Moon Lovers: The Second Chance escrita por Van Vet, Andye


Capítulo 50
O Encoberto se Revela


Notas iniciais do capítulo

Olá minha gente! Agora é a hora de fazer aquela pausa e atualizar a leitura da nossa história.
Antes de tudo, como de costume, muitíssimo obrigada a todos os comentários do capítulo passado, obrigada aos novos leitores e suas participações. É sempre gratificante ter a presença de vocês aqui.
Sobre o capítulo, é uma série de três com uma treta daquelas... Esperamos que gostem!
Agora, sem mais lero lero, vamos ao que interessa e não deixem de comentar!
Fighting!



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A imprensa de todo o país viajara para Busan para cobrir o evento anual automobilístico mais famoso da Coreia do Sul. Jornalistas internacionais aderiam corpo à massa de repórteres nacionais na entrada do grandioso centro de convenções, todos ansiosos para descobrirem quais os veículos que impactariam o mercado no próximo ano.

Estandartes de trinta metros de altura, ostentando os logotipos das marcas representantes do evento tremulavam imponentes à brisa gelada do início da noite. O emblema da Wang S.A., a lua nova que remetia à abundância e produção, com o sobrenome da família dentro, era o primeiro estandarte visível para os olhos de quem se aproximava do local.

Como de costume, a primeira noite da feira era reservada aos jornalistas, convidados e investidores do setor, além dos poderosos empresários donos dos lançamentos em destaque. A partir do segundo dia, o evento abria suas portas para o grande público que vinha dos quatro cantos do globo para admirarem as novas tendências.

Park Jae, um repórter novato de um canal de variedades de Seul, ainda não entendia bem por que seus colegas estavam eufóricos por terem sido escolhidos no sorteio de senhas para povoarem o auditório que teria acesso à apresentação dos veículos principais. A paciente Seo Young Ah, que cobria a feira de automóveis há anos, explicou por cima, ao colega mais novo, o que significava estar entre os primeiros repórteres que teriam acesso às boas novas:

— No pavilhão geral toda a imprensa pode entrar e ver os lançamentos das marcas menores, assim como os novos modelos dos automóveis já conhecidos das três maiores. Acontece — a mulher apontou para o mezanino há muitos metros à frente deles, ainda enquanto avançavam a passos lerdos na longa fila indiana que a organização do evento pedira para formarem — que no auditório restrito acompanharemos em primeira mão o lançamento das grandes marcas asiáticas do momento, a Nahm Auto, Busan Yong Motors e a Wang S.A.

— Ainda assim…— Park Jae fez pouco caso, irritado por ter levado um pisão no pé, instantes atrás. Se tivesse escutado seus pais, nesse momento jantaria num restaurante cinco estrelas, muito satisfeito com seu salário de advogado trabalhista no bolso.

— Não tem “ainda assim” — sua sunbae o repreendeu, ríspida, e passou a mochila cheia de microfones, fios e câmeras, para os ombros dele — A Nahm Corporation foi a responsável por trazer o incrível Cordam, aquele sedam que apareceu em quase todos os dramas do ano passado. A Busan Yong Motors derrapou nos três últimos anos e se não apresentar algo que realmente valha a pena esse ano, vai perder destaque para alguma outra empresa. E a galinha dos ovos de ouro dessa noite, a Wang S.A., está para lançar, segundo um jornal norte-americano de automóveis, um modelo revolucionário na história dos utilitários.

— Ok — Park Jae suspirou, não conseguia se impressionar com nada ali. Ele queria estar em casa, fazendo qualquer coisa, menos segurando aquela bolsa pesada que começava a arder em seu ombro direito.

— Vou lhe dar um motivo para fazer caretas, garoto — Seo Young rosnou para o novato, eles nunca sabiam dar valor ao trabalho, e pisou no pé que havia sido massacrado minutos antes, com o salto de sua bota.

— Ai, sunbae!!

Apesar das entradas estarem sob rigoroso controle da segurança e cordões de isolamentos em todo o quarteirão, aos olhos de Shin parecia que toda a turba proibida para aquela primeira noite havia tido acesso ao pavilhão, tamanha a quantidade de pessoas que não paravam de entrar no recinto.

