Hugo escrita por Rossetti


Capítulo 13
Treze


Notas iniciais do capítulo

Hmm... Oi. Não demorou, né?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/715287/chapter/13

Eu gostaria de ter podido entrar em um casulo e me esconder. Para sempre. Nunca mais ver ninguém.

Eu ainda amava a todos e amava Hugo tão forte que meu coração batia rápido o bastante para criar faíscas por ele. Mas era como se algo estivesse sugando qualquer possibilidade de bem estar, assim como minha confiança.

“Por que vocês me amam?” me questionei vezes demais. E quanto mais o tempo passava, mais ficava claro para mim que era um amor construído na convivência, que nenhum deles me suportaria se não fossem minha família. Pensei até mesmo se Hugo se sentiria atraído por mim caso eu não fosse seu irmão. A conclusão era óbvia, ele nunca sentiria isso se não estivesse estado tão próximo. Então não seria mais fácil se eu não existisse? Se eu nunca tivesse nascido a vida de todos que eu amava estaria em ordem. Minha vida era desnecessária e saber disso era a maior dor que eu poderia ter.

 

—-

 

As coisas pioravam e eu nem mesmo podia conversar com a família sem me irritar ou ficar tão fora do ar que não ouvia o que me diziam. Tomar qualquer decisão que envolvesse mudança era desconfortável e tão além de meu alcance que eu apenas continuava, arrastado pela corrente.

 

—-

 

Foi por ligação. Eu não teria coragem de olhar em seu rosto mesmo através do computador.

Não sei de onde tirei coragem para aquela ligação.

Estranhamente, ele estava calmo.

“Então você tá terminando comigo?” Hugo perguntou, falando devagar. “Logo depois de tudo dar certo, de tudo o que aconteceu... Você tá desistindo?”

Eu não estava nada calmo.

— Não é... Hugo... Não é isso, eu só...

“Você tá terminando comigo, Greg?” Sua voz não parecia sua.

— Não... Sim. – Minha voz também não parecia minha.

Hugo ficou em silencio. E quando voltou a falar, parecia sufocado dentro de si.

“Gregório... Eu vou pra casa assim que tiver dinheiro.” Não, ele não podia vir para casa no meio da época de provas. Eu teria me sentido mal por isso, mas eu realmente não tinha como ficar mais triste, como se cada pedaço de mim já estivesse cheio. “Vamos conversar pessoalmente. Você vai me falar o que tá acontecendo com você. Falar, Gregório. Nós vamos conversar. E eu vou tirar essa bobagem da sua cabeça.”

Eu não tinha o que responder. Quis desligar e correr, me esconder. Eu não queria estar em casa quando ele viesse. Ao mesmo tempo tudo o que eu queria era sentir de novo aquela paz de estar com ele. Eu queria meu Hugo comigo para me acalmar, mas o problema era que ele ainda era exatamente o um Hugo e eu não sabia mais como encontrar dentro de mim o Greg dele.

 

—-

 

 

Eu estava me afogando em pleno ar, o oxigênio em meus pulmões não era o bastante. Me levantar doía, até literalmente. A falta de sono estava fazendo efeito aos poucos e ficar acordado era difícil, meu corpo estava pesado, o simples ato de ter que acordar parecia um tipo de tortura. Então eu dormi por todo o tempo que podia, nas duas semanas que se passaram. Mesmo com os pesadelos, o tempo passava mais rápido assim. Eram minhas férias do trabalho, então não tive nenhum motivo para colocar os pés para fora do meu quarto além de usar o banheiro e tomar banho.

Eu não tinha certeza de que dia era, quando acordei com sua mão em meu cabelo, um toque suave. Hugo percebeu que eu despertei e encerrou o toque, cautelosamente.

— Desculpe. – Ele disse. Parecia na defensiva, assustado. Eu teria ficado muito triste com isso em uma situação normal, ou muito feliz com sua presença. Mas eu já estava esgotado demais, eu queria só ficar sozinho. Não via como eu poderia discutir a relação ou qualquer coisa do tipo. – Greg, vamos conversar.

Me sentei na cama. Não podia olhara para ele.

— Eu quase morri de preocupação. – Hugo tentou. Ele sentou do meu lado. – Aquela ligação... Você não tem noção as coisas que pensei... É tão bom te ver, Greg.

