Hugo escrita por Rossetti


Capítulo 12
Doze


Notas iniciais do capítulo

Eu não tenho como descrever o quão difícil foi escrever esse capítulo. Ou o próximo, que vou postar amanhã ou depois. Deveria ser um só, mas... Ia ficar muito longo, eu acho.
Me perdoem.

Ah, vocês já sabem que entre um pedaço e outro separados tem um período indeterminado de tempo, nem precisava avisar, é que nesse capítulo pode parecer que é tudo junto, mas rola tempo entre as partes e tal. Como sempre.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/715287/chapter/12

Eu gostaria de poder colocar um grande FIM nessa parte e terminar essa narrativa com um “vivemos felizes para sempre”, mas é claro que a realidade não seria assim. Afinal, quanto mais se sobe, maior a queda, e eu, que já tinha estado no fundo do poço algumas vezes, naqueles dias estava nas nuvens.

Até mesmo quando Hugo voltou para a cidade dele e nos despedimos na rodoviária, eu ainda estava bem, ainda que a distância parecesse mais cruel do que nunca, eu ainda conseguia sorrir e pensar que tudo estava caminhando rumo a um destino feliz.

 

***

 

Minha consciência permaneceu mais leve do que nunca por um par de semanas. Eu consegui sair com minhas irmãs, consegui dar mais atenção a Daniel, focar mais no trabalho, visitar meus amigos e ainda falar com Hugo quase toda noite. Na minha empolgação, marquei até mesmo de visitar minha mãe.

— Você parece ótimo, querido. – Tia Vani quem disse, quando desliguei o telefone após acabar de marcar a visita à casa da minha mãe. Acho que dei o meu melhor sorriso, porque minha tia sorriu também.

— Com saudades, embora. – Falei, sem nem precisar dizer de quem se tratava.

— Logo mais vocês vão estar juntos. – Ela prometeu. Havia algo estranho em sua voz e eu sabia que ainda era estranho para ela. Era estranho para todos, mas o esforço de cada um deles fazia com que meu coração se aquecesse por completo. Era tão bom, me sentir num lar protegido, amoroso.

Me passou repentinamente pela cabeça como era para quem não tinha essa minha sorte. Eu era um adulto totalmente necessitado da minha família como apoio, recebendo isso, e ainda assim demorei tanto para admitir e assumir algumas coisas. Como seria ser uma criança, com medo de não ter sua família contigo, com medo da família em si, de ser machucado, de estar sozinho?

Meus olhos arderam e eu pisquei algumas vezes, como se pudesse afastar esses pensamentos dolorosos tão facilmente quanto eu derrubava uma porção de lagrimas.

— Você é tão emotivo. – Tia Vanielle riu.

Sim, eu era. Abracei ela com força e beijei seu cabelo, enquanto falava que a amava e agradecia por tudo, tudo.

 

—-

 

 

E o tempo passava, agridoce. A saudade equilibrada com o saber de que em algum momento estaríamos juntos. Todos os dias eu o queria e tinha dele as palavras mais doces. Eu queria seus toques, mas para isso era preciso sempre a paciência, o esperar.

Às vezes eu me encontrava triste demais, mas fingia ficar bem. Não podia reclamar; ficava com a sensação que se eu me queixasse da situação poderia perder o que tinha conquistado até ali. Isso significava abafar um monte de tristeza dentro de mim, vezes demais.

 

—-

 

 

“Oi, Greg.” Hugo cantarolou pela ligação. Era tão bom ouvir sua voz.

Eu estava almoçando com o pessoal do trabalho, mas não pude deixar de atender sua ligação. Alguns olhares curiosos se viraram para mim quando atendi o celular. Eu quase nunca falava sobre minha vida pessoal com eles, então acho que a galera assumia automaticamente que eu tinha algum tipo de segredo sombrio.

Bem, talvez namorar meu irmão fosse algo como um segredo sombrio para eles.

— Oi, amor. – Respondi, em paz com o universo, bebendo um gole do meu suco de goiaba. Ouvi meu irmão suspirar do outro lado e quase pude ver seu sorriso. Seu sorriso lindo, de dentes de coelhinho, iluminando qualquer lugar como se Hugo possuísse luz própria, como se um pouquinho de cada coisa boa e linda presente no universo tivessem sido usadas para cria-lo. Eu me senti extasiado de amor por ele e ri de mim mesmo, só por estar feliz.