A música alta, os holofotes e as luzes estroboscópicas lá embaixo não deixariam o herdeiro rebelde dos Wang enxergar a fila da imprensa em que estavam os anônimos Seo Young Ah e Park Jae nem se ele quisesse. A última vez que Shin havia acompanhado a família até uma noite daquelas fora há mais de cinco anos, e ele não se lembrava do ambiente ficar tão abarrotado.

De qualquer forma, como eles eram parte das marcas representantes, senão os principais, a comprida mesa retangular de Wang Hansol - seus filhos, seus convidados, acionistas e investidores - era confortável o suficiente para Shin que estava feliz por encontrar um espaço distante do empurra-empurra no pavilhão embaixo do mezanino.

Ainda na mesa reservada, Taeyang conversava calmamente com os acionistas e o pai ignorando o machucado arroxeado no nariz, muito bem encoberto pela maquiagem de Yun Mi.

A irmã também havia se esquecido de seus problemas, de ficar carrancuda e revoltada com a ideia do casamento forçado, e falava fluentemente com os investidores japoneses, indicando os carros expostos no andar abaixo e fazendo apontamentos compreensíveis apenas aos ouvidos de quem entendia a língua nipônica.

Sun, milagrosamente, não estava na companhia de seu celular e de seus games. Pelo contrário, parecia genuinamente interessado no que acontecia ao seu redor. Em algum momento, ele e a filha de Yoseob deixaram seus assentos e foram para a borda do mezanino discutirem sobre qual dos veículos já expostos no andar debaixo chamava mais a atenção de seus gostos juvenis.

Jung havia escolhido se sentar ao lado do irmão Sook e da sua família e, no momento, se entretinha conversando com eles sobre como iam as aulas gratuitas de defesa pessoal que ministrava nas horas vagas. A todo custo, o rapaz mais novo evitava ficar sozinho ao lado de Shin, apesar de não estar, oficialmente, o ignorando.

Ele continuava magoado por causa de Ha Jin e agora, mais do que em qualquer outra vez. Shin não tinha motivos para não entendê-lo… Se o irmão o acusasse de gostar da governanta, ele não teria presença de espírito suficiente para olhar nos olhos de Jung e mentir.

Gun era a pessoa de comportamento mais estranho na mesa. Estranho para seus padrões, todo ares de confiança e prepotência. O terceiro filho de Hansol tinha a tez agitada, o tempo todo mirando os convivas das outras mesas e ajeitando a gravata borboleta que parecia pressurosa para sufocá-lo. Quando não observava os demais convidados, fitava longa e misteriosamente a silhueta dos três principais lançamentos da noite, escondidos cada um por baixo de um pano dourado, no palco principal.

Debaixo de um daqueles panos estava o trabalho de um ano inteiro, muitas horas de insônia e rios de investimento, o P02, que naquela noite seria conhecido pelo seu nome real… E reconhecido pela sua alta, e inédita, tecnologia.

Shin se transformou no segundo par de olhos Wang a mirar o pano dourado em que o P02 estava coberto e seus sentimentos eram tão conflitantes quanto os mistérios que rondavam a mente de Gun.

Shin acompanhara o projeto na metade, mas se dedicara com afinco nos meses que pôde participar. Ele queria se sentir parte daquilo, parte da conquista, mas uma sensação incômoda não o deixava viver o momento.

Metade dessa negatividade tinha a ver com sua constante mania de não se sentir um Wang completo e, a outra metade, devido aos pressentimentos ruins que o sondavam desde a agressão envolvendo Taeyang, dias antes.

Eujin retornou do toalete e se acomodou no lugar que escolheu ao seu lado. O rapaz tinha as expressões sutilmente apáticas, entretanto aquilo não passou despercebido ao outro herdeiro:

— Pela lógica do dia de hoje, seu rosto deveria estar mais animado…

Eujin mostrou um sorriso fugaz para o irmão e enfiou um petisco de caviar disponível pela mesa na boca. Quando terminou de engolir, respondeu:

— Eu queria ter trazido Hye… Ela não atendeu o meu telefonema hoje mais cedo, apenas enviou uma mensagem dizendo que estaria muito ocupada e nada mais. Ela estava estranha essa semana toda… Meio perdida, não falava coisa com coisa.