Eu suspirei o mais lentamente possível, tentando me colocar em sintonia. Era difícil. Dei uma olhada para ele. Meu irmãozinho parecia destruído. A culpa era minha.

— Você não devia ter vindo, Hugo.

Ele soluçou.

— Me desculpa, Greg. – Chorou. Uma parte de mim se sentia desesperada para chorar também, para pirar com o que eu estava fazendo de errado. Eu quis me impedir de ser uma completa desgraça, de fazer mal a ele. – Eu devia ter visto antes. Eu estive tão longe, talvez se estivesse aqui... Mesmo assim não é desculpa. Eu ignorei isso, ignorei as coisas que estavam bem na minha frente, fiz tudo errado.

Eu demorei um tempo longo para perceber que não entendia do que ele estava falando.

— Visto o que? – Indaguei.

Hugo olhou para mim, com os olhos vermelhos. Ele era bonito mesmo assim, mas eu estava cansado demais para reparar a fundo.

— Greg... Essa... Tem um longo tempo. Essa depressão.

Algo se contorceu dentro de mim. Não. Não, não, não.

— Hugo, eu não tenho...

— Gregório. – Ele me interrompeu. – Não tem como você não ver, não entender. Greg, isso não é normal. Você tá doente, Greg. Por favor, você precisa ver isso, pra eu poder fazer algo por você.

— Não é assim. – Eu me levantei. De repente sentia que precisava me mexer, me defender. – Eu só fiquei um pouco triste e tive motivos. Não me venha com essa, Hugo.

Ele se levantou também, devagar.

— Um pouco? Sonia me contou como você anda e...

— Sim, eu fiquei mal. Um cara não pode se sentir mal? Ainda mais depois de tudo?

— Você não deveria estar mal.

— Muito obrigado por observar! – Eu gritei com ele. Me sentia traído, perdido. Justo Hugo estar me acusando de algo que eu não queria ter, não admitiria sob nenhuma circunstância. Era como se ele jogasse em minha cara a minha própria incapacidade.

— Greg, me escuta. Por favor. Nós estávamos tendo o que sempre quisemos...

— E então eu percebi que não queria isso. – Retruquei. Não era verdade, claro. Eu só estava falando sem pensar. Precisava faze-lo entender a dor, tanto quando eu. Precisava que ele se afastasse.

— Ah, é? – Ele passou a mão no rosto, cansado, irritado, triste. – Depois de todos esses anos você só mudou de ideia?

— Sim.

— Sem qualquer motivo?

— Eu só não quero mais. – Eu não diria Hugo como eu pensava que nosso relacionamento iria estragar sua vida, que eu não queria que um dia ele acordasse e descobrisse que se privou de uma vida normal e equilibrada por tão pouca coisa como eu, não dava para dizer isso no meio de uma briga.

— Então acaba aqui? Sem peso na consciência, sem... É só isso, ponto final? – Sua voz parecia de outra pessoa.

— Hugo. Volta pra sua cidade, sua casa. Vai viver. Você pode viver sem mim.

Por um momento achei que ele jogaria alguma coisa em mim ou me bateria. Ou então que gritaria que não podia viver sem mim de forma alguma. Mas ele hesitou e disse:

— Sim, eu posso.

— Então vai.

— Vou. – Ele levantou as mãos como e dissesse “Okay, você venceu”. – Mas antes eu vou ficar aqui e garantir que você faça um tratamento psicológico, nem que seja amarrado. Nem que você me odeie pelo resto da vida.

— Não, você não vai!

— Pare de agir como uma criança! – Ele falou, alto o bastante para o prédio todo ouvir.

— Pare de agir como se devesse ter alguma responsabilidade sobre mim!

— Eu sou seu irmão! – Exclamou, tão alto quanto antes. Então diminuiu o tom de voz. – E sou seu namorado. Eu tenho responsabilidades sobre você, eu não só devo, como quero cuidar de você.

— Eu sou mais velho. – Meu argumento era ridículo e infantil, de forma que fiquei ainda mais irritado. – Vá embora, Hugo. – Eu falei isso quase como se implorasse, mas ele estava irritado demais para perceber. – Você não tem que estar preso a dever alguma coisa a mim.

— Eu disse que quero. Eu quero, eu preciso. – Ele veio para perto de mim e levantou a mão para segurar meu ombro. Desviei dele e peguei minha carteira. Enfiei meus pés no meu tênis de qualquer jeito. – Gregório, me escuta, você não... O que você tá fazendo?