— Apresenta seu namorado pra gente, Gregório. – Um dos meus colegas pediu, seguido de um coro animado dos demais. Tive que sorrir amarelo para eles e conversar com Hugo sem citar seu nome ou qualquer outra coisa que indicasse com quem eu estava falando.

Mais tarde tive que passar o resto do dia me esquivando de todos, quando pediam para que eu mostrasse foto do meu namorado ou que falasse dele. Isso me incomodou mais do que eu imaginava. Se eu pudesse, mostraria cada uma das (muitas) fotos de Hugo que tinha em meu celular e diria “Sim, ele é lindo, ele é o mais lindo e carinhoso de todos”. Mas eu já tinha mostrado essas fotos, afinal, já tinha apresentado Hugo como meu irmão. E, aparentemente, eu tinha que escolher apresenta-lo só como uma coisa ou outra.

Engraçado como logo eu sentia vontade de falar. Mas não falei.

 

—-

 

 

Era sábado e eu estava deitado em minha cama, cochilando. Despertei repentinamente e esfreguei os olhos, enquanto buscava o que quer que tivesse me acordado. Não havia nada, exceto a ausência de Hugo. Fiquei olhando para o teto. Conforme os minutos se passavam, respirar ficava mais difícil. Eu não fazia ideia do porquê.

Minutos depois me ocorreu que eu estava tendo um pesadelo antes de acordar.

Peguei meu celular e mandei uma mensagem para Hugo.

 

—-

 

 

Fui visitar minha mãe e Nina foi comigo. Adassa estava com o namorado, Tati estava na casa de uma amiga, Daniel, vovó, tia Vanielle e tio Ed viajaram, então papai e Sonia resolveram ter um momento a sós e me empurraram esse pequeno pedaço de ira adolescente.

Eu amava passar o tempo com minha irmãzinha, mas só quem já teve uma irmã adolescente sabe como uma menininha fofa pode virar um demônio causador de furacões em questões de segundos. Felizmente nesse dia especifico ela estava calma e eu esperava que ela continuasse assim.

Ela nunca tinha visto minha mãe, alias. E ficou de queixo caído quando a viu.

— A senhora parece tanto com o Hugo! – Nina ficou realmente admirada.

Eu sempre achava aquilo estranho. Eu supostamente devia amar minha mãe loucamente, mas as coisas apenas não eram assim. Ela e Hugo se parecerem soava meio errado, ao menos na minha cabeça.

Mas eu gostava dela. Gostava mesmo. Só não como o esperado.

Tivemos um dia agradável. Dessa vez Adelaide não estava lá, Nina se jogou na piscina assim que foi disseram para que ela se sentisse em casa e como não havia Hugo nem Adassa, eu acabei conversando com minha mãe por muito mais tempo do que já tinha conversado durante todo o resto da minha vida.

— Você deveria vir me ver mais vezes. – Ela falou, enquanto tomávamos um café juntos. O café dela era bom.

Ela poderia ir me visitar também, pensei. Mas não tinha motivo para causar qualquer intriga, então sorri.

— Vou vir. – Prometi. – E tentar trazer Adassa.

— Aproveite quando Hugo estiver na cidade. – Ela disse. – Não vejo ele faz realmente muito tempo.

Hugo. Não sei qual expressão fiz quando ele foi mencionado, só porque me lembrei dele de repente, a cor de seus olhos ou coisa assim. Mas lembro da expressão da minha mãe me olhando. Algo como curiosidade, uma diversão meio incrédula. Mas me incomodou mais do que eu percebi.

O que eu transparecia quando pensava nele?

— Sinto falta dele também. – Tentei disfarçar. Bebi mais café. Não tocamos mais no assunto.

Mais uma vez eu me mantive em silencio.

 

—-

 

 

Quarta-feira, acordei banhado em suor.

Pesadelo.

Haviam lagrimas também?

Eu nem lembrava com o que estava sonhando.

Pensei em ligar para Hugo, mas era madrugada. Minha cama parecia gigantesca, vazia, fria.

Não consegui dormir mais.

Jurei pra mim mesmo que precisava falar com alguém sobre isso. Mas no fim achei que não valia a pena.