— Problemas no namoro, então… Justificável — Shin comentou por cima. Seu maior relacionamento durara duas semanas, então ele não era um mestre em conselhos amorosos — As mulheres são complicadas.

Curioso pelo comentário do mais velho, Eujin franziu o cenho:

— Está com problemas neste departamento também, maninho?

— Hã? O que? Claro que não — Shin pigarreou e desviou o rosto para as mesas adiante — Só uma constatação masculina mundial, não é?

— É… — Eujin acabou concordando e emendou em outro assunto, não queria desgastar seu namoro teorizando sobre coisas irrelevantes — Mas o que você disse antes tem lógica, sobre eu estar animado… Olha, estou mesmo é agradecido… Aquele sorteio não poderia ter sido mais adequado. Se não conhecesse bem papai, diria que foi manipulado.

— O que você quer dizer? — o outro o indagou, seu olhar novamente interessado no comportamento aflito de Gun, no outro lado da mesa.

— Taeyang representar a empresa hoje. Não tem ninguém mais ajustado para ser o CEO durante esse evento. Acho que me livrei por pouco… Não saberia como me comportar com os investidores, a imprensa e tudo mais…

— Você fala isso, mas eu sei que se sairia muito bem. Quando entra no papel, parece um yuppie¹ de capa de revista — sorriu provocador.

— Pode ser, mas não quer dizer que eu estaria me sentindo bem — Eujin se manteve numa linha mais séria — Taeyang possui um tino natural para os negócios da família. É aquilo da tal vocação… Quer dizer, ainda falta nossos outros irmãos e você… E estou ansioso para ver como se sairá, Shin.

— Você anda cheio de muitas expectativas, pirralho — o herdeiro mais velho suspirou e tomou um gole da sua água com gás para molhar a garganta.

Enquanto escutava o anfitrião do pavilhão inferior fazendo anúncios pelo microfone e engrandecendo os automóveis expostos, percebeu o antigo pessimismo querendo aflorar. Mais uma espiada em Gun e ele o viu saindo silenciosamente da mesa para penetrar em meio às pessoas do salão.

— Nossa, que azedume todo é esse? — Eujin reagiu cutucando-o de leve no ombro.

— Desculpe… Estou um pouco ansioso esses dias…

— Aquele assunto todo envolvendo o roubo na empresa?

— Também… Mudando de assunto, conversou com Ha Jin esses dias?

— Sobre? — mais uma expressão hesitante em Eujin.

Meu bom deus, nada passava àquele garoto? O Wang motoqueiro deixou o copo na mesa e coçou a nuca devagar. Demorou um minuto inteiro para que ele conseguisse encarar o irmão sem ruborizar. A cada fitar do mais novo, era como se estivesse tatuado na testa dele “Estou apaixonado pela governanta”.

— Ela estava se decidindo se ia embora da mansão ou não — argumentou — Pensei que, talvez, vocês estivessem conversando sobre o assunto. Ela tem contas para pagar, problemas de saúde… Sair da mansão pode ser um pouco precipitado no momento…

— Ha Jin tem problemas de saúde?

— Ah, isso… Ela precisa tomar remédios para o coração. Não me parece muito sério, mas também não a ponto dela negligenciar a cirurgia no futuro…

— Cirurgia? — cada notícia caía como uma bomba na cabeça de Eujin. Por um momento, nem era o fato de Shin saber tanto de Ha Jin que o surpreendia, mas sim dele não estar ciente de nada daquilo.

Eujin gostaria muito de ter uma melhor explicação para os novos fatos trazidos a ele, porém algo interrompeu sua linha serena de pensamentos e devastou sua paz interior por completo. Tudo começou sorrateiramente, quando o diretor da Nahm Auto, o imperturbável Nahm Gong, com seu terno lilás e sua postura refinada, aproximou-se dos Wang para cumprimentá-los.