— Saindo. – Peguei o primeiro casaco que achei em meu guarda-roupa e fui para a porta.

— Você não vai sair nesse estado. – Hugo segurou meu pulso. Eu olhei para ele e puxei o braço.

— Vai fazer o que? Me amarrar?

— Talvez devesse. – Ele disse, desolado. – Eu vou com você.

— Hugo, me escuta: Acabou. Fim de jogo. Vá. Embora. – Vesti o casaco. – Não quero te ver aqui quando eu voltar.

Meu irmão não discutiu. Não tentou mais me impedir. Minha última visão de Hugo foi de sua expressão de dor e raiva, com os seus olhos tão bonitos e tristes, tremendo o início de uma crise de choro. Eu tinha causado isso, mas o fim seria ruim de qualquer forma, nada que aliviasse minha culpa; eu não deveria ter começado isso, simplesmente.

Ao sair, esbarrei em meu pai, no corredor.

— Você estava certo. – Eu falei, antes mesmo que ele abrisse a boca. – Você tinha razão o tempo todo, até mesmo em achar que seria eu quem estragaria tudo isso.

— Gregório... – Ele começou a falar, sem se mexer um centímetro.

— Eu quebrei a promessa. Não pode manter nem isso. Você acertou, pai. – As palavras saíam de minha boca feito veneno, deixando um rastro amargo.

Me desviei de meu pai e fui na direção da porta, sem olhar para os lados. Ele não tentou me impedir, mais ninguém tentou. Talvez eu devesse ter dado uma última olhada para trás.

Eu saí para a noite, sozinho.

 

—-

 

 

“Eu não quero morrer” era o pensamento em minha cabeça. Eu queria viver, queria envelhecer, conhecer um monte de coisas, viver momentos inesquecíveis, queria viver em paz ao lado de Hugo e minha família.

Mas muito maior que isso era o pesar de cada erro que cometi, saber que não teria volta e que eu nunca teria esse tipo de felicidade pura. Talvez fosse mesmo para eu nunca ter. Era como chegar ao fim do arco-íris, o pote de ouro estar lá, mas ser pesado demais para ser carregado. Eu estive tão ocupado em me apavorar com o que queria que nunca me preocupei que eu não era o bastante para suportar. Isso me feria como ferro marcando minha pele.  Essa dor me perturbaria por casa segundo que eu ainda vivesse. Eu não queria senti-la. Eu daria tudo para me sentir livre. Eu queria me sentir bem, só isso. Queria que tudo se fosse.

Minha família ficaria triste, mas não era nisso que eu pensava. Meus pais, avó, tios, irmãos... E Hugo. Bem, eles ficariam bem sem mim. Eventualmente seguiriam suas vidas.

Mas eu não queria morrer. Deus sabe que eu não queria. Eu só queria fugir do sofrimento.

Me apoiei na beirada e olhei para os carros passando tantos metros lá em baixo, com os faróis acesos. Pensei na vida das pessoas dentro daqueles carros. Pensei se havia mais alguém que um dia tinha se apaixonado pelo próprio irmão, num daqueles veículos. E se tinha alguém tão quebrado e incapaz quanto eu, alguém pensando que a sua própria vida precisava chegar ao fim naquele momento, mesmo que quisesse desesperadamente ficar um pouco mais.

Eu estava inclinado na beirada, a cabeça cheia demais e uma vontade quase incontrolável de vomitar, quando ouvi alguém me chamar. 

Endireitei o corpo, meio surpreso, e olhei para o lado. Havia um grupo de jovens vestidos com roupas chamativas e maquiagem escura ou roupas escuras com maquiagens chamativas. Por um momento achei que não conhecia nenhum deles, até que reconheci um. Nicolas, um velho colega de escola, minha primeira paixonite. Eu tinha estudado com ele por anos, mas ainda assim era quase irreconhecível. Seu cabelo agora estava platinado, ele usava alargadores e um delineado de gatinho com uma sombra de glitter, um short curto e uma camiseta colada com estampa de alguma banda que eu não conhecia. Do menino Nick que conheci, só restava a beleza estonteante.