 

—-

 

Eu fui mesmo visitar minha mãe de novo. Acho que precisava sair da minha rotina, ainda mais porque eu estava vendo o mundo sobre uma cortina levemente embaçada, como uma televisão mal sintonizada.

E foi uma tarde agradável, de forma que eu me encontrava de novo em sua companhia bebendo café, antes que desse minha hora de ir embora. Conversamos sobre um monte de coisa, até que chegou um momento que, infelizmente, sempre chega.

— Mas e então, Greg? – Ela deu aquele sorriso que sempre dão e eu já sabia sobre o que ela ia falar. – Você não me contou, como vão os namoros?

— Ah... – Eu pisquei, ainda preso na cortina embaçada. Mas estava de bom humor, então fiz uma piada velha, que meus melhores amigos cansaram de ouvir. – Não sou muito de namoros. Pra que namorar se o amor da minha vida é o Hugo?

Houve um tempo em que eu realmente falei isso como uma piada sem qualquer fundo de maldade. Estranho lembrar, até porque eu já nem lembrava quais razões me levaram a fazer essa piada durante a adolescência.

Levei um segundo para assimilar o quanto ela pareceu achar desagradável, torcendo o nariz para mim, como se eu tivesse falado a sério, em vez de uma piada. Bem, era sério, mas ela não sabia.

— Nunca diga isso, Gregório. Nem de brincadeira. – Ela disse, num tom totalmente diferente. – Tem coisas com as quais a gente não faz nem piada.

Isso me pegou de surpresa.

— Foi só uma piada. – Justifiquei. E me senti tão mal por me pegar defendendo... O que? Eu estava falando como se a verdade fosse ofensiva?

— Não importa. Ele é seu irmão. Que horror, Gregório. – Ela deixou a xicara na mesa.

— Eu só... – Respirei fundo. – É que é uma bobagem, não é? Antigamente irmãos se casavam. Se hoje em dia dois irmãos se gostarem e consentirem, não é coo se fosse um crime, não é? Digo... Eu estava brincando, mas você reagir como se fosse o fim do mundo, isso é desnecessário.

Minha mãe me olhou com uma expressão que eu não poderia descrever. Como um jovem negro e gay, eu já tinha passado por um série enorme de situações em que fui tratado mal, que pessoas me olharam com algum tipo de repulsa ou fizeram algo para me machucar, mesmo que apenas psicologicamente. De forma alguma fica mais fácil com o tempo, mas existem coisas você vai aprendendo a não deixar que te afetem tanto, com o passar dos anos. E minha mãe biológica não era alguém com uma opinião que pesava muito sobre a minha vida, nem acho que ela tivesse a intenção de me machucar totalmente. Mas nada disso aliviou o que veio dela. A forma que ela me olhou... Foi como apontar uma arma para meu rosto e puxar o gatilho sem hesitar. Eu vinha esperando uma grande rejeição desde que percebi gostar de Hugo como mais que irmão, que até então nunca tinha acontecido. Eu não estava pronto. Algo dentro de mim quebrou, como uma estrutura que já estava frágil há um longo tempo, de uma forma que parecia irreversível. Talvez algo de mim tenha morrido naquele olhar que recebi.

Não lembro direito de depois, de como me despedi e como fui pra casa. Nem se falei com Hugo aquela noite.

Só me lembro de horas depois estar parado em minha cama. Eu não me sentia eu mesmo. Eu estava em pedaços.

Tudo isso por abrir minha boca.

 

—-

 

 

 

— Greg? Greg! – Sonia me chamou.

Eu não lembro qual dia era, não lembro o que eu estava fazendo. Se lembro de uma coisa ruim na garganta, um gosto amargo. E Sonia preocupada.

Todos se preocupavam. Todos eram tão bons comigo, mesmo quando sabiam que eu não merecia.

— Você vai me contar o que aconteceu? – Ela perguntou, arrumando a gola torta da minha camisa.

— Como assim? – Questionei.

— Gregório. – Ela suspirou, séria. – O Hugo fez alguma coisa que te chateou?

— O Hugo nunca me chateia. Eu estou bem.

— Alguma coisa aconteceu, Greg. E você precisa contar pra sua família, pra que possamos te ajudar. – Ela falava baixinho. – Você estava... Estava bem, então começou a ficar quieto demais de novo e aí de repente... Isso tudo não pode ser só saudades, é?