Shin e Eujin interromperam o diálogo, assim como o restante dos presentes na mesa, para escutarem atentamente o que o maior concorrente de mercado da Wang S.A., teria para dizer. Nahm Gong parou diante de Hansol e executou uma vênia discreta:

— Boa noite, Hansol.

O patriarca Wang levantou-se calmamente e devolveu o gesto ao outro senhor que conhecia de longa data. Diferente de sua relação com o dono da Busan Yong Motors, Hansol nutria um misto de respeito e rivalidade com Nahm Gong. Ambos entendiam e apreciavam a existência alheia, compreendendo que a competitividade produtiva servia de escada para tornar seus veículos ainda melhores.

Imitando o pai, Taeyang saiu de sua cadeira e cumprimentou o senhor formalmente. Os outros filhos, incluindo Shin, repetiram a saudação, seguidos dos acionistas.

— Boa noite, Gong — Hansol prosseguiu — Tudo bem com você? Com a empresa?

— Tudo perfeito, meu caro — os olhos de Nahm Gong percorreram rapidamente o rosto dos herdeiros — Seus filhos vieram em peso… Isso é incrível!

— E todos estão trabalhando firme para a empresa continuar como líder asiática. Para quem acha que meus filhos somente gastam o patrimônio e não geram nada, estão muito enganados.

— Quem acharia isso, Hansol? — o concorrente sorriu astutamente para o outro empresário — É realmente uma coisa boa, principalmente para um pai, vê-los unidos.

— Obrigado, Gong, sempre gentil… Mas como vai a sua família? Sua esposa… Sua filha está bem?

— Está estonteante. Casamento marcado com o filho do senhor Kim Woo, empresário coreano do ano por três anos consecutivos pela Fortune. Será um evento inesquecível, vou me certificar de mandar um convite para você e sua família.

— Agradeço muito… Minha filha, Yun Mi — apontou para a jovem, que sorriu forçosamente — Também se casará em breve com o filho de Choi Ryul Doo. Os convites com os seus nomes já estão preparados.

— Obrigado, Hansol. Ficamos lisonjeados. E para a senhorita — dirigiu-se para Yun Mi — meus parabéns.

Após Yun Mi se curvar rigidamente e exibir outro sorriso a contragosto, a conversa dos senhores continuou:

— E sua filha, veio para o evento? — o patriarca Wang prosseguiu — Gostaria de parabenizá-la também…

— Ela estava ali na mesa…

— Estou aqui papai — a moça de vestido preto surgiu atrás do velho homem. Primeiro como um vulto disperso aos olhos dos presentes na mesa de Hansol, depois, quando emparelhou ao lado do próprio pai, se transformou numa piada de mal gosto para o espectador Eujin.

Jung e Shin, os únicos que conheciam a namorada do irmão, olharam confusos dele para a herdeira Nahm, tentando assimilar o que acabara de acontecer. Eujin deixou o copo que portava nas mãos escorregar para a mesa, a água escorrendo pela borda e molhando seus sapatos, enquanto encarava Hye profundamente, buscando respostas.

A filha de Nahm Gong, Nahm Hye, olhou com descompromisso para o jovem rapaz e curvou-se demoradamente para as pessoas ao qual era apresentada. No outro extremo da mesa, o coração de Eujin continuava acelerado, a cabeça trabalhando a mil por hora, sem entender absolutamente nada daquela cena, observando a conversa continuar a se desenvolver, o pai desejando felicidades no casamento da sua namorada com outro homem, um tal de Kim alguma coisa. Ele não podia compreender aquilo que escutava.

— Fique calmo… — Shin murmurou para o irmão, segurando seu braço sutilmente — Deve ter uma explicação.

Entretanto, Eujin não queria ficar calmo. Não conseguiria. Assim que os Nahm se despediram de todos – Hye o ignorando o tempo todo – e encaminharam-se para a mesa deles, o jovem queria correr na direção dela e descobrir a brincadeira por trás daquilo.

Jung continuou fitando o irmão, querendo respostas, o olhar cruzando com o de Shin ainda em busca delas. Aproveitando a distração, Eujin se desvencilhou do mais velho e correu para o salão. Shin se levantou bruscamente e foi ao seu encalço antes que ele cometesse alguma idiotice.