— Gregório, não é? – Seus olhos foram de mim para a beirada da ponte e de volta para mim, como se ele temesse que eu fosse pular a qualquer momento. – Se lembra de mim? Sou o Nicolas, estudamos juntos.

Como ele tinha me reconhecido tanto tempo depois, ainda mais a noite numa ponte mal iluminada?

— Lembro. – Respondi, forçando minha voz para fora.

— Ah... Que legal. – Ele deu um passo cauteloso na minha direção. – Então, ah... Como vai? Digo... Porque não vem comigo para...

— Eu não vou pular. – Falei, rouco. Era verdade, minha coragem tinha me abandonado.

— Eu não disse que ia. – Ele se afobou. – É só...

— Estamos indo numa festa. – Uma moça disse de cabelo loiro e roxo falou. Parecia tão desesperada quanto ele, com a possibilidade de que eu me jogasse. – Bora colar lá com a gente?

Essa era inesperada. O grupo parecia ansioso para me afastar da beirada, então, sem pensar em nada direito, aceitei.

 

 

A festa era num bar voltado para o público Lgbt+, um lugar que eu nunca tinha ido.

— Você não se incomoda, né? – A moça perguntou, enquanto esperávamos na fila. Ela parecia dividida entre não estar pronta para rebater qualquer comentário negativo sobre o lugar e não querer me deixar ir de forma alguma.

— Eu sou gay. – Resumi.

— Isso é bom. – Nicolas estava sinceramente surpreso, mas aliviado. – Mas então... Porque não ligamos para sua família e avisamos que você está bem, hum? Você... Tem família, né?

— Eu nem trouxe celular. – Eles ficaram me olhando. – Olha, tá tudo bem, eu só quero passar um tempinho longe deles.

Um tempinho. — Um cara do grupo comentou, sarcástico.

— Eu não ia... – Comecei a falar. Mas era mentira. – Foi bobagem. Agora... Só preciso beber uma cerveja e ir para casa, tudo vai ficar bem.

De qualquer forma, eles não me deixaram um segundo sozinho, revezando em me fazer companhia mesmo quando estavam loucos para dançar e encher a cara. Por fim quem passou mais tempo ao meu lado não foi Nick, e sim a moça do cabelo pintado de roxo. E eu bebi muito mais do que só uma cerveja. A música era incrível, mas eu só fiquei plantado na mesa, acumulando garrafinhas vazias ao meu lado. Estava deprimido demais para apreciar, o mundo passava na frente de mim de forma embaçada.

Em algum ponto da madrugada a moça, que se apresentou como Melissa, estava passada de álcool o bastante para falar coisas que eu imaginei que ela não falaria sóbria, mas não estava bêbada o bastante para perder a razão. Ela me contou sobre uma amiga deles que se assumiu para a família e foi rejeitada nas piores formas possíveis. Depois de uns meses ela pulou daquela mesma ponte. Por isso entraram em pânico ao me ver lá. Parece que eles sentiram que se salvassem alguém, estariam se redimindo um pouco por sua amiga. Tentei convence-la de que eu não ia pular, mas não convenci nem a mim mesmo.

— Sua família também tem sido complicada? – Melissa perguntou.

— Eu tenho a melhor família do mundo. – Doeu falar isso. Me passou brevemente pela cabeça o quando deveriam estar com raiva e/ou preocupados. Eu era um lixo. Abri mais um cerveja.

— Então você tem sorte. – Ela sorriu. Era tão bonita. Naquele momento quis gostar de garotas, quis nunca ter olhado para os rapazes... Quem sabe assim Hugo e eu não estivéssemos tão próximos, então nada iria pelo rumo errado. Poderíamos ter sido irmãos normais. Estaríamos próximos para sempre sem que eu bagunçasse tudo. Ainda seríamos melhores amigos. Mas no momento que esse pensamento me ocorreu, doeu como ser acertado por um soco no estomago; como eu podia pensar em não ter tido minha história com ele? A sensação dele perto de mim, seu cheiro, seu calor, aqueles olhos castanho-esverdeados me encarando de tão perto? Era tudo que eu tinha. Eu não poderia abrir mão disso nem em imaginação. Ao mesmo tempo eu queria tanto me ver livre da culpa de ter complicado tudo.