— Eu estou okay. – Falei, já cansado daquilo. Mas ela segurou minha mão.

— Se você quiser... E eu acho que é uma coisa que você deveria pensar. – Sonia deu uma pausa e mastigou os lábios. – Que tal se fossemos num médico?

— Eu não estou doente, Sonia.

 – Estou falando de ir num psicólogo, Greg.

Olhei para ela, surpreso.

— Não acho que seja o caso. – Falei.

— Acho que esse é exatamente o caso. – Ela colocou a mão em meu ombro. – Greg, eu já te vi entrar em pânico, ter insônia, chorar só porque...

— Eu não preciso, Sonia. – Garanti, interrompendo ela.

Bem, eu precisava.

Em algum ponto perdido de minha mente, eu sabia que precisava. Eu precisava muito conversar com alguém. Mas a cada dia, cada semana que se passava, eu sabia menos como me comunicar com palavras. E se já era difícil conversar com quem eu amava e confiava, imagine me abrir com um desconhecido, alguém que está ali por profissão, alguém que me julgaria e então talvez soubesse me dizer o meu problema. Oh como eu não queria sentir que tinha um problema. Eu não queria ouvir em palavras banais explicações para o que causava o pânico que morava em mim.

O pânico. Ele não me deixava respirar. Ele não deixava eu me abrir. Ele não me deixava nem mesmo entender por completo a sua existência, de forma que só ficou claro quando relembrei cada passo meu.

O pânico morou dentro de mim a vida toda, mas quanto mais o tempo passava, mais ele crescia. Ele não queria ser visto, embora. Ele me fazia acreditar que eu não podia falar pra ninguém. Que eu não conseguia falar. E ele também me iludiu de que tudo ficaria bem se eu tivesse Hugo, que eu não precisaria de mais nada.

Não é assim nos livros e novelas? Quando o casal fica junto, todos os problemas se vão?

Então por que eu estava namorando Hugo e ainda estava aterrorizado?

Se eu tivesse aceitado ajuda nesse dia, as coisas teriam tomado outro rumo, um rumo mais feliz, muito provavelmente. Mas eu não aceitei.

 

 

 

“Gregório, você precisa me contar o que tá acontecendo.” Esse foi Hugo, pelo Skype.

Era difícil falar com ele por chamada, ter que encara-lo. Eu passava mais tempo olhando para o teclado do que para a tela. Isso era difícil. E Hugo era tão bonito, sua voz soava tão bem. Eu deveria estar louco para falar com ele. Qual era o problema comigo?

— Não tem nada acontecendo. – Respondi. E ficou tão obvio que era mentira, meu rosto chegou a esquentar de vergonha por tentar isso. – Bem, além do normal. Sinto sua falta. – Completei, suspirando. Não era mentira, eu passava cada segundo desejando desesperadamente que Hugo viesse logo para casa, que pudéssemos enfim ficar perto. Mas por que eu me sentia desonesto falando isso?

“Greg, olha...” ele suspirou e levou algum tempo em silencio, no qual cada segundo foi uma tortura. “Olha para mim, por favor?”

Levantei os olhos para a tela, me sentindo como uma criança que fez algo de errado. E, porra, ele parecia tão deprimido. Mais uma vez, por minha causa. Era tudo o que eu fazia, entristece-lo. Deus, eu não merecia uma pessoa tão boa como ele. Ele deveria estar tendo uma vida normal, em vez de estar preso a alguém como eu.

“Gregório, você tá pensando demais, não está?” embora ele tenha dito isso com tristeza no olhar, seu tom era gentil. “Você não pode deixar isso te abalar, seja o que for. Você vai ficar bem, eu vou ficar bem. Logo mais eu vou estar em casa, então você vai ver que embora as coisas as vezes pareçam tão maiores e complicadas... Nós dois juntos somos capazes de vencer isso.”

Tentei me lembrar de quando Hugo morava em casa, de quando dormia em minha cama todas as noites. Lembrar trazia um gosto doce à boca, mas também todo um tom amarelado, envelhecido, como se nada mais pudesse ser tão bom, como se o passado estivesse lá para me lembrar de que nunca mais as coisas seriam boas e simples novamente.

— Está tudo bem, Hugo. – Falei baixinho.

“Você está deprimido, como isso pode estar bem?” senti que se eu estivesse ao seu alcance, estaria sendo afagado por suas mãos. Eu o queria tanto.