— Não é o momento — Shin pegou o irmão pelo pulso e o segurou a apenas alguns passos da mesa dos Nahm. A garota ainda se sentava junto ao pai, de costas para eles.

— Me solte, Shin! — Eujin exclamou incisivo, puxando o braço com força.

Suspirando forte, o outro tornou a pegar o mais novo, agora pelo braço, e o empurrou com menos delicadeza para a borda do mezanino.

— Pare de ser infantil, Eujin. Estou dizendo que não é o momento.

— Não é o momento? O que você está falando? Ela… Ela é minha namorada, isso não está certo — tentou empurrar o irmão para longe.

Shin pegou-o pelos ombros e o sacudiu.

— Claro que não está certo e é justamente por isso que você não deve tirar conclusões precipitadas! Vai lá fazer o que? Na frente da família dela? Na frente dos nossos concorrentes e de uma manada de repórteres? Eu imagino como está se sentindo nesse momento…

— Não imagina não.

— Imagino, sim — Shin reforçou elevando a voz, tentando vencer a barulheira ao redor — mas qualquer coisa que você fizer de cabeça quente pode machucar o que quer que tenha com essa garota, de modo irreversível. Respire um pouco, Eujin… Aguente…

— Não consigo… — objetou com os olhos brilhantes de tristeza.

— Consegue sim — o irmão lhe afagou a nuca.

— O que eu tenho com ela, Shin? — o mais novo o focou desolado — Eu não sei… Acabei de descobrir que a minha namorada vai se casar… Que ela é filha daquele homem… Nem sei se somos namorados… Não sei de nada…

— Eu entendo… — argumentou, incerto.

Embora Shin estivesse confuso, teria de passar toda a confiança do mundo para ancorar o irmão. Sutilmente, se certificando que ninguém os olhava diretamente, permitiu que Eujin encostasse a cabeça em seu ombro e respirasse fundo, tentando controlar o desespero. Era como ele havia pressentido… Aquela noite não ia bem.

***

Gun não era homem de rodeios, mas, diante de tantas testemunhas ele não poderia agir com obviedade se quisesse ter sua meia dúzia de palavras com o diretor da Busan Yong Motors, o esperto Nam Seong.

Em determinado ponto da noite, Nam Seong estava se sentindo como um pedaço de carne podre sondada por urubus, com todas aquelas irritantes vezes que Wang Gun passou na frente de sua mesa lhe lançando olhares oblíquos. Seria um risco encontrar aquele moleque às escondidas em algum lugar do salão? Seria. Seria divertido ver a cara de assustado daquele cretino prepotente? Também seria.

Munido da desculpa de que precisava ir ao banheiro masculino para a esposa e filhos, Nam Seong abotoou o paletó que escolhera para a gloriosa noite de sua empresa e seguiu para o toalete. Assim que entrou no ambiente, Gun, que estava ameaçadoramente atrás da porta como um mafioso italiano, trancou-os ali e economizou na educação:

— Foi o Jo Han Rok que roubou os documentos do projeto, não foi?

— Ah, boa noite, Wang Gun — Nam Seong caminhou até o espelho e aproveitou para conferir se o seu cabelo grisalho estava bem penteado — Ansioso pela grande apresentação?

— Eu dei todos os documentos na mão do seu capanga e você me retribui invadindo minha empresa e roubando relatórios particulares? Eu abri as portas do meu patrimônio para você, seu velho de merda!

— Bem que dizem que você puxou ao sangue da sua mãe…

Gun aproximou-se do homem, os olhos flamejantes de raiva, e o cutucou forte no ombro esquerdo.

— Meu pai cansou de dizer que você não passa de um gangster, um bandido, um ladrão de arroz, um verme deplorável e…

— E ele não vai ficar nada feliz em saber que o bostinha do filho dele se uniu a esse verme… Ou vai? Eu sei dos seus motivos, garoto infeliz. Quer se sobressair à sua penca de irmãos e liderar a Wang S.A. — Nam Seong terminou de encarar sua imagem refletida e mirou o oponente frente a frente — Quando você estava na barriga da sua mãe, quando estava enchendo fraldas de cocô ou quando estava brigando pela atenção do papai, eu formava alianças e obtinha lucros em cima de gente bem mais talentosa e inteligente que você.