Percebi então que era a primeira vez que eu sentia algo mais intenso em dias. Parecia que eu vinha vivendo em câmera lenta, completamente exausto. Eu nem mesmo me sentia tão triste quanto naquele momento fazia um tempo. Talvez a cerveja estivesse me tirado do estado de apatia que eu estava. Então fiz a coisa que parecia ser o que eu fazia de melhor na vida: comecei a chorar.

Melissa passou a mão em minha cabeça, me consolando. Em nem sabia seu nome até dez minutos antes disso, mas ali estava ela. A vantagem é que se ela não me conhecia, não era alguém a quem eu poderia desapontar.

— Eu estou apaixonado pelo meu irmão. – Despejei.

— Oh. – Esperei pelo olhar de repulsa, pela indignação ou qualquer reação razoável. Mas ela apenas hesitou e suspirou, antes de passar a mão no meu cabelo de novo. – Por isso você...?

— Eu fiz a vida dele virar uma bagunça. Ele merece tão mais. – Chorei. – Como poderíamos ter um vida...?

Ela não sabia o que dizer, com certeza não esperava por isso. Mas ela continuou me ouvindo. E eu continuei falando e falando. Era algo novo para mim, falar. E me fez bem, por incrível que pareça.

— Você é um bom rapaz, Gregório. – Ela disse, depois que eu contei sobre tudo. Tudo mesmo. – E tem sorte em um monte de coisas. Você só está tentando carregar o mundo em suas costas. – Ela secou uma lágrima minha e segurou meu rosto com uma mão. – Você precisa ir pra casa. E precisa ouvir eles, deixar que cuidem de você. Você precisa de um terapia, coisa assim.

— Eu não preciso...

— Me escuta, por favor. – Ela pediu. – Olha, quem sou eu para dizer isso? Mas se sua família vem insistindo nisso... Eles só querem o seu bem. Escute eles, confie um pouco.

— Eu confio. – Suspirei. – É só que eles estão...

— Errados? Todos eles? Seus pais, Hugo, estão todos errados e você certo?

Não respondi. Estava cansado. Queria estar em casa, em minha cama, com... Hugo.

— Eu o mandei embora. – Falei, desanimado. – Terminei com ele e o mandei embora.

— Tenho certeza que ele vai entender que você estava mal e vai te perdoar. – Melissa deu um soquinho em meu ombro. – E então as coisas vão melhorar. Juro.

— Mesmo que ele me perdoe, vai estar magoado.

— Não existe relacionamentos sem um pouco de briga, Gregório.

— Mas... – Eu continuei tentando argumentar, mas para cada coisa que eu falava, ela tinha uma resposta que me desarmava. Ficamos mais um bom tempo nessa. Nicolas e os outros ocasionalmente vinham até nossa mesa, ver se estava tudo okay, mas logo voltavam para a pista.

Por fim, eu nem tinha mais argumentos.

Respirei fundo. Eu estava ligeiramente convencido. Tinha acabado de fazer uma amiga. Estava vivo e até um pouco embriagado. Eu nunca imaginaria isso, quando saí de casa, algumas horas antes. Mas naquele momento... Eu ainda queria só ficar bem, mas enfim via um novo caminho para isso. Eu me sentia tão grato a tudo e todos, ainda que ainda houvesse um bolo de tristeza e vergonha preso em minha garganta.

— Eu vou pra casa. – Levantei.

— Epa. – Ela levantou também. – Sem essa. Vou ligar para que alguém da sua família venha te pegar.

— Não, tá tudo bem. – Garanti. – Eu só vou andar um pouco. Eu já... Dei trabalho demais, pra todo mundo.

Melissa suspirou, frustrada.

— É perigoso você sair sozinho uma hora dessas, por aí.

— Eu já andei sozinho de madrugada antes. Eu vou ficar bem. Eu vou para casa, eu juro.

— Então eu quero que você me mande uma mensagem quando chegar em casa. – Ela abriu a bolsa e tirou uma caneta. Então escreveu seu número na minha mão. – Por favor. Ou eu vou morrer de preocupação.

Eu até sorri. Não sabia se ela gostaria de ser minha amiga ou só estava preocupada que eu pudesse fazer algo estupido pelo caminho. Mas era uma boa pessoa, de qualquer forma.

— Vou te mandar. Assim que chegar. Então... Vou tentar. Tentar alguma coisa. Estou... não desistindo.

— Vou confiar em você. – Melissa beijou meu rosto. – E quando tudo estiver melhor, vamos marcar de sair, você vai trazer Hugo pra eu conhecer.