Eu sempre estive um bocado deprimido, isso é apenas um pouco mais intenso, você deveria ter observado; essa resposta passou pela minha cabeça e eu me senti terrível por ter essas coisas em minha mente. Hugo não merecia ouvir nada assim, nunca, de forma alguma, como uma acusação. Além do mais, não, eu não estava deprimido, não era e não admitiria nem que me pagassem. Eu tinha Hugo e isso bastava.

Mas talvez eu devesse ter falado.

 

 

 

Tudo melhorou quando ele veio nos ver uma vez mais.

Eu estava de volta no céu e qualquer sentimento ruim desapareceu quando o vi. Eu sorri para Hugo, ele sorriu para mim e sabíamos que tudo estava bem.

Eu estava tão carente de seu amor, seu toque. Queria segura-lo perto de mim para sempre, beija-lo a todo segundo, nunca mais sair de nosso quarto, de minha cama que na verdade era nossa. Com Hugo junto a mim, eu não tinha mais nenhuma preocupação.

 

 

 

Acordei sem folego, o rosto molhado de lagrimas e suor. Não precisava me lembrar do que sonhava para saber que era ruim. 

Hugo dormia comigo. Suave, cachos macios, respiração constante e lenta em meu peito, sua barba e ligeiramente áspera arranhando meu peito. Era para ser meu paraíso, mas eu estava perdido numa confusão de coisas ruins, me sugando para longe da minha paz, me atormentando.

Teoricamente falando, era tão fácil acorda-lo. Tão simples o balançar e quando acordasse lhe dizer “Eu preciso de ajuda, não posso tirar essa dor de mim, não consigo fazer isso sozinho”. Mas eu não conseguia. Eu não podia me mexer ou o acordaria, mas precisava chorar. Então fiz o melhor para engolir meus soluços e prender as palavras em minha garganta.

 

 

— Greg, vamos nos casar e fazer uma festa? – Ele sugeriu de brincadeira, na noite seguinte, enquanto olhava sonolentamente para os galhos da arvore. Estávamos deitados no gramado e o clima estava tão bom. Mas eu estava distraído, vendo o mundo por trás de uma nevoa.

— Não faz sentido fazer uma festa que só nossa família possa ir. – Respondi, porque era a resposta mais óbvia a ser dita.

— Eu sei. – De repente ele sentou. Eu tinha respondido de uma forma errada, é claro, ele se chateou. Mas era verdade, era simplesmente a verdade. Nós nunca teríamos uma festa de casamento, um casamento ou qualquer coisa assim. Não tinha sentido falar sobre, fazer planos imaginários que seriam ilusão, nos machucar mais. Hugo olhou para mim, hesitando, com os ombros curvados como se carregasse algo em suas costas, pesado demais. Ele queria falar algo sério. E mudou de ideia no último segundo. – Eu vou pegar alguma coisa pra gente comer, ok? – Hugo passou a mão pelo meu cabelo e se levantou.

Eu fechei os olhos e fiquei, apenas fiquei.

 

—-

 

A ida de Hugo chegou tão rápido. Quando ele se foi, ficou um vazio que eu quase não podia aguentar, ainda pior do que das outras vezes. Eu queria ele de volta, queria meu Hugo de volta, queria me sentir bem uma vez mais.

— Falta tão pouco para ele vir para casa agora, Greg. – Sonia passou a mão em meu rosto e sorriu para mim, me encorajando.

Eu sabia, eu sabia.

Os dias que se seguiram transformaram a nevoa constante da minha visão em uma massa cinzenta e densa, quase impossível de atravessar. Levantar da cama para trabalhar era infernal e me peguei diversas vezes chorando por ter que fazer isso. Eu chegava em casa, deitava em minha cama e ficava lá pelo maior tempo possível.

— Você precisa fazer alguma coisa. Ou deixar que façamos. – Adassa me falou, um dia desses. – Greg, você precisa falar com a gente.

Mas eu não disse nada.

Até mesmo Nina veio até meu quarto e ficou comigo, em silencio, passando a mão no meu cabelo até que eu dormisse, numa noite particularmente ruim.

 

 

— Eu acho que me enganei. – Eu disse para meu pai, num domingo de manhã em que ele conseguiu me tirar de casa. Estávamos juntos num mercado, comprando os ingredientes para uma receita de macarrão que Sonia queria testar.