“Ontem você foi apenas um iniciante, cheio de confiança e nenhum talento, que tentou me passar a perna. Hoje, você colherá os resultados da sua prepotência… E, se estiver realmente disposto a bater de encontro a mim, nada fará meu dia mais feliz do que contar ao velho Hansol sobre a traição do seu herdeiro”.

Nam Seong contornou um pálido e chocado Gun, abriu a porta do toalete e saiu calmamente pelo corredor. Colocar um Wang espertalhão em seu devido lugar fora um bônus na sua noite.

***

Shin já havia conseguido controlar os ânimos de Eujin, que estava com as expressões amarguradas ao lado do irmão, mas aquilo não passou batido para Taeyang. Ele havia percebido que algo estranho acontecera ao mais novo, depois dos cumprimentos dos Nahm passarem pela mesa. Aliás, conhecia a filha de Nahm Gong de algum lugar… A correria do evento, entretanto, não criava brecha para ele perguntar o que se sucedeu.

Ele dava atenção aos acionistas, às conversas otimistas com pai e aos olhares serenos trocados com Na Na, ao seu lado. Vez ou outra até arriscava entrelaçar a mão nas mãos da namorada, sorrateiro, debaixo da mesa.

Tudo transcorria muitíssimo bem e ele, como CEO, dava conta do recado magistralmente, respondendo às perguntas técnicas e saindo do seu assento para sanar algumas curiosidades da imprensa do auditório, por duas vezes.

Se o nervosismo deixava a memória falhar, a solução era justamente sua namorada, uma verdadeira enciclopédia ambulante, lhe fornecendo pormenores esquecidos, mas nunca o deixando passar por algum constrangimento referente ao novo projeto. Eles eram mais do que um casal, eles eram um time.

E quem poderia ameaçar a harmonia entre eles, Gun e seus olhares fulminantes, estava muito quieto em seu lugar. O semblante preocupadíssimo do irmão rival fez Taeyang sentir algo ruim no meio da satisfação das suas conquistas pessoais.

Horas depois do início do evento, todos os jornalistas aglomerando-se no auditório e os representantes das empresas inquietos para a apresentação dos carros, o host convidado, um aposentado e famoso empresário do ramo automobilístico asiático, subiu ao palco na companhia de quatro belas modelos e capturou a atenção de todos.

— Boa noite, senhoras e senhores. Bem-vindos a trigésima segunda feira anual do automóvel da Coreia do Sul. Após um ano inteiro de turbulência comercial e instabilidade política em todo o mundo, é com muito orgulho que anunciamos que o mercado automotivo coreano segue forte.

“Dentre as melhores marcas do mercado asiático, várias delas com suas novidades expostas no pavilhão abaixo, é com muito orgulho que tomo o anúncio do lançamento das três maiores empresas do seguimento no continente.

“E com vocês, na ordem do sorteio, da direita para esquerda, os três veículos principais da noite…

“O primeiro, seguindo uma vertente mais clássica e robusta, com promessas de se tornar o novo queridinho dos diretores dos dramas e dos estrangeiros de classe alta, o impecável Revolve 2000, da Nahm Corporation!”

O salão explodiu em vivas e flashes e enquanto os jornalistas iam trabalhando furiosamente para captar as informações adicionais trazidas pelo apresentador, Nahm Gong recebia uma chuva de elogios das pessoas ao redor.

Eujin lançou um longo e doloroso olhar para Hye que, no meio do seu aplauso contido, se esforçou ao máximo para não retribuir o fitar decepcionado o rapaz.

“Muito bem, esse carro promete, senhoras e senhoras! Agora, o segundo destaque da noite é o prático e confortável, familiar porém de motor inigualável, Zang, da Busan Yong Motors!”

Os aplausos automáticos e contrariados dos Wang e seus demais acionistas, todos nem um pouco adeptos com a empresa nascida da bandidagem, morreram no momento em que as quatro modelos do palco desforraram o pano dourado do veículo.