Eu ri disso. Me senti um tantinho mais leve.

— Obrigado por tudo.

Desejei conhecer Melissa de longa data, sermos amigos desses que mantem o afeto e o mesmo nível de intimidade mesmo quando passam meses sem se falar ou que vão na casa um do outro e abrem a geladeira sem pedir permissão.

Amor à primeira vista nunca foi uma coisa que eu pude entender já que eu tinha Hugo. Mas naquela noite aprendi que o conceito de amar alguém que você acabou de conhecer não se aplicava só amor romântico. Eu estava louco por aquela menina, no mais puro desejo de ser seu amigo.

Foi uma pena que eu não tenha chegado a mandar a mensagem para ela.

 

 

Eu saí do bar e me arrependi de não ter deixado que Melissa ligasse para minha família. Estava tarde e fora o grupo de jovens que estava parado do lado de fora do bar fumando, não havia mais ninguém na rua. Esfreguei um pouco o rosto. Eu nunca tinha tido medo de andar sozinho, só estava incomodado porque Melissa se preocupou.

Quando comecei a andar, me perdi nos meus pensamentos. Minha boca tinha um gosto amargo. Eu queria ver Hugo. As coisas giravam. Um carro passou por mim. Meu pai ficaria contra, definitivamente, depois de tudo o que eu fiz? Adassa, Sonia, vovó... Estariam com raiva de mim?

Meus passos produziam eco na rua deserta, o bar tinha ficado lá atrás. Estava ficando mais frio. Hugo queria uma festa de casamento simbólica, eu poderia convidar Melissa. Mais um carro passou por mim. Ou era o mesmo carro?

Engraçado como Nick mudou. Eu teria mudado tanto também? O que minha mãe faria se soubesse de fato de Hugo e eu? Eu gostaria de ter algo para ouvir música, o silencio fazia meus pensamentos soarem altos demais. O carro passou pela terceira vez e parou.

Eu queria beijar Hugo.

Uns caras desceram, eu quis ter ficado no bar.

Eu já tinha provado de muitos tipos de angustia, mas acho que conheci então o verdadeiro sentido do medo. O carro era rebaixado mas parecia caro, eles não eram mais do que adolescentes bem vestidos. Um deles segurava o que parecia ser um taco de betse.

Eu tinha parado de andar.

— Ei, viadinho. – O cara riu.

Eu não sei dizer quais partes do meu copo estão machucadas ou quebradas ou mesmo se ainda estão lá. Não sei nem se estou realmente consciente. É engraçado, sempre achei bobagem dizerem que você vê sua vida inteira antes da morte, no entanto eu acabei de ver. E é frustrante, porque notei que não existe nenhum sentido. Não tem moral da história, não existe uma coisa boa para compensar uma coisa ruim ou um caminho certo e predestinado. As coisas só acontecem ao acaso. Assim como as pessoas nascem e vivem, elas morrem. Não existe recompensa por você ter sido bom ou castigo por ter sido ruim. E que ironia, eu estava disposto a tentar viver nessas minhas ultimas horas. Eu não quis acabar desse jeito, nem mesmo em uma ponte. Eu já disse, não quero morrer. Mas não tem volta para casa para mim. Isso não é nada como uma alivio ou descanso, porque eu me arrependo de tanto. Eu não quero morrer. Eu quero ir pra casa, quero minha vida, quero Hugo. Se eu pudesse escolher ficar vivo, depois de passar por isso, é obvio que ia escolher ficar com ele, que passaria por cima de tudo, mesmo que precisasse me abrir para o mundo, vencer meu medo. Meu amor por Hugo é muito maior que qualquer coisa e ter me deixado vencer pelo pânico foi a pior das minhas derrotas. Se eu tivesse mais uma chance... Mas não sou eu quem decido, não é? Que pena. Eu deveria ter aceitado ajuda. (Quantas outras pessoas não tiveram esse mesmo arrependimento enquanto morriam?) Eu não quero ir. Não quero. Não queria...

 

—_________

 

 

 

FIM?

 

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

FIM???
Sim? Não? Mais ou menos?
Agora tem um epílogo. E não é narrado pelo Greg.

Espero que caso alguém tenha ficado muito triste aqui, que sirva de consolo: Eu fiquei mais triste ainda.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Hugo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.