— Você está triste, Greg. – Ele disse, enquanto pegava uma bandeja de carne. – As coisas provavelmente vão melhorar quando ele estiver em casa. Ou quem sabe melhorassem se você escutasse sua família e fosse a um psicólogo ou o que for.

Hugo vir para casa me assustava. A ideia do médico me enjoava. Eu não sabia o que fazer, como sair dessa situação, mas não queria a ajuda de mais ninguém. Não era orgulho, eu já me sentia sem amor próprio o bastante para meu orgulho estar morto e enterrado. Era apenas irritante, sem qualquer fundamento.

— Eu quero que ele fique bem. – Confessei.

— Ele já está bem, não está? Vocês não estão juntos? – Meu pai levantou o rosto para olhar diretamente para mim e eu me senti ainda mais deslocado no universo e envergonhado por estar caindo num buraco sem fim. Estar tendo essa conversa num mercado não ajudava em nada. – Você deveria se preocupar consigo mesmo. Quem está mal é você.

— Eu não sou importante, ele é. – Isso soou vergonhoso depois que deixou minha boca.

— É pensar assim que vem bagunçando tudo, Greg. – Meu pai suspirou. – O valor que você tem...

— Eu deveria estar plenamente feliz e não estou. – Interrompi, sussurrando. Era a primeira vez que eu tinha uma conversa sincera e importante depois de meses de silencio. – Eu estou fazendo ele sentir que não é o suficiente, mas é. Quem é errado nisso sou eu, por sentir errado.

— Greg...

— Ficar com ele foi uma coisa que desejei tanto, por tanto tempo, que beirava o surreal. Então as coisas deram certo e eu piorei? O que ele deve pensar? Pai, o Hugo não merece isso, ele não merece menos do que ser amado por alguém plenamente bem e são. E ele merece um futuro. Eu tive a chance... Eu amo ele tanto e sei tanto disso, por que eu não consigo estar feliz?

Meu pai ficou em silencio por um par de segundos, antes de segurar minha mão.

— Eu não sei a resposta pra tudo, não entendo o que se passa em sua cabeça. Mas Gregório, tem uma coisa que você precisa entender, uma coisa simples. Hugo é muito como você. Ele é seu irmão, Greg, você viu ele crescer. Você deveria saber, ele não é perfeito. E além disso, uma coisa muito mais óbvia, mesmo o melhor dos namoros não tira de você tudo de ruim que há, não resolve seus problemas. A não ser que você peça por ajuda.

— O que isso...?

— Isso significa que ele não entende como te ajudar e você não entende como pedir ajuda. – Meu pai suspirou longamente. – E parece que ele é o único que você escuta, não é?

Eu estava chorando por ouvir essas palavras. Infelizmente elas não chegaram no meu coração a tempo, barradas na nevoa densa que me cercava. Eu já estava infectado com a ideia que eu fazia mal a Hugo.

 

*


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bem... Estamos aqui.
Eu não sei muito bem como falar sobre o que... Ahn... Bom, o Greg.
> Precisamos falar sobre Gregório <
Pro caso de alguém ter achado isso: Não, o Greg não deixou de gostar do Hugo (eu duvido que alguém tenha pensado nisso, mas vai que né)
Em todo caso, eu poderia ter feito de cara um final feliz, mas não era o objetivo fazer as coisas simples (não vou ficar enrolando para sempre também). O personagem principal não tem sintomas de depressão desde sempre à toa, eu quis explorar um pouco disso, de quando a coisa toda não é apenas uma bola de neve, mas uma avalanche inteira. Não é a primeira vez que o Greg se isola, isso não é novidade, nem mesmo é a primeira vez que se isola do Hugo. A diferença é que agora não é mais um sonho impossível, agora eles estão juntos. E isso tem um peso muito maior, todos os temores ganharam proporções que fogem do controle deles, ignorar não é mais uma opção.
Por favor, não pensem em nenhum momento que é drama demais, que não faz sentido. Esse sentimento de ter sua felicidade roubada (e a injustiça disso), se sentir errado, incapaz e que não merece quem você ama, ainda enfrentar o tabu que é ter que confessar para alguém o estado que você está, o medo de ser humilhado e incompreendido... Nunca subestimem nada disso.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Hugo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.