Gun fechou os olhos e esfregou a cabeça, perplexo por ter sido tão idiota. Nem o pai ou os irmãos viram seus gestos desesperados, porque eles próprios tentavam assimilar o que testemunhavam, boquiabertos.

Eujin achou que já tinha tido sua dose de surpresas naquela noite. Sun e Jung pensaram que talvez tivessem dormido em reuniões demais e perdido alguma coisa enquanto Sook, alheio ao projeto da família, olhava do palco para os irmãos e o pai sem entender o porquê daquelas expressões.

Yun Mi ouviu os japoneses soltando exclamações exaltadas, mas, naquele ínterim, perdera a capacidade de entender o idioma estrangeiro. Taeyang simplesmente achava que estava tendo algum tipo de pesadelo vívido. Shin descobriu o motivo de seu pessimismo para o evento.

E, enquanto os acionistas da Wang S.A. discutiam a estranha coincidência, Hansol deslizava para a sua cadeira sentindo a cabeça girar.

Nam Seong sorria amplamente para todos e acenava como um político vitorioso ao passo que o apresentador ia citando as especificações do novo produto, que era idêntico ao carro que seria mostrado pela empresa concorrente, mas com o diferencial do motor ser muito melhor.

Na Na deu um empurrão em Taeyang, trazendo o namorado do abismo pavoroso que o choque o havia enfiado. Com uma frase definitiva, ela disse sem preâmbulos:

— Taeyang, vá para o palco! O projeto P02 não pode aparecer agora!

Com a garganta seca e a cabeça zumbindo, Taeyang concordou e começou a encaminhar-se para onde o último carro ainda repousava debaixo do pano. Pedindo licença aqui e ali, ele se esforçou para contornar a multidão em êxtase e chegar ao objetivo. Shin vinha logo atrás, apoderando-se da mesma ideia.

Se o P02 fosse exposto ao público, não como o primeiro, mas como o segundo, como aconteceria nos próximos instantes, tudo se complicaria… E algo estava errado, muito errado…

— E com vocês, senhoras e senhores, o destaque absoluto da noite… O carro ideal para todos os públicos, segundo o próprio senhor Wang Hansol, o Potent!

— Não! — Taeyang exclamou, ao pé do palco, ofegante.

Mas o pano deslizou… Não houve aplausos… O que veio a seguir foi um profundo e ensurdecedor silêncio.

***

CENA BÔNUS

Na mesa reservada para os integrantes da Nahm Auto, Hye pediu licença ao pai e, sem esperar por sua resposta, levantou-se dali e partiu em direção ao toalete. No caminho, contornando mesas e pessoas velozmente, teve de fazer um esforço absurdo para não deixar as lágrimas caírem em público.

Uma vez no local reservado, longe dos olhares intrusos, inclusive daquele desolador vindo de Eujin, se trancou em um dos banheiros vagos e deixou, sem nenhum acanhamento, a tristeza descer em forma de lágrimas e soluços enquanto segurava o punho cerrado contra o colo.

Por que ela teve de chegar àquele ponto? Por que continuou aceitando os convites daquele rapaz quando descobriu de quem ele era filho? Por que foi se envolver com alguém quando tudo em sua vida estava tão errado? Por que foi se apaixonar? Por que se permitiu iludir daquele modo? Por que aceitou, desde o princípio, que a família escolhesse seu futuro esposo? Por que foi tão ingênua ao acreditar que, cedendo, as coisas dariam certo?

Sua vida começou a seguir por um caminho sem volta desde os treze anos, quando ela descobriu que iria se casar com um integrante da família Kim, como rezava a tradição de sua própria família, e aceitou seu destino sem maiores alardes, acreditando que aquilo não lhe causaria danos.

A menina Hye achava que demoraria muito para se tornar adulta e entender o peso daquela aliança, mas o inevitável aconteceu. O tempo, implacável como um trem-bala, passou diante de seus olhos e, conforme os anos iam galgando a verdade de que se casaria com alguém, não por amor, mas por convenção, enfim a arrebatou e seu desespero ao pensar em um futuro incerto tomou forma.

