ela estava ali. Com Peter.

Mais quand j'imagine la mer Elle m'emmène loin d'ici Vers les montagnes d'Andalousie... — Olhou para o mar e depois olhou para Peter.

Bohémienne, Nul ne sait le pays d'où je viens... Bohémienne, Je suis fille de grands chemins... – Ela cantou olhando aqueles olhos de pedra de jade. Era fácil ficar ali com ele. – Bohémienne, Bohémienne; Qui peut dire qui j'aimerai demain...Bohémienne, Bohémienne...

Peter ouvia cada palavra e timbre que deixava os lábios de Luce, embriagado em sua voz doce. Pregando em sua pele um último e demorado beijo, envolvendo seu rosto com as mãos e esperando-a há poucos centímetros de seu rosto.

 C'est écrit dans les lignes de ma main... — Hélène terminou a cantiga, cortando a nota longa. Para unir seus lábios aos de Peter.

Ele a puxava mais perto. Pedindo tudo, aos poucos e de uma só vez. Enlaçando seus dedos entre as mechas ruivas dela que respondia a cada toque em igual demanda de espírito e carne, tombando-a sobre o chão de folhas. Apertava-se em seus braços e contra ele, tentando juntar as almas pelos corpos. 

Quando ela acordou, Peter ainda estava adormecido ao seu lado. Ela vestiu a blusa novamente e ajeitou a saia. Ela voltou ao mar para se lavar. Enquanto se limpava, olhou para o alto. O sol ia baixo no horizonte. Voltou a olhar para praia, onde Peter dormia. Perguntou-se o quão grande era a ilha. Cobriu o sol com a mão para olhar nas árvores. Pensou ter visto algo.

Olhou novamente. Uma forma escura espreitava nas árvores, tinha um formato quase humano e olhos brilhantes, como chamas de velas. Flutuava sobre o chão e veio até ela.

— Então é você a cigana-feiticeira que Peter foi procurar? – A voz rasgada do ser parecia algo de um sonho esquecido há muito tempo.

— Quem é você? – Perguntou Hélène.

— Eu sou quem controla essa ilha. – Respondeu. – Por mais que Pan ache que é ele.

Ela olhava amedrontada aquela criatura. Parecia uma sombra, sem um corpo para seguir.

— Se eu fosse você, teria mais medo do garoto do que de mim. – Disse a Sombra.

— O que quer dizer? – Indagou ela. Estava claro que ele, o que quer que fosse, sabia algo importante e que ela devia saber.

— Acha mesmo que ele te trouxe aqui por bondade? Para salvá-la da forca? Nunca se perguntou o que há de tão especial em você para todos te protegerem? – Riu o espectro. – Uma dica: não é a sua vida, em si. Ah, não! É algo bem mais valioso...

— Me diga! – Pediu ela.

— O que acha de um trato? – Propôs a Sombra. – Se eu lhe contar, você deixa esta ilha. Vai querer deixa-la de qualquer jeito assim que eu lhe contar.

— E quanto à Peter? – Perguntou, olhando para ele. Adormecido na Praia.

— Ele será o motivo para você querer deixar este lugar. – Disse a criatura.

Hélène ficou em silêncio. Lembrou-se das conversas entre Clopin e Rosalie que ela escutou. Lembrou de quando Peter lhe confessou que precisava dela por causa da magia, mas não disse o porquê.

— Vou tomar seu silêncio como um “sim”. – Proferiu. – Apenas lembre-se, você parte assim que eu lhe contar.

— Diga! – Resmungou ela.

A Sombra soltou um som parecido com uma risada, mas cansada.

— Há uma maldição em você, menina. - Sentenciou. – Estes olhos que você tem, a luz dentro deles. Um raio de luar, foi o que bastou para que eles nunca mais fossem realmente seus.

— Como? – Perguntou.

— A Lua. – A Sombra olhou para céu. - Tem o peculiar gosto de interferir nos humanos. A magia dela atravessa todos os reinos, de forma impressionante.

O crepúsculo começava e lá estava Lua. Em seu devido lugar no céu, com seus primeiros raios a incidir.

— Você tem a maldição da Lua. Os olhos que ela mesma lhe deu. São cheios da luz dela, o feitiço dela. Capaz de aprisionar as almas, confundi-las e, até mesmo, seduzi-las. – Disse a Sombra. – Esta maldição está na sua alma.

— E por que Peter estaria atrás disso? – Perguntou Hélène.

— Vê, a Terra do Nunca é um lugar onde o tempo não passa. Mas não é um lugar para se viver para sempre. Peter quebrou as regras e agora quer uma maneira de viver eternamente... Ele irá atrás de crianças para conseguir isso. Irá prendê-las aqui...

Hélène olhou para ele, com medo.

— Mas não quaisquer crianças. As abandonadas, as não-amadas, as perdidas. Justamente as que buscam conforto na Lua. Por isso o seu feitiço é o que ele precisa para ir atrás dessas crianças...

Hélène caiu de joelhos. Tudo fazia sentido. As vezes que ouvia Clopin a Rosalie falarem sobre uma maldição, sobre a Lua e sobre ela mesma. Ela desesperou-se e começou a chorar.

Olhou para cima, a Sombra lhe estendia a mão.

— Ainda quer ficar aqui e ajudar Peter a sequestrar crianças?


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Notas finais do capítulo

Tradução da música:
"Cigana, Ninguém sabe o lugar de onde eu venho
Cigana, Sou filha do grande caminho
Cigana, Cigana; Quem pode dizer onde estarei amanhã
Cigana, Cigana; Está escrito nas linhas da minha mão
Minha mãe me falava da Espanha
Como era seu país
E das coisas nas montanhas
Nas montanhas de Andaluzia
Nas montanhas de Andaluzia
Eu não tenho mais nem pai e nem mãe
Fiz de Paris meu lar
Mas quando imagino o mar
Ele me leva para longe daqui
Até as montanhas de Andaluzia
Cigana, Ninguém sabe o lugar de onde eu venho
Cigana, Sou filha do grande caminho
Cigana, Cigana; Quem pode dizer quem amaria amanhã
Cigana, Cigana; Está escrito nas linhas da minha mão..."
Esta música é do musical Notre-Dame de Paris é a música tema dessa história toda. Eu precisava colocá-la aqui! ♥

Mas e ae??? Que vocês acharam? Este capítulo ficou um pouquinho mais longo, rs. Mas espero que tenham gostado! Reviews? Recomendações, será?

Até mais, mes amours! ♥ ♥ ♥



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