Seu noivo, Kim Pyo, também não ficara feliz com o contrato travado entre seus pais, mas, como ela, achou que poderia negar suas vontades e seguir no desejo familiar, esperando que, em algum momento, suas famílias entendessem que não desejavam unir-se daquela forma, sem volta.

Mesmo antes de Hye conhecer Eujin, ela já estava completamente desgostosa do seu destino. Esteve muito perto de jogar tudo para alto e contava com a ajuda do noivo para isso. Eles não se amavam como casal, mas acabaram se tornando grandes amigos no percurso e idealizaram o momento de revelar a verdade aos respectivos pais, por muitas vezes.

Nesse meio tempo, Gong Nahm reuniu muitos amigos, familiares e funcionários num evento da empresa e fez um discurso emocionante sobre como passaria os negócios da família para sua filha única, de quem ele se orgulhava como mulher e empresária, e que sua maior felicidade seria vê-la muito bem casada com o filho do clã Kim.

Para uma boa filha, que amava o pai de todo coração, aquele evento foi um grande revés em seus planos. Então Hye adiou… Adiou, mas prometeu contar… Ela só precisava de tempo…

E o tempo acabou.

Eujin já havia olhado para ela como se um pedaço de sua alma estivesse se apagando e Hye teve uma sensação ruim, algo que parecia vir de além daquele tempo, quando foi obrigada a fitá-lo, cumprimentá-lo e fingir que estava o encontrando pela primeira vez na vida.

Trêmula, a moça abaixou a tampa do sanitário e se sentou sobre o vaso. A seguir, respirou profundamente até conseguir se acalmar, abriu sua bolsa de mão, pegou o celular e ligou para Kim Pyo. Ele, já esperando o desenrolar terrível daquela noite, atendeu ao primeiro toque:

— Como foi? - o rapaz perguntou, ansioso para ouvir a amiga que, segundo a conveniência, deveria ser sua mulher nos próximos meses.

— Foi terrível… — Hye recomeçou a chorar — Ele veio, Pyo… Ele veio e foi muito ruim…

— Nós não devíamos ter adiado por tanto tempo…

— E-eu acho que ele nunca vai me perdoar… O olhar dele…

— Eu sinto muito, Hye…

— Droga, Pyo… Está doendo… — soluçou — Eu não queria, mas está doendo tanto…

— Tente se acalmar…

— Eu não queria que fosse assim… Está tudo acabado, Pyo. Eu o perdi.

Demorou um tempo até que Hye se acalmasse minimamente, lavasse o rosto, retocasse a maquiagem e retornasse para a companhia do pai evitando, a todo custo, olhar na direção de Eujin. De repente, a coragem de tomar as rédeas da sua vida pareceram distantes e inalcançáveis.

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Notas finais do capítulo

¹Yuppie ('jʌpi/): adjetivo e substantivo de dois gêneros diz-se de ou jovem executivo, profissionalmente bem remunerado, e que gasta sua renda em artigos de luxo e atividades caras.

Glossário:

Concubina Oh - Nyeo Hin Hee
Hae Soo - Go Ha Jin
Hwangbo Yeon-hwa - Wang Yun Mi
Imperatriz Hwangbo - Woo Ah Ra
Ji Eun Tak (OC) - 4ª esposa de Wang Hansol
Khan Mi-Ok (OC)- amiga de Ha Jin
Lady Hae - Kim Na Na
Li Chang Ru (OC) - 1ª esposa de Wang Hansol
Park Soon-duk - Doh Hea
Park Soo-kyung - Doh Yoseob
Park Sun Hee (OC) - Esposa de Sook
Sung Ryung (OC) - empregada/amiga de Ha Jin
Taejo - Wang Hansol
Wang Baek Ah - Wang Eujin
Wang Eun - Wang Sun
Wang Yo - Wang Gun
Wang Ha Na - filha de Wang Sook
Wang Jung - Wang Jung
Wang Mu - Wang Sook
Wang So - Wang Shin
Wang Wook - Wang Taeyang
Yoon Min-joo - Imperatriz Yoo
Nahm Hye - Woo Hee